A SALA DA PAZ é uma grande escola de democracia. Começou em Nampula e agora se expandiu pelo país todo, buscando mais aprendizado, formas harmoniosas de resolver diferenças políticas e aprimorando a transparência na gestão dos processos eleitorais. É uma grande escola e fazer parte dela tem sido igualmente uma grande honra.
Posso me gabar de conhecer a SALA DA PAZ por dentro. Mas, como não há bela sem senão, parece que alguém descobriu que esta plataforma é um laboratório de lapidação de futuros políticos, um esconderijo de políticos acobardados e quiçá um terreno de espionagem política. E isso me preocupa muito. Me dá muito medo.
Parece que as pessoas que a gente confia os planos e as estratégias desta importante plataforma, a dado momento, acabam sendo recolhidas ou resgatadas pelos partidos políticos - esse ópio civilizacional. De manhã você está a discutir assuntos muito sérios da SALA DA PAZ com alguém e a noite você fica sabendo que esse mesmo alguém está na lista do partido A, Bê, Cê... Xis, Dabliu ou Zé. Isso me preocupa muito. Me dá muito medo.
O meu medo é de chegarmos à uma fase em que a plataforma será tomada de assalto pelos partidos políticos. Uma fase em que os partidos políticos terão membros-permanentes na SALA DA PAZ por quotas de representação parlamentar. Uma fase em que esta plataforma não passará disso, simplesmente uma plataforma. Uma fase em que a SALA DA PAZ cairá no descrédito da opinião pública. Uma fase em que a própria SALA DA PAZ não saberá dizer o que ela é na essência. Uma fase de uma SALA DA PAZ sem termos de referência claros e objectivos. Uma organização suspeita. Uma plataforma sem identidade.
Tenho medo que as pessoas não saibam em quem e em o que acreditar. Dizia Aristóteles, a primeira verdade de um discurso é o seu próprio orador. Tenho medo que as pessoas percebam que já não somos mais verdadeiros quanto os nossos discursos. A opinião pública ainda espera muito de nós.
São os meus medos. Nada contra as decisões de quem quer que seja. Nada contra as pessoas se filiarem onde quer que seja. Só não me agrada que as pessoas usem organizações da sociedade civil como a SALA DA PAZ para fazerem preliminares. Uma organização que faz observação e monitoria do processo eleitoral não pode ser a porta de entrada para a política activa. A SALA DA PAZ não merece essa fama. Qualquer um é livre de se filiar a qualquer partido político que lhe apetecer, mas que não seja através da montra da SALA DA PAZ.
Não sou de cortar liberdades de ninguém, mas não podia deixar de partilhar os meus medos. Medo de entrar numa sessão e não saber quem é quem ou quem será quem mais logo ou, pior, quem sou eu. Medo de não saber se vale a pena este compromisso. Medo de não saber a quem dedico as minhas energias. Medo de gritar de júbilo ou de desmaiar no dia de votação. Medo de não conseguir acudir a luta entre o meu eu e o meu mim. Medo de ser um porta-voz de uma organização sem voz nenhuma. Medo de pensar que tudo é normal e que os fins justificam os meios. Medo de confundir opiniões e burlar expectativas.
São muitos os meus medos sobre o futuro da SALA DA PAZ. São enormes os meus medos.
- Co'licença!
Estou sentado na esplanada do Bistro-Pescador, nome dado ao restaurante escondido no sossego de um dos cantos da baía da Inhambane. Tenho vindo para aqui, sempre que possível, poucas vezes, não propriamente para beber alguma coisa ou comer, mas para contemplar a ponte que deste lugar se torna peculiar. Não que a infrasestrutura tenha atributos de grande engenharia moderna. Até porque aquilo é obra dos tempos remotos, sem que seja, mesmo assim, uma velharia. Esta obra é o símbolo do passado. Uma fortaleza do espírito bitonga. Provavelmente seja por isso que me arrebata.
As águas do mar estão aqui mesmo, perto de nós, beijando os utentes. Por vezes fugindo deles em maré baixa, para depois regressarem em maré alta, num esplendoroso ciclo da natureza que Deus criou. É isso também que me motiva a estar aqui, mesmo que não peça nada para degustar. O café está caro, porém tenho encontrado uma forma de desencantar algumas moedas para pagá-lo, caso contrário vão mandar-me embora. E eu tenho um desejo irreprimível de banhar-me com esta dádiva.
