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Na dimensão ideal existem muitas pontes dialéticas (desejos e anseios) entre o Setembro Amarelo e as Ondas Coloridas, ambos podem ser um momento de paz, reconciliação e tranquilidade mental, nas relações interindividual e intergrupal em ambas as categorias, (o eu e o outro, e o nós e eles). Mas, na dimensão real, sem dialética ‘possível’, visto que o Setembro Amarelo almeja por uma maior consciência sobre a saúde mental, segurança mental, higiene mental, ou seja, uma sociedade que cuida do binómio saúde e doença mental, e surrealmente encontrarás esta tranquilidade toda no meio das escaramuçaras. E mas, os média são em parte responsáveis pelas nossas construções e representações sociais, vamos parar de pensar que o que aparece na televisão começa e fica por ali, até porque toda nossa psicologia, comportamentos, percepções e emoções são em parte alteradas perante uma simples notícia, imagine perante cenários de trocas de mimos, escaramuças e ridicularizadade?

 

Mas, do lado das Ondas Coloridas que poderiam propiciar esta tranquilidade e relaxamento todo, ou seja, propiciar as Ondas Coloridas como bem-estar, estão busy com trocas de mimos (exibição de nossismos, euismos, meuismos e pessoismos), estão busy com as escaramuças, no lugar daquele plano ideal de ondas coloridas como festa, como dança, como música, como namoro, como conquista. Somos presenteados com candidatos a namorados que não sabem que eles deveriam ser os primeiros a dizer não a qualquer forma ou tipo de violência, namorados que são pela paz, namorados que são pela reconciliação, namorados que pensam no país como prioridades no lugar das cores, namorados que usam a palavra não armada, a palavra não belicista, a palavra não intolerante, a palavra não tóxica para conquistar as namoradas, neste caso, as moçambicanas e os moçambicanos.

 

Mas será que as cerimónias tradicionais pelas quais passaram estes ‘namorados’ e seus ‘familiares’ passaram antes do início das Ondas Coloridas e cuidaram do espíritos destes? Cuidaram das mentes destes, cuidaram dos comportamentos tóxicos, cuidaram da alma destes, ou por outra, as mentes foram desarmadas como forma de desarmar as narrativas belicistas, por um lado, e as atitudes belicistas, por outro lado? Se calhar com mentes desarmadas teríamos candidatos ao namoro com uma narrativa baseada na cura pela palavra (pacífica), uma retórica com base em ideias em prol de um Moçambique autónomo e soberano, com maior redução possível da dependência externa,  no lugar da troca habitual de mimos.

 

Candidatos a namorados que percebam que com base na dialética do eu e outro emerge o nós, no lugar da dialética de nós aqui e eles lá (com pontes quebradas), e todo aquele que pensa diferente de nós é percebido como sendo nosso inimigo.

 

Sobre o lado tóxico dos candidatos a namoro em nome das Ondas Coloridas, ou seja, namoro como uma forma de nossismo deixa resgatar um trecho publicado em 2018 a pensar no 10 de Outubro, ou melhor, nas eleições autárquicas de 2018:

 

Teria a narrativa Moçambique monstros e fantasmas com o poder de perigar a relação entre o eu e o outro, criamos nós estes monstros e fantasmas mentais e imaginários como uma consequência da  fobia pela diferença e pelo diferente? Para tal falo das várias nuances do nossismo dentro do ethos da Psicologia Social, a saber:

 

  • Nossismo comunicativo como uma forma que ganha espaço na significação da nossa narrativa, onde os ciber-intelectuais com recurso a popularidade (não confundir com populismo) criam fábricas mágicas de pós-verdades como se a narrativa Moçambique se tratasse dos contos da Alice no país das maravilhas, ou seja, este ethos funciona dentro das cavernas e nas torres de marfim (como se de contos aos quadradinhos se tratasse) sobre falsos eventos, sobre falsas verdades, esta fabricação é do eu face ao outro, neste lugar pelo pódio na narrativa Moçambique. Estaríamos perante a morte da verdade em Moçambique? A verdade morre ou teria morte em Moçambique?

