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Carta de Opinião

quarta-feira, 05 abril 2023 07:18

Taxa de Rodagem, Cultura e Outras Contribuições

Belarmino Lovane

Havendo a necessidade de regulamentar as actividades audiovisuais e cinematográficas em Moçambique, em conformidade com o disposto no artigo 37 da Lei n.º 1/2017, de 6 de Janeiro, o Conselho de Ministros, através do Decreto n.º 41/2017, de 4 de Agosto, aprovou o Regulamento da Lei do Audiovisual e do Cinema. Trata-se, pois, de um instrumento que estabelece os mecanismos de aplicação da referida lei.

 

Com efeito, o espírito de criação deste instrumento legal materializa, de forma fiel, o conceito das indústrias culturais e criativas institucionalizado no País. Ora, se assumirmos que a cultura tem a potencialidade de contribuir para o desenvolvimento económico nacional, logo, é necessário instituir mecanismos que possibilitem aos fazedores das artes e cultura a contribuírem para o crescimento económico do País, fazendo jus ao pressuposto institucionalizado.

 

Aliás, o n.º 1 do artigo 63 (do supracitado decreto) indica, por exemplo, que 60% do valor das taxas fixadas no Regulamento da Lei do Audiovisual e do Cinema se destinam ao Orçamento do Estado; 25% ao Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC) – organismo de apoio artístico-cultural no País; e 15% para o Instituto Nacional Audiovisual e Cinema (INAC). Estes valores, em primeira análise, revertem-se em benefício do desenvolvimento do sector e contribuem para o crescimento da economia nacional. 

 

Mas onde reside o problema? 

 

  1. No artigo 54 da lei supra, lê-se: “A autorização de rodagem e pesquisa de produção nacional incide sobre o orçamento da produção, desde que não seja inferior ao salário mínimo em vigor na Função Pública.” 

 

Ao que se pode depreender, provavelmente, o problema não seja usar como base o salário mínimo para definir a taxa, mas a sua universalização. Assim, este dispositivo legal, além de não ser razoável, peca justamente por não criar categorias de pagamentos, pois, no nosso entender, não parece o mais acertado colocar no mesmo nível de pagamento um artista conceituado e um iniciante. Este, geralmente, usa recursos próprios para produzir a sua obra, e enfrenta diversas dificuldades, principalmente para a promover. A sua esperança, para uma projecção nacional, é ver a sua obra promovida na televisão. Por isso, parece-nos contraproducente que, num contexto de apoio cultural público e privado deficitário, ainda se tenha que cobrar a este novo talento uma taxa desta natureza. Aqui, o legislador é chamado a categorizar e/ou criar níveis de pagamentos, usando qualificadores que melhor se ajustem à nossa realidade sócio-económica.

 

Não obstante, é preciso reconhecer que há artistas estabelecidos. Para estes, parece-nos prudente que se cobre uma taxa de acordo com os níveis de crescimento económico do País, sendo o salário mínimo um dos indicadores. Em outros contextos, em que os artistas possuem uma “Carteira”, as taxas são cobradas baseando-se na classe da “Carteira do Artista”, ou seja, o artista de Classe A não paga a mesma taxa que o artista de Classe B, e assim sucessivamente. Portanto, este método evitaria o que estamos a assistir no País: a universalização das taxas e as suas inevitáveis consequências.

 

  1. O actual contexto: Para o Governo de Moçambique (GM), a economia Moçambicana tem sido afectada por sucessivos choques internos e externos, com destaque para os efeitos das mudanças climáticas, as acções terroristas em Cabo Delgado, a Pandemia do Covid-19 e, mais recentemente, o conflito na Ucrânia”.

 

Segundo o posicionamento do Governo, o País está numa situação crítica, pelo que, para reverter este cenário, anunciou o lançamento do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), através do qual indicou 20 medidas para a retoma do crescimento económico. Porém, nenhuma destas faz menção directa ao sector cultural. Desta feita, é dissonante que, num contexto em que vendemos uma narrativa segundo a qual a cultura contribui para a economia nacional, esta não seja um dos beneficiários directo do PAE e de outras medidas de alívio económico.

 

Em contextos de Covid-19, para conter a propagação desta pandemia e salvaguardar a saúde pública no País, os artistas viram-se obrigados a ficar muito tempo em casa. Como resultado, alguns perderam contratos, os promotores de eventos ficaram estagnados, e as produtoras sem alternativas. E hoje, apesar de estar previsto na lei, não nos parece acertado, olhando para o actual contexto, cobrar taxas de rodagem nestes níveis. Ao proceder-se deste modo, ao invés de se fortalecer uma economia cultural, estaremos a matar a pouca esperança que a classe tem na estabilização das suas carreiras artísticas.

 

Por conseguinte, no nosso entender, a solução para este problema não passa necessariamente pela revisão da lei, pois os seus procedimentos levam tempo. Infelizmente, perdemos a oportunidade, no âmbito do PAE e de outras medidas anunciadas pelo Governo, de propor o não pagamento desta e de outras taxas num determinado período, enquanto o sector procura criar mecanismos para se estabelecer. 