Os inabaláveis pilares da ponte, que avultam para suportar a plataforma, vistos daqui, parecem estar dentro de mim, segurando a bandeja das minhas lembranças. Estando aqui, o meu cérebro não se abre às memórias ruins. Aliás, para quem escuta a música da natureza, não tem como dar espaço aos pensamentos nefastos. E eu estou escutando a música da natureza, dançada pelo meu espírito e pelos raros pássaros marinhos que também cantam. É isso que eu procuro a fim de ostracizar a tristeza.
- Não vai mais nada, senhor?
Quem me pergunta é a garçonete, enquanto retira a chávena de café, já sem conteúdo, e limpa suavemente a mesa. Ela fala leve de tal modo que condiz com o próprio lugar. Com a própria natureza, que estou a observar.
- Não, muito obrigado.
À esta hora não está ninguém neste espaço. O que não sei é se as pessoas foram-se embra, ou ainda estão por vir. Mas isso não importa. Até porque daqui a pouco vou zarpar. Saciado. E pelo caminho, de regresso à casa, nada me vai abalar porque estou fortificado. O oxigénio enchido nas botijas da minha alma vai dar para os próximos dias. E quando acabar, volto de novo ao Bistro. Assim, sucessivamente.
A galopada empreendida pelo pequeno veículo 970cc para vencer a elevação era enorme, sentia-se que todos os cavalos estavam laborando para serpentear os contornos de asfalto em direcção ao monte-mor. Preguei fundo no acelerador senti o carro bufar pelo tubo de escape, gasosa em combustão olhei para o painel, observei o quanto de combustível estava sendo consumida pela ingreme elevação. Queria chegar logo ao destino para rever a pequena vila.
Viajava na companhia de um amigo que tagarelava ofuscando a minha liberdade de descobrir a paisagem constituída por moitas acastanhadas, vegetação fulminada pelos raios solares, prova irrefutável que a estiagem habitava implacavelmente a região sul do país.
Aquiesço de vez quando para fazer perceber ao meu companheiro que não está em soliloquio.
Um declive ingreme confere a viatura mais velocidade, alivio o pé do acelerador, depois coloco o manípulo das mudanças em neutro e relaxo ambos o pés e poupo a gasosa.
Atingimos 100 km/h, um baque de ar fresco sacode-me o rosto e refresca viajem. Ainda estamos longe de alcançar o destino que fica a 70km da cidade de Maputo.
Ganhamos mais altitude em relação ao nível do mar, noutra galopada para vencer mais uma elevação acentuada, a velocidade caiu para 40km/h, o som da voz do meu colega impunha-se ao som libertado pelo motor do carro.
Galgamos a última subida com apoio do pequeno veículo, depois de um estrondoso potenciar do motor atingimos finalmente o cume do monte-mor.
Dois postos de tubo galvanizado de 1.50m de altura agarravam uma placa rectangular que hospedava em letras garrafais “ vila da Namaacha”.
Logo depois descubro pequenos edifícios lambidos com poeira de areia saibrosa conferindo o tom avermelhado aos edifícios.
Vejo garotos suados empurrando carrinhos de mão com bidões de cor amarela e branco e mamanas segurando baldes e bidões.
Desembarcamos, alisei o capô do carro como se passasse a mão pela crina do alazão que dirigia
a montada que puxava a charrote que nos levou até ao topo do monte. Senti pela sola do sapato que o amago do solo estava ao rubro.
Revi a igreja e lembrei-me dos crentes catolicos que durante do mês de Maio escalam a vila na sua peregrinação em busca benesses divinas no santuário da nossa senhora de Fátima, mas depois, durante o resto do ano esquecem a vila para usufruem dos auxílios angariados.
O alvoroço que outrora habitava a vila devido a movimentação transfronteiriça deixou de existir, passando aquele corredor a ser percorrido de forma esporádica.
Depois de uma breve visita à vila conferenciei com um residente que em jeito de desbafo vomitou o mal estar que a vila enfrentava.
“ Não temos água por conseguinte as machambas não produzem, a cascata esta seca, já não temos turistas, enfim vivemos entregues a nossa própria sorte”
Magiquei mil e uma soluções para os problemas que enfrentavam. Poderiam começar por proferir preces junto ao santuário, não precisavam peregrinar, já lá estavam. Poderiam pedir por um furo, aliás muitos furos para desaguar em todos bairros.
