Poucos minutos depois que o corpo de seu marido foi engolido pela terra, a viúva de Juma Aiuba recebeu uma chamada de uma figura de Maputo, sugerindo a publicação imediata das crônicas do autor editadas na “Carta”. Ela ainda mergulhada no pranto e alguém já lhe propondo um “negócio”, na boa maneira selvática do capitalismo intramuros. A mulher não respondeu ao visado. Delegou um amigo da família, que privou com Juma. O amigo perguntou ao visado se vinha por intermédio da “Carta”, se tinha falado com o Marcelo Mosse. O visado não respondeu e desapareceu de cena.
O amigo do Juma ligou-me no dia seguinte a dar-me conta desse ataque de rapina. Estava agastado. Sabia da relação cordial entre Juma e a “Carta”. E sabia que Juma era pago por suas publicações na “Carta”, e que uma vez falou-lhe sobre a iniciativa da edição de um livro.
Nesse dia o amigo Juma perguntou-me sobre o livro, e eu nem conseguia falar doutra coisa senão da perda de um homem recto que abraçou o projecto da sem reticências. No espírito e na letra. “Deixa isso para depois”, retorqui. E até hoje ainda não tivemos vagar para mexer os pauzinhos dessa tão esperada edição livreira.
Com o Juma falávamos sobre o assunto. Seis meses depois da “Carta” ter nascido, a atração popular por sua escrita estava sedimentada. Uma empresa robusta abordou-nos, oferecendo patrocínio. Pensamos que podíamos ter um livro logo na celebração do primeiro ano da “Carta”, mas perdemos-nos nos afazeres do dia-a-dia. Essa empresa continua disponível. Nossa pressa nunca foi grande!
Dois meses antes da partida do Juma, um amigo meu noutras andanças pediu-me o contacto do Juma, encarecidamente. Toma! Dias depois ligou-me o cronista, a revelar-me: esse meu amigo estava lhe propondo a edição das crônicas. Eu disse ao Juma que havia empresas robustas, moçambicanas, que patrocinariam seu livro sem interesse lucrativo. Ele concordou. E recordei-lhe de uma coisa: quando a crise da pandemia começou a sufocar a tesouraria da “Carta”, uma empresa dignou-se, sem pestanejar, a pagar-lhe a avença, tendo até subido o bolo.
O título deste texto decorre, no entanto, de outro episódio, contado pelo amigo do Juma. O cronista, segredou-me o amigo, tinha um grande apreço pela “Carta”, que vezes sem conta fora aliciado por outras publicações para deixar a “Carta” mas ele manteve-se fiel, comprometido, resiliente, mostrando que tinha os tomates no lugar e que não era aliciado por tuta e meia. (Marcelo Mosse)
Infelizmente, repito: infelizmente mesmo, a luta pelo bolo que estamos a assistir na RENAMO em Nacala-Porto não é novidade nenhuma. Infelizmente! Afinal de contas, todo aquele teatro que os partidos políticos têm-nos proporcionado, aqui neste pedaço de terra com apelido de jóia, não é nada mais nada menos do que uma corrida ao bufê mahala. Infelizmente!
O azar da RENAMO foi os convidados terem insultado o garçom e o "di-djei" ter gravado e publicado a discussão. Coisas de caloiros. Falta de experiência. Normalmente essas coisas não se discutem nem antes nem depois da festa. Esse "modus faciendi" já vem nos estatutos do grupo.
Noutros partidos uns já se servem das fatias antes mesmo do bolo sair do forno e antes mesmo do cozinheiro aprovar. As vezes, milagrosamente, quando o bolo sai massudo ou queimado, aqueles que não comeram um grão sequer é que ficam com as dores de barriga e com as disenterias. Passam a vida a pagar por um prato que não degustaram e nem conhecem o preço.
Na tentativa de proteger o bolo e distribuí-lo à mais gente, em fatias iguais, Amurane pagou com a sua vida. Desentendeu-se com os "donos da festa" e alguém enfiou-lhe chumbo no peito. Infelizmente!
Raul Novinte, o edil recém-eleito de Nacala-Porto, está entre a espada e a parede. Na verdade, ele não terá outra alternativa senão aceitar mercenários e paraquedistas no seu governo.
Não sei por que é que o Novinte está a espernear tanto, se ele próprio sabe muito bem que acabará por entregar a confiança do povo de Maiaia de bandeja às aves de rapina do seu partido.
