A nossa amizade é inabalável. Conquistamos – eu e ele – ao longo do percurso de mais de meio século que dura a nossa relação, a liberdade de nos dirigirmos um ao outro sem reservas, com honestidade. Foi nessa condição que, cansado de ver o meu amigo caminhando impotente para o pricipício, já no fim da linha, balançando ao titmo de uma carcaça inútil, falei-lhe aquilo que penso, sem filtar as palavras. Eu disse-lhe assim, meu irmão, estás um trapo de merda.
Pior do que tumefacto, o rosto daquele que em tempos parecia O.J.Sinpson correndo com a bola ao encontro da luz, está lívido. Arrepia olhar para ele, sobretudo nas manhãs, antes de começar a cavalgada que o vai transformar em esterco. Treme de cima a baixo e não consegue suster o olhar em seja o que for. Os lábios estão gretados, numa boca que esconde o bolor repugnante que se aloja por sobre as gengivas, onde estão embutidas duas filas de dentes completamete queimados pelo tabaco.
A mulher, embora continue ao seu lado suportando um cadáver que pode ser enterrado daqui a pouco sem glória, não pode fazer mais nada senão preparar as lautosas refeições que mesmo assim Chico não come, e lavar a roupa para disfarçar o corpo de um homem que é diariamente enxovalhado pelo álcool. Chico não tem peladar. O único sabor que conhece e do álcool e do fumo. Chico é a antítese de pessoa. Aliás eu disse-lhe isso várias vezes para ver se as minhas palavras serviriam para alguma coisa. Nada!
Ainda nem o sol ganhou plenitude e o meu amigo já está na segunda dessas “garrafinhas” que têm levado muitos jovens a esquizofrenia. Se calhar o meu amigo também está aí. Ele padece. Vê-se nos olhos esbugalhados, constantemente feridos pelo fumo que espantosamente ainda não lhe provocou a catarata. Mas o sofrimento do Chico, agora que já está em “órbita”, é disfarçado pelo vozeirão à Barry White, cantando canções dos americanos, tipo Memphis Slim. Canta e conta histórias inacreditáveis. Desconhecidas. Levita como os cosmonautas. E provavelmente isso é que lhe vai ajudar a descer o desfiladeiro.
Cada vez que falo com o meu amigo no sentido de ele vir para este lado, o meu amigo ri-se de mim às gargalhadas, abrindo desmesuradamente a bocarra repugnante. Voltei a dizer-lhe que era um trapo de merda e ele, serenamente, disse-me que eu não sabia o que estava a dizer. Pode ser verdade. Mas gosto dele, isso é que importa, e já percebi que também eu, como a sua delicada e dedicada esposa, não posso fazer nada, senão assistir à marcha de um homem que vai a execução sem capuz. Aliás vai encapuzado pelo álcool que lhe dá prazer nesta caminhada fatídica.
A violência militar que tem causado a morte de camponeses inocentes, por vezes através de decapitações, acompanhada de incêndios a aldeias inteiras, é uma manifestação extrema de conflitualidade humana na Província de Cabo Delgado. Contudo, ela não é a única, havendo outras, múltiplas e mais antigas. E são múltiplas as causas da violência nesta província, que, sendo riquíssima em recursos naturais, é das mais pobres do país!
Desde o dia 4 de Outubro de 2017 (ironicamente, o Dia da Paz, evocando a data em que, em 1992, foi assinado, em Roma, o Acordo Geral de Paz, pondo termo a 16 anos de uma guerra atroz, opondo o governo à Renamo!) que Cabo Delgado tem sido palco de ataques perpetrados por “desconhecidos”, tem havido debates aqui e acolá, incluindo em sede de estudos ou instituições académicas, dentro e fora do país.
Contudo, persiste uma percepção geral de que, do lado do governo, tem sido dada preferência a uma estratégia de silêncio, em contraste com a natureza particularmente cruel dos perpetradores destas operações, nunca vista nem ao longo dos 16 anos da guerra (temporariamente) terminada em 1992.
Se pode ser atendível um argumento oficial fundado na necessidade de evitar criar pânico aos grandes investidores que demandam a província – do gás ao rubi, passando pelo grafite até ao mármore - não será menos atendível o clamor dos cidadãos por um maior esclarecimento sobre o que se passa, suas causas e, quiçá, alguma luz sobre que soluções as autoridades estão a considerar – para além da via militar!
