- O que te mete mais medo?
A pergunta era para mim. Ignorei. Era noite. A guerra dos 16 anos ainda ecoava na cabine do camião Scania que me levava ao distrito de Massingir, província de Gaza. Foi no período entre o Acordo Geral de Paz (1992) e as primeiras eleições (1994). Um papo com o Motorista e o Ajudante sobre os horrores da guerra tornava o eco mais presente. E sempre que passássemos de um local conhecido por alguma atrocidade durante a guerra eu sentia saudades da cidade capital.
- A resposta? Insistiu o Ajudante.
Continuei calado. Confesso que estava com medo de uma emboscada. Era tempo de paz, mas ainda uma incógnita. Perante o meu silêncio restava o Motorista. Este respondeu que não tinha medo de nada, pois os longos anos de estrada e de guerra haviam congelado os seus sentimentos. Uns segundos depois da resposta ele teve que aplicar todos os dotes de condução para imobilizar o camião diante de um repentino corte da estrada. Um senhor corte. Era o início de outros e tantos cortes até poucos quilómetros antes da Vila de Massingir. “Quem fez isto estava muito zangado". Anotou o Motorista.
Depois da lenta travessia pelos sucessivos cortes o Motorista disse que testemunhara cortes semelhantes na zona de Chibabava, província de Sofala. Em seguida cada um foi arrolando histórias reais da guerra dos 16 anos. Umas distantes e outras próximas. O Ajudante mostrou marcas de balas no seu corpo. Eram marcas profundas de combates travados quando esteve incorporado no exército governamental. De tanto ouvir episódios de bravura do Ajudante acabei por achar que estava protegido e já não me ocorria uma possível emboscada durante a viagem.
- E tu? De que tens medo? Era o Motorista que questionava ao Ajudante.
- Tenho medo de caneta. Respondeu prontamente o Ajudante.
- Caneta? Insistiu o Motorista, espantado com a resposta.
-Eu quando vejo uma caneta tremo. Fico com muito medo. Repisou o Ajudante.
Para ilustrar o âmago da sua resposta o Ajudante pegou uma caneta e pediu que respondêssemos quem era mais forte. Pelo tamanho não havia nenhuma dúvida de que era ele, o Ajudante. A caneta mal se via na sua mão. "Só pode ser feitiço". Concluiu o Ajudante enquanto - respeitosamente - guardava a caneta no porta-luvas. Não cabia na cabeça dele de que uma caneta tão longe – em Roma, Itália – fosse capaz de parar a guerra em Moçambique que durante 16 anos a força dos homens e das armas não conseguiram.
"Que a paz seja eterna!”. Foram as preces do "tchim-tchim" pela paz e em nome da caneta que a trouxe e também pelo momento da matinal entrada na Vila de Massingir.
PS: Veio-me à memória este episódio porque esta semana também passei a ter medo de caneta, sobretudo a que foi usada na assinatura do Acordo da Paz Definitiva no passado dia 06 de Agosto: temo que seja a mesma das assinaturas do Acordo Geral de Paz (1992) e do de Cessação de Hostilidades (2014).
Companheiros, confesso que algo me possa ter escapado e, aprioristicamenente, peço desculpas por isso: a assinatura, ontem, do “Acordo de Paz Definitiva e Reconciliação Nacional de Maputo” terá significado, automaticamente, a restrição de alguns direitos fundamentais, em particular a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa? Noto, sem esforço, situações claras de ataques verbais, “vilipêndio público”, acompanhados de catalogações como “inimigos da paz”, dirigidas em particular a cidadãos, jornalistas e órgãos de informação que, mesmo saudando, naturalmente, a “paz definitiva” manifestam reservas quanto à sua sustentabilidade, sobretudo enquanto não se estancarem os aspectos que podem estar na origem de situações ou de ausência de paz efectiva ou de paz pobre. Bem, me dirão que os que “descarregam” sobre os que manifestam as já citadas reservas, a coberto da própria Constituição da República, estão também a exercer a sua liberdade de expressão. Gostaria de ser ingênuo, sobretudo estando por demais claro que todos os “descarregadores” pertencem ao mesmo clube político. A razão, diria o filósofo, tem, pois, razões que a própria razão desconhece!!!
