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terça-feira, 21 janeiro 2020 13:05

O homem treme como a própria terra

Já haviamos combinado que a entrevista decorreria na esplanada do Hotel Tofo-Mar, e eu cheguei uma hora antes. Às nove. Estava bem disposto, inspirado para explorar ao máximo um homem invulgar. Um personagem. No fundo será uma ousadia, pois como se diz, se quiseres enfrentar um monstro, tens que ser um monstro, e eu não sou. É por isso que fui buscar vários reforços para encará-lo, de frente. E uma das vigas que vou usar para cingir o meu lombo, é o poder da imaginação.

 

A maré esta a vazar, e as ondas vão perdendo fulgor. Daqui onde estou a paisagem é linda, e tudo isto dá-me uma sensação indescritível de liberdade. Vejo, de longe, em pleno Oceano Índico, um barco passando em direcção ao sul, e um dos trabalhadores do hotel apressou-se a dizer que está alí um cruzeiro. Na verdade este  é um ponto privilegiado de contemplação. É um lugar que mesmo assim está na iminência de ceder ao mar, que vai “comendo”, aos poucos e poucos, a terra que já não se pode gabar da sua firmeza.

 

Tenho à minha mesa uma pequena garrafa de água, da marca Vumba. Vou bebendo gole a gole enquanto espero por uma pessoa que nunca vi em carne, a não ser em livros. Estou ansioso. Há um terramoto que se anuncia dentro de mim, e esse sentimento pode abalar a minha alma e destruir-me por inteiro. Desde que estou aqui, há quarenta minutos, o meu telefone ainda não tocou, não sei se isso é bom. O silêncio, agora mais do que nunca, ruge a minha volta, parecendo que eu próprio sou o actor principal de um filme de terror.

 

São dez horas. O garçon aproxima-se e pergunta-me se vai mais uma água, uma vez que a garrafinha já não tinha conteúdo. Eu disse-lhe que sim, vocalizando suavemente uma palavra comprometedora, ou seja, o “sim” é de uma grande responsabilidade. E o que vou fazer na esplanada do hotel Tofo-Mar não é nenhuma brincadeira. Quer dizer, convoquei um homem inteiro que vai deixar os seus afazeres, para ser interrogado por mim.

 

Não páro de olhar para a entrada que dá acesso a tranquila esplanada onde estou sentado, esperando por um enigma. Pode ser que não faça, por incapacidade, as  perguntas apropriadas. Eventualmente ele também irá me colocar questões, e  não terei sabedoria para ir ao encontro das suas expectativas. Há um maremoto que me devasta mais o coração do que exactamente o cérebro. A minha pressão arterial deve estar perto dos duzentos, ou um pouco para além disso, e nestas condições o médico não vai levar-me, concerteza, à sala da cirurgia.

 

São onze e vinte. Vejo um homem muito entrado na idade (um ancião), dirigindo-se resolutamente a minha mesa, apoiado num cajado que suporta o lombo cansado. Parece dançar com as ancas descompensadas, ao estilo das hienas, animais com a dentadura mais feroz da selva. Ele sorri para mim, e não tive quaisquer dúvidas de que era ele. Levantei-me, sorrindo também, e fui ao seu encontro.

 

Abraçamo-nos efusivamente, e eu senti o corpo do homem tremendo como a terra flagelada pelos sismos. Também tremi. E nós os dois passamos a dançar a música dos nossos corações. Era uma espécie de transmutação, porque este momento trouxe-me a serenidade que precisava para entrevistar este mamute. Mas a entrevista não se materializou. Ele pediu – depois de nos sentarmos - um duplo de “scotch” e disse-me assim, amigo, desculpa, vamos conversar amanhã, hoje deixa-me contemplar esta maravilha do Índico. Fica comigo, por favor, conta-me a tua vida.

No banquete por ocasião da investidura do Presidente da República (PR), o investido, Filipe Jacinto Nyusi, proferiu alguns pronunciamentos que despertaram  a curiosidade dos que acompanham a vida política nacional, mormente quanto a composição do novo governo. Pairou a ideia de que na composição do novo governo o PR não se contentaria  com o  “balneário partidário”, abrindo alas para o “ balneário da sociedade “ que  é, quiçá, mais vasto  e nas palavras do PR: de altíssima qualidade.

