Quando a chuvada arrasadora do fim de semana desabou sobre o Grande Maputo, eu apostei que ela arrastaria consigo o habitual apagão de eletricidade.
Foi sempre assim. Ao mínimo ruidoso trovejar, o mundo ficava às escuras, um barulhão entre trevas.
Chuva e escuridão, tanta maldade junta, uma natural e outra decorrente da incompetência ou desleixo humano (chamem-lhe o que quiserem, rede de distribuição precária, etc).
No meio do desconforto, o habitual desfile das nossas lamúrias, vituperando contra o Governo e o bando de incompententes que gerem a EDM.
Minha aposta caiu no fundo do vaso sanitário. A chuvada trouxe à tona a habitual pobreza das nossas infraestruturas, tanta incúria acumulada na área do saneamento e ordenamento urbano.
Minha aposta foi qualquerizada. A EDM derrotou-me de forma retumbante.
Durante a chuvada fui paulatinamente desgrudando a vista de um apagão relampejando lá nos confins de um horizonte imaginário, O apagão, que já era uma obsessão, um desejo reprimível, não chegou.
Pela primeira vez na minha memória, Maputo enfrentou o caos da chuva longe da escuridão.
Para mim, isso é obra. No meio de muita ineficiência e inconsistência na gestão do sector empresarial do Estado, a EDM mostrou que é possível fazer o mínimo: cumprir sua missão sem as recorrentes trevas. Valeu. Serviço público deve ser assim.
O processo político moçambicano pode estar à beira de um grande impasse. O título deste texto encerra, aliás, a grande questão política do momento. As eleições de Outubro de 2023 foram consensualmente fraudulentas. Comprovadamente. Relatórios da observação eleitoral independentes deram disso conta, incluindo a monitoria da Comunidade Internacional, mostrando que o calcanhar de Aquiles residia no trabalho e competências dos principais órgãos eleitorais, nomeadamente a Comissão Nacional de Eleições (incluindo o STAE, Secretariado Técnico de Administração Eleitoral), o Conselho Constitucional e, pela primeira vez tidos e achados no processo, os Tribunais Distritais.
Como saída para essa crise, gerou-se tacitamente na sociedade uma espécie de urgência no sentido de reforma do aparato de gestão eleitoral em Moçambique, com a Frelimo a não se opor.
Os mais interessados no processo de reforma eleitoral em Moçambique são os principais partidos da oposição, Renamo e MDM, que prontamente tomaram a dianteira de submeter junto da Assembleia da República suas propostas de reforma.
Visando a sessão da Assembleia da República que iniciou no passado dia 22 de Fevereiro, a Renamo submeteu junto das bancadas da Frelimo e do MDM um projecto de Lei visando a alteração da Lei de Eleição do Presidente da República e dos deputados da Assembleia da República.
O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) não ficou atrás, tendo também submetido na AR suas propostas visando a prevenção da fraude, centrando-se não apenas na eleição presidencial e legislativa, mas também na eleição dos membros das assembleias provinciais e governador provincial. Não são conhecidas as propostas da Frelimo.
Na semana passada, a Assembleia da República, através de uma Comissão criada para o efeito, começou a trabalhar, num retiro na Ponta do Ouro, no sentido de dar corpo às reformas eleitorais. Na quinta e sexta-feira, a Comissão (chefiada pela deputada Ana Rita Sithole) recebeu formalmente as propostas das três bancadas e elaborou uma matriz comparativa. Nesta semana, está a ser feita a análise das propostas por parte das bancadas (Frelimo a analisar as propostas da Renamo e MDM e vice-versa), o que deverá culminar com a elaboração de um anteprojecto a ser entregue à Comissão Permanente.
Mas a questão central que se coloca é que parte considerável das propostas submetidas pela oposição tem implicações sobre a Constituição da República, como por exemplo a transferência de poderes do Conselho Constitucional para os tribunais distritais, como propõe a Renamo, que apresentou uma proposta controversa para lidar com os papéis dos tribunais distritais e do Conselho Constitucional.
Este é apenas um exemplo. Há muito mais propostas de reforma que implicam mudanças na Lei Fundamental. A questão que se coloca é se há condições para uma revisão da Constituição antes de Outubro, ou seja, em menos de seis meses.