Cada vez mais avultam seminários sobre “fake news”, onde se discute toda a teoria à volta da matéria. Nos eventos são feitas generalizações e, raramente, são apresentados casos concretos de “fake news” produzidos pela imprensa profissional. Aliás, o principal culpado para a profusão do fenómeno são as “redes sociais” e o cidadão comum que, hoje, por via das redes, pode emitir o seu “noticiário”.
Esta semana, a comunicação social moçambicana e alguma estrangeira replicou uma “fake news” a todo o vapor, num golpe inocente contra a sua credibilidade. E muitos leitores não se aperceberam da mentira, dada a voracidade com que hoje se consomem notícias. Os mais atentos riram-se. Eis os factos.
Na passada terça-feira, o “Notícias” publicou um artigo dando conta do acórdão do Tribunal Superior de Recurso (TSR) respondendo a um recurso de três arguidos das “dívidas ocultas”, Ndambi Guebuza, Sérgio Namburete e António Carlos do Rosário, interposto em Fevereiro, solicitando liberdade provisória sob a alegação de que sua prisão tinha sido ilegal. O artigo do “Notícias” era claro, mas não especificava que o acórdão se referia a uma acção imediata da defesa após a legalização da prisão preventiva dos arguidos pelo juiz Délio Portugal.
Na mesma terça-feira, a notícia correu viral. Uma vastidão de jornais, tendo como base o texto do “Notícias”, escrevia que o TSR tinha recusado um alegado pedido de “habeas corpus” dos visados. “Negado mais um pedido de “habeas corpus” de Ndambi Guebuza”, foi um dos títulos num jornal estrangeiro, citando a Lusa. A notícia sobre a recusa de “habeas corpus” percorreu meio mundo, com ecos na imprensa estrangeira. Mas essa replicação do artigo do “Notícias” estava deturpada. Construiu-se uma mentira. Uma verdadeira ”fake news”. A Lusa foi um dos órgãos que embarcou nesse noticiário, eventualmente induzindo os jornais portugueses que replicaram o seu texto, o qual referia taxativamente ao pedido de “habeas corpus”.
Mas o facto é que o TSR não decide sobre “habeas corpus”. Quem decide é o Tribunal Supremo (TS). O TSR estava apenas a reagir a um recurso à prisão preventiva, de Fevereiro, quase cinco meses depois. Ou seja, a menção ao “habeas corpus” foi inventada. Na verdade, o TS tem em mãos, desde 25 de Julho, um recurso extraordinário de “habeas corpus”, interposto por alguns reclusos depois da expiração dos prazos da sua prisão preventiva a 24 de Julho. Mas, apesar de estar sujeito a um prazo constitucional de oito dias para decidir sobre esses pedidos, até ontem o TS não o tinha feito.
O que terá induzido os jornais a concluírem que a decisão do TSR era sobre este pedido de “habeas corpus”? Não sabemos! O facto é que a “fake news” sobre uma alegada recusa de “habeas corpus” pelo TSR a Ndambi e companhia tornou-se viral. E foi uma “fake news” criada e replicada por órgãos de grande respeitabilidade nacional e estrangeira. (Marcelo Mosse)
Ninguém dá o que não tem!
Fala-se, escreve-se, legisla-se acerca dos fundamentos para Democracia. Órgãos de Soberania, Partidos políticos, Organizações Governamentais, Organizações Não-Governamentais (ONG), os Mídias, os Jornalistas, Organizações Religiosas, Organizações de Massas, Academias, Organizações Profissionais e a Sociedade Civil devem ser o exemplo dessa transparência.
Entende-se por transparência – a virtude que impede a ocultação de alguma vantagem!
Em Democracia todos os Direitos geram Obrigações!
Constitucionalmente, os cidadãos têm o Direito de exigir do Estado entre outros a Segurança pública, a Educação e Saúde condigna. Difícil será definir "condigna". Direi que os desideratos fundamentais condignos serão aqueles possíveis de realizar de acordo com as receitas públicas disponíveis. Em outras palavras, a Governação condigna deverá ser equitativa a receita fiscal maioritariamente resultante de impostos dos cidadãos e das empresas.
