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segunda-feira, 02 dezembro 2019 05:39

A penosa história do estafeta de gatunos

Havia um velhoto que era Governador do Banco Central há muito tempo. No tempo que muitos de nós éramos putos. Foi nessa altura que nos demos conta que dinheiro levava uma assinatura. E o assinante era esse tal velhoto Governador do Banco.

 

Para nós, era como se o cota fosse o dono do dinheiro. O dono do país. É que nem o próprio Presidente da República assinava dinheiro. A ideia que tínhamos era de que o cota sentava no seu gabinete e começava a rubricar todas as notas uma por uma e, querendo, podia levar para si a quantidade que desejasse. Afinal, era o dono.

 

Éramos fãs desse cota. Não o conhecíamos, nunca o tínhamos visto, mas crescemos tendo-o como referência de idoneidade moral e ética. Já nos anos dois-mil-e-picos, com a tê-vê e os seus telejornais, conhecemos o cota. A nossa admiração por ele aumentou: magrinho, pálido, humilde e cauteloso no verbo, e sempre com um sorriso administrativo nos lábios para polir o rosto. Nunca o tínhamos imaginado assim. Fugia em grande medida dos nossos estereótipos de assinante de dinheiros.

 

Quando o Novo Homem foi chamar o velhoto da sua merecida "reforma" para o cargo de Ministro de Economia e Finanças, congratulamo-lo. Era, quanto a nós, a melhor aposta. Sempre esperamos boa coisa dele.

 

A nossa fasquia de respeito pelo velhoto caiu aquando da descoberta das dívidas ocultas. O velhoto ficou tonto como uma barata em chuva de "baigon". Viajava para Washington sem um posicionamento de Estado firme e convincente. Falava coisa com coisa. Optou por mentir e esconder a verdade debaixo do tapete. Ora porque o povo já está a comer o atum da Ematum sem saber, ora porque o pagamento aos credores não é nenhuma afronta à decisão do Cê-Cê, é uma cena que devia ser feita. Coisas de vergonha! 

 

Hoje, o cota está aí todo desacreditado e melancólico. Com toda a sua reputação na lama. Nem o canudo de Londres, nem a experiência acumulada o podem ajudar. E, para piorar, é co-conspirador. Co-conspirador é espécie ajudante ou auxiliar do verdadeiro conspirador. Assim do tipo o velhote é ajudante duns putos aí que estão na "djela".

 

Quer dizer, o velhoto caiu tanto que nem consegue fazer parte dos verdadeiros negociantes-vendedores da pátria. É simples testemunha de uma festa que não presenciou, nem viu o "di-djei" e nem sabe quem dançou mais. Só sabe dizer que houve farra porque sentiu cheiro de maionese e viu gajos com babalaza.

 

Mas como é que um cota daqueles se deixa levar por caloteiros miseráveis? Como consente ser lacaio e mensageiro de mafiosos como esses com alcunhas de talheres do oriente asiático? Como permitiu ser serviçal de larápios de baixo quilate? Como se deixou virar auxiliar de lesa-pátrias... Estafeta de gatunos? Quanta baixesa!

 

Ai, ai, ai... Quão é fundo o fundo do poço! - como diria a tia Muanacha.

 

- Co'licença!

quinta-feira, 28 novembro 2019 07:20

Técnica "versus" ética

Para mim, um líder deve ostentar duas coisas: a técnica e a ética. Ou seja, um indivíduo competente para ocupar um cargo de liderança deve ser uma pessoa com conhecimentos de gestão, mas acima de tudo - repito, acima de tudo - deve ser uma pessoa que saiba viver e convier em sociedade. Deve saber o que quer, saber o que pode e saber o que deve.

 

Um líder não basta apenas estudar e carregar diplomas, é importante que tenha humildade e solidariedade. É importante que tenha humanidade.

 

Um líder dever ser uma pessoa que entende que ele é "chefe" porque existem subordinados. Aliás, deve saber que o que lhe faz "chefe" não é a sua nomeação, mas - sim - a legitimidade dos seus súbditos. Há "chefes" que não são chefes porque os seus subalternos simplesmente não o vêem como tal. Não o consideram "chefe". Não tem legitimidade dos que ele devia chefiar.

 

Um "chefe" deve saber que a chefia passa e a sociedade continua. Deve saber que diploma não é título de propriedade do saber. Deve reconhecer a sua falência como ser humano. Deve reconhecer que os seus diplomas e a sua posição não fazem dele um extraterrestre.

 

Mas, a primeira exigência de competência é sobre quem o povo confiou para nomear os outros. Isto é, o "chefão" que nomeia os "chefezinhos" deve ter maior competência técnica e ética na escolha dos seus escolhidos para não cair no ridículo.