 

Portanto, o Ministério da Cultura e Turismo (MCT) deve pensar num dispositivo legal de alívio ao sector cultural e criativo, apresentando argumentos plausíveis junto ao Governo central sobre a necessidade de se criar facilidades aos trabalhadores das artes e cultura, considerando o actual contexto económico do País. Alternativamente, com o apoio do sector privado, de financiadores nacionais e internacionais, o Governo pode pensar num programa de apoio cultural, subsidiando os artistas no pagamento de algumas taxas, usando como justificativa a mitigação dos efeitos da Covid-19 (como acontece nos transportes públicos e em outros sectores). Enquanto isso, continuamos a sonhar com um “Programa SUSTENTA” na cultura; um “Programa EMPREGA” na cultura; entre outras iniciativas de financiamento que o Governo institui para os outros sectores. Why not?

terça-feira, 04 abril 2023 10:02

Mwali *

AlexandreChauqueNova

Enquanto lá fora a chuva cai em liberdade, tamborilando por sobre as chapas de zinco, Mwali está absorta em pensamentos que a levam aos tempos em que, com o marido, partilhava a vida intensa que ressurgia em cada precalço, trazendo mais labaredas de fogo ao amor dos dois, como se tudo o mais não importasse. Ela está deitada de costas por debaixo dos lençóis que a cobrem até à cintura, com as pernas flectidas, na enorme cama que agora, após o companheiro ter morrido enquanto dormia, depois da esbórnia, perdeu o conforto. Toda a casa está despojada de graça, até o relógio de pêndulo, dependurado na parede da sala já não a diz nada, quem dava valor ao tempo e às horas da Mwali era Mbata que, terminadas as caminhadas que fez na terra, deu o último suspiro numa madrugada de domingo abraçado à mulher que dormia profundamente como ele.

 

Chove desde a noite e já são nove da manhã. Os céus paráram de ribombar nos seus insuperáveis sons, mas a chuva não! Chove intermitentemente ora em silêncio, ora em rajadas, despertando na mulher as lindas lembranças da cumplicidade com o companheiro, que se tornam muito mais lindas hoje, mesmo estando sòzinha sem o homem que dava todo o sentido à sua vida. Mas se esta – diz Mwali apertando no peito o livro aberto – é a minha história, então deixa-me vivê-la no cume, onde o meu marido gostava de estar comigo. Recuso-me a desvanecer pois, se assim o fizesse, estaria a espetar a lança da dor na alma do Mbata, que será para sempre o meu baluarte.

 

Mbata era um bom homem, muito embora fosse negligente no que diz respeito aos cuidados com a sua saúde. Fumava de forma inveterada, e provavelmente terá sido ele mesmo a influenciar a mulher a enveredar por esse vício. Mwali fuma demais. Muito demais, e quando está em órbita no eixo do fumo e da bebida, liberta as palavras em cascata para uma plateia constituída quase sempre pelas mesmas pessoas, que a escutam com avidez nas barracas espalhadas pelo bairro Chalambe onde mora, palavras eivadas de poesia, assim como falava o marido, sempre pronto a meter flores mesmo naquilo que parecia um vaso partido, sem condições de preservar a humidade. Só assim, pintando  as palavras com as cores da imaginação, como ele próprio dizia à companheira, é que vale a pena conversar. Se não fizeres isso, não é conversa. É demagogia.

 

Mwali ficou com esses ensinamentos de uma pessoa que partiu sem lhe deixar filhos, Não importa, Mbata passou-me, como testemunho, a imensa luz do candelabro que ele era, e será para sempre. Estes livros todos arrumados meticolosamente na estante, e outros encaixotados,  embora nunca os tenha lido, sinto-os como se os tivesse devorado. Conheço a história contida de cada um deles, tornei-me uma fonte que não pára de borbulhar água fresca para o leito dos rios, mas na verdade essa fonte foi construída dentro de mim pelo meu marido. Ele lia, e a  única pessoa que tinha de imediato para contar todo o enredo, era eu, sem ele saber que estava fazendo de mim um fiel depositário da sua doce loucura. É esse, o elo mais forte que me prendia ao Mbata.

 

*Excerto do livro “Mwali”, de Alexandre Chaúque, no prelo

Adelino Buqueeeee min

“Ódio mortal ou ódio figadal. Sentimento de ódio muito intenso e leva uma pessoa a desejar a morte de outra. (sentimento de profunda inimizade, aversão instintiva direccionada a; antipatia, repugnância)”

 

In Dicionário Online

 

A morte do músico Azagaia despertou, na sociedade moçambicana, um dos sentimentos mais perigosos da existência humana, o Ódio. A ideia com que fico, posso estar errado, é de que muitos estão interpretando erradamente aquilo que foi o pensamento do próprio músico Azagaia em termos de políticas internas nacionais. O pensamento do músico Azagaia, na minha opinião, é fruto da primeira República de Moçambique, proclamada e dirigida por Samora Moisés Machel, a denominada República Popular de Moçambique.

