Em Dezembro de 2019, com o meu amigo Pedro Sitoe e as nossas esposas, tivemos que ir a Xai-Xai, para assistir ao casamento da Eunice, filha do amigo/irmão Vidal Bila. Às nove horas, lá estávamos nós na igreja que acolhia a cerimónia religiosa, depois o que o Pedro segreda que precisava de ir a uma casa de banho. Escolhemos ir às bombas da “pontinha”, como se chamam , desde há muito, na zona alta em Xai-Xai. Era perto. Lá chegados, enquanto o Sitoe ainda estava no carro, eu já pedia a chave da casa de banho ao guarda. Mal ouviu a voz, o guarda, no lugar de me estender a chave, fixou a sua vista em mim e, sem demoras, disparou:
E estendeu-me a chave depois de um aperto de mão; já com o Pedro Sitoe à ilharga, muito curioso.
Aquele guarda não se enganara em nada. Sou, de facto, comentador do programa ‘Esta Semana Aconteceu’ da RM desde o seu primeiro programa, em Fevereiro de 1995. O Carlos Cardoso e eu fizemos o programa inaugural, com a moderação da… Orlanda Mendes!
Estava eu já chefe de redacção do semanário Domingo e nas vésperas do relançamento dos programas de informação, recebo uma chamada da RM a dizer que a Sra. Orlanda Mendes queria falar comigo. Anui ao convite, a pensar que eventualmente fosse para retomar um assunto antigo…
É que comecei a minha carreira jornalística na RM, na Direcção Central de Informação, Departamento de Noticiários, em Fevereiro de 1987. O chefe era Tiago Viegas, a Orlanda Mendes era a directora adjunta e o director Marcelino Alves. Volta e meia, a Orlanda estava no sector dos noticiários e, muitas vezes, a dar orientações e indicações. Certa vez, ela própria, a partir de fora, ligou para os “Noticiários”, era prática, e eu fazia parte do turno de serviço, atendi ao telefone e ela orientou que eu devia tomar notas ipsis verbis de uma informação que ia ditar. Ditou-me e eu passei-a à letra de forma e foi para o ar. Principiante que era, alguma coisa não terei posto bem e, quando chegou de onde estava e depois de ouvir o produto final no ar, veio logo para o Departamento e caiu-me em cima muito mal, mas muito mal mesmo, de tal forma que passei a ter medo dela… Passados quase seis meses, o curso de jornalismo, o primeiro envolvendo estudantes com nível médio, começou na Escola de Jornalismo e eu tive que interromper o trabalho no sector dos Noticiários e ir à formação. Quando um ano depois terminou a formação, como não tinha contrato com a Rádio Moçambique, era colaborador, não me senti obrigado a voltar. Escolhi o órgão do meu coração, o Domingo… não me apaixonei pelo jornalismo radiofónico porque pensava - e ainda penso - que não tenho boa voz para tal…
Quando a Orlanda soube que eu tinha rumado para a Sociedade Notícias, mandou-me chamar e tive que me ir explicar diante dela, todo acabrunhado e amedrontado. Disse-lhe que eu gostava mais do jornalismo escrito e que no radiofónico provavelmente não iria longe. Ela não gostou, disse-o claramente; conforme apontou, devia ter ido falar com ela. De modo que, quando veio aquela chamada, pensei que fosse a retomada deste assunto!