Infelizmente, é assim em todos os partidos. Partido é uma forma de roubo. O voto é apenas uma forma de legitimar o golpe. É a licença da actividade.
Prontos, que comece o assalto, então!
*Desde a primeira edição de Carta, em 22 de Novembro de 2018, o cronista Juma Aiuba impregnava nestas páginas o doce sabor da sua escrita. Sua morte abrupta foi um tremendo golpe. Para tentar manter sua voz viva, Carta decidiu reeditar semanalmente uma das suas crónicas. Seu perfume permanecerá vivo!
- Co'licença!
Publicado em 27-11-2018
Este espaço é oferecido pela:
No entanto, seu conteúdo não vincula a empresa.
As Organizações da Sociedade Civil (OSC) em Moçambique são relativamente novas e as suas primeiras aparições e intervenções datam dos primórdios dos anos 1990. Paulatinamente o seu escopo foi se alargando e sua influência se estendendo para áreas relevantes e demandadas a nível da sociedade. E quanto mais elas foram crescendo e ampliando seu raio de influência, mais problemática e discutida foi ficando a sua aceitação. Elas vem reclamando por mais espaço de actuação e, paradoxalmente tal espaço lhes é progressivamente negado.
O espaço cívico é entendido como um espaço onde todos indivíduos/ cidadãos da polis realizam livremente os seus desígnios, um espaço do rendezvous geracional de ideias e pensamentos. É um espaço que simboliza os valores mais altos da democracia, dos direitos humanos e sugere igualmente a materialização dos contratos social e político que celebramos uns com os outros.
Alguma literatura explica a natureza naturalmente social do homem – traço distintivo dos outros animais (Onde está o homem, há sociedade; Onde está a sociedade, existe o Direito). Recorrendo a clássica definição Aristotélica, o homem é um animal eminentemente político e busca sua realização dentro da sociedade. Na mesma sociedade ele associa-se umas vezes e desassocia-se outras vezes, construindo formas de associação que melhor respondem aos seus anseios sem no entanto perder a sua sociabilidade e politicidade. Aqui podemos por analogia buscar a hierarquização social e política, e consequente legitimidade de certos grupos dentro da sociedade, entendendo como algo natural derivado das habilidades inatas ou adquiridas e talentos, e não como algo divino.
Com a geração contratualista, a reflexão maior gira em torno da reflexão da saída do homem do estado de natureza para a sociedade civil. A natureza humana começa a ser discutida filosófica, sociológica e antropologicamente para tentar explicar o comportamento do homem dentro e fora da sociedade – De Jean Jacques Rousseau, passando por John Locke e o Barão de Montesquieu encontramos abordagens distintas e igualmente ricas sobre o contrato social implícito onde cidadãos livres movidos pelo medo da morte violenta, insegurança e pela desconfiança mútua aderem ao estado social e civil por via de um contrato implícito e por vezes explícito. Mais tarde, vendo suas liberdades pouco seguras e receando a traição e não cumprimento de acordos aderem ao pacto social por meio da outorga das suas liberdades, dos seus direitos e cumprindo com deveres. A figura e imagem do soberano emerge como resultado deste contrato social e político. Francisco Soares (1548-1617) afirma que “não foi conferido ao homem o poderio político sobre seus pares, de modo que esse domínio não haveria de ter fundamento diverso do consenso, através do qual a multidão se reúne em um só “corpus politicum” (Del Vecchio, 1979:84)
Numa fase mais avançada, com o esplendor das leis em Montesquieu no seu “O Espírito das Leis”, a sociedade dá um passo qualitativo e regulamenta a sua acção criando bases legais para a regulamentação dos comportamentos e acções, criando um corpus politicum com competências separadas – nasce assim o Estado de Direito com bases da separação de efectiva de poderes (os três poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judicial).
Um pouco por todo o mundo o espaço cívico vem sofrendo sucessivas e progressivas ameaças e atentados que paulatinamente contribuem para o seu fechamento e deterioração. Este fenómeno não é novo e tampouco isolado, e é mais visível em países com regimes com tendências autoritárias e ditatoriais. As Organizações da Sociedade Civil, admiradas por uns e odiadas por outros, são também consideradas como sendo o braço de apoio à governação, vem travando uma luta para a edificação de uma sociedade mais justa, mais participativa, mais transparente e mais inclusiva. E dada a sua alta exposição em eventos e acções por vezes confundidas como sendo apanágio único do executivo e do poder do dia, sua legitimidade e mandato acabam por ser questionadas, e suas acções as vezes combatidas.
