Um mês depois do ataque à vila-sede do distrito de Macomia, na província de Cabo Delgado, chega mais um relato arrepiante de uma testemunha ocular, que viveu na pele o ataque militar levado a cabo pelos terroristas a 28 de Maio último. O depoimento é de um membro da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), que se encontrava naquela vila, no dia em que os insurgentes ocuparam aquela parcela do país.
“A única forma de escapar era correr para o mato atrás do hospital. Corri quando ouvi tiros ao redor de Macomia. Toda a cidade [vila] estava a correr para o mato. Éramos ao menos mil pessoas – homens, mulheres, idosos, crianças, doentes e cuidadores – todos a correr para escapar do barulho do tiroteio. Parecia o fim do mundo. As pessoas corriam por uma floresta densa – uma área onde seres humanos nunca antes haviam estado. É uma floresta selvagem com muitos espinhos. Sentíamos sede e fome, não havia água por ali – apenas pedras e penhascos. As pessoas tentavam parar para descansar, mas os helicópteros estavam a voar muito baixo”, conta a testemunha, citada pela organização, num comunicado de imprensa, recebido na nossa Redacção.
“O caminho para a vila Licangano não era fácil – havia muitas colinas, tínhamos de subir e descer. Muitos idosos, crianças e doentes não conseguiam saltar obstáculos ou escalar os penhascos íngremes. No pânico, muitas crianças se perderam... Eu vi uma mulher com um bebé, tentando descer uma colina. Ela não conseguia avançar sem ajuda, então deixou a criança no alto e desceu. Naquele momento começou um pesado tiroteio nas proximidades. A mulher gritava por socorro – implorando para que alguém lhe entregasse o bebé. Ninguém conseguiu ajudá-la. As pessoas corriam... aterrorizadas”, conta a testemunha que, de acordo com a nota, integrava uma equipa de 27 trabalhadores de MSF que moravam em Macomia e que fugiram com a população, “desviando-se de balas perdidas, enquanto o confronto ao redor se intensificava”.
De acordo com a organização, que suspendeu as suas actividades nos distritos de Macomia e Mocímboa da Praia, o ataque do passado dia 28 de Maio resultou na destruição do Centro de Saúde e do Laboratório Médico locais, reabilitados com o apoio da organização, após a passagem do ciclone tropical Kenneth, que arrasou a província de Cabo Delgado, em Abril do ano passado.
“O Centro de Saúde de Macomia prestava serviços médicos vitais para toda a população da cidade [vila], estimada em mais de 29 mil pessoas. A MSF deu apoio através de recursos humanos: 27 profissionais, incluindo enfermeiros, um farmacêutico, equipes de saneamento e higiene da água, motoristas e seguranças”, revela a organização, sublinhando que “as pessoas mais vulneráveis são aquelas que sofrerão de forma mais desnecessária” com a interrupção dos seus serviços.
Referir que os ataques terroristas que se verificam na província de Cabo Delgado, desde 05 de Outubro de 2017, já provocaram pelo menos a morte de mais de 1.000 pessoas, sendo que mais de 200 mil cidadãos encontram-se deslocados. (Carta)