Mas não. Era para me comunicar que um novo programa ia arrancar e ela contava comigo como comentador, semanalmente. Era o nascimento do ‘Esta Semana Aconteceu’ - e a minha duradoira colaboração com a RM. Não me estava a pedir, estava a comunicar, pelo que não tinha como dizer fosse o que fosse, até para não lhe contrariar uma vez mais. Mas, receios eram muitas na minha cabeça, sendo o primeiro aquele de me não considerar com boa voz para rádio; o segundo, não ser eu um bon vivant… e o terceiro, que eu ainda tinha que andar muita estrada para ser comentador; não seria em seis anos de carreira que ia passar a… comentador! Mas ela vira o que vira em mim e estava bem cismada, aliás, ela era muito forte nas suas convicções. Cerca de duas semanas depois, ligou-me para ir ao programa. Convoquei os espíritos matxangana - switatikomba koseyo (há-de se ver lá) -, cerrei os punhos e lá fui…
Se já estava medroso, nervoso e a tremer, imagine-se como fiquei quando encontro na cabine como contraparte no debate o… Carlos Cardoso! Um dos maiores e melhores jornalistas que o Mundo teve. Era como que me porem a jogar contra Messi ou Ronaldo. Claro que eu era fã do Cardoso. Admirava/admiro-o incondicionalmente. Não sei como correu o programa, mas, semana seguinte, lá estava a Orlanda Mendes de novo ao telefone… outras semanas ainda e com o Salomão Moiane como contraparte… e assim foi durante estes longos anos até hoje, mesmo depois de ela se aposentar.
Palavras faltam-me para agradecer à Orlanda Mendes; mas estou eternamente grato a esta senhora, uma das grandes jornalistas do mundo! Penso serem as palavras certas estas: Orlanda Mendes foi a mentora/coach do Moisés Mabunda comentador hoje conhecido na rádio e nas televisões. O primeiro incidente com ela serviu e bem para eu aprimorar o rigor e o zelo jornalístico, profissional e na minha vida pessoal. Extremamente rigorosa como ela era! O convite aos debates no ’Esta Semana Aconteceu’ desafiaram-me a melhorar e aprimorar a forma de aprender os assuntos e a ir e a estar num debate. Não fossem estes autênticos empuranços para as águas profundas, provavelmente não haveria nenhum nadador aqui.
Muito khanimambo, Coach Maria Orlanda Mendes! Descanse em paz!
A minha geração simboliza uma matriz jovem. Em termos estratégicos presumo que já deveria estar mais exposta e engrenada no processo governativo para o tão desejado take off.
É uma geração jovem. Muitos dos integrantes desta geração tiveram a oportunidade de viver a ressaca de 1975, e a impetuosidade samoriana das décadas de 70 e 80. Sem dúvidas, anos de muita sagacidade e de grande fulgor a vários níveis.
A minha geração está amuada (se me é permitido dizê-lo) - pois ao abono da verdade ela está incomodada com certas tendências e com o rumo que o país escolheu trilhar. Os sintomas não são de hoje. Foi-se empurrando com a barriga ao ponto de a barriga ficar pequena para tantos problemas.
É uma geração que, na sua esmagadora maioria, frequentou o ensino público da altura - por sinal muito bom e de reconhecida qualidade, apesar das carências e deficiências típicas do período que atravessávamos. Hoje, paradoxalmente, quase toda ela, tem os seus filhos inscritos no ensino privado, por acreditar que oferece mais possibilidades por um lado, e por ver a lástima grotesca que se tornou o ensino público por outro lado.
A minha geração apresenta sinais evidentes de desgaste. Sente-se enganada, usada e frustrada. Quem conduziu a minha geração a este estado de desanimo? - Pergunta que o meu texto deixará em aberto.
A minha geração olha para trás hoje e vê que pela frente tem muitos desafios e poucas oportunidades. Vê que provavelmente assistiu o comboio passar-lhe em frente. Os últimos e poucos vagões que restam, estão quase todos ocupados.
Quem terá ocupado os vagões? Prefiro deixar em aberto também.
Somos uma geração que se especializou em ser generalista na análise dos problemas e que peca no diagnóstico aprofundado dos mesmos. Uma geração que, no seu largo espectro faz apologia a “tudologia”. Por consequência não consegue identificar a raiz dos problemas e acaba prescrevendo soluções superficiais e tapando o sol com a peneira. Talvez parte da frustração que advogo esteja aliada a esta incapacidade tácita de gerar soluções. Mas talvez não!!!