Mas a conflitualidade em Cabo Delgado, podendo ser mais mediática na vertente das incursões dos chamados “malfeitores” – pela sua não comprovada associação ao extremismo islâmico e pelo seu potencial de perturbar grandes investimentos estrangeiros – ela alarga-se a outros focos, como em torno da extracção de outros recursos naturais, minerais, florestais ou de outra natureza.
Imbuído desta preocupação, um grupo de organizações da sociedade civil moçambicanas, incluindo algumas baseadas na fé, estiveram reunidas nos dias 23 e 24 de Agosto na cidade de Pemba. O seminário teve como título: “Conflitualidade Humana na Exploração de Recursos Naturais na Província de Cabo Delgado: Reflexões e Perspectivas. A Comissão Episcopal de Paz e Justiça, entidade da Igreja Católica, coordenou e acolheu evento, nas instalações da Universidade Católica de Pemba.
O principal foco do seminário era: afinal o que tem estado a atrair tanto conflito em Cabo Delgado? A resposta, demasiado tentadora, de que é a abundância de recursos naturais, pode ser muito simplista e, por isso, inidónea para justificar a prolongada instabilidade. Importa, por isso, conferir aos ângulos de análise aberta ainda maior, fora de janelas políticas amarradas a interesses de controlo político. E, na medida das circunstâncias, foi essa a perspectiva analítica adoptada para este seminário.
Quem chama as balas?
Em 1983, o autor britânico Joseph Hanlon, um dos mais reconhecidos estudiosos de processos políticos em Moçambique, publicou um livro com o título: “Mozambique – Who calls the shots?” Numa tradução livre, este título significaria: “Moçambique – quem comanda os tiros?”. Mas o sentido de “de onde vem a guerra?”. Poder-se-á resumir nesta breve pergunta o foco do seminário de Pemba.
E então quais foram as respostas sugeridas? As propostas de resposta vieram de diferentes perspectivas de análise e pontos de partida: perspectiva histórico-política; antropossociológica; socioeconómica e – aceite-se! – ecléctica!
Entre as figuras e instituições que se colocaram à frente, com suas reflexões e perspectivas, poderia, a título exemplificativo, mencionar: Yussuf Adam (Universidade Eduardo Mondlane); Dom Luiz Fernando Lisboa, Bispo da Diocese de Cabo Delgado; Paolo Israel (Universidade de Western Cape); João Mosca (Observatório do Meio Rural); Zenaida Machado (Human Rights Watch; Inocência Maposse (CIP).
Estes e outros actores estimularam debates livres e descomplexados, a partir de temas como: bases históricas da emergência do extremismo violento no Norte de Moçambique; soberania espiritual, etnicidade e violência política: as raízes históricas da presente crise em Cabo Delgado; pobreza, desigualdade e conflitos no Norte de Cabo Delgado; e Direitos Humanos nas operações de contra-terrorismo em Cabo Delgado, e Indústria Extractiva – como ela afecta a cultura e os camponeses, entre outros temas de igual ou superior relevância.
As fontes da conflitualidade
Quase todos os primeiros oradores – que determinaram o mote dos debates subsequentes - foram unânimes num ponto de início: não há um único factor que possa explicar o clima de conflitualidade em Cabo Delgado: existe uma combinação de múltiplos factores que se foram formando, durante longos períodos históricos, como: florescimento de cadeias de crime organizado milionário, nos corredores de droga; de corte e tráfico de madeira; de extracção e contrabando de recursos minerais de grande procura internacional, tudo ocorrendo aos “olhos” de comunidades extremamente pobres e violentadas!
Ou seja: no terreno de Cabo Delgado foi acumulado capim seco, disponibilizado petróleo e inúmeras caixas de fósforo, e tudo deixado ao ar livre, à disponibilidade de diferentes interesses ciosos de poder!
Yussuf Adam, historiador moçambicano que tem Cabo Delgado como seu campo de estudo há mais de 35 anos, fala de um povo cansado de ser movimentado de um lado para o outro, desde o tempo do colonialismo português até aos dias de hoje.