 

Uma das frases de que é lembrado o músico Azagaia é “Povo no Poder” e Samora Moisés Machel teria em seu tempo dito: “façamos da escola, a base para o povo tomar o poder” e esta frase era como que palavra de ordem, podia ser vista em estabelecimentos escolares e outros lugares de interesse público e repetia, “Povo no Poder”. Depois de Samora Moisés Machel, quem teve sempre em mente esta palavra de ordem é também o saudoso Marcelino dos Santos, que, em quase todas as suas intervenções, colocava a ideia de que o povo deve estar acima de qualquer pensamento e filosofia partidária.

 

Dito isto, quero chamar a atenção daqueles que, hoje, falam do músico Azagaia como sendo o cidadão que esteve contra a Frelimo, não! Azagaia nunca esteve contra a Frelimo, esteve, isso sim, contra o “desvio” político que a Frelimo teve e creio contínua, com a morte de Samora Machel e a entrada da economia do mercado acompanhado do multipartidarismo. Pode parecer curiosa esta reflexão, quando me refiro ao multipartidarismo, mas é pura verdade, a ideia do povo no poder não é, no meu pensamento, aplicável numa economia do mercado, onde o poder é por excelência dominado pelo capital!

 

O músico Azagaia nunca foi simpatizante da Renamo e nem do MDM. Para Azagaia, todos os partidos políticos eram “farinha do mesmo saco” cujo interesse é chegar ao poder para se apropriar do bem comum e o testemunho disso é que a nossa Assembleia da República, constituída por três Bancadas, quando se trata de benefícios para eles, são unânimes e “Fingem” discordância quando se trata de legislar no interesse público. veja-se as últimas manifestações do partido Renamo na Assembleia da República, veja-se o abandono do partido MDM da sala de sessões. Mostra que, efectivamente, não há interesse de debate do que pode beneficiar o público.

 

Pessoalmente, sempre tenho escrito e defendido que, se quisermos continuar como um País “uno e indivisível”, devemos rever a oportunidade das eleições Distritais que, pessoalmente, penso que será um fim da República e a criação de pequenos “Batustões” à semelhança da África do Sul do Apartheid. A ideia não é que não se venha implementar as Autarquias Distritais, a questão é a oportunidade da sua implementação e o impacto Sócio-político e Económico que isso trará. Interessa-nos ou não a questão é lutar pelo poder a qualquer custo!

 

Virão os legalistas dizer: “a Constituição da República é de cumprimento obrigatório” e eu retrucaria questionando: mesmo que nos estejamos precipitando ao abismo!? Não creio que seja assim, é verdade que a Frelimo tem e continuará tendo seus próprios “pecados” de que resulta a falta de confiança entre as partes, mas não creio, certamente, que seja este caso: pensar no terceiro mandato de Filipe Nyusi!? Creio que essa parte cabe ao partido Frelimo decidir, nenhuma sociedade civil poderá impedir, legalmente, se a Frelimo assim o desejar, pois, usará as armas de que dispõe, quer na Assembleia da República, quer no processo de Governação. Por isso não é por aí, na minha opinião, aliás, a aprovação, pela Bancada Parlamentar da Frelimo, da Lei que altera o período da convocação das eleições gerais, das Assembleias Provinciais e da República é disso testemunha.

 

O caro leitor questionará: então a sociedade civil deve manter-se calada e impávida perante esse comportamento? A resposta é que não, a sociedade civil deve, de forma estruturada e organizada, interpelar os partidos políticos, para persuadi-los sobre o mal que determinadas decisões podem acarretar. A sociedade civil deve, na minha opinião, sensibilizar a sociedade para o despertar sobre determinadas matérias e seu alcance para que não prejudique a própria sociedade. Isso sim, penso que pode ser o papel da sociedade civil.

Dez famílias estão, neste momento, senhor presidente, sem rua para chegar às suas casas, porque o que era rua vendeu-se. O que era rua será coroado por um enorme muro nos próximos dias, senhor presidente. São dez famílias que terão de criar pontes imaginárias para chegar aos seus quintais, porque um grupinho da zona decidiu vender o que era rua. Claro que este não é o primeiro caso que acompanho na Matola-Gare, há muitas ruas que são vendidas e terrenos que são disputados por mais de cinco pessoas. E hoje são dez famílias que foram arrancadas uma rua.

 

Já escrevi, diversas vezes, sobre as negociatas de terrenos que acontecem na Matola-Gare, mas ninguém me ouve. Hoje falo de dez famílias, incluindo a minha, que foram arrancadas uma rua. Aquilo que era rua, com postes de electricidade, com um enorme corredor para autocarros, com um tubo geral de água será vedado nos próximos dias.

 

Isso acontece na Matola-Gare num terreno que foi arrancado a uma velhinha e vendido, debaixo dos seus gritos, à uma família que hoje pretende fechar uma rua. A velhinha, meu Deus, todos os dias põe-se debaixo da sua angústia e lamentava, tal como essas dez famílias, o seu terreno vendido. O grupo vendeu o terreno e hoje são essas dez famílias que estão concentradas nos seus quintais como água de chuva, pois não têm nem um pedaço de terreno para lhes servir de entrada.