 

Abaixo e de  forma breve, partilho um apanhado do que foram as expectativas, conclusões e lições aprendidas a partir de excertos do “ Discurso de Sua Excelência Filipe Jacinto Nyusi, Presidente da República de Moçambique, no Banquete oferecido por ocasião da Sua Investidura como Presidente da República” vis-à-vis a composição do novo governo.

 

  1. Expectativas
  • “ Sou imune a todas as pressões, embora em democracia, elas sempre existam. A única pressão que pesou em mim, foi o interesse nacional de Moçambique.”: esta parte do discurso gerou a sensação de que o novo  governo seria imune à pressões, sobretudo as de ordem partidária na escolha dos ministros  e em defesa da unidade nacional, o superior   interesse nacional;
  • “É verdade que sou Presidente da FRELIMO, mas também é mais verdade que a Presidência da República não é um cargo partidário”: deste entendimento , a esperança de que o novo governo também não seria um órgão partidário;
  • Mais de 60% dos membros do Governo serão novas caras,(…), mas porque o balneário moçambicano é de altíssima qualidade...”: desta afirmação a certeza de que estes 60% seriam quadros fora do partido do PR.
  1. Conclusões

“O Estado não se esgota no governo, como muitos pensam. Há várias posições relevantes no tão diverso quadro institucional de Moçambique. Esse quadro diversificado pede o concurso do talento e da experiência de um amplo leque de quadros, cuja vontade seja servir Moçambique./O meu governo irá capitalizar esses talentos nacionais… ”: com o anúncio do novo governo ficou patente, fora o entendimento contrário, que o grosso ou a totalidade dos membros do governo é formado por membros do partido do PR. O resto que aguarde a possível chamada  para as outras  posições relevantes fora as do governo.

 

  1. Lições aprendidas

“…A inclusão é muito mais do que a acomodação de um grupo restrito de compatriotas, seja qual for a sua origem. Incluir é ouvir os que pensam diferente. Incluir é dar oportunidades iguais a todos, é exercer justiça social, é promover o emprego.”: fora os cargos, para o PR o moçambicano é convidado “…a participar com o seu saber, experiência e espírito crítico no processo de identificação de soluções para os desafios que os moçambicanos irão enfrentar no próximo quinquénio” (discurso da tomada de posse)

 

Em suma, nada esta perdido e as expectativas transitaram para o preenchimento das vagas do governo em falta e ainda dos cargos por preencher de muitas  outras posições relevantes do quadro (refeitório?)  institucional moçambicano. Quem sabe se no que falta preencher e  em tempo de compensação  o PR marque um golo na própria baliza.  

segunda-feira, 20 janeiro 2020 07:26

Das minhas limitações

Lembro-me como se fosse ontem: quando Celso Correia foi nomeado ministro, o mundo quase que ia desabando. Dizia-se, na altura, que Correia era um menino de recados e mimado de Armando Guebuza que, por isso, ia ao ministério para sabotar o Presidente Nyusi. Correia era marionete e puto de boladas sujas do Guebuza. 

 

Celso Correia não era nada ministeriável, logo para um sector importante e sensível como o da terra, ambiente e desenvolvimento rural. Não tinha experiência. Era um miúdo atrevido e ambicioso que não tinha noção das coisas. 

 

Já o Rajendra de Sousa entrou no ministério cheio de sabedoria e de coisas para dar. Enquanto vice-ministro, fez sombra ao próprio ministro. Tanto que não foi surpresa para ninguém que Rajendra passasse a ministro. Era o mais sensato. Era o que se esperava.

 

Do primeiro ao último dia, havia sempre uma expectativa em relação ao Rajendra de Sousa. As pessoas sempre acreditavam que Rajendra guardava uma carta da sabedoria na manga e que poderia tirá-la a qualquer momento. Mas nada! 

 

Hoje, Celso Correia é o tal ministro. O ministro irreverente, atrevido, ousado e criativo. Aquele ministro que não pode ser descartado. O ministro que é capa na FRELIMO. O ministro apoiado pela opinião pública. Hoje, Celso Correia e João Machatine são os tais ministros.

 

Enquanto isso, o Rajendra sumiu. Um grande académico e intelectual com voz de Jazzista na menopausa entrou gritando e saiu mudo. Perdeu ideias. Nunca vou-me esquecer daquele dia que o Rajendra apareceu na tê-vê apelando ao consumo massivo de "nhewe"/"tseke" porque, segundo ele, amolecia as fezes. Ali logo me apercebi que a bússola do cota estava avariada. Nunca consegui entender a relação entre a maciez do nosso côcô e a industrialização e comercialização do país. 