“No regime colonial, as comunidades de Cabo Delgado foram retiradas das suas terras e aglomeradas em aldeamentos, para ficarem longe do alcance da guerrilha da FRELIMO. Entretanto, quando esta tomou o poder e estabeleceu o sistema de socialização do campo, as mesmas comunidades foram levadas para Aldeias Comunais. Agora, no regime capitalista, estão a ser, de novo, retiradas das suas terras e aglomeradas em Aldeias de Reassentamento. Num período de 30 anos, as populações de Cabo Delgado foram à força colocadas em aldeamentos, destas para aldeias comunais e, agora, para aldeias de reassentamento! E sem consideração à sua dignidade – é muita violência!
Mas as reflexões académicas mais conhecidas não têm descurado outras prováveis fontes de conflitualidade, também históricas, em que se incluem velhas hostilidades entre Macondes e Muanes; entre o interior e o litoral; ou entre muçulmanos e cristãos.
Por seu lado, Paolo Israel, professor de antropologia na Universidade de Pretória, referiu-se a episódios mais ou menos recentes, indiciadores de um relacionamento de conflito e hostilidade entre cidadãos e o Estado, em diferentes distritos da província. Lembrou estórias como a dos leões mágicos de Muidumbe, que terão devorado 46 pessoas e ferido outras três.
A comunidade local, que considerou tratar-se de feiticeiros que se transformavam em animais, ficou furiosa e linchou 18 compatriotas. O fundamental a reter aqui é que os principais acusados de comandar os leões à distância eram figuras do Estado ou a ele associadas ou com “bem-estar” acima da média local (o comerciante). Ou seja, em situação de crise sem saída à vista, os pobres lançaram aos ricos e ao Estado a culpa do seu mal-estar e das suas privações.
E os distúrbios que, em Novembro de 2000, culminaram com a morte de mais de uma centena de indivíduos, asfixiados no interior das celas da cadeia distrital de Montepuez, considerados como membros ou simpatizantes da Renamo? Como tais episódios se insinuam no imaginário de quem os viveu de perto, quando pensa no Estado?
Mais recentemente ainda, o desmantelamento de fortes redes internacionais associadas à exploração e tráfico internacional das célebres pedras rubis de Namanhumbir, no distrito de Montepuez, e de corte e tráfico de madeira, “perturbado” por acções soberanas, como a chamada operação tronco…
Caos no extractivismo
Em paralelo, os constantes anúncios de investimentos de larga escala em projectos extractivos, quantas vezes feitos de forma exuberante e descontextualizada, têm levantado expectativas sociais exacerbadas, em contextos de pobreza extrema. A não materialização destas expectativas, ao ritmo imposto pela pobreza, torna as comunidades vulneráveis a discursos anti Estado, nomeadamente entre jovens desnorteados e sem expectativa de futuro.
Com efeito, é em torno dos empreendimentos da indústria extractiva que, na percepção dos participantes do seminário, devem ser encontradas as principais causas da conflitualidade humana em Cabo Delgado:
“Os processos de reassentamento têm sido caóticos, onde o Estado aparece em aliança com o grande capital, agravando situações de pobreza das populações”, afirma a dado passo, o documento final do evento, denominado “Declaração de Pemba”.
Na abordagem da complexa relação entre a opção de resposta militar à insurgência, versus respeito pelos compromissos constitucionais e internacionais assumidos pelo Estado moçambicano, a jornalista moçambicana Zenaida Machado, falando na qualidade de pesquisadora da Human Rights Watch, uma organização de defesa de direitos humanos, diria:
“Ao procurar responder à insurgência por via militar, as Forças de Defesa e Segurança têm levado à cadeia centenas de jovens inocentes que, uma vez enclausurados, acabam expostos a verdadeiros extremistas. E uma vez mandados em liberdade, porque absolvidos pelo tribunal, muitos deles desaparecem sem deixar rasto: para onde vão? “
Na sua declaração final, as OSC participantes apelam ao governo no sentido de:
Eliminar os obstáculos de acesso à informação a jornalistas, investigadores e cidadãos em geral aos locais de conflitos;
Fazer uma revisão da estratégia de actuação militar, capacitando os militares em matérias de direitos humanos, apostando em amnistias e em incentivos de reclusão social”.