Nossismo identitário como forma de marcar território representa uma outra nuance da perigosidade da relação eu e outro. Os temas actuais na nossa narrativa giram em volta da identidade tribal, regional e quiçá em voltas gemas, ou moçambicanos de primeira e os moçambicanos de segunda. Esta forma linear e fechada de ver e mergulhar no ethos do país funciona para legitimar as diferenças (formas excludentes) no lugar da tão sofrida e bem conseguida narrativa: unidade nacional, mas:

 

  • Somos unidas e unidos?
  • Temos condições psíquicas para pensar nesta bela conquista: unidade nacional?
  • Como funciona a nossa unicidade?
  • Como as moçambicanas e os moçambicanos vivem as relações multiculturais, num país bilionário na cultura e na diferença?
  • Como as nossas singularidades socializam a nossa unicidade?
  • Como as dinâmicas dos vários grupos transbordam no espaço público?

Nossismo cultural como o status quo de ser ou não moçambicana e moçambicano de gema, o local, a dona e o dono, cultura que é ou pode ser legitimada e reforçada pelo poder político e legal. A capulana como artefacto social, por exemplo, é assumida como o expoente máximo da expressão da nossa cultura mas de forma livre e espontânea. O que se assiste hoje: toda uma legislatura de capulana, não tem mulheres e não tem homens, estamos perante o eu-capaluana nos espaços públicos e privados, ou seja, a capulana sai do binómio privado-público para público-privado. Será de livre vontade? Estarão felizes com o eu-capulana? Como são vistos os que não assumem o eu-capulana no espaço público? O Nossismo cultura faz parte de um ethos inflexível, que legitima os grupos através da cultura, o que seria cultura para o país bilionário culturalmente?

 

Nossismo político, a elevação e legitimação da intolerância no seio dos grupos, dos movimentos e dos partidos políticos, podem ser assumidas como uma forma de violência simbólica, sem mencionar aqui as várias nuances e dimensões da violência associada a este ethos. No lugar de perceber o outro, no lugar de comunicar com outro, o escarramos como sendo um inimigo por abater do espaço político no lugar de uma co-habitação política, num contexto de liberdades individuais e colectivas.

 

A dialética eu e outro são importantes na relação interpessoal e intergrupal, mas também, são importantes no âmbito do Setembro Amarelo que almejava uma dialética sã nesta relação eu e outro. Pois a ausência desta relação equilibrada nos colocaria mais próximos das nuances do nossismo. Esta dialética do eu e do outro passa pela consciência de si a partir do outro. Neste caso em especial seria uma dialética entre os candidatos a namorados na Onda Colorida, onde a ‘ideia’do outro é importante para uma sociedade autónoma, desenvolvida e esclarecida, por um lado, onde é urgente abandonar a prática tóxica de eliminação a figura dialética do outro, não se elimina o espírito do outro, até porque a consciência de si não flui sem o outro.

 

Perceber o namoro das Ondas Coloridas como escaramuças é perpetuar a imbecilidade associada ao nossismo, pessoismo, euismo e meuismo

 

O Setembro Amarelo significa também consciência redobrada e acrescida na prevenção de doenças mentais, mais particularmente àquelas como a depressão que infelizmente podem levar ao suicídio, Setembro amarelo significa prevenção, significa promoção, significa educação para saúde, significa saúde coletiva e comunitária face a saúde mental, saúde mental como bem-estar societal.

 

O mês de setembro, simboliza uma ação que deve ser contínua e consciente num país que infelizmente, figura nas estatísticas mais altas de África na questão de suicídio, e pelo facto de ainda darmos pouca atenção as questões de saúde mental, por acharmos ou reduzirmos às questões tradicionais, onde as mesmas são apeladas para uma resposta no seio familiar, porque lá encontrarão com facilidade o autor desta crise mental. Mas nada impede que a saúde convencional estabeleça pontes com a dita saúde tradicional na questão de um melhor entendimento sobre a saúde mental, pois, não deve ser visto como retrógrado o acto de existirem teorias do quotidiano ou melhor, construções e representações sociais sobre o que é saúde mental e o que é doença mental.

 

Infelizmente as pontes são quebradas entre estes dois eventos, para além do facto da consciência do mês, ou seja, Setembro Amarelo. O Setembro Amarelo tinha ‘tudo para dar certo’, no namoro com as Ondas Coloridas, o que falhou?