Nenhum partido transmitiu sua posição sobre se, no intuito da reforma da legislação eleitoral, o adiamento das eleições para o próximo ano pode ser uma opção a tomar. Ou se se avança para as eleições com um aparato legal vigente. Nos próximos dias, este assunto vai virar polémica. Certamente que um grande impasse no processo político em curso. (Marcelo Mosse)
Lembram-se da ladainha oficial que menosprezou os sinais do terrorismo quando ele dava seus passos iniciais : é assunto de Polícia.
Hoje temos guerra fraticida.
A ladainha deve ter servido para qualquer coisa, como o endinheiramento centrado na logística castrense.
Hoje Cabo Delgado está um caos e a TotalEnergies hesitando.
Lembrei-me desta saga interminável quando ouvia este podcast com Stefan Dercon, professor de Política Econômica na Universidade de Oxford.(em anexo e recomendo vivamente).
Ele diz uma coisa simples: sem que as elites concordem que o caminho é o desenvolvimento, o contrário vai vigorar, a trapaça da pobreza.
Esta é uma hipótese para Moçambique: nossas elites políticas e econômicas ainda concordaram numa visão de progresso colectivo. Cada um olha para si, empobrecendo o Estado.
Cabo Delgado foi (é) palco de experiências terríveis de enriquecimento e acumulação, e quando se conjecturava o fim do terrorismos que Nyusi bem amplificou com hosanas para si mesmo, ei-lo dando sinais vitais, marchando para o sul.
E o gás está lá, vendo navios no Rovuma.
Mas lembram-se também dos primórdios do gás do Rovuma,, entre 2005/7? Ainda pensava-se num gasoduto para a África do Sul, país então visto como potencial mercado… bom esta África do Sul está já exultar com a descoberta de petróleo lá.
Os analistas dizem que a descoberta é como que um “game changer”. Ou seja, tem o pontecial para uma mudança estrutural da economia sul africana. E parece que a TotalEnergies tem espaço para avançar lá. sem um cordão de segurança ruandês, como em Afungi, e a escassos km terrorristas mostrando toda a sua malvadez.
Vejam o vídeo sobre a descoberta do petróleo na sul africano. Eles vão monetiza-lo rapidamente. Com a transição energética, só pode. Mas e nós? Qual é a responsabilidade das elites no atraso do gás do Rovuma?
Marcelo Mosse
Video 1: https://www.youtube.com/watch?
Nesta semana, a Comissão Política da Frelimo deverá reunir-se para, entre outras coisas, escolher três nomes entre os seus membros (ou apenas um), os quais serão propostos para a reunião ordinária do Comitê Central, em Março, onde deverão ser sufragados na contenda interna para a escolha do candidato presidencial da Frelimo para as eleições de Outubro deste ano.
Mas, diferentemente do processo de sucessão do antigo Presidente Armando Guebuza, iniciado em Novembro de 2013 e culminado com uma disputa a cinco, é muito provável que os procedimentos venham a ser alterados.
Em Novembro de 2013, quando Alberto Vaquina, José Pacheco e Filipe Nyusi foram chancelados pela Comissão Política de Guebuza, que se reunira na Namaacha (e o antigo SG da Frelimo, Filipe Paúnde, surgiu, manhoso, garantindo que aqueles eram os únicos candidatos), o trio ainda teve tempo de percorrer país, nas semanas subsequentes, disseminando suas propostas entre os membros do partidão. Na altura, havia três meses pela frente, antes de Março e o processo se desenrolou num ambiente de quase serenidade.
Mais tarde em Março, já em pleno Comité Central, a ACLIN (Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional) forçou a entrada de Luísa Diogo e Aires Aly, a contragosto do guebuzismo. Nyusi ganhou no despique final contra Luísa Diogo.
Agora, diferentemente do de Guebuza, o processo de sucessão de Nyusi está envolto num grande tabu. À prontidão da escolha dos três nomes pela Comissão Política de Guebuza vigora hoje omissão e ambiguidade. Fora de um círculo muito restrito na Frelimo, que alegadamente controla agora a narrativa sucessória, ninguém sabe o que está a acontecer nos bastidores e a especulação avulta.