 

Gerir uma instituição é gerir pessoas e bens patrimoniais. Pelo que, qualquer decisão deve ser tomada com muito humanismo. Muita solidariedade.

 

Eu não teria coragem de nomear para um cargo público de relevo um indivíduo que disse que "quem morreu com o ciclone Idai quis". Quem assim pensa não se deve ter por perto. A falta de solidariedade é a pior forma de carácter. Aliás, não há sociedade sem solidariedade.

 

De resto, o Jota-Jota podia ser apenas e unicamente Pê-Cê-A de uma agremiação de feiticeiros. Haja paciência! Quem o nomeou é insensível. Só um Vampiro pode preferir um Drácula.

 

- Co'licença! 

quarta-feira, 27 novembro 2019 07:14

Cadê o Povo?

Não tem sido fácil localizar o povo. Já lá vão os tempos em que o povo era todo o moçambicano do Rovuma ao Maputo. Bastava estalar os dedos e lá estava o povo no local e hora da chamada para mais uma jornada de construção do Homem Novo. Sobre a dificuldade em localiza-lo que o diga o Doutor Fofa, um militante-mor e consultor-turbo da sociedade civil, que numa das suas expedições pelo país procurou o povo para nutri-lo de conteúdos da nação e recolher da base as sensibilidades mais fortes para serem esmiuçadas no topo.  

 

A tal expedição - relacionada com o fortalecimento da cidadania – iniciara com um seminário central por si ministrado e dirigido às organizações da sociedade civil sedeadas na capital do país e de âmbito nacional. No final e face a importância dos conteúdos os participantes recomendaram que os mesmos fossem levados para as províncias, locais “onde está o povo”.

 

Uns tempos depois foram programados e realizados os seminários provinciais. Nestes ficou assente e sugerido pelos participantes que o assunto também fosse levado aos distritos, pois é “onde está o povo”. Não tardou os seminários distritais foram programados e realizados. As organizações e plataformas distritais presentes concluíram e aconselharam que se devia descer para os Postos Administrativos, pois é “onde está o povo”. Nos Postos Administrativos a observação foi de que se levasse o assunto às localidades, pois é aqui “onde está o povo”.

 

Já exausto e sempre solícito para mais uma expedição - e desta vez às localidades e ao encontro do que seria finalmente o povo - o Doutor Fofa equaciona e opta por uma breve paragem de relaxamento numa das paradisíacas praias deste país.

 

Depois do descanso o Doutor Fofa decide que se retiraria da unidade hoteleira depois do almoço e logo que acabasse um dos serviços noticiosos de uma das estações de televisão. Para o seu espanto e numa reportagem da TV um participante de um seminário - que por coincidência decorria numa localidade deste país - sugeria aos organizadores que se criassem condições logísticas para levar o assunto em pauta para “lá na base”, nos sítios mais recônditos que é “onde está o povo”.

 

O Doutor Fofa não aguentou e caiu em resposta clara a um fulminante Ataque Vascular Cerebral (AVC). Felizmente sobreviveu e teve que regressar a capital e aqui – enquanto se recuperava e para matar o bichinho dos seminários – resolve frequentar seminários locais. Um dia desses decide participar numa auscultação pública sobre o processo de encerramento da Lixeira do Hulene que decorreu no bairro do mesmo nome e localizado no Distrito Municipal Ka Mavota. Para a sua estupefacção, nessa auscultação pública, um jovem - visivelmente agastado - disse aos presentes o que abaixo cito:

 

“Parte dos problemas que o lixo está a causar em Hulene é um problema que não é do bairro (Hulene). É um problema que vem da base (se referindo e apontando em direcção ao Distrito Municipal Ka Mpfumo, o centro da capital), pois o povo de lá não se comporta com urbanidade, vulgo civismo, porquanto misturam e deitam todo o tipo de lixo na via pública e nessa condição (misturado) o mesmo é transportado para cá”.

