Na generalidade, todos os quatro candidatos presidenciais na presente contenda eleitoral prometeram uma coisa que parece impossível de alcançar: a revisão dos contratos vigentes entre o Estado e as multinacionais que operam na Bacia do Rovuma. Daniel Chapo (da Frelimo) e Venâncio Mondlane (do Podemos) foram os mais incisivos na pronunciação dessa promessa. Mas nenhum deles explicou ainda, cabalmente, como e até que ponto essa revisão contratual pode ser feita.
O candidato presidencial do MDM, Lutero Simango, acaba de ser entrevistado pela STV. Com um e outro corte na recepção do sinal, retive os seguintes Pontos Fortes e Fracos no seu discurso.
Pontos Fortes:
• A intenção de destapar o “dossier” da presença do Ruanda em Cabo Delgado, os “quid pro quos” envolvidos;
- O envolvimento de confissões religiosas na expansão do acesso à Educação;
- A utilização de parcelas do Fundo Soberano para financiar a Educação;
- A discriminação positiva para beneficiar os jovens de Cabo Delgado nos benefícios relativos à extrativas, concretizando o “Social” no novo paradigma de financiamento dessas indústrias;
- A urgência da tributação da mineração de pequena escala;
- O estabelecimento de um pacto de regime e diálogo inclusivo para a construção de uma verdadeira agenda e visão nacional;
- Ser for eleito, não vai “perseguir” elementos da Frelimo. (O jornalista não perguntou se isso implicava fazer vista grossa à investigação de alegações de corrupção envolvendo eventuais figuras do actual regime).
Pontos Fracos:
• A ideia de “um Estado para todos” não foi bem elaborada (não lhe ocorreu a perspectiva da redistribuição da riqueza); e gaguejou ao falar sobre despartidarização do Estado;
• Utilizou um conceito muito “naïf” sobre “partidarização” do Estado, restringindo os indicadores desse fenômeno à presença de células da Frelimo e ao favoritismo inerente nas carreiras do funcionalismo público.
Esqueceu-se da “despartidarização” dos negócios do Estado e da necessidade do incremento da transparência no “procurement” público;
• Foi parco e excessivamente tautológico na resposta sobre a renegociação dos contratos com as multinacionais, mostrando falta de preparação para a discussão do tema;
• Mostrou que percebe nada de anti-corrupção e promoção da ética e integridade na esfera social, nem busca aprendizado em organizações abalizadas ou a quem estudou a temática na academia;
Pontos ausentes no debate (atenção que tive pequenos cortes na transmissão):
• Tráfico de droga e monopólios de exportação de madeira não processada;
• Grande mineração de pedras preciosas e o futuro (que já é presente) da exploração do grafite em Cabo Delgado;
• Agricultura e comercialização;
• Indústria dos raptos;
• Binômio mineração versus turismo.
Ponto de Interrogação:
Lutero Simango insistiu na necessidade da redução dos encargos fiscais mas não foi muito claro quanto às alternativas de encaixe de receitas; falou vagamente do aumento da base tributária como consequência imediata da redução da carga fiscal. Apenas isso!
Nota Final:
Nota 5, de 0 a 10.
No balanço do seu consulado de 10 anos, Filipe Nyusi vai debitar uma narrativa de sucesso de governação, tal como ele pontuou seus discursos de Estado da Nação ao longo destes anos segurando a batuta da Ponta Vermelha.
Mas ele vai dizer que não fez muito porque encontrou o país já de tangas e um Tesouro de cofres vazios, herdados do calote guebuzista. Seu governo fez muito para reverter o cenário sombrio das finanças públicas - negociando com os credores e litigando contra a Privinvest e companhia (cujo desfecho foi conhecido na semana passada) - mas nenhum esforço serviu para recuperar a confiança dos mercados externos, resultando num endividamento interno quase insustentável, estimado agora em 14 mil milhões de USD.
Ou seja, Nyusi vai também deixar um legado perverso, uma espiral de endividamento que manterá o país na cauda da pobreza. A questão central então é: ele não podia ter feito melhor? Talvez sim!
Mas sua governação foi um recorte de remendos mal urdidos, um despesismo ocioso e corruptivo e uma contradição insana entre princípios de políticas públicas e a prática no terreno (discurso e prática), como no caso da conservação ambiental, onde ninguém percebeu como é que o Governo aprovou a invasão da mineração de areias pesadas na costa sul de Moçambique em detrimento do turismo; muito menos a ressurreição do monstro obsoleto de Techobanine no meio de um santuário de preservação ecológica no sul de Maputo.
Filipe Nyusi vai certamente engasgar-se no seu discurso. Na verdade, ele não tem nada para celebrar. A Educação está uma lástima e a Saúde pior. As crianças moçambicanas continuam sentadas no chão e a madeira nacional é exportada para o benefício de uma elite rendeira. Os hospitais não têm compressas. Médicos, enfermeiros e professores estão em constantes reivindicações, a começar pelas condições de trabalho.
