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João Mindo II

João Mindo II

terça-feira, 18 fevereiro 2025 12:22

Com quanto poder se exerce o Poder?

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Com quanto poder se exerce o Poder? O País das Assimetrias Raciais foi recentemente a eleições presidenciais. A votação foi movida por todo um complexo misto de aspectos. Os mais notáveis foram o ódio e, claro, a raça.Com quanto poder se exerce o Poder? O País das Assimetrias

Raciais foi recentemente a eleições presidenciais. A votação foi movida por todo um complexo misto de aspectos. Os mais notáveis foram o ódio e, claro, a raça.

Nada surpreendente. É um país construído e indisfarçavelmente mantido sob preconceitos.

E também não surpreende que se tenha finalmente escancarado o mistério sobre quem, de facto, governa aquele país. O presidente, seja ele político de carreira, seja ele um paraquedista dos lobbies financeiros e corporativos, detém o poder formal. É basicamente um rosto. É o rosto de um iceberg de influências e interesses.

Os multimilionários resolveram finalmente dar as caras e deixar claro para o mundo que são eles (e foram sempre eles) quem subtilmente dita as regras do funcionamento do Estado naquele país. Tomaram a linha da frente para o mundo todo ver com quanto poder se exerce o Poder.

O mundo que se escandalize. Que se alvoroce.E, com a expressiva frontalidade que lhes é característica, seguem com a eterna reafirmação de que a sua preocupação é (e sempre foi) estritamente com o interesse da sua sociedade.

E não será essa a essência do objecto da política? O objecto da política é a sociedade. O bem-estar da sociedade. A base de qualquer sociedade são as pessoas. Pessoas têm interesses. É natural. E não pode ser tabu que tais interesses sejam essencialmente económicos. No fim de contas, tudo é economia. Todo bem-estar passa pela economia.

Nenhum país invade o outro por mera vontade de lá subjugar as pessoas e simplesmente fazê-las escravas tão somente pelo capricho de as ver socialmente enjauladas e psicologicamente acorrentadas. É sempre por algum interesse económico. Se calhar nem se trate de o tirano não gostar genuinamente do povo que pretenda escravizar. Ou que já o esteja a escravizar. Por vezes, é mesmo por uma questão de o tirano ser obsessivamente centrado em si próprio. Egocêntrico. Um narcisista doentio.

O poder político consiste resumidamente na capacidade de decidir e regular a conduta de uma sociedade por meio de uma autoridade legitimamente conferida ao decisor. O mais básico dos conceitos sugere economia como sendo a gestão de recursos escassos. A combinação destas duas noções sugere que, historicamente, a economia precede a política. Faz todo sentido. E mesmo porque os recursos precedem o próprio homem. E a política nasce quando o homem entende haver necessidade de regular a sua coexistência com tudo e todos a seu redor.

A regulação da conduta colectiva deve-se fundamentalmente à necessidade de se evitar a colisão entre os interesses individuais e o interesse comum. A essência do interesse comum é a harmonia. Harmonia social.

Até que ponto há-de ser um escândalo um país com uma superpopulação de gigantes de corporações ser subtilmente governado pelo conjunto dos titulares dessas corporações quando não se tem dúvidas de que essas entidades representam o motor e o combustível da economia desse país?

Que sentido teria o poder político sem a economia? Entremos agora para o País das Coisas Inimagináveis. Com quanto poder se exerce aqui o Poder? Quem, de facto, dita as regras aqui no País das Coisas Inimagináveis?

As manifestações de contestação daquela que poderá ter sido a mais fraudulenta eleição presidencial da história do País das Coisas Inimagináveis continuam a destroçar o país. A tendência, ainda que intermitente, é visivelmente incessante. Mas o Partido da Girafa Desamparada ignora tudo e todos e ironiza o dia de São Valentim. Inequivocamente divorciado do mesmo povo a quem acusa de tê-lo massivamente votado nessa eleição, o Partido da Girafa Desamparada resolve presentear o povo com mais conteúdo inflamável para o povo continuar a incendiar o já demasiado carbonizado país. Violou despudoradamente a Constituição da República e fez eleger para Presidente da organização aquele que, há pouco menos de um mês da realização deste evento, contra tudo e a maioria, se tornara descaradamente o quinto Presidente da República.