Este terá sido o primeiro evento em que organizações da sociedade civil moçambicana, incluindo de áreas de pesquisa, abordam de uma forma colectiva e aberta o clima de violência em Cabo Delgado e produzem recomendações ao governo, apelando para maior acesso do público sobre a crise de segurança que assola a região desde Outubro de 2017.
Já falamos do défice de postura pública e da falta de aptidão física de Frangoulis. Já falamos do excesso de berlindes do Fernandes. Mas, não sei porquê, ainda não fofocamos sobre aquele Gê-40, jurista, músico e meu professor de Princípios de Direito da ECA que foi abandonado como um cão tinhoso à boca de uma audição na Assembleia da República. Afinal, o que aconteceu? Alguém sabe?! Eu não! Nem ele próprio sabe.
- Xiii!!! Epááá!!! Aquilo foi demais! Mas também esses da FRELIMO exageram!
- Não exageram nada!
Sabe, quando você escolhe ser papel higiénico de alguém, você tem que ter consciência que essa pessoa nunca te vai usar como papel de presente. Papel higiénico nunca será papel de presente. Apesar de ser papel também, como tantos outros tipos de papel que existem no mundo, o papel higiénico sabe que ninguém lhe vai comprar para lhe usar como caderno. Pelo seu curriculo, qualquer pessoa sabe que o papel do papel higiénico é limpar m*rda. E o próprio papel higiénico conhece o seu papel.
Ora, um jurista que nunca mostrou a sociedade as suas competências técnicas como um jurista sério, mas passa a vida a exibir os seus dotes em matéria de lamber botas, e ainda assim sonha em ser chamado a ocupar o lugar de juíz conselheiro do Cê-Cê, é muito complicado. Como é que um gajo formado em direito, que nunca mostrou a ninguém o que sabe fazer nessa área, quer ser confiado a uma posição de altíssima responsabilidade no Cê-Cê? Um gajo que desde que saiu da faculdade só sabe lamber cega e religiosamente o partido FRELIMO, a ponto de ganhar um lugar de destaque no famigerado Gê-40, pensa mesmo que este partido pode lhe confiar uma posição de alta responsabilidade? Haaaaa... vamos ser sérios, pessoal!
Quando a gente diz que escovar em demasia é prejudicial à saúde pensam que é inveja. O puxa-saquismo é uma escolha. E a partir do momento que você escolhe ser um puxa-saco você não pode sonhar muito em ser um profissional respeitável. Um lambe-bota profissional não pode esperar que seja levado a sério, principalmente pelos próprios donos das bundas que ele lambe. Brada, no dia que eles necessitarem de um gajo credível não vão optar por ti. Juro! Tô-ta-dizer!
Um puxa-saco que quer ser juíz conselheiro é um profissional atrapalhado. Significa que não conhece os seus termos de referência. Um bom puxa-saco não sonha com esse tipo de subidas. Juíz do Cê-Cê é algo muito sério, não é para um gajo que trocou doutrina por escovas e pomadas.
Aos lambe-botas vai uma dica: lamber bota é bom, mas é demasiadamente ingrato. Escovar é bom enquanto houver botas para escovar. A FRELIMO nunca iria escolher um papagaio para aquele lugar. É mentira! No fundo no fundo a FRELIMO sabe que para aquele lugar não basta ostentar postura pública e aptidão física... tem que ter tomates, acima de tudo.
Cada qual com a sua postura pública. E a postura do puxa-saco é não se dar ao luxo de sonhar alto. Cada macaco no seu galho. Saiba que ainda precisam dos seus bons serviços de língua no partido. Ainda são preliminares.
- Co'licença!
Filipe Nyusi deve mesmo perder algum tempo com os Nhongos da Renamo, resquícios do lado mais sinistro do “pai da democracia”, Afonso Dhlakama. O Presidente Nyusi entrou nesta empreitada de pacificação com um profundo registo anti-bélico e é assim que deve continuar até ao fim: negociar com os homens.
Ao contrário do que muitos consideram, os Nhongos da Renamo não são apenas produto das desavenças internas no movimento rebelde. E de nada vale agora, nos grudarmos numa plateia horripilante de cinismo, incapazes de gesticular a linguagem da paz sem balázios nas kalashes, só porque nos enche o ego constatar que, afinal, a Renamo era uma turma heterogênea de ambição e ganância.