Nyusi vai citar o Sustenta, mas o desafio a longo prazo da agricultura e da segurança alimentar continuam intactos. Nyusi vai citar seu programa Um Tribunal Um Distrito, mas há cada vez mais moçambicanos detidos em cadeias precárias, com fome e doenças. Esse programa foi mais uma justificativa para a drenagem de fundos do Tesouro e nada que tivesse a ver com a humanização da Justiça em Moçambique.
O mesmo se pode dizer do programa Um Hospital Um Distrito, que essencialmente visava expandir os negócios do seu amigo da Moçambique Holdings, José Parayukem, na sua relação com o Estado.
O que mais dizer?
Ah, Cabo Delgado. Nyusi vai deixar as armas da guerra troando. Seu governo foi uma lástima neste quesito. Andou de negação em negação ao longo dos anos, depois instrumentalizou o conflito para criar oportunidades de renda através do procurement militar e no fim foi se ajoelhar no espertalhão do Kagame, que abraçou a protecção da TotalEnergies como bandeira da sua relevância na geopolítica da segurança a sul do mundo.
Mas onde está o gás? Nada!
“Carta” sabe que o projecto controlado pela TotalEnergies está retomando gradualmente suas operações, agora com uma componente humanitária mais consistente, mas nada indica que Nyusi assistirá ao levantamento da “força maior”. Um grande fracasso político, também neste sentido.
O país de Nyusi é um país de desesperança. A pobreza urbana é tremenda. A qualidade dos serviços públicos vem se degradando velozmente. O nepotismo impera. E o propalado combate à corrupção continua ainda nas boas intenções, tal como mostrou ontem o GCCC, que se agarra em estatística processual de casos ainda não transitados nem julgados para querer mostrar trabalho e sucesso.
Nyusi vai cantar hosanas à recente avalanche da PGR contra o branqueamento de dinheiro, mas esta reação penal decorre da demanda externa e não tem nada a ver com vontade endógena. De resto, como noutros casos, a PGR montou uma máquina de comunicação para mostrar o impacto da ofensiva, mas ninguém ainda foi julgado nem condenado. E a presunção da inocência é uma instância a considerar antes de qualquer vitória.
Combate à corrupção? Não, ninguém está interessado. O Governo de Nyusi foi claro nisso, quando recusou ostensivamente a distinção operacional entre pequena e grande corrupção, dizendo que essa distinção não fazia sentido. Só não faz sentido para quem não pretende reformas. Não se combate a corrupção de enfermeiro com a mesma pílula destinada ao lobista de colarinho branco, que controla toda a traficância do colarinho branco.
O próximo incumbente tem muito a fazer neste campo, mas ainda não vimos ideias sólidas sobre como reverter o problema. Mas este é tema para outro debate. Os dez anos de Filipe Nyusi foram um fracasso. Ele fracassou!
Simplesmente isso! Para sustentar nosso argumento do fracasso nyusista podemos elencar vários indicadores. Aliás, já o fizemos nas linhas traseiras. Faltou mencionar a evidência mais pungente: os raptos. Aqui você foi uma desilusão total, Senhor Presidente, um autêntico logro!
Bernardino Rafael, o Comandante Geral da Polícia nos governos de Filipe Nyusi, chegou ao fim da linha. No passado dia 9 de Maio, ele assumiu aquilo que todo o mundo sabe: a polícia moçambicana, que ele dirige, está infestada de criminosos.
Eis as suas palavras, vertidas na INSTRUÇÃO N° 05 /CGPRM/GCG/100/2024:
“Nos últimos dias, o Comando-Geral da PRM tem constatado, com maior preocupação, a ocorrência de crimes envolvendo membros da PRM, praticados com recurso a armas de fogo, com destaque para assaltos e raptos”.
Finalmente, um alto dirigente castrense coloca o dedo na ferida, mas, como vão notar, ele não procura um curativo por intrusão, optando apenas por cobri-la com paninhos mornos.
Em face da situação, eis o que Bernardino Rafael recomendou, ipsis verbis:
“Assim sendo, com vista a assegurar uma análise aprofundada e abrangente sobre este fenómeno, INSTRUO os Ramos, Direcções do Comando-Geral da PRM, Comandos Provinciais da PRM, Estabelecimentos de Ensino Policiais e Unidades das Forças Especiais e de Reserva a realizar uma reflexão sobre as causas do envolvimento dos membros da PRM em actos criminais e apresentar recomendações para a solução do problema.
Prazo: 30 dias a contar a partir da data da recepção da presente”.
Trivial. Bizarro. Inenarrável!
Bernardino no seu pior.