 

CONCLUSÃO

 

Por causa dessa e outras realidades, custa-me avaliar o governo, de acordo com as experiências ou diplomas das pessoas nomeadas. Tenho medo de comprar gato por lebre. Para fazer uma validação saudável do governo é preciso conhecer o objectivo do Estado. Ou seja, onde queremos ir. É preciso conhecer a Missão, a Visão e os Valores do Estado, como um todo, e dos Ministérios, como áreas de apoio. 

 

Por exemplo, qual é o objectivo da educação? Aqui parece que cada ministro cria a sua própria estratégia. É tudo pessoalizado. Ora 2ª classe tem exame, ora não tem; ora há 2ª época, ora não há; ora há exame extraordinário, ora não há; ora o ensino básico vai até 7ª classe, ora vai até 9ª; ora os exames são corrigidos em Maputo, ora cada um corrige sozinho; ora a passagem é automática, ora é semi-automática; ora é electrónica, ora é quase-mecânica; ora o livro deste ano é desta editora, ora é daquela editora; ora isto, ora aquilo. Afinal, qual é a visão do Estado para a Educação a longo prazo?

 

Parece que estamos a construir um edifício que ninguém conhece o projecto. O pedreiro, o carpinteiro, o canalizador, o electricista e o serralheiro não sabem como será o edifício, apenas sabem que é para residência. Por isso, o critério de avaliação do trabalho de cada profissional é a sua esperteza e a sorte.

 

Então, é aqui onde moram os meus limites. 

 

- Co'licença

quinta-feira, 16 janeiro 2020 12:53

O cinzentismo de Nyusi e suas incongruências

Eu esperava que o discurso do Presidente Filipe Nyusi fosse um libelo mobilizador, com uma visão sobre nosso futuro a médio prazo, ou mesmo uma imagem do país que teremos quando ele abandonar o poder (se bem que não se pode fazer muito em cinco anos). Eu esperava ouvir um galo cantando uma nova madrugada.

 

Mas Nyusi preferiu apresentar-nos retalhos programáticos da sua governação nos próximos cinco anos. Algumas palavras ocas, algumas medidas concretas. Nenhum assomo visionário, um pensamento estratégico da nação.

 

O povo, como sempre, bateu palmas. Eu também!

 

Seu compromisso com a paz é inigualável. Mas como tratar da insurgência em Cabo Delgado? Nada! Nenhuma ideia central.

 

Sua grande promessa foi a de alocar 10% do orçamento do Estado na Agricultura. Fantástico! Só precisa clarificar: o dinheiro vai todo para o Ministério ou directamente para quem produz? A vontade é boa mas, em Moçambique, os governantes ensinaram-nos a desconfiar.

 

Ele também apoia o projecto de linha férrea para Macuse, um empreendimento que pode fazer muito bem à Zambézia. Agora, é preciso ajudar na mobilização de recursos.

 

Mas o discurso estava cheio de nuances.

 

Sem conteúdo (como na abordagem da corrupção; Nyusi não tem um pensamento estratégico sobre o assunto, nem se esforça para compreender melhor o problema e pensar como fazer);

 

Incongruente (promete reabilitar a linha Beira/Machipanda, mas não faz nada para retornar o ferro-crómio à linha de Ressano, cedendo ao "lobby" rodoviário, que está dando cabo da N4,  numa altura em que falta  apenas 7 anos para a estrada passar para nossas mãos);

 

Omisso (como quando fala de economia azul e faz vista grossa à pesca furtiva, que está delapidando nosso mar, novo take away chinês);

 

Inconsequente (promete uma nova instituição de crédito para a economia, quando existe esse saquinho do BNI, uma vaca leiteira falida, que nunca fez banca de investimento e até já faz retalho e micro-credito);

 

Falacioso (como quando promete um Hospital/um Distrito, mostrando uma ignorância abismal sobre o que é um sistema de saúde; um Hospital Distrital tem requisitos, não é um centro de Saúde. Um Hospital Distrital, por definição, deve ter, Pelo Menos 2 salas de operações, 1 laboratório, 1 serviço de Imagiologia com Rx e aparelho de ecografia, 4 enfermarias, designadamente Medicina, Cirurgia, Pediatria e Maternidade. Deve ter 1 cama por cada 1000 habitantes do Distrito. Deve ter 1 ambulância e 1 viatura de caixa aberta. Deve ter recursos humanos: médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório e de RX, parteiras, serventes, motoristas, enfim. Deve ter um orçamento de funcionamento para medicamentos, combustíveis, energia elétrica, água etc.