 

Enquanto o jovem continuava a expor os seus argumentos o Doutor Fofa foi transportado para uma unidade hospitalar próxima. Desta vez fulminado por um outro tipo e recomendado AVC: Ataque de Vergonha na Cara.   

terça-feira, 26 novembro 2019 13:21

Chico da Conceição no crepúsculo do entardecer *

A voz do Chico é outra melodia. Dentro da música. Embala. Levita no espaço em que temos de um lado o amor, e do outro lado a tristeza. Ombro com ombro. Ressurge das vísceras como o cantar dos últimos pássaros na retirada aos ninhos, no fim da tarde, voando em voo rasante entre as últimas gotas da luz do sol e a descida inevitável da noite que nos vai acolher a todos. É como se a alma toda deste bitonga residisse ali. Na voz. É nela onde também se abrem os poros da poesia que nos leva por exemplo à Praia do Tofo, ou seja,

 

se você quiser passar férias arregaladas

 

 vai à Praia do Tofo

 

Tofo é nome de mulher

 

Não tem igual

 

Nestes versos está o abanar da mão do Chico da Conceição, o pestanejar vão dos olhos escondidos por detrás dos falsos óculos escuros. Ele acena. Chama-nos numa música que será, mais do que o escorrer de um simples poema, uma elegia que orbita sobretudo na voz resignada. É a laringe trémula que vai à frente, reinventando as ondas do Índico que agora marulham por dentro de nós que escutamos a música que deixou de ser dos manhambanas. Extravazou na respiração do próprio mar. E agora é exaltada na convivência cosmopolita da arte.

 

Há dois crepúsculos, obviamente! O do amanhecer, e do entardecer. Os dois são belos. A musicalidade que emanam no seu silêncio, tem a mesma intensidade. Vibra da mesma forma na escala diatónica deste lado da plateia, e na escala diatónica do outro lado da mesma plateia. Onde poisamos amiúde para deixar livres as vibrações do sentimento. Mas Chico é o crepúsculo do entardecer. É por isso que nos comove. Embevece-nos. Olhamos para ele e percebemos rapidamente  que a glaucoma colocou-lhe a última venda. Mas não lhe decapitou o ramal da poesia, nem lhe impediu a paródia,

 

Vanhamayi gaya khu gupwa gu tsamba vadi davatela (As mulheres da minha terra dançaram com a barriga ao sentirem o sabor da  música)

 

A paródia está aqui. Chico mudou os passos de dança, vacilou no corpo desde a noite de 25 de Junho de 1975, em pleno içar da bandeira da liberdade, quando de repente disse assim, para as pessoas que o acompanhavam: epá, apagaram as luzes! Este foi o dia em que desceu para sempre o capuz da glaucoma, e fechou uma etapa da sua vida. Ou começava outra etapa, ou ainda, se calhar, era a continuação do mesmo percurso. Da mesma vida que agora terá que ser tacteada, ou entregue a um cicerone, que nem sempre está disponível para aturar o “chato” de um “cegueta”. Contudo, Chico da Conceição tinha outro cicerone. Ou melhor, dois cicerones fieis. Leais: a voz e o saxofone. Foi nessas tenases asas que se pendurou e perdurou. Planando com alegria. Com a leveza dos astros.  Até que o coração, cansado das longas jardas incessantes, sufocou e parou de bater.

 

Mas ficou o cheiro do homem. Galvanizado pelo saxofone ora suave, ora vertiginoso. Foi essa alfaia que Chico usou como muralha para se defender contra todas as investidas do tempo. Das feridas da cegueira. Ou por outra, ele transformou o instrumento em hidroeléctrica, com várias albufeiras para disfarçar o padecimento e oferecer luz aos convívios.Também para enxotar a solidão. A sua própria solidão.

 

Chico da Conceição sabia perfeitamente que tinha nascido para reverberar, e proporcionar aurora às pessoas. Foi isso que ele fez. Cumpriu com os preceitos sem olhar para trás. Rindo-se das trevas que lhe traziam em catadupa, lembranças da sua terra,

 

Nyagu dundruga Nhambane, monho wangu gu bisa (Quando me lembro da cidade de Inhambane,  meu coração dói)

 

O autor de “Queremos paz” recorda-se de tudo isso. Das vanunwana (donzelas muçulumanas do bairro  Chalambe). Da tranquila baía. Da dádiva que Deus inoculou na Sua misericórdia sobre Inhambane, e que ele, o Chico, já não poderia ver,

Nhagu dundruga vanunwana (quando me lembro das donzelas muçulumanas)

 

momho wangu kha wu gumani gurula (meu coração nãoencontra paz)

 

REGRESSAR NA HORIZONTAL PARA UMA CIDADE ESCURA

 

Em Wussiwana, um dos seus  temas mais sentimentais, ele não resiste e entrega-se profundamente ao sofrimento. Por inteiro. Diz-nos, por exemplo, que “assim como estou (cego), já não vou reconhecer os caminhos que me acolheram na  juventude. Mas um dia hei-de voltar para passear com os meus amigos por aí”.

 

Porém a vida real ultrapassou os sonhos do Chico da Conceição. Desmentiu-lhe. Ou seja, o homem nunca mais voltou, desde que daqui saíu, em 1959, para Lumbo, como funcionário dos Correios  de Moçambique.