Uma geração que, fruto do tempo, da conjuntura e das circunstâncias em que está inserida aprendeu a valorizar mais o ganho fácil em detrimento do trabalho; o escovismo à coerência e meritocracia; aprendeu a glorificar e exaltar o mais espertinho e a ficar do lado da história contada pelos malandros - àqueles que escrevem a história - mesmo quando essa história de glória apresenta fragmentos, incongruências.
Aprendeu também a acreditar que o mais forte é o que tem mais poder material e mais bens, e assim, foi paulatinamente escangalhando valores primordiais e essenciais para edificação de uma sociedade ética, justa e mais humana.
A bolada e a nhonga tomou conta do país da marrabenta, da capulana, do sol e da terceira maior baía do mundo.
Hoje, acusamo-nos, subjugamo-nos e de tudo um pouco fazemos para encobrir e justificar os nossos fracassos pessoais e colectivos;
Os antigos referenciais estão a desaparecer paulatinamente; e os novos referenciais são os que associam o valor ao dinheiro – numa legitimação do utilitarismo económico. Os novos referenciais são e estão rotulados de bosses por onde quer que passam; vestem roupas de marca, e “rebentam” grandes máquinas nas nossas longas estradas esburacaras.
Entre a essência, a existência e a visibilidade, hoje parece que é vivo quem é vistoso. Recorrendo a Rene Descartes na sua célebre máxima (cogito ergo sum – penso, logo existo), parte da minha geração adoptou o “aparento, logo existo”.
A minha geração é campeã em debates isolados nos grupos de WhatsApp e de outras redes sociais, e lá, destilam todo seu pretenso conhecimento, seu saber, suas teorias, suas posições, seus ideais, e suas teses. Mas a mesma se coíbe de ser um activo útil na participação e transformação do país de todos nós - da nossa pátria amada. Parece que se caiu numa armadilha do tempo e que o tiro nos está a sair pela culatra.
Se no artigo anterior “a demissão do povo” trouxe uma reflexão sobre o status quo do povo, outrora demitido, aqui no texto “a minha geração”, acrescento que a minha geração se apartou do seu papel activo nos processos de construção do país. Nós estamos a desistir de ser e dar esperança às gerações que estão por vir.
A minha geração é um poço de contradição (as vezes):
É a primeira que fala sobre a necessidade de combater a corrupção - e a primeira a dar o famoso refresco ao tio polícia ou por embriaguez, ou por falta de documentos ou por alguma outra irregularidade.
É a primeira que fala de promoção da transparência, e a primeira a chegar-se em frente com subornos quando se trata de vaga de emprego, melhoria de rendimento académico e mais.
Estamos numa crise existencial onde sabemos do certo, do desejável e do aceitável mas prevaricamos por escolha própria – Argumento: todos fazem; isto está mal; não começou comigo; é cultura do país.
Somos nós mesmos que vestimos capa de ambientalistas de dia, e plantamos árvores, mas de noite urinamos nas mesmas árvores. (…) E nem é sobre árvores este último trecho.
Enfim, quem nos vai resgatar deste desânimo? Quem nos vai acudir?
É proibido não ter esperanças. É inútil escamotear sonhos
A Luta continua!!!
Chamo-me campo de Futebol do Ferroviário de Inhambane, o antigo desaguadouro dos rios que vos correm por dentro. Sou eu, o testemunho das vitórias e derrotas registadas na memória do tempo, mas sobretudo o lugar sagrado das euforias transmitidas pelos aplausos e gritos que transbordavam até aos bairros vizinhos e outros lugares distantes como Mucucune.
Muitas vezes tornei-me pequeno, mesmo assim recebia-vos, lembrando o versículo bíblico segundo o qual, na Casa do Senhor há lugar para todos. Sentia-me orgulhoso em ter-vos no meu bojo assistindo com angústia às pelejas asfixiantes derimidas por jogadores elegidos, os quais não exigiam dinheiro para cintilarem. O brilho das estrelas não se paga, oferece-se. De graça.