É comum ouvirmos dizer que os serviços públicos são medíocres. É verdade, todavia quem reclama esses serviços não está disposto a contribuir fiscalmente com o nível dos impostos pagos nos países comparativos, ou seja, os nossos serviços públicos são "bons" comparativamente com a receita medíocre arrecadada.
Sempre que esta conversa de pagamento de impostos é posta a discussão, ninguém quer discutir incluindo o Estado, estranhamente.
É desta transparência a que me refiro:
1-O Estado tem de ser mais transparente na sua prestação de contas, não pode vir ao Parlamento dizer que cumprimos, atingimos as metas sem apresentar evidências, por exemplo, colocar o Plano Económico Social aprovado no início da legislatura e comparar com o realizado. Prestar contas não é ciência oculta, basta apresentar o saldo do tesouro quando chegamos ao Governo... as receitas arrecadadas foram... as despesas... Se houver vontade política será mais fácil prestar contas, do que as "elaborar" para as confundir.
2-As Organizações Não-Governamentais deveriam prestar contas publicamente, referindo, por exemplo, de quem recebem os fundos, quanto e a quem atribuem esses fundos. Deveriam também ser obrigados a gastar esses fundos na economia nacional, contribuindo para o seu desenvolvimento através de criação de postos de trabalho e contribuição fiscal, entre outros.
3-Seria um grande contributo para a Democracia saber quem são os beneficiários das Agências políticas como USAID, JICA, UE, DFID entre outras, quanto recebem, quanto pagam de impostos, porquê é que recebem, etc.
4-Não é possível falar de Democracia e Transparência sem abordar os Mídias e Jornalistas que, numa indústria deficitária, sobrevivem através de subsídios, para gestão, formação, entre outros. De quem, quanto e como?
5-Nas Organizações religiosas, Institutos, Clubes, Grupos, ou seja, receptores de fundos nacionais e estrangeiros devem publicar igualmente os relatórios de contas.
A Paz tem um denominador comum que se chama Confiança!
Quando os casais põem código nos seus telefones e não partilham esse mesmo código corrói a confiança mútua.
Sem transparência não há confiança!
Os concursos para admissão de trabalhadores públicos, ONG, privados nacionais e estrangeiros deveriam seguir a mesma norma de transparência.
Não faz sentido que as instituições públicas, incluindo empresas públicas, que vivem das contribuições dos trabalhadores e empresas nacionais comprem serviços e mercadorias ao estrangeiro enriquecendo outras economias inversamente empobrecendo Moçambique.
Corrupção é um fenómeno nacional e estrangeiro nos governos, grandes e pequenas empresas, ONG, activistas sociais e religiosos, mídias e nos jornalistas.
A melhor forma de combater a corrupção, subversão, nepotismo, submissão outros malefícios é através da TRANSPARÊNCIA.
A Luta Continua,
Já que tem data comemorativa para tudo nesta vida, que tal celebrarmos o dia 29 de Dezembro como o Dia dos Gatunos Moçambicanos? Esta data coincide com o dia da captura do nosso brada Chang na África do Sul no ano passado. Sei lá, é apenas uma ideia. Se não for "naice", podemos deixar. Assim tipo malta dia dos heróis moçambicanos ou dia da mulher moçambicana, antes que esta data seja atribuída a um desses pseudo-acordos de paz ou de cessar fogo que viraram moda nos dias que correm. Eu acho que deviamos celebrar, de alguma forma, a audácia e a aventura desses nossos irmãos. Nossos gatunos de estimação. Legítimos e genuínos. A nossa eterna seleção olímpica de larápios.
Vamos evitar homenagens post mortem, vamos reconhecê-los ainda em vida. Fomos roubados - sim - mas, convenhamos, foi um roubo artístico. Este nível de despudor não se pratica aos montes, não se encontra por aí de qualquer maneira. É preciso valorizarmos isso. São gatunos - sim - mas, diga-se, são gatunos heroicos. Portanto, precisamos de arranjar uma data para o país fazer uma auto-reflexão. Precisamos de fazer uma introspecção sobre o ananás que levamos.