 

  • Falta de informação sobre o Setembro Amarelo?
  • Que pontes existem entre saúde mental e as Ondas Coloridas?
  • Postura cívica dos namorados?
  • Fasquia dos namorados?
  • Campanha ou política de grupetos?
  • Percepção dos namorados sobre o significado das Ondas Coloridas?
  • Campanha como loucura?
  • Campanha como 'dor'?
  • Campanha como acusação?
  • Campanha como ódio?
  • Campanha como grupetos de amigos e inimigos?
  • Campanha como inflamação de egos, narcisismos?

As Ondas Coloridas não são um momento para fortalecer a nossa introversão, mas sim, um momento para fortalecer a nossa excentricidade, não deve ser um namoro onde a tua fala e retórica só têm sentido para as vozes dentro da tua cabeça e dentro do teu grupeto, assim estaríamos a prestar um serviço sem fasquia e sem qualidade, e pior, a enganar ao tal eleitorado que fingimos estar a namorar, pois, no final pretendemos é um autonamoro, escamoteando as questões éticas, que não deviriam ficar em modo pause em época de namoro eleitoral.

 

Ondas Coloridas seriam o momento de educação e cidadania, de expurgar a mentalidade belicista e armada, e clamar por um desarmamento espiritual baseado no confronto de ideias rumo a uma sociedade informada e lúcida sobre como melhor votar, não pelos partidos, mas por Moçambique, por Zambézia, e por todas as províncias dentro da sua rica diversidade.  

 

Setembro Amarelo calhou no mês errado? Acredito que não, penso que o Outubro Rosa terá mais sorte que o Setembro Amarelo. Que a contagem decrescente seja um verdadeiro momento de debate de ideias entre os candidatos presidenciáveis e entre os partidos extraparlamentares. Não há sociedade sem ' debates' 

quarta-feira, 02 outubro 2019 06:32

Pim, Pam, Pum…

De cinco em cinco anos e por 45 dias o país vive sob o manto festivo de jornadas de teatro político onde a arte de encenar é uma qualidade bastante apreciada e aplaudida. Tenho estado a acompanhar e até ao momento – para efeitos do próximo mandato - não me simpatizei com nenhuma das peças postas ao crivo popular. Aliás, fora as cores, nada as diferencia. E se tivesse que responder a um inquérito sobre a qualidade do que é apresentado a minha resposta seria bem à brasileira: bota ruim! 
 
 
E a propósito do “bota ruim”: uma vez no Brasil tive que responder a um inquérito sobre a qualidade de um determinado evento em que participara. O inquiridor - que me interpelou no aeroporto e de regresso ao país - depois de explicar os propósitos, argumentou e pediu encarecidamente que eu escolhesse a opção “ruim”. Concordei com os fundamentos e fui mais a fundo, assinalando a opção “muito ruim”. Oxalá tenha sido útil.
 
 
Trago isto a terreiro porque nas eleições, pelo menos em Moçambique, a opção “ruim” ou outra - “não sei” ou “nenhum deles”- não faz(em) parte do boletim de voto. Desde as primeiras eleições (1994) que me abala ter que escolher candidatos entre os que a partida não me apresentam razões fiáveis que justifiquem o meu voto. 
 
 
Tenho dito, salvo melhor entendimento, que o modelo de boletim de voto que é usado não está concebido para o voto que se queira racional. No mínimo exclui uma parte das conclusões do exame que o eleitor faz dos manifestos dos candidatos. Em caso de manifesta discordância com todos os candidatos o boletim de voto não oferece nenhuma alternativa para expressar essa vontade.  
 
 
Apresentei a preocupação a um grupo de amigos e em outras esferas. Grosso modo o conselho é de que que (i) inutilize o boletim, votando em mais de um candidato (por exemplo), (ii) deixe o boletim em branco e (iii) não se apresente no dia de votação, adensando por ai a baixa taxa de participação eleitoral. 
 
 
De forma sucinta, das três sugestões, a primeira e a terceira estão claras e não alinho. A segunda é problemática. Deixar o boletim em branco, fora o risco de ser reciclado, não expressa de forma inequívoca que nenhum dos candidatos é a escolha. Por exemplo, o voto em branco pode significar que o eleitor não se importa que seja um ou outro candidato a governar. O que é diferente de dizer que nenhum dos candidatos é a escolha certa para governar. De resto, estou convicto que este tipo de feedback é de capital importância para a saúde democrática do país. 
 