Aliás, o Nhongos da Renamo são também produto dos sucessivos Governos da Frelimo. Desde as eleições de 1999, quase perdidas pelo partidão, que o Governo e Dhlakama engendraram uma fórmula de paz podre. Dhlakama vociferava e a Frelimo, consciente das maracutaias eleitorais, lá abria os cordões à bolsa. Joaqum Chissano foi exímio na monetização dessa paz podre, pensando que era o caminho do fim da Renamo bélica. Mas não!
Dhlakama usou esse estratagema para perpetuar sua guarda canina. E esgrimir a linguagem do regresso à guerra para arrecadar mais uns tostões do Governo virou um “modus vivend” da sua tropa. Por isso é que ele nunca quis fazer política sem armas em Maputo. Os Nhongos da Renamo beberam profundamente de suas táticas. E estão a usá-las novamente. Lançar a ameaça de pânico para buscar uma recompensa.
Mas é claro, hoje, que os Nhongos tem a consciência de que chegaram ao fim da linha. Com o acordo precário assinado por Ossufo Momade, eles pretendem uma saída airosa das matas: dinheiro. Filipe Nyusi não tem outra opção senão dar largas à sua diplomacia de paz. Falar com os Nhongos, pagá-los e desarmá-los de uma vez por todas. Para o PR, não há outra saída airosa. A não ser que ele queira pintar de sangue esta etapa derradeira de um consulado onde uma pacificação sem violência foi sua jóia de coroa.
Agora percebo que toda esta imaginação que hoje vivo é uma realidade. Uma tormentosa realidade. Diferentemente do tempo em que eu era a rainha desta terra, vivendo por cima de todo o chão. Desprezando as minhocas, pisando-as sem misericórdia, dizendo sem reservas que nada de mal me aconteceria. Mas no fundo eu era a Dambóia, irmã do Ngungunhana, semeando espinhos em todo o lado.
Estou abraçada, por não ter abrigo, a uma rocha que me rasga as mãos até ao sangramento. Porém, paradoxalmente, tenho empregados e mordomos que se revezam diariamente neste palácio onde moro cercada de ouro e diamantes, sem falta de nada. Mesmo assim os temporais incessantes não me poupam. Varrem-me em cada passo que tento dar na fuga de mim mesmo. Sou um lagarto desesperado, na luta inglória pela escalada das lindas paredes da minha casa, debroadas de rubis.
Mas isto já não é casa. É uma clausura, onde passo as noites sem sentir o cheiro aspergido pelas alfazemas trazidas da Etiópia. Perdi o olfacto. Estou nua por dentro da alma, sem vestimenta, apesar das roupas confortáveis que agora não valem nada depois de tudo isto. Desdenho-me em todo o ser. Repugno-me. E pior do que isso, as cobras enchem-me o quarto em substituição do tapete de veludo que adquiri sem o merecer. O medo ri-se de mim, enquanto de longe, como cavaleiros do Faraó, desembucham sobre mim as gargalhadas dos mochos.
Estas noites não podem ser uma alucinação. Na verdade sou eu, sentindo a penetração das esporas nas minhas vísceras, obrigando-me a trotear em rodopio no seio da própria tormenta. Já não sou a raínha. Sou uma mulher estranha perante os empregadose mordomos que sempre me temeram. O meu palácio é sombrio. Assombrado. Meu corpo e minha alma não estão quentes nem frios. Estão mornos. É por isso que se aproxima de mim toda esta bicharada. Fui vomitada pela vida.
Pena que eu não tenha copiado da sabedoria da formiga, e hoje estou aqui sem provento. Vazia. Abandonada. Tenho comida para mim e para os cães, e sobras para o Lázaro, mas a minha fome não passa. No fundo estou morta. Sinto que meu nome descerá para sempre com a minha carcaça. Não restarão lembranças de mim para as crianças. Muitos aspirrarão de alívio ao receberem a notícia da minha morte. Beberão o champanhe que nunca me faltou. E muito mais para festejar aquilo que eles agora desejam ardentemente: que eu sucumba. Isso é que me fulmina o ser todos o dias, nesta vida em que já não olho para o relógio, cujos ponteiros morreram como eu.