É meu entender que, a governação é uma vasta área e que espaço cívico é apanágio de todos e de cada um de nós, por isso, defendo afincada e desapaixonadamente neste artigo que, para que ele seja aberto e que represente o reencontro dos ideais supremos da democracia e do Estado de Direito é necessária uma maior aceitação de actores e players que muito podem contribuir na vastidão da acção de governação.
Estudos recentes sugeriram a possibilidade de ocorrência de dois eventos nefastos a médio prazo: o primeiro era a então incipiente flagelação das OSC e o segundo eram os ataques públicos (desde físicos aos verbais) aos representantes e membros das OSC, e tal se efectivou e vem se consubstanciando.
O afunilamento e fechamento do espaço cívico em Moçambique começou a ganhar corpo e foi se cimentando paulatinamente nas duas últimas décadas (sendo que cada década caracterizou-se por distintas acções de governação). Ataques, raptos, ameaças e assassinatos geraram uma grande onda de consternação entre as diferentes franjas da sociedade a nível nacional e internacional. O medo generalizou e muitos analistas e activistas enfrentaram a desacreditação do seu trabalho através da criação e difusão de narrativas depreciativas. Este exercício paulatino e sistemático de desacreditação primeiro silenciosa e depois barulhenta contra as OSC e seus membros lançou um debate sobre a relevância e irrelevância das organizações da sociedade civil, sobre a sua legitimidade, sobre o seu mandato, e sobre o seu raio de actuação, ou seja, a quem elas realmente servem e quem as empoderou.
As narrativas contra a sociedade civil são uma arma muito perigosa e eficaz, principalmente em sociedades como a nossa com níveis de educação baixos e uma crítica pouco ou nada elaborada. Não estamos diante de um fenómeno isolado em Moçambique, mas diante de uma estratégia usada em várias partes do mundo.
A dificuldade em lidar com ideias e posições diferentes faz com que uns se sintam mais donos da verdade e donos da razão que os outros. A vontade de fazer vingar determinadas ideias em detrimento das outras, cria fricções e atritos. E nisto emerge uma negatividade baseada no ódio e na violência gratuita
Mais de 45 anos após a conquista da independência, os fantasmas do passado nos perseguem e, devido a intolerância de uns e não pluralismo de outros, corremos o risco repetir a história mas com contornos e actores diferentes.
Amartya Sen no seu livro “Desenvolvimento como Liberdade” afirma inequivocamente que a condição primária para o desenvolvimento é a existência de liberdades. E mais adiante desenvolve a abordagem das capacidades, onde a chamada “liberdade negativa” (ausência de impedimentos) é contraposta à “liberdade positiva” (condições reais de exercício de um direito). E aqui nesta positivação das condições reais, entendo que devemos como sociedade promover mais as liberdades políticas, económicas, sociais, as garantias da transparência e a proteção da segurança. Assim daremos um passo qualitativo rumo a uma maior edificação de um Estado, instituições credíveis e livres de amarras ideológicas.
POR: Hélio Guiliche (Filósofo)
É inaceitável que nem Portugal nem a UE consigam fazer pressão suficiente para que o Governo moçambicano, incapaz e alheio ao sofrimento da população, tome medidas eficazes.
Em finais de 2020, nas margens da bela praia do Wimbe, em Pemba, província de Cabo Delgado, um jantar magno e inesquecível foi realizado com os escribas. Numa terra assolada pela maldosa guerra e milhões de almas famintas, os escribas foram coagidos a não reportar com profundidade a triste realidade que a população enfrentava. Um jantar que serviu de entulho para calar as bocas dos escribas.
No encontro onde também foram atribuídos certificados de honra aos alinhados ao silêncio, os escribas tiveram que acompanhar um longo discurso xavequeiro e desprazimento para os outros órgãos de comunicação social que reportam sem ocultar a situação dramática que a população encontra-se a viver.
Não houve piedade e nem vergonha, o que contava para os organizadores da grande ceia era convencer aos escribas de que a guerra não era tão má e que o foco não deveria ser reportar as atrocidades, mas sim encontrar beleza, poesia e felicidade nas matas de Mocímboa, Macomia, Nangade, Palma, Quissanga e Muidumbe.