No fim do aparatoso evento, a Mosquito Bisbilhoteira interpela a própria recém-eleita Girafa Desamparada. E não hesita com as ironias:— Parabéns por mais esta eleição, senhor Girafa Desamparada. Como descreve a sensação de finalmente ser democraticamente eleito para um cargo?

— Não sei se terei percebido a pergunta, senhora jornalista.

A Mosquito Bisbilhoteira tinha plena consciência de quão atrevida tinha sido. E agora achou que podia ser entendido como indecoroso lembrar a Girafa Desamparada do misto de indecência e conivência, um escândalo, que foi necessário para esta ser finalmente plantada na cadeira de

Presidente da República.

Optou, no entanto, pelos ardilosos rodeios que lhe eram característicos.

— Parece seguro afirmar-se que o senhor Girafa Desamparada vai sempre na contramão de tudo e das maiorias decentes.

— Pode ser mais clara ou específica, senhora jornalista?

A Mosquito Bisbilhoteira disse:

— Dias antes deste evento, ouviam-se vozes dizerem unanimemente que o prefixo de “Presidente” parece negar terminantemente de se associar ao seu nome, senhor Girafa Desamparada.

Foi preciso esclarecer. Essas vozes diziam que primeiro tinha sido contra a vontade popular que o senhor Girafa Desamparada chegou ao título de Presidente da República. E agora, já para o cargo de Presidente do seu Partido, uma entidade ligada à sanidade e decência na gestão da coisa pública submeteu aos órgãos competentes uma providência cautelar para impedir que o senhor Girafa Desamparada se fizesse eleger para este cargo.

Em causa, estava a ilegalidade do acto. A Constituição da República, que a Girafa Desamparada jurara obedecer e garantir o cumprimento escrupuloso da mesma enquanto Presidente da República, veda expressamente ao Presidente da República desempenhar quaisquer que sejam as funções privadas.

Portanto, embora esta eleição em si tenha sido (internamente) democrática conforme reconhece a Mosquito Bisbilhoteira, a mesma peca por ter violado a lei-mãe do país. Um atropelo politicamente grosseiro e profissionalmente horrendo para um Presidente de República que é, antes do mais, jurista.

— O senhor Girafa Desamparada entende haver alguma legitimidade para essa frustrada tentativa de o impedir de ser eleito Presidente do seu Partido? Ou considera ser uma espécie de perseguição ou combate do indivíduo que o senhor é?

Não houve resposta. A Mosquito Bisbilhoteira não insistiu. Mas não deu, porém, por encerrado.

— Por acaso o senhor entende que o cargo de Presidente da República neste país precisa imperativamente de ser complementado pelo cargo de Presidente de Partido?
Silêncio. A Mosquito Bisbilhoteira persistiu:

— Por acaso o senhor concorda com o entendimento de que esse acto de o seu Partido forçar ciclicamente que o Presidente da República daqui do País das Coisas Inimagináveis seja igualmente Presidente do Partido que o suporta transmite a ideia de que o cargo de Presidente da República daqui do País das Coisas Inimagináveis há-de ser meramente formal enquanto o Presidente da República não for cumulativamente Presidente de seu próprio Partido? Haverá alguma coisa neste país, da sua competência como Presidente da República, que o senhor acredita que poderia eventualmente não ser capaz de fazer se não fosse também Presidente do seu Partido?

E mais um silêncio. Como que a encerrar, e já exausta, a Mosquito Bisbilhoteira disse:

— Fará sentido entendermos que os seus primeiros 100 dias de governação do país como Presidente da República iniciam-se verdadeiramente hoje com esta eleição a Presidente do seu Partido?

A Girafa Desamparada fingiu não ter percebido a ironia. O sarcasmo.

— Lembro-me de a senhora jornalista me entrevistar logo após a minha tomada de posse para Presidente da República.

