O académico moçambicano Régio Conrado, doutorando em Ciências Políticas, no Instituto de Estudos Políticos de Bordéus, na França, defende que “o Estado moçambicano perdeu parte da sua capacidade de proteger as suas populações”. A “tese” vem a propósito dos ataques terroristas ocorridos em algumas aldeias do distrito de Muidumbe, província de Cabo Delgado, entre os dias 31 de Outubro e 11 de Novembro, em que mais de uma centena de pessoas foram executadas pelo grupo terrorista.
Em entrevista à “Carta”, Conrado avançou que o escalar da violência naquele ponto do país revela que o “Estado, em Cabo Delgado, está, senão, em vias de desaparecimento”, pois, “perdeu grande parte da sua capacidade de actuação”. “Sabemos que onde isso ocorre é porque o Estado perdeu a capacidade de se impor de forma permanente e perene”, explicou.
“É preciso aceitarmos que, mesmo com todos os esforços e sacrifícios das Forças de Defesa e Segurança, a situação, em Cabo Delgado, não se diferencia daqueles lugares onde a autoridade do Estado foi ou está sendo substituída pelos terroristas (...). O último massacre, de Muidumbe, não constitui um facto novo em si”, acrescentou a fonte, para quem o que se viveu naquele ponto do país é a amplificação da violência encetada pelos terroristas na província de Cabo Delgado.
“Ou seja, o massacre ocorrido é, por um lado, parte integrante de todo e qualquer terrorismo que é de criar medo, terror, sentimento de angústia profunda no meio das populações e, por outro, é uma forma de levar as populações a aderirem de forma massificada a estes grupos, como forma de evitarem a violência sobre eles”, esclareceu.
Segundo Conrado, todos os estudos sobre terrorismo indicam que os massacres, a violência extrema e a destruição massiva são partes integrantes das estratégias da ampliação da publicidade dos grupos terroristas, sobretudo, quando querem ganhar importância internacional.
“Se é verdade que a morte por decapitação de muitas dezenas de nossos irmãos é uma clara demonstração que este grupo está a evoluir nos seus métodos, é preciso dizer que isso pode revelar que o grupo não só ganhou mais confiança, mas também ganhou gosto pela morte, que é um dos elementos centrais nesses grupos”, destacou.
Socorrendo-se da obra Handbook of terrorismo (Manual do terrorismo, tradução em português), publicado, em 2019, pelos investigadores Erica Chenoweth, Richard English, Andreas Gofas e Stathis Kalyvas, o académico sublinha que quando há massacres, em situações de terrorismo, é porque o Estado perdeu parte da sua capacidade de proteger as suas populações. Contudo, “é preciso dizer que este tipo de actos não é fácil de controlar e nem se trata de incompetência do Estado, pelo contrário, é demonstração de que um Estado, como o nosso, com poucos meios, não pode por si mesmo conseguir garantir total protecção das populações”.
“Os terroristas pretendem deslegitimar o Estado diante das populações, criar conflitos entre o Estado e as populações, mostrar a impotência do Estado e até das próprias empresas privadas ou consultores militares envolvidas no conflito. Não podemos esquecer que aquele massacre faz parte das estratégias de propaganda ao nível local e internacional. Ao se introduzir este tipo de actos, revela-se que a situação (de segurança), em Cabo Delgado, degradou-se imensamente”, afirmou.
“O Estado moçambicano, particularmente as Forças de Defesa e Segurança (FDS), muito está a fazer para conter aquela situação muito complicada, porém, como sabemos, o combate ao terrorismo é uma das coisas mais complexas que existe hoje. Penso que o Estado deve chegar à conclusão que este tipo de actos (macabros) vai continuar e pode agravar-se de forma mais ou menos consistente. Enquanto a nossa capacidade de intervenção, de redução da capacidade do(s) grupo(s) terrorista(s) envolvido(s) for menor, este tipo de situações vai, infelizmente, continuar”, conclui Régio Conrado.
“A situação da Mocímboa da Praia e de Muidumbe deve mostrar ao Estado moçambicano que é o próprio Estado que está aqui em causa e que as suas capacidades estão aquém dos desafios ali existentes. Isto não é um problema de ausência de vontade das FDS, é um problema estrutural dos Estados frágeis, onde a incapacidade de garantir a segurança das populações é a sua principal característica”, sublinha.
Entretanto, entende que não podemos permitir que as Forças de Defesa e Segurança se sintam desamparadas, pois, “é isso que os terroristas querem”. “Sem moral e nem sentimento de pertença a uma pátria que lhes ama, nenhum exército ganha guerras”, atirou. (Omardine Omar)