Então eu estava ali para isso, para vos dar o meu chão. Ficava profundamente emocionado ao pisarem-me o ventre na procura do golo nas balizas guarnecidas por guarda-redes escolhidos entre os melhores, eram tempos áureos. Em todos os domingos preparava-me esperando pela vossa adrenalina. Delimitavam-me com linhas brancas para que os jogadores evoluíssem apenas dentro de mim e eu ficava bonito e pronto à espera das cascatas que saíam das vossas fontes, da vossa necessidade de alimentar o espírito. É tudo isso que dava sentido à minha existência, eu exultava.
Agora sou um mamarracho, esqueceram-se do contributo que dei durante anos sem fim. Ignoram que fui um dos pulmões mais importantes da cidade, lutando para que as pessoas se juntassem e se unissem e se apertassem, tornando-se várias pétalas numa única flor que dava valor e cor à vida. O futebol será vida para sempre.
Na verdade hoje sou um esqueleto desprezado, estou completamente abandonado, sem perespectiva de quando é que voltarei a ganhar veias e carne e pele para cobrir o meu corpo e ter alma de novo. E enquanto esse dia não chega, continuo aqui humilhado por muitos passantes, mas também olhado com compaixão por aqueles que me conheceram e me amaram. Os meus ossos estão à mostra de toda a gente desde que passou por aqui o Dineu, e parece não haver ninguém que faça qualquer coisa para eu voltar aos delírios.
O pior é que os meus irmãos vizinhos (os dois campos de salão) que eram o ponto de encontro da juventude em noites efervescentes, também estão na mesma situação que eu, são escombros! Tornando um dos lugares mais importantes da urbe, em sombra sombria. Mas é aqui onde os jovens se socializavam, abraçando-se em claques saudáveis, cada um puxando pela sua equipa em noites empolgantes.
É isso, dói ser um esqueleto tratado desta maneira, como se quisessem apagar da história tudo o que eu fiz em prol do futebol inhambanense. E não me admira que amanhã vá aparecer aqui alguém a remover meus ossos e mandá-los de vez para as tumbas e erguer sobre as minhas cinzas, algo que não tem nada a ver com a vida do desporto. Essa será a minha dor mais profunda e inacabável, pois ninguém terá memória de mim.
Na semana passada, uma adjudicação feita pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS), no quadro do Projecto Mozland II, também chamado “Projecto de Administração da Terra (Terra Segura)”, que visa a “delimitação de comunidades e planeamento básico do uso da terra e regularização fundiária, demarcação de parcelas, levantamento de limites, preparação e emissão de DUATs (títulos de uso de terra)”, causou uma estrondosa polêmica nas redes sociais moçambicanas.
Essa polêmica fez sentido? Ou estava ferida de preconceito e julgamentos a priori, sem uma exaustiva apuração dos factos relevantes A maioria dos títulos de imprensa destacou a alegada fraude, por causa do recente registo legal de uma empresa denominada Terra Vital Sociedade Unipessoal. Sua publicação em BR (Boletim da República) foi feita em Fevereiro e a adjudicação em causa, para a segunda fase de implementação do Mozland, publicada em Abril no matutino Notícias.
A generalidade da opinião pública foi levada a suspeitar que o processo não foi transparente e que a adjudicação à empresa “Terra Vital Sociedade Unipessoal” pode ter sido irregular, nomeadamente pela proximidade entre a sua constituição, em 13 de Fevereiro de 2023, e anúncio da adjudicação, em Março, para além do seu exíguo capital social (100 mil Meticais), num concurso em que terá ganho lotes cujo custo de implementação ascende aos 20 milhões de USD. O matutino governamentalizado escarrapachava em parangonas que, por razão da alegada fraude, o FNDS iria responder no Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC).