Que dói, dói, mas também temos que reconhecer que foi graças a esses filhos destemidos desta pátria que entramos no Mapa Mundo. Graças a eles, hoje somos assunto no Banco Mundial e no Efe-Eme-I. Somos manchete na Bê-Bê-Cê e na Cê-Ene-Ene. No tribunal de Nova Iorque estamos em voga. Nem os Mambas elevaram tanto a nossa fasquia. Nem Massuko, nem Mutola, nem Ghorwane, nem Malangatana, nem Ungulani, nem Eusébio, nem Mia Couto, nem Marrabenta, nem Craveirinha, nem ninguém e nem nada.
Estes compatriotas merecem uma data especial e uma estátua ali na entrada do Ministério das Finanças. Pode ser uma escultura de um atum fugindo de uma rede furada, ou um pançudo de balalaica exibindo um anzol na mão, sem atum, com cachimbo na boca e aquele sorriso patriótico fosco, ou então um ananás em forma de atum sendo enfiado Moçambique adentro. Que seja em bronze puro, material de primeira.
Gatunagem epopeica não é para qualquer povo. Somos o único país no mundo com um acervo de pilantras codificados em ordem alfabética. Então valorizemos o que é originalmente nosso.
Enfim, está lançado o debate. A proposta está na mesa: 29 de Dezembro - Dia dos Gatunos Moçambicanos. Um feriado nacional. O povo merece. Será aquele dia em que cada moçambicano estará no seu cantinho, bem lúcido, perguntando-se a si mesmo como os gajos ousaram tal desfaçatez. Tipo, não usaram vaselina, ao menos, porquê?
- Co'licença!
Ontem, já quase no final da “passerelle” dos discursos alusivos ao “acordo oculto” da Paz Definitiva, quando Federica Mogherini anunciou os 60 milhões de USD para as etapas subsequentes, vislumbrei alguns olhares reluzindo de contente. Vai haver boa fruta! Tecnocratas e lobistas que lidam com a mola que cai nas contas do Governo já estão esfregando as mãos, planeando seus recorrentes esquemas.
Mas este dinheiro, os 60 milhões, está directamente ligado à Paz Definitiva. Mogherini não foi detalhada sobre quem vai ser o beneficiário directo dos fundos. Também não era momento para determinar os Termos de Referência para o uso do montante, embora ela tenha dado a entender que o dinheiro era destinado a financiar projectos com efeito na população em todo o país!
Não! O dinheiro da Paz Definitiva não é para combater nossa pobreza geral. Não é para entrar no orçamento do Estado e desaparecer nos duvidosos critérios de distribuição de renda do Governo ou ser capturado nos sinistros processos de procurementcorruptos que caracterizam as intervenções do executivo no terreno.
Nem é para trazer para Moçambique uma catadupa de ONGs europeias (que também já esfregam as mãos), para virem cá meter esse dinheiro nos seus bolsos, com projectos com altas taxas de assistência técnica, que consomem mais de 60% de orçamento só para salários.
O dinheiro, deve ficar claro, é para a Paz Definitiva. Por outras palavras, é para financiar a reinserção social dos combatentes da Renamo e ponto final! Isto deve ficar claro e definitivo nos Termos de Referência. Haverá custos com a integração dos oficiais da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança, mas estes devem ser custos marginais. O Estado deve arcar com o essencial desses custos.
Os 60 milhões não devem ser entregues ao Governo. Em Moçambique já há organizações não estatais com experiência na gestão deste tipo de projectos de reinserção social e devem ser convidadas a dar o seu contributo. Com sua comprovada experiência e inserção cultural e geográfica no território nacional, esses dinheiros serão aplicados de forma mais efectiva para uma paz sustentável. Importa recordar que o calar das armas não significa necessariamente a Paz. É preciso que a pobreza e exclusão social e económica sejam atacadas por quem já provou, aqui na nossa terra, que sabe como isso se faz. Os 60 milhões nas mãos do Governo comportam um risco tremendo: o risco de todo o edifício pensado para a Paz Definitiva ruir mesmo antes de se escavar as suas fundações.