Visitamos um gigante da industria hoteleira ali implantado, quando transpusemos a soleira de acesso descobrimos que estavam numa penumbra não achámos nenhuma vivalma, fizemos soar as nossas vozes, só depois um funcionário meio ensonado atendeu-nos. Enteiramo-nos da funcionalidade do hotel, dos 64 quartos de todos os tipos não tinham nenhum hospede e possuíam cerca de 40 e tal funcionários.
Depois da breve visita efectuada aquela que outrora fora uma instancia turistica, partimos calcorreando pelas ruas da vila.
As palpitações aceleradas demostravam o cansaço adquirida pelo corpo, freei a caminhada e o meu amigo imitou, estavamos sedentos.
Olhei em meu redor e descobri uma barraca. Perguntei se vendiam água.
- Só temos água da Namaacha! – replicou a vendedeira.
- Peço duas.
Um sorriso irónico moldou o meu rosto, olhei para o meu companheiro este bebia inocentemente a sua água.
Olhei entristecido para a estatua da nossa senhora de Fátima e tacitamente pedi absolvição para a alma do povo da Namaacha e solicitei numa silenciosa oração.
“ Haja água nossa senhora” amém.
O título da minha crónica assumidamente imita aquele slogan da Globo que nos remete aos remakes das nossas novelas preferidas e a uma gama variada de clichês a que a vida está sujeita durante o nosso lifetime. Moçambique tem uma história complexa no que diz respeito aos #valeapenaverdenovo.
Três deles não valem mesmo a pena, mas não largam o nosso país. A corrupção, as alterações climáticas que geram calamidades todos os anos e a falta de escrúpulos que se vive no mundo da comunicação e eventos. Hoje venho falar do terceiro elemento.
Venho falar de Maputo. Terra das Oportunidades. É não é? Aqui pode-se fazer tudo! Não é quase tudo, mas sim tudo. Por isso até usamos a palavra “Maputices”que se lerem bem tem só um significado.
Em 2012 iniciei, com mais 2 pessoas um projeto que se chama “Jardins em Festa”. Ficou conhecido em toda a cidade, uma vez que foi inovador naquela altura. Trouxemos festa aos jardins acabados de renovar e que ninguém, até à altura, tinha olhado para eles sem ser para fins comerciais. Instalar restaurantes e fazer mola.
Esse projeto oferecia e oferece concertos, espaços para bandas que hoje em dia são super conhecidas nacionalmente e uma nova forma de txilar na cidade. A perspetiva ambiental de preservar e respeitar os espaços verdes foi a palavra de ordem para a implementação do projeto. A Feima tinha acabado de ser renovada com a parceria da AEICID mas não era tão cosy como os jardins.
Afinal a cidade é nossa e anima poder dançar nos nossos jardins e ainda perceber que relva se bem estimada é renovada. Não parece nada de novo dito agora, mas há 7 anos era e contámos com a parceria da AMOR que começava a dar os seus primeiros passos na cidade de Maputo e mais uma dezena de parceiros, já que ninguém acreditava que era possível e não houve dinheiro, mas sim 4 jardins cheios durante 4 semanas e o trabalho de apenas 3 pessoas e a boa vontade do Paulo do Gil e a sua equipa.
Devido à conjuntura do país a continuação deste projeto cultural e ambiental parou.
Há 2 anos, depois de uma ausência física por motivos profissionais da cidade que Amo e da descrença que continuo a ter e que muitos moçambicanos também têm nas instituições públicas e privadas, decidi voltar a implementar, sozinha, o regresso dos Jardins em Festa em Maputo.
Até 2018 não tinha acontecido nada de semelhante.
Dei por mim a trabalhar dia e noite, durante 6 meses e com muitos nãos à mistura. O normal para um produtor. Tive o sim da Taag, que me fez um desconto na viagem, o sim da Super Bock que me apoiou com um valor simbólico para a realização dos Jardins em Festa no Jardim Dona Berta e no Jardim dos Cronistas, em março de 2018, e o apoio da agência Boost em Angola que me produziu todos os materiais a custo zero. E o teu, Marcelo, da Logos, que nunca me falhas quando me ausento, já são alguns anos nisto. Bem como o do Conselho Municipal que me apoia em toda uma logística difícil que é gerir um festival em várias artérias da cidade .