Nesta semana, a ladainha da alegada corrupção continuou a circular nas redes sociais, apontando-se o dedo ao Ministro Celso Correia, cujo Ministério (Agricultura e Desenvolvimento Rural) mantém projetos com financiamento do Banco Mundial, como este Mozland, uma espécie de nova encarnação do “Programa Terra Segura”, que o Ministro levou a cabo no primeiro mandato de Nyusi, com o antigo MITADER, e o PR calcorreou o país distribuindo DUATs, capitalizando o dinheiro do banco para sua projecção política.
Um dos exemplos foi a entrega, em Agosto de 2019, de 30 mil títulos de Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) a cerca de 18 mil beneficiários, entre mulheres, homens e jovens, em varios distritos.
Mas, e então, em que ficamos? Houve uma adjudicação inquinada, cheia de irregularidades, politicamente manipulada? Ou estivemos perante uma narrativa assente em julgamento apressado, sem o mínimo do contraditório?
“Carta” foi desafiada a escrever sobre o caso, tendo uma rigorosa apuração dos factos, para benefício dos seus leitores. Ei-los.
O principal objectivo do projecto é “fortalecer a segurança da posse da terra em distritos seleccionados e melhorar a eficiência e acessibilidade dos serviços de administração da terra”. Tem duração de cinco anos (2018-2024) e financiamento (100 milhões de USD) do Banco Mundial. A cobertura geográfica do projecto abrange 71 distritos (45% dos 157 distritos do país) em todas as províncias do país.
No fim, a intervenção das empresas a quem foi adjudicado o projecto deverá resultar no seguinte: Delimitar e registar no Sistema de Gestão de Informação sobre Terras (SiGIT) 1,200 Certificados de delimitação da comunidade, incluindo um plano de micro-zoneamento; Regularizar e registar no SIGIT 2,000,000 de DUATs; Abranger 700,000 beneficiários com DUATs registados no SiGIT (dos quais 40% registado em nome de mulheres ou em co-titularidade); Assegurar pelo menos 75% de nível de satisfação dos beneficiários dos DUATs em relação à regularização sistemática de terra; Reduzir até pelo menos USD 35 o custo de emissão por DUAT registado no SiGIT através de um processo sistemático de regularização da terra e garantir que 90% do SiGIT esteja actualizado, operacional e disponível para uso, incluindo um portal web que permite o acesso do público aos dados cadastrais nacionais.
Mozland Fase I: Terra Vital Consortium ganha concurso em 2021
O Projecto Mozland (RFB 29/MLAND/NCS/2018) tem dois momentos. A primeira fase (13 milhões de USD) – delimitação de comunidades e planeamento básico do uso da terra e regularização fundiária, demarcação de parcelas, levantamento de limites, preparação e emissão de DUATs - Fase I (Lotes 1 e 3) – começou com o anúncio do concurso e publicação no website do Banco Mundial em Junho de 2020 e no “Notícias” em Julho do mesmo ano. A recepção e abertura das propostas dos concorrentes, designadamente 19 propostas de 10 concorrentes, entre os quais três nacionais e sete estrangeiros teve lugar em Agosto.
Deste concurso, a Terra Vital Consortium ganhou dois lotes e o terceiro foi atribuído a uma empresa de nome IGNFI/METOP/ETOP. A notificação da Intenção de Adjudicação foi feita a 19 de Março de 2021, a assinatura dos contratos a 30 de Abril de 2021 e o visto do Tribunal Administrativo ao contrato entre o FNDS e a Vital Terra Consortium estampado em Agosto de 2022.
Um aspecto que a generalidade da opinião pública desconhece – mas essencial para ela fazer seu julgamento isento sobre se esta contratação foi ou não transparente – é que a Vital Terra Consortium é justamente isso: um consórcio estrangeiro, sem registo em Moçambique e que se se meteu em competição livre em nosso país no projecto financiado pelo Banco Mundial.