— Pois. Eu também me lembro. Há quem entenda ter sido um dia para esquecer. Mas eu me lembro como se tivesse sido hoje mesmo.
Indisfarçavelmente irritada, a Girafa Desamparada disse:

— Se a senhora jornalista se lembra, então sabe perfeitamente que os 100 dias já vêm contando.

A verdade é que já se passavam 30 dias após a tomada de posse para Presidente da República e os primeiros 100 dias contam naturalmente a partir daí. E não com esta ilegal tomada de posse para Presidente de Partido.

E repete-se agora, por fim, a pergunta inaugural. 

Com quanto poder se exerce o Poder? Ficava claro que no País das Coisas Inimagináveis o exercício do Poder só é possível com a acumulação ilegal de poderes.

Parece haver sempre alguém acima daquele que se acredita ser o decisor supremo. Se calhar ainda vamos descobrir que há mesmo uma entidade que dá ordens a Deus.

quinta-feira, 13 fevereiro 2025 10:36

Memória de Raposa

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A Raposa Nacionalista foi há dias capa de jornal. Escusado é dizer que não foi pela melhor das notícias. Daquelas simplesmente revoltantes, pelo menos para a sociedade. Aliás, coisa inimaginável no País das Coisas Inimagináveis era ver um político na capa de um jornal pela melhor das notícias.

 

A Mosquito Bisbilhoteira soube que a Raposa Nacionalista estaria algures na cidade a visitar uma exposição sobre pirataria marítima. Seguiu até o local e aguardou pacientemente até o fim da sessão.

 

Por fim, já à saída e quando a Raposa Nacionalista se dirigia à sua viatura, a Mosquito Bisbilhoteira interpelou-a:

 

— O senhor acredita em coincidências?

 

— Talvez. Por quê?

 

Se a Raposa Nacionalista era conhecida por suas respostas milimetricamente cautelosas, já a Mosquito Bisbilhoteira tinha a fama de ter uns rodeios trapaceiros nas perguntas. Suas voltas eram intencionalmente calculadas. Como quem arquiteta sorrateiramente um xeque-mate em partida de xadrez.

 

— É que hoje percebo que a Raposinha Insolente tinha razão quando certa vez disse não ter memória de elefante — disse-o em tribunal, numa tentativa de se evadir de um interrogatório. — Há um jornal que reporta que o senhor Raposa Nacionalista se terá esquecido completamente de ser titular de uma mansão algures no País dos Males Irremediáveis. Isso parece provar que a falta de memória da Raposinha Insolente não é nenhum acidente.

 

A Raposa Nacionalista disse:

 

— Se a Raposinha Insolente herdou de mim a falta de memória, que é o que a senhora parece insinuar uma vez ele ser meu filho, então não é coincidência. É genética.

 

— E o senhor tem mesmo razão! É genética. E da mais pura! O que sucede é que lê-se também no mesmo jornal que o senhor Raposa Nacionalista não visita aquele país desde 2019.

 

— E o que é que isso quererá dizer?

 

A Mosquito Bisbilhoteira agora mostrou-se relativamente reticente. Mas, lá no fundo, todavia, era corajosa. Destemida.

 

Atreveu-se e disparou:

 

— O jornal lembra ainda que 2019 é curiosamente o ano em que o Chacal Abandonado, seu aliado de caçadas furtivas durante o seu consulado presidencial, foi detido pela Interpol naquele país.

 

E fez-se silêncio. Mas um silêncio gritante.

 

Por fim, e com ares de vitoriosa, a Mosquito Bisbilhoteira rematou:

 

— Eis-nos aí a coincidência, senhor Raposa Nacionalista. Uma curiosa coincidência. E agora repito a minha pergunta inicial. Acredita em coincidências, senhor Raposa Nacionalista?

 

Há tragédias que acontecem em todo o mundo e para todos. Mas há umas especiais que só se podem testemunhar no País das Coisas Inimagináveis.