Os escribas ficaram alegres por jantar ao lado de nobres chefes, não se janta todos dias com direito a uma sobremesa de técnicas de tratar a informação. Os escribas, palitando dentes com a língua, concordaram que o pedido era legítimo e que os problemas do povo da província não seriam a prioridade e que tudo que fosse noticiado sobre a situação da província não teria anuência dos escribas locais.
Entre brindes foi dito que os directores, editores e jornalistas da Capital não faziam jornalismo, mas sim punham pregos à Pátria e traiam a soberania nacional. Os escribas locais foram, neste jantar, administrados uma vacina para sempre desmentir tudo que fosse pelo rebanho de investigadores da Capital. Morria-se em Cabo Delgado, mas no jantar morria a fome com lagostas, polvo guisado, nhede, arroz legume, camarão e outros pratos maravilhosos. Uma mesa repleta de whiskies, vinhos, cervejas e refrigerantes caros e raros aos olhos dos escribas que tanto trabalham e pouco ganham; o acordo já tinha sido selado: minimizar o drama humanitário que a população vive.
Desta vez, não foram moedas que atraíram os seguidores da seita de Judas Iscariotes, mas sim descompromisso com a missão do escriba, talvez para não seguirem as pegadas de Mbaruco, Abubacar, Adriano, Valoi ou outros que a "media intriguista" não reportou.
Na grande ceia, escribas como Mosse, Guente, Omar, Nhantumbo, Lima, Tom, Nhamire, Beula e os analistas de plantão foram julgados e condenados sem direito a um advogado; afinal era a grande ceia. As epístolas emanadas não eram passíveis de contestações e muito menos de questionamentos.
Aos domingos, às 11:57 de Roma, o bispo de branco assoma-se à janela central do 3º piso do Palácio Apostólico, esboça um sorriso, estende a mão para a multidão que enche la Piazza San Pietro e antes de fazer sua alocução aos romani e peregrini diz sempre o mesmo
Cari fratelli e sorelle, buongiorno!
Acabei de ver o bispo de branco agorinha, confesso. Não a partir da multidão devota ou curiosa que enche la Piazza, mas sentado no meu quarto que está no terceiro piso de um prédio que fica numa rua de Lisboa.
Da janela, entra no meu quarto uma luz opaca que o céu cospe neste domingo de Inverno e vejo gotículas de chuva que tombam numa sofreguidão que me corta o coração aos pedaços. Acabei de ver ouvir A Hard Day's Night agorinha, confesso! Sob o olhar de nuvens cinzentas que cobrem Lisboa acabei de ouvir A Hard Day's Night, confesso! Mas na minha cabeça não o grito extasiante e libertador dos Beatles ou a voz do bispo de branco a dizer que o deserto não é um lugar físico, mas uma dimensão existencial onde se calar. Na minha cabeça apenas as vozes do Pedro, da Guida, do Nuno, da Lena e tantos outros que vivem nas letras que compõem o Um Rapaz Tranquilo: memórias imaginadas. Na minha cabeça apenas as vozes dos portugueses que viveram em Moçambique antes de 1975, dos que foram e dos que ficaram. Palavra de honra, na minha cabeça as vozes dos cidadãos de uma nação que ainda não existe que habitam o Um Rapaz Tranquilo: memórias imaginadas de Álvaro Carmo Vaz!
Passaram-se quase dois meses deste que o Professor Catedrático de Engenharia me presenteou com este mimo! Um calhamaço cuja capa traz rostos de várias pessoas submersas num mar vermelho que colore a capa e a contracapa. Era manhã de sexta-feira, tinha acabado de começar a trabalhar quando a campainha tocou. Levantei-me a resmungar por estar a ser interrompido logo no início da maratona pelos códigos e solucionamento de questões jurídicas que me ocupam por estes tempos. Os pés descalços a pisarem o chão frio e as minhas mãos a abrirem a caixa que tinha acabado de ser entregue pelo homem dos correios. Palavra de honra, como que corrigindo o resmungo que tinha feito abri a boca e deixei o sorriso falar por si. Não se tratava de uma encomenda qualquer, era o romance que amavelmente há dois dias o Professor Álvaro Carmo Vaz disse que me ofertaria.
Com o livro fora da caixa desatei a folheá-lo com o mesmo entusiamo que toco o rosto de uma mulher bonita que acabou de entrar na minha vida! Não é o primeiro calhamaço do autor que vejo. Há dois anos partilhei o quarto com um estudante de Engenharia Civil que tinha sempre na sua secretária o Hidrologia e Recursos Hídricos assinado por Álvaro Carmo Vaz e João Reis Hipólito. É claro que nunca cheguei a folheá-lo, para material científico na altura apenas interessavam-me os códigos e livros de Direito que tinha de papar e já me roubavam muito tempo para a leitura e escrita literária. Mas este Um Rapaz Tranquilo, é claro que me interessa!