O consórcio, com domicílio fiscal na África do Sul (Registration number K2021/964187/07, de acordo com uma referência (https://www.sacompany.co.za/
De acordo com a documentação consultada pela “Carta”, a primeira fase do Mozland teve seu Kick of Meeting para início de uma implementação que estava calendarizada para terminar em Agosto deste ano. Alguns dos “outputs” desta primeira fase foram capitalizados pelo Presidente da República, nomeadamente com a entrega, em vários distritos do país, de milhares de títulos de DUAT a beneficiários rurais.
Mozland Fase II: a aparente confusão entre Terra Vital Consortium e Terra Vital Sociedade Unipessoal
As manifestações de interesse para a Fase II do processo seriam publicadas em Fevereiro de 2022 e o prazo para o seu efeito estava determinado para encerrar às 15:30 do dia 18 de Abril de 2022, de acordo com informação constante do mesmo website.
De acordo com a documentação do concurso consultada por “Carta”, tanto a Verde Azul como a Terra Vital Consortium voltaram a fazer parte da lista dos vencedores do concurso. Desta vez, a firma Verde Azul, que na primeira fase fez o trabalho de controlo de qualidade, concorreu agora para fazer a implementação.
Todos os passos legais da contratação pública, diz o FNDS, foram seguidos à risca: a notificação da intenção de adjudicação foi feita em Dezembro de 2022, a assinatura dos contratos a 30 de Março e o visto do Tribunal Administrativo foi atribuído a 17 de Maio de 2023, poucas semanas depois do escândalo ter rebentado. Os passos teriam também recebido o no objection do Project Task Team Leader, Camille Bourguignon, do Banco Mundial em Washington DC.
“Carta de Moçambique" tentou, em vão, obter uma reacção de Camille sobre este processo. Ligamos para o seu gabinete em Washington DC, mas seu assistente disse que ela se encontrava reunida.
A referência técnica para segunda fase do Mozland II foi esta: RFB 57/MLAND/NCS/2022 - Delimitação de comunidades e planeamento básico do uso da terra e regularização fundiária, demarcação de parcelas, levantamento de limites, preparação e emissão de DUATs - Fase II.
Nesta segunda fase do Mozland, a Terra Vital Consortium voltou a integrar as mesmas empresas como no anterior concurso, ganhando um contrato de cerca de 20 milhões de USD. No total participaram neste segundo concurso 12 concorrentes, entre nacionais e estrangeiros, dos quais acabaram ganhando as seguintes empresas: Terra Vital Consortium (Lotes 4, 5, 7, 10 e 13); Lote 6 – GIS-Empresa Nigeriana de Transportes); Lotes 8 e 9 – Verde Azul Consult, Lda. (empresa moçambicana) e Lotes 11 e 12 – Geomaps Africa (Quénia) em parceria com a Top Map (Moçambique).
A generalidade da opinião suspeita que o processo não foi transparente e que a adjudicação à empresa “Terra Vital Sociedade Unipessoal” pode ter sido irregular, nomeadamente pela proximidade entre a sua constituição e a adjudicação, e o seu exíguo capital social (100 mil Meticais apenas).
Mas nos documentos do concurso, nomeadamente na carta de adjudicação, nas minutas de negociação contratual, bem como nas minutas do contrato e visto do Tribunal Administrativo, o nome que consta sempre é Terra Vital Consortium. Ou seja, nenhuma Sociedade Unipessoal participou do concurso. Aliás, a Terra Vital Sociedade Unipessoal nem podia participar de um concurso internacional, com seus requisitos apertados.
Os critérios estabelecidos para a qualificação dos concorrentes neste processo incluem os seguintes aspectos: i) experiência comprovada (pelo menos sete anos) em consultorias de natureza similar; ii) experiência de trabalho em países da África Subsaariana; e iii) experiência na formalização de ocupação de terras pelas comunidades e em parcelas individuais ou outras actividades relacionadas. Uma empresa constituída em Fevereiro deste ano não podia, objectivamente, participar num concurso cuja chamada para manifestação de interesse teve lugar um ano mais cedo, ou seja, em Fevereiro de 2022.