 
E no contexto das baixas taxas de participação eleitoral talvez por aqui se possa explorar alguma racionalidade na decisão dos que não vão votar. Em parte a solução – ir votar – passe pela reformulação do boletim de voto. Ciente de que não se vai a tempo para influenciar quem de direito a adequar o boletim de voto para uma variante mais democrática fica a reflexão nesse sentido e, obviamente, ressaltando se faz algum sentido. 
 
 
Enquanto isso e observando todo o enredo exposto acima, no próximo dia 15 de Outubro, irei recorrer ao método do “Pim, pam, pum…” na hora de sinalizar o “X” no candidato. Tentei uma das cores, mas “desconsegui”. Está muito ruim. Mas quem sabe se da mata densa ainda saia um coelho nos dias que restam da campanha. Oxalá!
quarta-feira, 02 outubro 2019 06:28

SALA DA PAZ: os meus medos

A SALA DA PAZ é uma grande escola de democracia. Começou em Nampula e agora se expandiu pelo país todo, buscando mais aprendizado, formas harmoniosas de resolver diferenças políticas e aprimorando a transparência na gestão dos processos eleitorais. É uma grande escola e fazer parte dela tem sido igualmente uma grande honra.

 

Posso me gabar de conhecer a SALA DA PAZ por dentro. Mas, como não há bela sem senão, parece que alguém descobriu que esta plataforma é um laboratório de lapidação de futuros políticos, um esconderijo de políticos acobardados e quiçá um terreno de espionagem política. E isso me preocupa muito. Me dá muito medo.

 

Parece que as pessoas que a gente confia os planos e as estratégias desta importante plataforma, a dado momento, acabam sendo recolhidas ou resgatadas pelos partidos políticos - esse ópio civilizacional. De manhã você está a discutir assuntos muito sérios da SALA DA PAZ com alguém e a noite você fica sabendo que esse mesmo alguém está na lista do partido A, Bê, Cê... Xis, Dabliu ou Zé. Isso me preocupa muito. Me dá muito medo.

 

O meu medo é de chegarmos à uma fase em que a plataforma será tomada de assalto pelos partidos políticos. Uma fase em que os partidos políticos terão membros-permanentes na SALA DA PAZ por quotas de representação parlamentar. Uma fase em que esta plataforma não passará disso, simplesmente uma plataforma. Uma fase em que a SALA DA PAZ cairá no descrédito da opinião pública. Uma fase em que a própria SALA DA PAZ não saberá dizer o que ela é na essência. Uma fase de uma SALA DA PAZ sem termos de referência claros e objectivos. Uma organização suspeita. Uma plataforma sem identidade.

 

Tenho medo que as pessoas não saibam em quem e em o que acreditar. Dizia Aristóteles, a primeira verdade de um discurso é o seu próprio orador. Tenho medo que as pessoas percebam que já não somos mais verdadeiros quanto os nossos discursos. A opinião pública ainda espera muito de nós.

 

São os meus medos. Nada contra as decisões de quem quer que seja. Nada contra as pessoas se filiarem onde quer que seja. Só não me agrada que as pessoas usem organizações da sociedade civil como a SALA DA PAZ para fazerem preliminares. Uma organização que faz observação e monitoria do processo eleitoral não pode ser a porta de entrada para a política activa. A SALA DA PAZ não merece essa fama. Qualquer um é livre de se filiar a qualquer partido político que lhe apetecer, mas que não seja através da montra da SALA DA PAZ.

 

Não sou de cortar liberdades de ninguém, mas não podia deixar de partilhar os meus medos. Medo de entrar numa sessão e não saber quem é quem ou quem será quem mais logo ou, pior, quem sou eu. Medo de não saber se vale a pena este compromisso. Medo de não saber a quem dedico as minhas energias. Medo de gritar de júbilo ou de desmaiar no dia de votação. Medo de não conseguir acudir a luta entre o meu eu e o meu mim. Medo de ser um porta-voz de uma organização sem voz nenhuma. Medo de pensar que tudo é normal e que os fins justificam os meios. Medo de confundir opiniões e burlar expectativas.

 

São muitos os meus medos sobre o futuro da SALA DA PAZ. São enormes os meus medos.