 

E Moçambique tem 154 distritos. Impossível.

 

O discurso de Nyusi foi cinzento. Agora, apesar isso, esperamos que esse cinzentismo não marque o mandato. 

quinta-feira, 16 janeiro 2020 06:35

Surpreenda-nos, Senhor Presidente!

Acompanhei atentamente o discurso de tomada de posse de Sua Excelência Filipe Jacinto Nyusi, Presidente da República de Moçambique. De resto, foi um discurso bonito, mas não tanto quanto o de 2015. Na verdade, a beleza do discurso de 2015 residia na "curiosidade". Estava carregado de simbolismos da estreia. Do novo. Da ansiedade. Estava repleto de nervosismos de ambas as partes: do orador e do receptor. 

 

Por um lado, o povo estava ansioso em ouvir o que é que o NOVO, o JOVEM e o ENGENHEIRO de estruturas férreas tinha para dizer e, por outro, o Presidente estava ansioso em saber como seria recebido e entendido pelo seu povo. Era um Chefe de Estado engenheiro e jovem, atributos que fugiam do protótipo moçambicano (e porquê não, africano) de governante. Nyusi deve ter sido o Chefe de Estado que apresentou o discurso mais "conectante" com o povo. Acredito que depois daquele discurso a sua popularidade tenha subido de fasquia. 

 

Em 2015, Nyusi era "empregado" e o povo, "patrão". Tinha um coração onde cabiam todos os moçambicanos. A juventude e a educação eram o seu ópio; a corrupção e a impunidade, os seus piores inimigos. A liberdade de imprensa e de expressão era o apanágio. Na prática, "nheto"! 

 

O discurso de 2019 é o mesmo de 2015, mas com uma caligrafia trémula e sem confiança. Parecia um discurso que não estava a sair do seu íntimo. Pouca retórica. Faltou vida ao discurso. Até parecia um daqueles informes do Estado da Nação... cheio de incertezas e pouca convicção. E com razão! 

 

O quinquênio passado foi muito problemático. Se fosse num jogo de futebol, diria que foi uma primeira parte falhada. Diria que, neste momento, estamos a perder e temos de recuperar na segunda parte. Temos de ter a coragem de reconhecer isso sem evasivas nem subterfúgios e, muito menos, vergonha. Aliás, o próprio Chefe de Estado já se deu conta disso. Se pegarmos na gíria desportiva de que "equipa que ganha não se mexe", chegaremos a mesma conclusão. Ao anunciar que 60 por cento do próximo governo será gente nova, o Presidente Nyusi está a reconhecer a inoperância do governo anterior. Esteve aquém do esperado. Não quero aqui alencar motivos para não ser repetitivo, dado que tem sido um debate actual da mídia nacional e internacional.

 

Como o discurso do primeiro mandato não passou disso - discurso, agora só posso esperar apenas que o Presidente nos surpreenda pela positiva. "Wallahi-Billahi", espero que o Presidente Nyusi desfaça o meu equívoco e mostre que, desta vez, pode ir muito além das promessas públicas. E eu acredito que isso é possível.

 

Estamos aqui para ajudá-lo sempre que precisar, Excelência. Usarmos os "recursos minerais" para catapultarmos a "agricultura" para criarmos o "desenvolvimento" para chegarmos ao "zero fome" não é coisa doutro mundo. Fazermos com que os recursos naturais não sejam a nossa maldição é fazível. Ouvirmos e respeitarmos ideias diferentes, analisarmos e acolhermos - se for o caso - não é um bicho de sete cabeças. Não nos enfiarmos balas e não nos quebrarmos tarsos, metatarsos, carpos, metacarpos, falanges, falanginhas, falangetas, úmeros, tíbias, etecetera, não custa nada. Combatermos a corrupção é também possível. Alimentarmos a Tabela de Téo com mais gatunos é canja. Unidos somos mais fortes. 

 

Eu aredito piamente na vontade do Chefe de Estado de materializar o seu discurso. É possível, sim. Já, o foco, este parece que anda preso numa teia algures. Parece que depende da boa fé dos beija-mão. Os cânticos das hosanas têm estado tão altos que ensurdecem e tiram o foco do nosso Presidente. Evitemos distrair o Presidente desta vez! 