O que explica o registo da Terra Vital Sociedade Unipessoal?
Como dissemos, a Terra Vital Consortium foi registada na África do Sul, tendo participado como implementadora na primeira fase. Para a Fase II, o Consórcio, assim como outros participantes, receberam a notificação da intenção de adjudicação, em finais de Dezembro de 2022, pelo FNDS.
Seguro de que ia ganhar alguns lotes do concurso (ganhou lotes ascendendo os 20 milhões de USD), o consórcio, explicou uma fonte, decidiu abrir uma espécie de sucursal em Moçambique, com domicílio fiscal no nosso país, visando agilizar coisas como pagamento de serviços e transferências interbancárias com fornecedores e clientes. Ou seja, parte do dinheiro que o Consórcio vai ganhar com o projecto será gasto em Moçambique, para além dos 20% da taxa liberatória (que já paga).
A sucursal moçambicana do Consórcio foi registada como Terra Vital-Sociedade Unipessoal, Limitada, em nome de Gil Zilberman, com capital social de 100 mil Meticais. Isto vai exigir que a empresa pague em Moçambique as imposições fiscais devidas.
Na sua reacção à polémica levantada por um anúncio de adjudicação feito em Abril, mas que apenas foi amplamente veiculado nas redes sociais em Julho (já no contexto vibrante do processo eleitoral), com um rótulo prévio de corrupção, o FNDS realça que a gestão, coordenação, supervisão, monitoria e avaliação do Projecto é assegurada pelas seguintes entidades: Direcção Nacional da Terras e Desenvolvimento Territorial (DNDT), Centro Nacional de Cartografia e Teledetecção (CENACARTA) do Ministério da Terra e Ambiente (MTA) e Direcção Nacional de Organização Territorial (DNOT) do Ministério da Administração Estatal e Função Pública (MAEFP).
Ou seja, garante fonte do FNDS, as contratações no âmbito do Mozland têm vindo a ser feitas em colaboração com uma gama de entidades do Estado e não isoladamente pelo fundo. Este foi mais um caso de tempestade em copo de água, de manipulação da opinião pública sem dó nem piedade, mostrando que a comunicação social baixou a guarda diante da exigência do contraditório e apuramento dos factos.
(Marcelo Mosse)
“As declarações do Embaixador da União Europeia em Moçambique são, na minha opinião, uma autêntica “brutalização” da consciência colectiva dos africanos. Desde quando a União Europeia se preocupa com as relações humanas e culturais com os países africanos? Uma coisa é reunir com os dirigentes africanos, oferecer-lhes boa estadia e tirarem fotos de família e, de regresso à África, prometer mundos e fundos que nunca chegam. Por acaso a União Europeia tem algum acordo com a União Africana para a circulação de pessoas e bens? Quando existe um acordo de circulação de bens é quando há carência desses bens na Europa e, quando a situação se normaliza, accionam a cláusula de “barreiras técnicas” para impedir a entrada destes.
Fala de 7 mil milhões de euros para melhorar a segurança alimentar em África até 2024, sendo que já foram desembolsados 3 mil milhões. Estou com uma “lupa” procurando onde foram usados esses tantos milhões e não consigo ver. Senhor Embaixador, o assunto Rússia - Ucrânia é vosso, não procurem meter os africanos nesse barulho. Por acaso ouviu a reacção da Ucrânia quando África se ofereceu para mediar o conflito? Chega! África é habitada por homens e mulheres e não por crianças grandes.”