 

O grupo tentou falar com a dona do mundo que comprou a rua e o terreno. E ela, porque tem dinheiro, porque tem amigos no município, disse apenas que ia doar um beco, um palmo de centímetros, para servir de entrada a essas dez famílias, senhor presidente. Um beco só para encostarmos o corpo e chegarmos às nossas residências, um beco que nos cederemos e passaremos, um a um, como formigas seguindo para um buraco.

 

Senhor presidente, falo de dez famílias e muitas que estão a surgir que dependem dessa rua. A velha, que era dona do terreno, todos os dias chora pelo seu terreno arrancado e hoje chora pela rua, porque sabe que já não tem onde encostar os seus passos e chorar pelo terreno que um dia foi seu.

 

Os terrenos são vendidos como tomates na Matola-Gare, mas ninguém se importa em deixar-nos uma rua. De tempos em tempos, somos obrigados a abrir novas ruas, novas entradas, mas dessa vez não temos nada a abrir, pois estamos sem mãos e estamos sem catanas suficientes para lutar pela rua que foi vendida. Viramos bichos que não precisam de ruas, senhor presidente.

 

Uma rua larga, uma rua que servia de corredor para nos evacuar às nossas residências deixará de existir nos próximos dias, senhor presidente. Dez famílias viverão isoladas numa ilha sem saída como bichos da Idade da Pedra. E como essas famílias sairão ao mundo nos próximos dias? Como essas famílias irão carregar os seus passos para dentro de casa?

 

Claro que eles fazem isso, porque essas dez famílias são um entulho de pobres. Há meses venderam a rua de um dos maiorais do bairro, mas tudo acabou mal: o maioral usou a força, que me dava muito jeito tê-la, mandou varrer a rua e tudo voltou à normalidade. O bairro todo aplaudiu. E hoje somos nós, dez famílias, que passaremos por isso tudo, porque não temos a força de varrer tudo como o maioral. Nos próximos dias, haverá um muro coroando a rua que nos servia de entrada, haverá uma porta impedindo-nos de entrar em nossas casas.

 

Depois de nós, as dez famílias, de certeza mais ruas serão contrabandeadas em toda a Matola-Gare. Temos, todos os dias, de dormir com um terço, na mesinha da cabeceira, para orarmos pelas nossas ruas. Todos os dias temos de pedir a Deus para cuidar das nossas famílias e das nossas ruas. Terá Deus, coragem e força suficientes para fazer tudo isso? Senhor presidente, são dez famílias e pedimos de volta a nossa rua e não um esconso em forma de beco qual entrada dos currais.

 

E estamos nesse silêncio, senhor presidente, porque os donos do bairro ditam as regras e calam os nossos barulhos com “nós somos donos disto tudo”. E as dez famílias, sem donos, como ficarão sem entrada? Senhor presidente, são dez famílias que nos próximos dias viverão isoladas como doentes de lepra por falta de uma rua. Escreverei até que tenhamos a rua de volta, mais dez ou vinte cartas, senhor presidente.

JoaoNhampossanovaa220322

“As primeiras eleições distritais, nos termos previstos na Constituição da República, têm lugar no ano de 2024.” É o que estabelece o n.º 3 da Constituição da República de Moçambique (CRM). Trata-se, pois, de uma consagração constitucional resultante da revisão da Constituição havida no ano de 2018, através da Lei n.º 1/2018 de 12 de Junho, a qual introduziu o polémico pacote de descentralização, incluindo a figura do Secretário do Estado na Província.

 

Ora, dúvidas não restam de que se operou uma alteração profunda da Constituição de 2004, na medida em que foi modificado o direito de sufrágio universal e de participação política no que as autarquias locais diz respeito, bem como da organização do poder político, para além de ter posto em causa a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais relativos à democracia ou ao processo da democratização do País à luz do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 3 da CRM. Isto significa que as alterações dessas matérias constituições não deviam ter lugar sem a realização de referendo, o que foi completamente ignorando em violação do n.º 2 do artigo 300 da CRM que determina os limites matérias de revisão constitucional.

 

Em boa verdade, é preciso reconhecer que a revisão da Constituição de 2004 através da Lei n.º 1/2018 de 12 de Junho foi resultado da vontade e acordo de duas pessoas, nomeadamente Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi e o então Presidente da RENAMO, Afonso Dlhakama, sem qualquer participação pública relevante nos termos da lei para o efeito e em clara violação as regras previstas para a revisão constitucional daquela envergadura. Foi uma revisão constitucional alegadamente sustentada na urgência do problemático acordo de paz assinado entre Nyusi e Dlhakama, atendendo as eleições autárquicas e gerais realizadas em 2018 e 2019, respectivamente. Tratou-se, em bom rigor, de uma revisão constitucional completamente refém da vontade e ambição política e que de entre outros aspectos para o referido acordo de paz e de partilha de poder político previu a introdução de eleições distritais para o ano de 2024.

 

Correntemente, ouve-se, recorrentemente, a voz do comando presidencial que se opõe fortemente contra a realização das eleições distritais constitucionalmente previstas para o ano de 2024, no sentido de adiá-las para um outro período, alegadamente por falta de condições, sobretudo, materiais e financeiros, assim como falta de ambiente político e social favorável.