 

Aliás regressa agora (Outubro de 2019), sessenta anos depois, embutido num caixão. De vez para sua terra, uma cidade  tranquila, entretanto escurecida na glaucoma do autor de Marumana Gaya. E foi neste entardecer que umas senhoras, no mercado da Mafureira, aqui mesmo, perguntavam-me assim, afinal quem é que morreu?  E eu respondi-lhes, é Chico da Conceição.

 

- Chico da Conceição!?

 

- Sim

 

- Qual Chico da Conceição?

 

- Aquele que canta Marrumana Gaya.

 

- Iiiiiiiiiiiiiii! Vocêgiiiiiii! Morreu aquele senhor?

 

Em Inhambane são poucos os que podem se gabar de o terem conhecido. Zarpou em 1959. Eu também não tenho memória dele por estas bandas onde nasceu, a não ser do dia em que fui entrevista-lo, na sua casa, na Av. Ahmed Sekou Touré, em 1999, em Maputo. Ele também não vai-se lembrar de muitos. Morreu com medo de que não fosse reconhecido. Se um dia voltasse. Por isso dizia,

 

Nhi veleguidwe Nhambane (Sou natural de Inhambane)

 

Nhi veleguidwe Nhambane sewi (Sou natural de Inhambane Sewi)

 

Nhi tonga biho, kha nhi langui (sou bitonga, não me escondo)

 

O tigre não precisa proclamar sua tigritude. E Chico parecia ter medo depois dessas longas décadas de ausência. Então era preciso que nos lembrasse: Nhi veleguidwe Nhambane (Sou natural de Inhambane), Nhi tonga, biho kha nhi langui (sou bitonga, não me escondo).

 

Seja como for não nos resta mais nada, senão a rendição  perante a partida deste pássaro sagrado. Que vai cantar as últimas canções ao fim da tarde, de recolha definitiva ao ninho.

 

Adeus Chico!

 

  • Texto de homenagem ao Chico da Conceição, falecido em Outubro, vítima de doença
terça-feira, 26 novembro 2019 07:16

A última dança

O seu sistema de posicionamento cerebral (SPC) levava-lhe invariavelmente para o mesmo local, todos os dias e ali ficava estabelecendo um acérrimo contacto com a montra que hospedava diverso material de vestuário.

 

Cumpria rigorosamente dez minutos matinais numa fixação perene sem nenhuma distração, nada o desarmava, transeuntes espiavam-no pelo canto do olho temendo despertar qualquer animosidade que morasse naquela mente.

 

Quando terminava a sua missão partia e vagueava pelas ruelas da zona alta da cidade de Maputo, sempre andrajoso e com a sua cabeleira curta completamente despenteada.

 

O seu rosto taciturno deixava transparecer uma introspeção mordaz, não se lhe adivinhava as acções, amiúde recorria a alguns locais onde recolhia algo para comer depois dirigia-se para o local onde repousava, um velho barracão abandonado que partilhava com outros sem abrigo.

 

Já pelo final do dia, passava horas lendo jornais com auxílio da luz emprestada pelo candeeiro que entrava pela janela escancarada.  

 

Distanciava-se suficientemente de outros moradores do barracão e enclausurava-se, num silêncio que deixava os outros prenhes de um certo nervosismo pela atitude antipática deste.

 

Ninguém o conhecia ou reconhecia a origem ou identidade do homenzinho meio tísico e com a barba mista povoando seu queixo.

 

Especulações a respeito do homem surgiam por toda urbe, uns diziam que era um viúvo frustrado, outros que ele fora ministro, os julgamentos populares aumentavam a curiosidade a respeito do homem.

 

Um dia o homenzinho desmarcou-se da sua posição e avançou em direcção a loja, quando atingiu o umbral foi impedido pelo segurança, ele olhou com desdém para o seu obstáculo e efectuou dois passos na rectaguarda, parou, levou a mão directa para o bolso do seu calção roto e sujo; o guarda retirou a arma que trazia a tiracolo e a empunhou.

 

Este acto conferiu um momento de alvoroço na loja e nas imediações, os transeuntes que estavam perto dali pararam e advogaram o indefeso, mas mesmo assim o segurança manteve-se irredutível.

 

O homenzinho sereno mostrou o dinheiro que acabava de sacar do bolso, mas mesmo ante este gesto desarmado o guarda continuou irredutível. Assim ele optou desistir de visitar a loja arrumou seu dinheiro, recolheu a sua vontade e rumou para outro destino.