 

- Co'licença! 

terça-feira, 01 outubro 2019 13:33

Ouvindo a música da natureza no Bistro-Pescador

Estou sentado na esplanada do Bistro-Pescador, nome dado ao restaurante escondido no sossego de um dos cantos da baía da Inhambane. Tenho vindo para aqui, sempre que possível, poucas vezes, não propriamente para beber alguma coisa ou comer, mas para contemplar a ponte que deste lugar se torna peculiar. Não que a infrasestrutura tenha atributos de grande engenharia moderna. Até porque aquilo é obra dos tempos remotos, sem que seja, mesmo assim, uma velharia. Esta obra é o símbolo do passado. Uma fortaleza do espírito bitonga. Provavelmente seja por isso que me arrebata.

 

As águas do mar estão aqui mesmo, perto de nós, beijando os utentes. Por vezes fugindo deles em maré baixa, para depois regressarem em maré alta, num esplendoroso ciclo da natureza que Deus criou. É isso também que me motiva a estar aqui, mesmo que não peça nada para degustar. O café está caro, porém tenho encontrado uma forma de desencantar algumas moedas para pagá-lo, caso contrário vão mandar-me embora. E eu tenho um desejo irreprimível de banhar-me com esta dádiva.

 

Os inabaláveis pilares da ponte, que avultam para suportar a plataforma, vistos daqui, parecem estar dentro de mim, segurando a bandeja das minhas lembranças. Estando aqui, o meu cérebro não se abre às memórias ruins. Aliás, para quem escuta a música da natureza, não tem como dar espaço aos pensamentos nefastos. E eu estou escutando a música da natureza, dançada pelo meu espírito e pelos raros pássaros marinhos que também cantam. É isso que eu procuro a fim de ostracizar a tristeza.

 

- Não vai mais nada, senhor?

 

Quem me pergunta é a garçonete, enquanto retira a chávena de café, já sem conteúdo, e limpa suavemente a mesa. Ela fala leve de tal modo que condiz com o próprio lugar. Com a própria natureza, que estou a observar.

 

- Não, muito obrigado.

 

À esta hora não está ninguém neste espaço. O que não sei é se as pessoas foram-se embra, ou ainda estão por vir. Mas isso não importa. Até porque daqui a pouco vou zarpar. Saciado. E pelo caminho, de regresso à casa, nada me vai abalar porque estou fortificado. O oxigénio enchido nas botijas da minha alma vai dar para os próximos dias. E quando acabar, volto de novo ao Bistro. Assim, sucessivamente.

terça-feira, 01 outubro 2019 10:08

Por um gole incolor

A galopada empreendida pelo pequeno veículo 970cc para vencer a elevação era enorme, sentia-se que todos os cavalos estavam laborando para serpentear os contornos de asfalto em direcção ao monte-mor. Preguei fundo no acelerador senti o carro bufar pelo tubo de escape, gasosa em combustão olhei para o painel, observei o quanto de combustível estava sendo consumida pela ingreme elevação. Queria chegar logo ao destino para rever a pequena vila.

 

Viajava na companhia de um amigo que tagarelava ofuscando a minha liberdade de descobrir a paisagem constituída por moitas acastanhadas, vegetação fulminada pelos raios solares, prova irrefutável que a estiagem habitava implacavelmente a região sul do país.

 

Aquiesço de vez quando para fazer perceber ao meu companheiro que não está em soliloquio.

 

Um declive ingreme confere a viatura mais velocidade, alivio o pé do acelerador, depois coloco o manípulo das mudanças em neutro e relaxo ambos o pés e poupo a gasosa.

 

Atingimos 100 km/h, um baque de ar fresco sacode-me o rosto e refresca viajem. Ainda estamos longe de alcançar o destino que fica a 70km da cidade de Maputo.

 

Ganhamos mais altitude em relação ao nível do mar, noutra galopada para vencer mais uma elevação acentuada, a velocidade caiu para 40km/h, o som da voz do meu colega impunha-se ao som libertado pelo motor do carro.

 

Galgamos a última subida com apoio do pequeno veículo, depois de um estrondoso potenciar do motor atingimos finalmente o cume do monte-mor.

 

Dois postos de tubo galvanizado de 1.50m de altura agarravam uma placa rectangular que hospedava em letras garrafais “ vila da Namaacha”.

 

Logo depois descubro pequenos edifícios lambidos com poeira de areia saibrosa conferindo o tom avermelhado aos edifícios.

 

Vejo garotos suados empurrando carrinhos de mão com bidões de cor amarela e branco e mamanas segurando baldes e bidões.

 

Desembarcamos, alisei o capô do carro como se passasse a mão pela crina do alazão que dirigia

 

a montada que puxava a charrote que nos levou até ao topo do monte. Senti pela sola do sapato que o amago do solo estava ao rubro.