 

No entanto, não são apresentados estudos e evidências inequívocas ao público em geral que alimentam essa posição contra a materialização das eleições distritais em 2024. Curiosamente, para a efectivação dessa posição e vontade presidencial, há que se proceder com a revisão pontual da Constituição da República o que, do ponto de vista temporal, se  mostra possível, apesar de revelar fragilidade da Constituição no que diz respeito a maneira como é revista e a forma irresponsável como é usada para firmar compromissos políticos dúbios e amainar os ânimos das forças políticas como parece estar a acontecer com o processo de constitucionalização de eleições distritais e a pretensão da anulação da sua funcionalidade e operacionalização no período constitucionalmente previsto.

 

Ainda que aparentemente possam estar preenchidos os requisitos para uma revisão pontual da Constituição da República de modo que esteja adiada a realização das eleições distritais, tal não deixa de representar uma grande traição à integridade constitucional para satisfazer a “líbido” política, considerando que há violação das expectativas criadas no seio do povo relativamente a governação descentralizada a nível do distrito, bem como violação da coerência e segurança jurídica no que os preceitos constitucionais dizem respeito, para além de se estar a desvalorizar e banalizar a CRM.

 

Mais preocupante ainda, é o facto de haver no sistema jurídico moçambicano deficiente mecanismo de protecção da integridade da CRM que é, vezes sem conta, pontapeada para alimentar interesses políticos, num contexto de quase ausência de debate público franco e profundo sobre a salvaguarda da Constituição mesmo a nível da academia e das principais instituições de justiça, incluindo o judiciário, com destaque para o Conselho Constitucional que é por definição o órgão de soberania, ao qual compete especialmente administrar a justiça, em matérias de natureza jurídico-constitucional, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 240 da CRM. Em bom rigor jurídico, o Conselho Constitucional mostra-se de mãos atadas para proteger a Constituição de tal modo que as suas atribuições e competências para esse efeito são, na verdade, cosméticas. Pior ainda, é o facto de não haver ousadia bastante, no estrito respeito pela lei e ética científica, para contrariar a vontade ou posição do Presidente da República, mesmo que essa posição esteja a pôr em causa a integridade da CRM.

 

Portanto, há necessidade urgente de adoptação de mecanismos mais claros de protecção da Constituição da República e garantir que a mesma não seja usada para expedientes políticos não sérios e que a sua revisão seja razoável, respeitosa dos requisitos definidos para tal e que seja feita mediante uma participação pública transparente. No mesmo sentido, urge melhor justificação para o adiamento das eleições distritais agendadas para 2024 com evidências inequívocas e objectivas. Mais do que isso, é preciso explicar a sociedade a real razão de se ter estabelecido constitucionalmente a realização das primeiras eleições distritais para o ano de 2024.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

quarta-feira, 29 março 2023 09:00

ILHA DOS SONHOS CONFISCADOS...

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O melhor presente que uma sociedade pode dar a si mesma é a boa educação dos seus filhos. (Cícero, 106–43 a.C., Estadista, Orador e Escritor Romano)

 

Era uma Sexta-feira, manhã alegre e cálida de 03 de Fevereiro de 2017, um dia banhado de enorme desfile dos raios solares. Os Moçambicanos preparavam-se para celebrar o Dia dos Heróis, alusivo à heroicidade prematura de Eduardo Chivambo Mondlane, consequência de um assassinato encomendado, que até hoje se reveste de ocultismo, ao Primeiro Presidente da Frente de Libertação de Moçambique, a então FRELIMO de todos.

 

O Jota, que naquele dia afogueado completava mais um ano de vida, estava ansioso para realizar as suas actividades costumeiras. Todavia, para a surpresa dos amantes das celebrações festivas, as árvores eram vigorosamente sacudidas por ventos moderados, que sopravam de todas as direcções e latitudes. Era o auspício de um dia que banharia a terra de chuva.

 

A dona Adélia, a mãe do Jota, estava toda preocupada com os seus negócios domésticos. Por isso, como sempre, agitava-se de um lado para o outro, procurando encontrar alternativas para resolver as responsabilidades familiares que pesavam sobre os seus já cansados ombros de mãe moçambicana exemplar, culturalmente ensinada a cuidar de casa e dos filhos.

 

Por sua vez, o tio Manuelinho havia chegado de uma viagem. Vinha da cidade das bicicletas, que guarda os bons sinais da entrada triunfal dos colonialistas portugueses, o pequeno Brasil de Moçambique, a cidade natal do jovem Contratado para ser Presidente do Município.

 

O tio Manuelinho havia decidido passar o feriado dos Heróis Moçambicanos e o final de semana prolongado em casa da sua irmã de coração. No pátio daquela casa típica dos Maputenses, ele conversava sobre diversos assuntos com o sobrinho, o Jota, ora Jornalista-Estagiário do único Laboratório de Multimídia instalado na Cidade das Acácias – Mídia Lab[1] – o qual produziu jovens brilhantes dedicados à comunicação.