Não tive nenhum espanto quando este fim de semana uma amiga minha me mandou uns vídeos super nices de outros amigos meus que estavam num palco da Feima a tocar. Que Orgulho, senti eu. Também não me espantei quando vi que o evento é em toda a essência igual ao meu. Só não é ao domingo, é ao sábado e ali no horário também muda um só bocadinho... para não ser tão igual.
Eu própria não tive uma ideia original quando pensei nos JeF e o propus às pessoas com quem iniciei o projeto por saber que já o conheciam.
Inspirei-me no Out Jazz de Lisboa, um projeto levado a cabo a muito custo pelo José Filipe Rebelo Pinto que já viu a ideia dele a ser reproduzida como eu estou a ver agora. Obrigada Zé que até o plano de marketing me disponibilizaste para eu implementar para meu projeto! Mas tal como os acordos de cavalheiros existem, fui ter contigo em 2011 e em 2017 a manifestar a minha ideia.
Esta situação fez-me refletir muito e consultar os meus conselheiros antes de escrever. Afinal para que é que servem os meus 16 anos de trabalho em Moçambique e Angola a comunicar marcas, implementar projetos de comunicação e PR como o Verão Amarelo ou o cliente 1 Milhão da mcel, ver a minha cidade a vibrar com a Miss Coconuts e até o Mr. Coconuts, participar no rebranding de um banco como o Millennium bim e da mcel, andar do Rovuma ao Maputo a recolher histórias de superação, outras tão pouco, escrever programas para TV, promover shows de música para não analisar o que se passa com a subida vertiginosa da falta de escrúpulos dos players das grandes marcas e seus parceiros?
Como é que uma agência de comunicação produz e organiza o seu próprio evento com a anuência da marca que “patrocina” o evento?
O fato de se instalar uma fábrica em Moçambique e mandar para lá alguém que não entende da idiossincrasia do País gerir o marketing, mas por instinto ou “recomendação” só confia “nos seus”? Deixo aqui o repto para começarmos a refletir na forma como no mercado das marcas e das pessoas nos comportamos com o próximo e com o promotor/gestor cultural local.
E desafio todos os responsáveis de marketing e comunicação que dizem que estão à espera das respostas dos PCA’s (que estão nem aí para alguns projetos micro) que inviabilizam futuro e ideias brilhantes só porque não andaste com eles no mesmo colégio. Isto acontece em bancos, cervejeiras, seguradoras, operadoras móveis onde há sempre um não sorridente mesmo sabendo que o projeto é bom, porque o preferem dar a um amigo.
Temos de começar a falar disto para a nossa vida profissional não ser pautada por remakes e sim fortalecermos os nossos projetos pelo simples fato de sermos parceiros de negócio e não pedintes. Uma relação profissional pode-se tornar pessoal, mas apoiar algo que sabemos que já esteve em cima da nossa mesa vindo de outra pessoa é unprofessional e um conflito de interesse.
Magda Burity
Jornalista
Cultural Manager pelo Institut für Kulturkonzepte Hamburg
*este texto foi escrito ao abrigo do acordo ortográfico em vigor em Portugal
Ao fim de quase cinco minutos a porta deixa de bater, dando lugar a um duplo silêncio: o meu e o da batida da porta. E do outro lado da porta uma voz anuncia que o “boss” (Samora Machel) mandou avisar que passará depois das eleições, pois o tempo eleitoral não é propício para visitas que não sejam de caça ao voto. Confesso que a notícia foi um alívio e assim preencho o resto da noite com algumas e pequenas lembranças de episódios urbanos de protesto pacífico nos tempos de Samora Machel.
Por muito tempo guardei de pequeno a imagem de um marinheiro branco da tripulação do barco à gasolina que fazia a travessia Maxixe- Inhambane. Da escadaria da porta do barco, o marinheiro contemplava nostálgico as ondas do mar como se estivesse a despedir de algo especial e que também lhe pertencia. Recordo que eu me interrogava: o que será que ele tanto vê nas ondas? Na segunda visita de Samora Machel tive a resposta: eram as ondas da liberdade. As ondas que naufragaram quinhentos anos de domínio colonial. E de certeza que foram as mesmas ondas que depois da independência comprimiram paulatinamente a liberdade conquistada.