Objectivamente, o calendário eleitoral não pára. Já estamos em Fevereiro e Março está ao virar de esquina. Isto significa que, definitivamente, o momento da “campanha primária” que Guebuza proporcionou aos três propostos da altura vai ser posto de lado. Não apenas pela proximidade da reunião do Comitê Central, mas também por causa do calendário de submissão das candidaturas presidenciais ao Conselho Constitucional, que devem ser apresentadas ao CC até ao próximo dia 10 de Junho.
É muito provável que a tão esperada reunião da Comissão Política possa vir a ter lugar nesta segunda-feira, depois de um mês no silêncio. Estatutariamente, a Comissão Política reúne, ordinariamente, uma vez por mês, por convocação do Presidente, no calendário de eventos do Estado na semana que hoje começa não há nada de extraordinário que possa impedir que esse conclave aconteça.
A grande questão que se coloca é mesmo essa: qual é a razão suficiente para o tabu!
Há duas interpretações conflituantes. A primeira é a de que Filipe Nyusi já não controla a narrativa da sua própria sucessão. Alega-se que um grupo restrito de veteranos fundadores do partido, ainda com uma dose de poder simbólico, terá assumido a batuta do processo.
A veterania, reza a teoria, estará a influenciar o atraso da derradeira sessão da Comissão Política, de modo que, quando ela acontecer, a perspectiva da indicação de uma lista curta de três nomes por parte da CP deixe de fazer sentido.
O resultado previsto desta alegada pressão da veterania é a CP ser empurrada para fazer das duas uma: i) ao invés de três nomes, a CP propõe apenas um nome (com um perfil já desenhado em segredo) e esse iria solitariamente ao crivo do Comitê Central em Março; ii) a Comissão Política é ser forçada a não tirar agora sua lista curta para fora do baralho e, ao invés, uns Termos de Referência orientariam a escolha do candidato pelo CC.
O denominador comum desta proposição é a veterania frelimista pretender evitar que o mercado de compra e venda de votos saia para a rua mesmo antes do anúncio da data da realização do CC.
A segunda interpretação conflituante é a de que o atraso da realização da derradeira sessão da CP se deve a uma estratégia de Nyusi e sua “entourage”: revelar as três propostas muito antes do CC seria expor os nomes a um previsível e esperado vexame, ao insulto das “fake news” com algumas meias verdades de permeio, a exposição maliciosa que, aliás, já foi ensaiada logo após a “rentrée” política na terceira semana de Janeiro, depois das férias da quadra festiva do Natal e Ano Novo.
Em 2013, ainda não havia, nas bases e nos grupos de WhatsApp de militantes, esse ambiente de cortar à faca, extravasando para as redes sociais a penosa realidade de seus grupos patrimonialistas digladiando-se em torno do controlo do “rent seeking” e dos canais de acumulação primária de capital junto do Estado.
Mas a nomeação de Nyusi para candidato em 2014 inaugurou o mercado interno de compra de votos para a ascensão a lugares de relevo e isso foi se sedimentando ao mesmo tempo que a opção pelo autoritário tornou-se marca d'água do regime.
Hoje, Filipe Nyusi tem a consciência de que todos os três nomes, logo que forem lançados, vão ser alvo das atoardas anónimas, de um julgamento público desonesto, aliás, como nunca se viu em Moçambique, ficando, apesar de tudo, com sua imagem de integridade beliscada no seio da opinião pública – e aqui, os candidatos que vierem a ser propostos em pleno CC levando alguma vantagem.
Um dos grandes objectivos da alegada intervenção da veterania da Frelimo neste processo é tentar evitar a todo o custo a mercantilização do voto na escolha do candidato pelo Comitê Central. Foi por isso que, logo após as eleições autárquicas de Outubro, vozes de peso na Frelimo vieram sugerir a realização de uma Reunião Nacional de Quadro, justificando a necessidade com a “crise” dos resultados eleitorais.
Agora, sabemo-lo, o objectivo central era evitar que a escolha do sucessor de Nyusi fosse feita apenas dentro dos critérios mercantilizados do actual CC. A ideia é a de que, se isso não for revertido, Nyusi ganhará na escolha do seu sucessor, numa altura em que todo o mundo quer um virar de página.
Nesse quesito da mercantilização, Nyusi tem mesmo vantagem. Parte-se do princípio que ele já “colocou no bolso” todos os 11 secretariados provinciais mais o secretário nacional (lembram-se da oferta de viaturas após a reunião do Comitê Central no passado), perfazendo cerca de 90 votos e quem tem isso tem um caminho para a vitória.