 

Tratava-se de uma conversa cheia de alegrias e tristezas, de boas e más notícias, um verdadeiro arco-íris comunicacional. A conversação de tio e sobrinho fluía como o escorregar turbulento das correntes de água num dia de chuvas torrenciais.

 

Entretanto, na noite anterior, o Jota teve um sonho, que ficou gravado em sua memória, em forma de um diálogo que, em seguida, rabiscou, enquanto dialogava com o seu tio em relação à situação da nossa Pérola do Índico, Moçambique.

 

Diz respeito a uma conversa que tivera com a sua mãe em relação ao que estava a acontecer em sua casa nacional. Era um sonho repleto de realidades, cimentadas na vida dos cidadãos, as quais contrariavam as celebrações do jubilante Dia dos Heróis.

 

― Mãe, eu tenho uma pergunta. Posso fazer? ― Interrogou o Jota, preventivo.

 

A mãe, desassossegada, e com um olhar desatento transparecendo cansaço, cautelosamente, interpelou a voz do filho, a qual lhe cortava o sossego.

 

― Fala, meu herdeiro de qualidade. Afinal, o que se passa contigo? Vejo que, ultimamente, andas muito inquieto.

 

― Mamã, será que o nosso Pai nos ama de verdade? Será que ele pensa em nós, nas nossas irmãs, que choram pelos castigos dos guardas prisionais deformadores, que pranteiam pelas chamas e agressões de todos os lados, que lamentam pelas dificuldades que enfrentamos para construir o nosso humilde lar e por tantas outras coisas que acontecem aqui em nossa casa? ― Questionou, profundamente, o Jornalista-Estagiário.

 

A mãe, entusiasta, como de costume, suspirou bem fundo e retornou ao filho da sua alma atormentada. Soltando palavras escoltadas de bastante atenção e cautela, interrogou:

 

― Porquê, meu filho? O que se passa contigo, Jota? O que está a acontecer de verdade, meu filho? ― Triquestionou a mãe do Jornalista-Estagiário.

 

E o filho, acumulando uma média de audácia nos seus apavorados pulmões, que produziam um conjunto de ar ofegante, fez atravessar, passando pela laringe e faringe, dos seus largos pulmões livres do fumo das drogas, numa mistura das cordas vocais, palavras e expressões frásicas compostas de sons altamente vozeados e silábicos, fonética e fonologicamente bem organizados, e asseverou:

 

― Mamã, mamã… Porque o Pai é Bombeiro e a nossa casa está em chamas, a arder de todos os lados, porém, parece que ele nem sequer nos quer socorrer… Isso é normal, mamã? É normal, isso? ― Questionou o sobrinho do tio Manuelinho.

 

Eish, mwananga, mathala iwe[2]. Sempre que falas, só abalas! Não faças isso, meu filho! Antes de falar, preste muita atenção, meu filho. Preste atenção! ― Aconselhou, com amor misturado de temor, a dona Adélia.

 

No entanto, ela, como que tivesse entendido a plenitude da mensagem escondida nas entrelinhas da pergunta do filho, continuou, toda efusiva:

 

Mwanawe, una passiwa xikonde iwe[3]! O teu Pai está sempre atento a este tipo de comentário e conversa. Ele tem muitos ouvidos… Até parece um Superman[4]! ― Disse a dona Adélia, e, em seguida, acrescentou:

 

― Ele sempre ouve comentários de todos sobre o funcionamento da nossa casa, principalmente quando não são a favor da sua liderança. Ele ainda não quer aceitar que isso é para o bem de todos nós. Pelo contrário, ele pensa que lhes queremos mal. ― Sublinhou, cautelosamente, a irmã do tio Manuelinho. Após suspirar por alguns segundos, tentando ruminar os pensamentos que escorregavam em sua mente, adicionou mais conteúdos à sua fala:

 

― Talvez sejam os seus muitos ouvidos que transmitem mal estas mensagens… Talvez sejam eles que distorcem os nossos comentários para ganhar mais confiança e credibilidade, bem como para mostrar que, realmente, estão a trabalhar. Isso já se normalizou na nossa casa, filho…. Infelizmente! É o pão de cada dia produzido pelos lambe-botas da Pérola do Índico!

 

O filho, imediatamente, alinhou as suas palavras com o discurso que a sua já cansada mãe acabara de produzir. Quase desesperado, sem saber onde buscar ajuda, como que apanhado de surpresa, expôs abertamente:

 

Ahhh, yá! Só posso sair desta casa… Não quero morrer afogado, muito menos ter o meu corpo totalmente incinerado, mamã. Se eu continuar aqui, com estes meus comentários, todos os meus sonhos serão arquitectamente carbonizados e tornar-se-ão em cinzas. Vão incendiá-los ― como daqui a três anos, na noite de Domingo do dia 23 de Agosto de 2020, farão ao Semanário Canal de Moçambique[5]. Há muitas coisas que não posso divulgar, nem suportar, mamã. ― Revelou, profeticamente, o Jornalista-Estagiário, que se mostrava visivelmente emocionado, e aditou:

 

― Não posso ver, em silêncio, as minhas irmãs a serem vendidas na cadeia, a nossa casa a queimar no telhado, lá no Cabo do Norte, onde lutámos pela nossa libertação, e a família toda impedida de construir, porque alguns senhores decidiram e não querem que nós, os mais desfavorecidos, tenhamos onde reclinar a cabeça. ― Referiu o jovem apaixonado pela comunicação multimídia e pelas almas dispersas que precisam de um salvador e apascentador. E aproveitou para, de forma profética, fazer algumas revelações.