Na época, à escassez de alimentos se juntou a de liberdade. E uma das formas de protesto foi o significado que o povo atribuía ao nome das marcas dos automóveis que circulavam com dirigentes na altura. Os famosos LADA e NIVA. Estes automóveis, para quem não se lembra ou que não saiba, proviam dos países ditos aliados naturais e socialistas: as defuntas URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e a RDA (República Democrática Alemã). O LADA ao passar pelas artérias da cidade o povo, em voz baixa, dizia: Leva Atrás Dirigente Analfabeto. E a resposta vinha logo no carro seguinte, o NIVA: Não Importa Vamos Andando.
Uma outra maneira de protesto urbano foi através do desporto, sobretudo o futebol. Tenho dúvida que era só o bom futebol que justificava as enchentes do Estádio da Machava ou de outro recinto desportivo. Penso que boa parte do público ia ao estádio para viver em pleno 90 minutos de liberdade. E o trio de arbitragem – coitados – era sempre usado como o alvo do destino dos protestos.
Outra forma de protesto era não acompanhar o “viva” ou saudar o dirigente. Uma vez, eu e um amigo arriscamos esta opção. Nos comícios orientados por Samora Machel, fora longos e obrigatórios, não se deixava sair até que se anunciasse a retirada do presidente. Uma das vezes, na praça da independência, eu e o tal amigo fomos violentamente impedidos por militares, os célebres “PMs”, numa tentativa inglória de saída. Éramos miúdos e não sabíamos que a liberdade conquistada tinha horário de funcionamento e nem havia excepção de idades.Por conta da dor e de não podermos sair decidimos que da próxima vez que nos avistássemos com o presidente não lhe saudaríamos como gesto de protesto.
O dia não tardou. O presidente acabara de receber um seu homólogo (creio que foi o presidente Pinto da Costa de São Tome e Príncipe) e vinham no Jeep presidencial. O Jeep Já por perto, todo o mundo saudava e menos nós. O presidente Samora Machel nota, deixa de saudar a multidão e segura com firmeza a barra do Jeep. Em seguida direcciona e executa um zoom fulminante do seu temido olhar, culminando com a nossa tímida saudação.
Por esses tempos e na ex-metrópole, Portugal, um amigo conta que em Lisboa, capital portuguesa, ficou estupefacto com o nível de protesto popular. Numa parede e a propósito de uma visita de Ronald Reagan, na altura presidente norte-americano, estava gravado: “Reagan go home and take Soares with you”. Soares era na altura presidente ou chefe do governo português. Por cá e nos anos oitenta quando rebentou a febre de pichar os muros da cidade (outra forma de protesto) não se chegou a esses níveis. Não imagino algo parecido numa visita ao país de Mikhail Gorbatchev, então alto dirigente da URSS.
Outro episódio marcante e que o tal amigo presenciou em Lisboa foi a ousadia de um casal de idosos que lançava impropérios contra uma comitiva governamental em sinal de protesto contra o pessoal que vivia, folgadamente, às custas do erário público. O marido mandava vir e bem alto gritava “seus marqueses de pombal” em alusão a um estadista que marcou a política portuguesa nos tempos da monarquia.
A mulher corrigiu o marido, dizendo que a referência estava desactualizada. Para a senhora devia ser: “seu primeiro-ministro, seu deputado, seu secretário de estado”, entre outros cargos da vida pública portuguesa que vivem sugando o erário público. Imagino que o estimado leitor esteja a pensar o mesmo por estes lados da pérola do índico. Acrescente à lista: “seu cabeça-de-lista”.
Depois da independência uma das primeiras obras de vulto na cidade de Maputo foi o processo de instalação de cabos subterrâneos da empresa Telecomunicações de Moçambique (TDM). Não me recordo o ano, mas provavelmente depois da morte de Samora Machel. A empresa encarregue da obra foi uma oriunda da Itália de nome SIETTE. Esta empresa foi quem iniciou com a política de abrir buracos na estrada e não tampar. Em protesto e de surdina, o povo dizia que SIETTE significava “Somos Italianos Esburacamos Todo o Tipo de Estradas”. Aliás, outros tipos de buracos, estes de ordem financeira, devem ter iniciado por estas alturas.
Já se faz madrugada e oiço o roncar de um carro. É tempo de dormir. Este ronco lembra-me histórias dos mais velhos sobre um outro carro oriundo dos aliados naturais de Moçambique. O ronco inconfundível do não menos famoso UAZ/WHAZ, um carro esverdeado ou da cor de caqui que os mais velhos temiam. Outros tempos.