Bom, antes de mais vale a pena elogiá-lo pela coragem. Ele admitiu finalmente o que a sociedade sabe. Que muitos relatórios comprovam: sua polícia não tem brio, é corrupta e assaltante à mão armada, e são operativos.
De resto, o problema tem barba branca (no caso dos raptos, a PGR Beatriz Buchile não se cansa de apontar o envolvimento de membros do SERNIC) e acentuou-se no seu consulado, sobretudo no caso dos raptos.
E o que Bernardino fez para contê-los? Fugas para frente com ladainhas ocas. Aliás, ele é um dos responsáveis da inacção, por omissão, nomeadamente quanto à aceitação por Moçambique de assistência técnica estrangeira de “polícia científica” para combater os raptos, adensando a percepção de que a “indústria” tem beneficiários dentro da classe política.
E agora, em função do seu descobrimento, a reacção de Bernardino é surreal. Ele não menciona a necessidade de reforço das unidades de inteligência e vigilância interna e a facilitação da reacção penal por parte da Justiça contra os “polícias criminosos”.
Mesmo com evidências cada vez mais graves, ele faz uma instrução que é um convite à ociosidade dos seus comandantes e prova cabal do desnorte vigente. Durante um mês, os comandantes vão recostar-se nas suas poltronas de cabedal, fingindo que estão a elaborar a reflexão solicitada.
Só o desnorte pode levar um alto quadro policial moçambicano a ignorar a ACIPOL (ele menciona vagamente os estabelecimentos de ensino tutelados) e as universidades deste país quando se tratar de avaliar um comportamento que também pode ser consequência da inexistência de controlo e vigilância interna e falta de autoridade de quem está a ser convidado para fazer a avaliação.
Esta instrução demonstra autoritarismo e preconceito de um dirigente que já devia estar em casa, tanto mais não seja pelo falhanço total em Cabo Delgado. O que Bernardino Rafael devia ter feito é convidar uma avaliação externa e independente, anunciar o reforço da vigilância interna e manifestar disponibilidade para aceitar a cooperação internacional. Enquanto isto não for feito, nada feito!(Marcelo Mosse)
Eleito no conclave da “capela sinistra” da Frelimo na Matola na semana passada para candidato presidencial do partido no poder, Daniel Chapo diz-se predisposto. “Irrumele Irrumele, ita Famba”, entoa ele o refrão em xitsua, uma das línguas mais faladas em Inhambane, onde ele é Governador.
Veja o vídeo https://fb.watch/rZBVqKTW-_/
Chapo se mostra igual a si mesmo. Quando foi eleito no passado domingo, ele trajava jeans com sapatilhas, uma indumentária que parecia mostrar que ele não estava à espera da preferência.
Ontem, também, quando subiu a um palanque na cidade de Inhambane, para sua primeira aparição publica após a eleição, o traje respirava simplicidade.
Sua mensagem no vídeo é clara. Ele representa todos os moçambicanos. Contudo, Chapo desconstrói a percepção de que ele representa “a vez do centro”, como a turma de Filipe Nyusi no Comitê Centrar tentou fazer crer.
Ele nasceu em Inhaminha, em Sofala. Seu pai saiu de Inhambane para Sofala para trabalhar TransZambezia Railway, uma companha ferroviária extinta em 1988, que servia nas regiões interiores no eixo Beira, Marromeu e Inhaminga. Consta que sua mãe é da etnia cisena.
Sua ligação com Sofala é biográfica. Mas no vídeo, Chapo assume-me como filho de Inhambabe, uma terra abençoada, que já produziu ministros, incluindo o actual Primeiro Ministro, Adriano Maleiane, frisou ele.
Sua aparição ontem em Inhambane em jeito de agradecimento provincial insere-se também na pré-campanha eleitoral.
As eleições presidenciais estão marcadas para Outubro e o calendário aperta. A Frelimo ainda precisa de afinar sua máquina eleitoral. A renúncia de Roque Silva deixou um lugar crucial em aberto e que deve ser preenchido rapidamente, através de um Secretário Geral interino forte que também coordene a campanha.
Na quarta-feira, a Comissão Política da Frelimo esteve reunida mas foi inconclusiva quanto a esse assunto. Alguns nomes perfilam, mas nos bastidores avulta a ideia de que encontrar uma figura consensual será difícil.
Nas vésperas da campanha eleitoral, Daniel Chapo tem agora, também. um dos maiores desafios da sua vida: Recusar ofertas envenenadas, nomeadamente dinheiros provenientes do narcotráfico e do tráfico de influências, evitando condicionar a sua presidência à corrupção, como tem vigorado ultimamente em Moçambique.
Uma hipótese parece indesmentivel: a tentativa da sua cooptação por nyusistas e anti-nyusistas. Ele deve ter capacidade suficiente para fazer as pontes entre as correntes internas desavindas.