 

terça-feira, 11 fevereiro 2025 07:25

O Ignorante Gourmet

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  1. A minha língua é português. Não percebo grego e estou diante de um texto em mandarim. Estas três línguas são traduzíveis directamente uma para a outra. O meu amigo fala fluentemente estas três línguas. Peço-lhe que me traduza aquele texto para português. Ele simplesmente descarta a tradução directa e entende que devo antes saber o texto em grego: mandarim — grego — português. Isto não é demonstração de inteligência nenhuma. É puro exibicionismo barato e obviamente desnecessário.
  1. O desastre do intelectual começa quando este não percebe os dois principais fundamentos da vida: tempo & espaço. Qualquer pessoa que não entenda isto não tem como saber ser e saber estar em determinada circunstância. E saber ser e saber estar é também ter consciência de quem é aí o destinatário da nossa mensagem.
  1. Se eu posso dizer a minha avó que estou a conversar, mas decido dizê-la que estou a prosear, então eu sou qualquer coisa como ignorante gourmet. Mas não intelectual. Definitivamente não.
  1. Um intelectual é e deve ser um tradutor. Alguém que interpreta fenómenos e os traduz, não necessariamente para a sua forma mais simples possível, mas para a sua forma mais objectivamente compreensível possível. As coisas não têm de ser imperativamente simples. Mas é expectável serem minimamente compreensíveis.
  1. É de todo natural a solução para um determinado problema que afecta 1000 pessoas ser descoberta ou construída por uma pessoa específica. Mas de pouco ou nada essa solução irá valer se essa pessoa só for capaz de explicar essa solução à meia-dúzia de pessoas da sua classe intelectual somente.
  1. O intelectual tem deveres para com a sociedade e um desses deveres é estar constantemente em busca de formas mais compreensíveis e práticas de gerirmos a vida. E se ele nem sequer entende que tem um dever para com a sociedade enquanto alguém de quem se espera um contributo para a construção daquilo que se quer fazer solução para os problemas dessa sociedade, então que nem se gabe de ser um. Os artistas não têm essa obrigação. Mas são fundamentais para nos consolar e motivar enquanto os intelectuais não nos apresentam as soluções para aqueles problemas de que somos todos cientes que sem os intelectuais possivelmente não os podemos solucionar.
  1. O intelectual não existe para ser admirado por quão ele estudou, sobretudo se esse conhecimento todo não se pode traduzir em algo de concreto. Um advogado defende causas. Ele não pode esperar ser admirado pelo acervo de leis que conhece. Mas pelas causas que ele já defendeu e ganhou efectivamente. O advogado é conhecido por defender causas. Não por conhecer leis.
  1. O poeta pode dizer que está a prosear. Mas o intelectual deve dizer que está a conversar.
  1. Para fechar. Não importa quão perfumado estiver, cocó é cocó.
quarta-feira, 13 março 2024 06:54

Azagaia: razão & causa

Aprende a encontrar sempre uma razão por qual viver porque a vida vai sempre te propor uma causa por qual morrer. E lembra-te sempre que a vontade de viver é íntima e depende fundamentalmente daquilo que cada pessoa entende como sendo uma razão para querer estar no mundo. Normalmente se predispõe a morrer por algo aquele a quem lhe é retirado ou ameaçado aquilo que constituia a razão por qual decidira viver.
 
A razão por qual viver e a causa por qual morrer têm em comum a possibilidade de serem opcionais. Mas a causa por qual morrer tem a particularidade de não ser natural. Ela resulta essencialmente da ineficiência ou da falência daquilo que devesse alimentar a razão por qual se decidira viver. Não há causa por qual morrer onde não tenha havido uma razão por qual viver.
 
Aquele que se apaixona encontra nesse amor uma razão por qual viver. Aquele que sofre por amor encontra no desejo de ser amado uma causa por qual morrer. A independência que se busca quando se está sob domínio da tirania não é propriamente uma razão por qual viver. É uma causa por qual morrer. É por isso que a causa tende a nos transformar num personagem e o qual jamais ponderássemos ser capazes de o  viver.
 
Celebremos Azagaia. Nosso herói.
 
João Mindo II
Empreendedor & Escritor
Fundador da Coinselheiro