 

Que este mandato seja o nosso presente! Surpreenda-nos a todos, incluindo os bajuladores. Supere-se e surpreenda-nos, Excelência! Aquela visita inesperada ao Presidente Dhlakama na Serra da Gorongosa foi uma demostração de que é capaz de se superar e de nos surpreender e, diga-se, foi o píncaro do mandato... se ainda não deu bons frutos, é assunto para outro fórum. Trabalhe fora da caixa, Excelência! É possível. Saia do papel! Eu ainda "confio em ti", porque também sei que "contigo" pode "dar certo". Surpreenda-nos! "Tamu-juntu", camarada! 

 

- Co'licença!

quinta-feira, 16 janeiro 2020 05:27

A “mão externa” e outros órgãos

Em Moçambique é normal que o Poder recorra a expressão “mão externa” para acusar as organizações da sociedade civil moçambicana de estarem (e existirem) ao serviço de interesses estrangeiros, sobretudo do Ocidente. Pelo que se crê o móbil da acusação é o facto de estas organizações receberem doações/financiamento do Ocidente e de supostamente no verso do cheque constar uma agenda do que fazer . Sobre a acusação - e do mesmo jeito que o acusador também bebe (e bem antes) da mesma fonte - já diz o ditado: quem fala assim não é gago (risos).

 

Trouxe a expressão (mão externa) à mesa, não para debruçar sobre acusações, mas  para partilhar algumas considerações que se prendem com o seu  alcance ( e dos órgãos adiante) e a razão da escolha da mão (externa) e não de um outro órgão do tipo, por exemplo: coração , estômago ou cérebro.

 

Imagino que se tenha recorrido a este termo (mão externa)  porque dos dedos da mão sai a assinatura do cheque. Dos mesmos  dedos a direcção a dar ao valor inscrito. E também – a parte dolorosa – dos mesmos dedos sai um gesto que se assemelha com o nome de uma fruta da corrente época. Deste gesto  e por ter recorrido à empréstimos na calada da noite, o país ainda se ressente da sua profundidade.  

 

Uma outra expressão e com a mesma intenção acusatória de “ mão externa” com o tempo saiu de moda. Era a não menos famosa  “mão invisível”.  A razão por ter saído de moda  talvez fosse porque  as ditas agendas escondidas deixaram de ser segredo e em nome da transparência passaram para o fórum público de tal sorte que é perfeitamente identificável o dono da  dita “mão externa”: os países do Ocidente que condicionam o seu apoio à questões  de ordem política  e económica. 

 

Para o apoio  recebido de outros países -  caso da  China -  o termo (mão externa) não é  aplicável, pois a China – pelo o que se consta da fala oficial – não condiciona a sua ajuda à nenhuma imposição de natureza política ou económica. Enquanto que o apoio do Ocidente é considerado  mau, o da China é bom. Neste contexto, uma expressão adequada para caracterizar a abordagem da ajuda chinesa e recorrendo a outros órgãos do corpo humano e de tão amorosa a ajuda chinesa,  quem a recebe devia ser acusado de   “coração externo”.

 

O denominador comum e o culpado  da dependência  externa é um outro órgão: o estômago. Este  (já  interno/nacional)   ainda não se libertou dos hábitos e costumes gastronómicos coloniais e pelos dias que correm, os da globalização . Para ilustrar chamo a atenção de uma entrevista (dada depois da independência) de Ricardo Rangel, o saudoso fotojornalista moçambicano, que perguntado sobre o que mais gostava de comer respondeu que adorava um bom cozido à portuguesa. E em seguida lamentou que o seu estômago não se tenha descolonizado.  Presumo que não tivesse sido  matéria da agenda do processo de  descolonização.

 

A par do estômago  está  o cérebro. Isto para falar do último órgão (também interno/nacional). Não é segredo para ninguém que o grosso da literatura (científica e religiosa) que alimenta (doutrina) o cérebro da Pérola do Índico é externa e boa parte proveniente das fontes do apoio.  Logo e a partida: um órgão  exposto, vulnerável e à reboque da “mão externa” e do “coração externo”.   

 

Nestas circunstâncias - diante das  incursões  externas ( da mão e do coração) e da  capitulação  interna  (do estômago e do cérebro) – haverá alguma  luz no fundo do túnel?  Acredito que haja e  tenho fé  que um outro órgão e local  (devidamente identificado)  venha à terreiro em socorro da Pérola do Índico .