Ando com a mania de ler muita coisa em simultâneo, mas nestes dias os olhos apenas colados a ele nas horas de lazer que se confundem com as de labor literário! Começa-se a ouvir o primeiro choro do bebezinho e a malta já se sente amigo dos protagonistas e quer ouvir tudo o que a sua voz tem para contar.
Ah parou de chover! Alguns buracos azuis a se fazerem de moços para as nuvens cinzentas que cobrem o céu. Sem dúvida, não demora e as gotículas voltam a ser enxotadas cá para baixo como cães sem dono.
Na madrugada de hoje, acabei de ler a Parte I: A Hard Day's Night do bebezinho. Sinceramente, não só valem muito a pena as história de amor entre Pedro e Guida ou a entre Pedro e o Moçambique que ainda não existe como também valem a rica descrição do contexto social, político, económico e cultural que se viveu em Moçambique e no mundo entre os anos 1966 a 1975.
Ao ler-se a primeira parte de Um Rapaz Tranquilo sente-se que se lê um romance actual, sobretudo pelo que se vive em Moçambique: o constante clima de guerra no Centro e Norte do país, os ciclones que constantemente destroem um país que se arrasta para sobreviver, a pobreza na periferia dos grandes centros urbanos, a deficiente liberdade de imprensa ou o frágil direito a liberdade de expressão, a sistemática violação de direitos humanos e a cambaleante autonomia universitária. O presente que vive a pátria amada nos dias de hoje parece uma cópia do passado.
É claro que enquanto lia a Parte I do Um Rapaz Tranquilo fez-me falta a poesia e a musicalidade do tipo de prosa que costumo ler, mas isso não diminui a sua grandiosidade. Em Um Rapaz Tranquilo o autor narra sem nenhuma vergonha e de uma forma muito bem desenhada os tortuosos caminhos que alimentaram a utopia e conduziram Moçambique à independência. As páginas da primeira parte de Um Rapaz Tranquilo são páginas grávidas da nação que o autor amou, colocou em primeiro plano e ajudou a construir desde a primeira hora; um testemunho de como a classe académica combateu a opressão colonial em Moçambique; uma lição magistral do amor de um jovem por um país; uma lição magistral de como os jovens moçambicanos de hoje podem lutar por uma utopia que ainda tem tudo para dar certo e com notas bem claras de como evitar escorregar no mesmo lamaçal que as gerações de outra escorregaram. Nesta margem do mar, os miúdos do secundário leem Camões, Eça, Camilo, Pessoa na escola para conhecerem as suas origens, quando cansarem de brincar às fantochadas e decidirem criar um Plano Nacional de Leitura não esqueçam de incluir o Um Rapaz Tranquilo, faz favor!
Muita violência em Moçambique e pergunto-me se o rapaz tranquilo continua amando a pátria incondicionalmente ou se foi com esta pátria que sonhou. Sinceramente, muita violência na pátria amada e pergunto-me se hoje o rapaz tranquilo arrepende-se por ter colocado o amor da sua vida e a brilhante carreira académica que teria na Europa em segundo plano.
Ainda não vou nem à metade do livro. Lisboa hoje é nossa outra casa, como foi para Guida quando abandonou Moçambique. Ainda não vou à metade do livro, mas não sou capaz de deixar de escrevê-lo, Rapaz Tranquilo, sobretudo depois de saber que aquela matreira de olhos verdes não respondia às cartas que o nosso Pedro mandava a partir da então Lourenço Marques.
Aos domingos, às 11:57 de Roma, o bispo de branco assoma-se à janela central do 3º piso do Palácio Apostólico para falar aos Romani e peregrini. Acabei de ver o bispo de branco confesso. Mas na minha cabeça não a voz do bispo de branco ou dos Beatles que o Pedro tanto escutou na juventude ou o mesmo do Divenire de Ludovico Einaudi que me faz celebrar a vida sempre que escuto, palavra de honra. Na minha cabeça, apenas as vozes de Pedro, Guida, Nuno, Lena e todos os cidadãos de uma nação que ainda não existe que habitam o Um Rapaz Tranquilo: memórias imaginadas de Álvaro Carmo Vaz!