 

As incursões a sua loja predilecta já durava um mês, ninguém desvendava porque o fazia, mas depois desta tentativa frustrada de aceder muitos depreenderam que o homenzinho deveria querer adquirir alguma vestimenta para si, pois andava completamente esfarrapado.

 

No dia seguinte o homenzinho não se fez presente no seu posto, certo desalento assaltou os peões que se haviam habituado com a comparência dele.

 

A montra tinha o vidro quebrado e o segurança não sabia explicar o que havia sucedido, a polícia e o gerente da loja faziam o balanço dos prejuízos, para além do vidro espatifado desaparecera um vestido azul e o respectivo manequim.

 

Quando o indivíduo apareceu perante os demais moradores do barracão ninguém o reconheceu estava todo asseado, cabelo penteado, barba feita, trajava uma camisa de seda castanha e umas calças jeans, estava descalço. Quando percebeu que todos o viam, desapareceu para reaparecer instantes depois acompanhado de uma mulher com vestido azul, ele cantava animado e os dois evoluíam num passo de dança

 

- Fico feliz por te reencontrar querida Josefa. – disse por fim Albano todo sorridente.

 

Os outros sem abrigo animados aplaudiam eufóricos.

segunda-feira, 25 novembro 2019 13:37

O paredão

Duas notícias impressionam, mas por motivos distintos. A primeira é um reconhecimento de incapacidade financeira, mas não se compreende sem analisar a segunda. A missa, assim de forma resumida, indica que o Conselho Autárquico da Cidade de Maputo não tem dinheiro para reparar as secções da protecção costeira da marginal de Maputo. A confissão é do actual edil, Eneas Comiche. Contudo, uma empresa cujo nome não foi revelado será responsável por reparar a barreira de protecção danificada. Parece, para olhos desatentos, algo normal, mas está muito longe disso. Trata-se dum custo que será imputado ao preço que nos será cobrado nas portagens a serem instaladas na circular de Maputo, mas essa nem é sequer a parte mais grave da coisa: há 22,5 milhões de dólares por pagar e uma obra que passou por cima do decreto n 5/2016, que aprova o Regulamento de Contratação de Empreitadas de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado.

 

Efectivamente, a obra previa: (i) fixação do paredão de protecção, (ii) colocação de sete esporões de até 200 metros de cumprimento e (iii)  reforço do revestimento com mangais a partir do quilómetro dez, na zona do Restaurante Costa do Sol, até à zona dos Pescadores. 

 

Duas, das três coisas previstas, foram aparentemente realizadas, mas ficou por fazer a reposição do mangal numa extensão de dez quilómetros. Um passeio pela circular, exactamente depois da ponte do Costa do Sol ilustra de forma clara a redução do mangal. Importa, agora, perguntar qual foi o papel da fiscalização durante a execução da obra? O que levou, depois de despender 22,5 milhões de dólares a ignorar garantias ou estabelecer prazos de validade. 

 

Podemos assumir que obra foi perfeitamente executada, mas a derrocada do paredão, volvidos cinco anos, prova exactamente contrário. É um pepino no colo da actual gestão do Conselho Autárquico que arranjou um ardil para resolver o problema sem olhar para a gestão anterior, 100% responsável pelo sucedido. 

 

No entanto, assumir a responsabilidade e resolver o problema não pode significar fechar os olhos. Já em 2011, quando se designava município, falava-se em suspensão da atribuição de licenças para o desenvolvimento de actividades na zona costeira, uma medida para evitar o desaparecimento do mangal da Costa do Sol, já num estado (naquela altura) avançado de degradação. É provável que a razão da derrocada não se encontre no local onde a mesma ocorreu, mas no pipocar de edificios onde antes reinava o mangal. A desculpa, em 2011, do vereador municipal para o Planeamento Urbano e Meio Ambiente, Luís Nhaca, assinalava que o surgimento de assentamentos informais no Triunfo e zonas adjacentes resultava da fraca capacidade de fiscalização da edilidade. 

 

Boa parte dos edifícios erguidos no Triunfo estarão submersos futuramente. Diante desta realidade incontornável ficámos de definir os limites do mangal da Costa do Sol e colocar postos de fiscalização. Porém, ao longo da circular é quase impossível visualizar o mangal. Surgem um pouco por todo lado mansões atrás de mansões enquanto o espaço onde a água devia repousar para promoção da biodiversidade mingua. Vamos, mais uma vez, repor o paredão e criar no lado oposto a situação ideal para a sua destruição. Ainda há tempo para remediar, mas depende de vontade política e do respeito pelas gerações vindouras. Tudo aquilo que acontece, numa parte da circular, ilustra o nosso descaso em relação ao meio que nos rodeia.