AB
“Trabalhamos todos os dias para tornar a parceria União Europeia – União Africana (EU – UA) mais forte e mais próxima dos Povos de África e da Europa. O nosso contacto diário é prova de que a relação entre Europa e África é feita de laços humanos, culturais, geográficos e económicos, sem paralelo e não de encantamentos, promessas e afirmações. Na 6ª Cimeira União Europeia – União Africana, em Fevereiro de 2022, mais de 80 líderes de África e da Europa reuniram-se em Bruxelas para adoptar uma agenda ambiciosa e reforçar uma parceria de paz, segurança, solidariedade e prosperidade baseada na igualdade, no respeito e na compreensão mútua.”
Antonino Maggiore, in Carta de Moçambique, Edição 1175 de 01 de Agosto de 2023.
Caro Embaixador da União Europeia em Moçambique, quando diz: “As acções dizem mais que as palavras, exemplo da parceria União Europeia – União Africana e, sobretudo, quando evoca que as relações são feitas de “ laços humanos, culturais, geográficos e económicos” me parece dizer meia verdade. Por aquilo que tenho apreciado através dos vários órgãos de comunicação, quer nacionais quer internacionais, a União Europeia pretende, de forma unilateral, beneficiar dos recursos de África. A União Europeia serve-se do servilismo dos dirigentes africanos para continuar a espoliar seus recursos naturais de que Europa é carente.
As últimas “dissidências” de Países Francófonos, que mantiveram uma relação de carácter umbilical com a França, é o exemplo de um despertar de áfrica para a realidade que nos pode levar a uma nova “Colonização” por via económica. Essa procura de “ruptura” dos países africanos com a França mostra, de forma clara e cristalina, que a França continuou a subjugar os interesses desses países africanos, interessando-se, de forma exclusiva, pelos seus recursos naturais, tanto que até alguns países europeus não se identificaram com tamanha barbaridade Francesa. Este é um exemplo e, pelo que sei, a França é um dos países da UE mais activos.
Senhor Embaixador da União Europeia em Moçambique, Antonino Maggiore, quando se refere a relações humanas, quer dizer exactamente o quê?! Pretende dizer que os espanhóis estão bastante felizes com a presença de pretos no seu território, que os trata bem como tratam os seus próprios concidadãos? Está a dizer que a “Xenofobia” que se vive em alguns países da União Europeia é pura ficção! Que mensagem exactamente nos pretende deixar porque, pessoalmente, vejo e sinto o quanto as pessoas não europeias são tratadas naquele continente, com destaque aos pretos.
O senhor Embaixador vai longe, ao falar de relações culturais. Admitir a ida de uma banda africana para algumas sessões na Europa significa necessariamente relações culturais enraizadas ou simples acções de natureza comercial que beneficiam os organizadores? Sim, porque essa ida tem-se regido por prévios acordos comerciais. Ainda não ouvi, pode ser que esteja ultrapassado, um grupo cultural, sem cunho comercial, ser convidado para divulgar a cultura africana na Europa. Não ouvi até então uma feira de gastronomia em qualquer que seja País da União Europeia. Tratemos as coisas pelos nomes Senhor Embaixador.
A União Europeia precisa de África para espoliar seus recursos e, para tal, injecta alguns dolarzitos, de longe, ínfimos em relação ao proveito que pretende tirar da África. Qual é o País africano que beneficiou dos valores da “quota de poluição?” Quem polui o mundo através da exploração industrial? Já não estamos no tempo de ouvir “sandices” e ficarmos calados e ou agradecer porque a União Europeia aprovou 400 milhões de Euros para o Orçamento do Estado para 2024. De 2016 a esta parte, o que acha que os sectores sociais em Moçambique viviam? Pena porque os nossos governantes mantêm uma distância no seu relacionamento com os governados porque seria o Governo a dialogar com o seu povo e a encontrar formas de sair dos problemas existentes. Em parte, Senhor Embaixador, a vossa estratégia está a funcionar bem, isolar o Governo do seu povo e tirar benefícios dessa situação. Mas tenham cuidado porque África está a despertar para a actual realidade. Não aceitaremos a nova “Colonização” Senhor Antonino Maggiore. Basta!
Adelino Buque