 

― Mamã, sabes que, daqui a três anos, alguns madalas[6] do mercado de cimento tentarão denunciar um animal em vias de extinção representado em forma de uma empresa produtora e vendedora de cimento, a Dugongo? Espere e verá!

 

Vendo que o filho se assustara e até lhe tremiam as bochechas quando falava, transparecendo o temor que ecoava do fundo das suas entranhas, e o medo de ver o seu futuro prematuramente abortado, como acontece com as meninas que são entregues ao casamento antes de o astro solar completar os seus 18 movimentos giratórios, a mãe do Jota atravessou a comunicação do filho e, despejando pânico, afirmou:

 

― Filho, fique comigo. Vamos suportar as chamas até que um dos nossos vizinhos nos venha ajudar… Paciência, Mwananga[7]! Não te precipites tanto. Vamos aguardar até que surja alguém tão corajoso para nos ajudar! Tu não és herói, filho!

 

Após esse intercalar da sua mãe, uma medida de poucas palavras, carregadas de conteúdo semântico exibido pela sensibilidade da sua voz, associadas às gotas salgadas que espreitavam pela janela do seu rosto cheios de experiências tristes, colocando a mão sobre a cabeça, procurando vocábulos para melhor se expressar, o Jornalista-Estagiário, como um Activista lúcido, contestou com todas as suas forças:

 

Shiii, mamã… Já não te reconheço mais. É tudo o que me tens a dizer? Queres mesmo que vendamos o nosso raro carácter a preço de banana, por temer quem nos deveria proteger e lutar pelo nosso bem-estar? É isso mesmo, mamã? Sério?!

 

― Tens alguma ideia melhor, meu filho? Não vês que não temos saída? ― Controverteu a mãe, toda preocupada.

 

Ela tremia tanto que abanava a única capulana que lhe concedia a dignidade de uma mulher emancipada. A penúria, todavia, ao de longe, sem recurso a qualquer tipo de microscópio, denunciava-se na sua aparência esbofeteadamente sofrida.

 

― Um momento, mamã. Deixa-me consultar os meus irmãos, amigos, colegas e vizinhos. Talvez alguém tenha alguma solução ou alternativa que seja melhor para nós. Talvez, mamã! Talvez! ― Interveio o Jota, com esperança brotando adentro.

 

Após ter pronunciado aquelas palavras, o filho da dona Adélia deu algumas voltas no pátio da casa, que há tempo solicitava por Primeiros Socorros. Os Bombeiros viram o incêndio, mas, quando chegaram, não tinham água para apagar as chamas. Até tentaram! Os Instrutores de Matalane e guardas de Ndlavela sabiam das suas responsabilidades, porém, a sua ganância exercia mais autoridade sobre as suas consciências.

 

Além disso, os políticos tinham e têm a noção da nossa pobreza, contudo, preferiam defender as suas próprias causas a lutar pelo bem comum e por aqueles que os elegeram. Outros líderes, por sua vez, sabem o que é necessário fazer para resolver os vários problemas que sufocam o povo. No entanto, confiaram esta responsabilidade aos renomados Parceiros de Cooperação e às organizações externas, quer privadas quer nacionais.

 

A Sociedade Civil, por seu turno, grande parte desta, mostrava-se e continua a mostrar-se apática ao que realmente acontecia. Uma parte dela, geralmente, luta, com vigor e todas as suas garras e forças, por sonhos e necessidades particulares, e é, infelizmente, especialista nisso. Enfim, era muito ingrediente para uma única e simples refeição de conversa de mãe e filho!

 

E os ponteiros do relógio não paravam de girar. Passados alguns minutos, o filho, o Jornalista-Estagiário, bradou altíssimo:

 

― Por favor, alguém para nos ajudar… Alguém aí nos pode ajudar, please[8]? Está a ser difícil continuar a viver e, inclusive, respirar nesta ilha. Os nossos sonhos estão a ser, aos poucos, gradual e malandramente, sem travões, confiscados!

 

De repente, um par de silêncio e interrogações invadiu o cenário e pátio onde ambos conversavam. Era visível aquela presença friorenta e intimidatória que alcançou toda a vizinhança, incluindo aqueles que moravam em lugares mais distantes e recônditos em relação àquela velha casa negligenciada de alvenaria amarfanhada num pátio de Maputo.

 

Surpreendentemente, ninguém ousou responder ao pedido de ajuda que ecoava dos quintais de quase todos os bairros suburbanos, apesar de, literalmente, todos conseguirem ouvir. No entanto, algum tempo depois, as chamas invadiram outros pátios vizinhos, os danos alastraram-se e afectaram muitos bolsos, muitas famílias e escorregavam rumo ao futuro.