Então, a questão que prevalece é: será que os grupos anti-Nyusi irão conseguir combater a mercantilização do voto ou não? Por outras palavras: a sucessão de Nyusi vai obedecer ao critério da alternância regional (que parece já não fazer sentido, embora José Pacheco insista nesse diapasão); ao critério de eventuais de novos Termos de Referência numa perspectiva de remoralização dos procedimentos electivos; ou ao critério das guerras fratricidas entre os grupos patrimoniais que almejam controlar os negócios do Estado e não necessariamente conduzir o país a bom porto? Com o calendário da sucessão atrasado, estas questões parecem fazer sentido.(Carta)
No início desta semana, a "rentrée" política regressou à agenda pública, com o desfile das “facas longas no debate sucessório de Filipe Nyusi. Começou a chamada noite hitleriana das "facas longas” tendo como espectro a sucessão de Nyusi. Trata-se de um intenso movimento nos bastidores frelimistas, envolvendo grupos arregimentados à volta de políticos e curiosos que almejam a cadeira presidencial no partido e no Estado.
É um movimento caracterizado por guerras figadais, onde vale tudo para assassinar o carácter, denegrir e desqualificar, na covardia do anonimato, figuras com peso comprovado e com maiores hipóteses de uma vitória eleitoral contra qualquer candidato da oposição.
Nesse ambiente purgatório, ninguém dá a cara, mas as vítimas são sempre as mesmas. E as armas de arremesso são as mais frascizantes de que há memória: facas e punhais longos como na purga de Goebbels e seus apaniguados contra milhares de possíveis adversários contra a sedimentação nazista e, no caso vertente, pedras e setas atiradas contra adversários que, por bom senso, não usam os mesmos recursos, nomeadamente a chacota e o insulto nas redes sociais, a acusação sem fundamento, a condenação extra-judicial sem prova. Adversários que se calam por bom senso e calculismo político em protecção ao partido.
De resto, o cenário é um "déjà vu" dos anos recentes, um “remake” do ambiente tragicamente cénico que marca a aproximação de um evento relevante no calendário político frelimista.
Ao invés do debate aberto, vigora no partido a caça às bruxas e isso é agora alimentado por uma direcção que continua a fazer tabu na sucessão de Nyusi, no seu bom registo autocrata, a dois meses da escolha interna do futuro candidato. As razões para esse tabu são insondáveis.
Mas o pior de tudo é que todos no partido se sentem vinculados por essa orientação amordaçante do debate de ideias. Até Samora Machel Júnior, que em momento oportuno ousou dar o peito às balas quando teve que se defender do nyusismo mais retrógrado. Samito, até ele, se deixa vincular nesta atoarda silenciosa.
Há dois meses da escolha interna, o partido não discute o perfil do sucessor do actual timoneiro, nem nenhum dos pretendentes tem a coragem suficiente para vir a terreiro dizer “eu quero, eu penso!”.
A lista dos putativos é enorme. Cerca de 15 aspirantes, embora apenas um, dois ou três tenham qualidades demonstradas de liderança e capacidade eleitoral para enfrentar qualquer que seja o candidato da oposição. Mas, tristemente, esses dois ou três também se amordaçaram no silêncio ensurdecedor que marca os dias actuais da Frelimo.
Moçambique vive momentos tenebrosos no seu processo democrático. Um partido como a Frelimo furta-se a discutir em tempo útil e abertamente para a sociedade o perfil e o nome do seu candidato presidencial. Isto é inaceitável, sobretudo quando, nas democracias liberais, os partidos políticos são entidades semi-públicas, que vivem em parte do financiamento público e, portanto, alguns aspectos da sua discussão interna deviam ser públicos e transparentes, principalmente, no quesito da escolha do candidato presidencial, no país de sistema presidencialista.
A Frelimo furta-se a isso, tragicamente. E promove, pela omissão, este ambiente fracturante nas redes sociais, onde grupelhos de faxinas ávidos de poder atiram, escondidos no anonimato, suas farpas nojentas contra quem está em melhor posição na grelha de partida. Parece desesperante, não é? E qualquerizante para alguém que se outorga de glorioso. (Marcelo Mosse)