 

Revi a igreja e lembrei-me dos crentes catolicos que durante do mês de Maio escalam a vila na sua peregrinação em busca benesses divinas no santuário da nossa senhora de Fátima, mas depois, durante o resto do ano esquecem a vila para usufruem dos auxílios angariados.

 

O alvoroço que outrora habitava a vila devido a movimentação transfronteiriça deixou de existir, passando aquele corredor a ser percorrido de forma esporádica.

 

Depois de uma breve visita à vila conferenciei com um residente que em jeito de desbafo vomitou o mal estar que a vila enfrentava.

 

“ Não temos água por conseguinte as machambas não produzem, a cascata esta seca, já não temos turistas, enfim vivemos entregues a nossa própria sorte”

 

Magiquei mil e uma soluções para os problemas que enfrentavam. Poderiam começar por proferir preces junto ao santuário, não precisavam peregrinar, já lá estavam. Poderiam pedir por um furo, aliás muitos furos para desaguar em todos bairros.

 

Visitamos um gigante da industria hoteleira ali implantado, quando transpusemos a soleira de acesso descobrimos que estavam numa penumbra não achámos nenhuma vivalma, fizemos soar as nossas vozes, só depois um funcionário meio ensonado atendeu-nos. Enteiramo-nos da funcionalidade do hotel, dos 64 quartos de todos os tipos não tinham nenhum hospede e possuíam cerca de 40 e tal funcionários.

 

Depois da breve visita efectuada aquela que outrora fora uma instancia turistica, partimos calcorreando pelas ruas da vila.

 

As palpitações aceleradas demostravam o cansaço adquirida pelo corpo, freei a caminhada e o meu amigo imitou, estavamos sedentos.

 

Olhei em meu redor e descobri uma barraca. Perguntei se vendiam água.

 

- Só temos água da Namaacha! – replicou a vendedeira.

 

- Peço duas.

 

Um sorriso irónico moldou o meu rosto, olhei para o meu companheiro este bebia inocentemente a sua água.

 

Olhei entristecido para a estatua da nossa senhora de Fátima e tacitamente pedi absolvição para a alma do povo da Namaacha e solicitei numa silenciosa oração.

 

“ Haja água nossa senhora” amém.

segunda-feira, 30 setembro 2019 08:24

Vale a pena ver de novo

O título da minha crónica assumidamente imita aquele slogan da Globo que nos remete aos remakes das nossas novelas preferidas e a uma gama variada de clichês a que a vida está sujeita durante o nosso lifetime. Moçambique tem uma história complexa no que diz respeito aos #valeapenaverdenovo.

 

Três deles não valem mesmo a pena, mas não largam o nosso país. A corrupção, as alterações climáticas que geram calamidades todos os anos e a falta de escrúpulos que se vive no mundo da comunicação e eventos. Hoje venho falar do terceiro elemento.

 

Venho falar de Maputo. Terra das Oportunidades. É não é? Aqui pode-se fazer tudo! Não é quase tudo, mas sim tudo. Por isso até usamos a palavra “Maputices”que se lerem bem tem só um significado.

 

Em 2012 iniciei, com mais 2 pessoas um projeto que se chama “Jardins em Festa”. Ficou conhecido em toda a cidade, uma vez que foi inovador naquela altura. Trouxemos festa aos jardins acabados de renovar e que ninguém, até à altura, tinha olhado para eles sem ser para fins comerciais. Instalar restaurantes e fazer mola.

 

Esse projeto oferecia e oferece concertos, espaços para bandas que hoje em dia são super conhecidas nacionalmente e uma nova forma de txilar na cidade. A perspetiva ambiental de preservar e respeitar os espaços verdes foi a palavra de ordem para a implementação do projeto. A Feima tinha acabado de ser renovada com a parceria da AEICID mas não era tão cosy como os jardins.

 

Afinal a cidade é nossa e anima poder dançar nos nossos jardins e ainda perceber que relva se bem estimada é renovada. Não parece nada de novo dito agora, mas há 7 anos era e contámos com a parceria da AMOR que começava a dar os seus primeiros passos na cidade de Maputo e mais uma dezena de parceiros, já que ninguém acreditava que era possível e não houve dinheiro, mas sim 4 jardins cheios durante 4 semanas e o trabalho de apenas 3 pessoas e a boa vontade do Paulo do Gil e a sua equipa.