Já se foi pouco mais de um ano, após a morte do presidente da RENAMO “Dhlakama”. Homem, este, cujo, discurso característico, a maioria guarda-lhe na memória. E no desenrolar do percurso desta formação política (pós, Dhlakama) muitos voltam à história para melhor perspectivar o futuro.
É um facto simples que moveu comigo para escrever este artigo. Penso sobre o futuro que em pouco tempo de esperança dado pela assinatura do Acordo de 6 de Agosto de 2019 entre o Governo e a RENAMO no seu nível mais alto de ambas as partes e que em pouco tempo é contestado por uma parte da perdiz. O que está por de trás dessa facção interna na RENAMO? Será que é movido por uma má gestão do processo das negociações que conduziu as partes à assinatura do Acordo recente?
Bom. Todas as hipóteses podem ser prováveis. Numa das conferências dirigida pelo Afonso Dhlakama nas serras de Gorongosa, (a última quanto ele em vida), no seu discurso abordou sobre o futuro do seu partido. Isto é, pensar na liderança desta formação política, onde, alertou que não se devia apenas centralizar-se na sua pessoa, pois a qualquer momento partiria sem volta e o partido não poderia parar por aí. Alertou ainda que a sua formação é política e democrática; diferentemente da estrutura tradicional. Onde, a sucessão é automática, de pai para o filho.
“…tem de se pensar no futuro da RENAMO, a comissão política pode propor quem pode dirigir o partido e se for eleito, eu, até, posso ajudar (…). Mas tem de se propor alguém que nos represente melhor, caso não, seremos envergonhados. Ah eu, ah eu é que estudei muito…ah eu, ah eu sou independente…seremos envergonhados. Temos que propor alguém capaz.” Pelas palavras disse Afonso Dhlakama.
Nesse discurso, o líder, ainda deu a possibilidade de haver facção interna movido por vários motivos e em viva voz disse: “haverá alguém que dirá que ele também pode dirigir, e isto, pode criar baixa ao partido”. Apelou ainda, que deveria se tomar cautela e paciência neste processo tendo em conta a complexibilidade da matéria. Esta profecia, hoje, está cumprida.
A RENAMO reuniu-se numa conferência extraordinária, logo, após a morte do seu líder e indicou-se o líder interino para coordenar o partido e em especial o processo negocial da paz efectiva com o governo esperando o congresso que decidiria quem dirigiria esta formação política. O congresso realizou-se e elegeu democraticamente Ossufo Momade ao cargo de presidente da perdiz.
Pouco tempo depois, fomos apanhados de surpresa. General Mariano Nhongo acusa o líder de homicídio, promete-o a morte, declara o não reconhecimento do mesmo como líder e avança que a RENAMO juntar-se-ia para eleger seu presidente que levaria ao cabo todo o processo DDR. Os alegados mortos pelo líder provaram estarem transferidos e em vida. Os militares juntaram-se e elegeram Mariano Nhongo numa confusa designação: presidente da RENANO ou líder da Junta Militar da RENAMO (uma designação que penso ser encontrado no dicionário jornalístico para puder informar de forma específica sobre este grupo). Este grupo exige a renegociação do processo de paz e o adiamento das eleições de 15 de Outubro para melhor se preparar e ameaça usar força caso contrário.
É visível a olho nu o que Afonso Dhlakama prevera à sua sucessão de liderança. Há facção interna na RENAMO que periga Moçambique no seu todo. E, se este caso não se controlar de imediato penso que as baixas previstas não serão apenas para a RENAMO, mas para o Governo (independentemente dirigido com que partido que for a ganhar as eleições deste ano). Falo do Governo, pois, este vera sobre o bem-estar do povo, o escudo que será usado, e, é imperioso que o Governo esteja presente para aliviá-lo de qualquer mal. Daí, não vejo ninguém de boa vontade que pare para assistir este problema e que diga o problema é da RENAMO. Logicamente o problema é da RENAMO, mas as consequências serão de Moçambique no seu todo. Outros partidos podem tirar proveito disto, conquistando o eleitorado caluniando como afirma JENS ERDMANN em “A calúnia como instrumento da política (1941) ”.
O meu apelo é, todas forças vivas de Moçambique como no mundo inteiro têm de fazer a sua parte para que se ultrapasse esse impasse pacificamente. O meu muito obrigado