 

De seguida, algo incrível aconteceu. Agora, quase TODOS julgavam ter respostas aos vários pedidos de socorro. Ou melhor, quase todos tinham algo a dizer sobre o assunto, pelo que vozes emanavam de todos os pontos cardeais da crosta terreste moçambicana, de latitudes, altitudes e longitudes diversas. Quase todos tinham a solução para os problemas.

 

Posto isso, o Jota, ao deparar-se com aquela realidade, sem reservas e molhos de hipocrisia, soltou a sua voz, espantado:

 

! Rendi… Agora, somos TODOS génios! Só porque as chamas também os afectaram…. Será que precisava mesmo de chegarmos a este ponto? Será?! Haja MUDANÇA!

 

A mãe, tentando socorrer-se da fala do filho, declarou:

 

Mwananga, mwananga[9]. É melhor cooperares com o silêncio. Caluda! Eu já sepultei muitos filhos que tentaram agir como tu. Como mãe, aconselho-te a seres apenas um mero espectador, telespectador ou ouvinte… Não faças perguntas. ― Disse a dona Adélia, que, na sequência, acrescentou:

 

― Até porque ainda não és Jornalista, meu filho. Aliás, até os Jornalistas formados, renomados e outros mais novos na área, já se cansaram de perguntar e receber cheques em branco como respostas às suas várias e incansáveis reclamações e observações. Outros Jornalistas, até, já levaram sovas por causa de abrirem as suas bocas acima da medida politicamente recomendada. E tu, meu filho, queres mesmo seguir este caminho…. É isso? Eu não te quero perder, antes do romper da lua nova, meu filho!!! ― Exclamou a dona Adélia, enquanto tremia e respirava pavor.

 

O filho, boquiaberto pela reacção da mãe, com todas as suas forças, borbulhando por dentro, retorquiu:

 

― Mamã… Se assim for, já me perdeste há muito tempo. Acorda, mamã. Acorda, senão vamos todos perecer aqui… ― Confessou o Jornalista-Estagiário. Após uma pausa de silêncio, matematicamente calculada, ele acrescentou:

 

― Nesta casa, aliás, nesta ilha, há vendedores de sonhos, mamã! E eu não quero ser mais uma vítima de sonhos confiscados! Não é por isso que os meus irmãos, quando vão estudar no exterior, preferem ficar por lá e usar o conhecimento que adquiriram para robustecer mais ainda aquelas terras estrangeiras? E nós vamos, continuamente, perdendo quadros?

 

Tendo terminado de proferir aquelas palavras, uma voz desconhecida, que vinha do lado exterior da casa, bradou:

 

― Você aí, muito cuidado! É melhor calar, está bem?

 

Assustado, de repente, o Jota abriu os olhos. Afinal, tratava-se de um sonho. E ele despertou, sem saber o que fazer. Até tentou procurar alguém que lhe ajudasse a desvendar os significados daquele sonho, mas não sabia em quem confiar.

 

Após contar o sonho ao tio Manuelinho, este vociferou para todos os cantos do quintal da casa da sua irmã e perguntou:

 

― Alguém aí nos pode ajudar? ― Logo depois, devolveu a sua voz ao abrigo do silêncio, aguardando por uma resposta de qualquer cidadão voluntário, nacional ou internacional.

 

Até hoje, a casa ainda é uma ilha de sonhos confiscados!

 

Autor: Janato Janato

 

Extraído do livro “Contratado para ser Presidente

 

[1] É uma Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana que trabalha para boa governação e transparência, através do desenvolvimento e fortalecimento do Sector da Mídia, com capacitação intensiva, aprendizagem situacional e oportunidades práticas para Jornalistas emergentes; orientação, treinamento e educação continuada para Jornalistas experientes; adopção de novas tecnologias digitais, plataformas multimídia e estratégias de engajamento online para negócios de Mídia, e no desenvolvimento de operações sustentáveis e modelos de negócios para proprietários do Sector.

 

[2] Eish, meu filho, cala-te – Traduzido do Sena, língua falada no Centro de Moçambique (particularmente nas Províncias de Sofala, Zambézia e Tete).

 

[3] Meu filho, vais receber um golpe na cabeça – Traduzido da língua Sena.

 

[4] Super-homem – Traduzido do Inglês.

 

[5] Na noite de Domingo, do dia 23 de Agosto de 2020, indivíduos desconhecidos arrombaram as instalações onde funciona o jornal Canal de Moçambique, na Avenida Maguiguana, n.º 1041, na Cidade de Maputo, e introduziram dois bidões de combustível de 20 litros cada, para depois atearem fogo, antes de abandonarem o local. O fogo destruiu completamente a redacção, o arquivo, mobiliário e todo o equipamento utilizado para a produção do Canal, colocando em causa a produção da Edição do dia 26 de Agosto de 2020 do jornal.

 

[6] Palavra popular utilizada para se referir a “pessoas mais velhas, avançadas em idade ou idosos”.

 

[7] Meu filho – Traduzido da língua Sena.

 

[8] Por favor ou por obséquio – Traduzido do Inglês.

 

[9] Meu filho, meu filho – Traduzido da língua Sena.

 

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