 

Devido à conjuntura do país a continuação deste projeto cultural e ambiental parou.

 

Há 2 anos, depois de uma ausência física por motivos profissionais da cidade que Amo e da descrença que continuo a ter e que muitos moçambicanos também têm nas instituições públicas e privadas, decidi voltar a implementar, sozinha, o regresso dos Jardins em Festa em Maputo.

 

Até 2018 não tinha acontecido nada de semelhante.

 

Dei por mim a trabalhar dia e noite, durante 6 meses e com muitos nãos à mistura. O normal para um produtor. Tive o sim da Taag, que me fez um desconto na viagem, o sim da Super Bock que me apoiou com um valor simbólico para a realização dos Jardins em Festa no Jardim Dona Berta e no Jardim dos Cronistas, em março de 2018, e o apoio da agência Boost em Angola que me produziu todos os materiais a custo zero. E o teu, Marcelo, da Logos, que nunca me falhas quando me ausento, já são alguns anos nisto. Bem como o do Conselho Municipal que me apoia em toda uma logística difícil que é gerir um festival em várias artérias da cidade .

 

Não tive nenhum espanto quando este fim de semana uma amiga minha me mandou uns vídeos super nices de outros amigos meus que estavam num palco da Feima a tocar. Que Orgulho, senti eu. Também não me espantei quando vi que o evento é em toda a essência igual ao meu. Só não é ao domingo, é ao sábado e ali no horário também muda um só bocadinho... para não ser tão igual.

 

Eu própria não tive uma ideia original quando pensei nos JeF e o propus às pessoas com quem iniciei o projeto por saber que já o conheciam.

 

Inspirei-me no Out Jazz de Lisboa, um projeto levado a cabo a muito custo pelo José Filipe Rebelo Pinto que já viu a ideia dele a ser reproduzida como eu estou a ver agora. Obrigada Zé que até o plano de marketing me disponibilizaste para eu implementar para meu projeto! Mas tal como os acordos de cavalheiros existem, fui ter contigo em 2011 e em 2017 a manifestar a minha ideia.

 

Esta situação fez-me refletir muito e consultar os meus conselheiros antes de escrever. Afinal para que é que servem os meus 16 anos de trabalho em Moçambique e Angola a comunicar marcas, implementar projetos de comunicação e PR como o Verão Amarelo ou o cliente 1 Milhão da mcel, ver a minha cidade a vibrar com a Miss Coconuts e até o Mr. Coconuts, participar no rebranding de um banco como o Millennium bim e da mcel, andar do Rovuma ao Maputo a recolher histórias de superação, outras tão pouco, escrever programas para TV, promover shows de música para não analisar o que se passa com a subida vertiginosa da falta de escrúpulos dos players das grandes marcas e seus parceiros?

 

Como é que uma agência de comunicação produz e organiza o seu próprio evento com a anuência da marca que “patrocina” o evento?

 

O fato de se instalar uma fábrica em Moçambique e mandar para lá alguém que não entende da idiossincrasia do País gerir o marketing, mas por instinto ou “recomendação” só confia “nos seus”?  Deixo aqui o repto para começarmos a refletir na forma como no mercado das marcas e das pessoas nos comportamos com o próximo e com o promotor/gestor cultural local.

 

E desafio todos os responsáveis de marketing e comunicação que dizem que estão à espera das respostas dos PCA’s (que estão nem aí para alguns projetos micro) que inviabilizam futuro e ideias brilhantes só porque não andaste com eles no mesmo colégio. Isto acontece em bancos, cervejeiras, seguradoras, operadoras móveis onde há sempre um não sorridente mesmo sabendo que o projeto é bom, porque o preferem dar a um amigo.

 

Temos de começar a falar disto para a nossa vida profissional não ser pautada por remakes e sim fortalecermos os nossos projetos pelo simples fato de sermos parceiros de negócio e não pedintes. Uma relação profissional pode-se tornar pessoal, mas apoiar algo que sabemos que já esteve em cima da nossa mesa vindo de outra pessoa é unprofessional e um conflito de interesse.

 

Magda Burity   

 

Jornalista

 

Cultural Manager pelo Institut für Kulturkonzepte Hamburg

 

*este texto foi escrito ao abrigo do acordo ortográfico em vigor em Portugal