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terça-feira, 24 março 2020 06:14

Rifar a própria morte

É isso aí, primo. É a mais pura verdade! Na semana passada, Nhongo reivindicou mais um ataque na zona Centro. Ainda na mesma semana, insurgentes deixaram um autocarro de passageiros em cinza. Ontem, primo, foi içada a bandeira na República Insurgente da Mocímboa da Praia. Ainda ontem mesmo soube de mais uma roptura de stock de paracetamol no centro de saúde de Munimale-De-Vez, pela décima quinta vez num dia. 
 
Não me diga, primo! É verdade?! Epah, cunhado Mucunha morreu mesmo?! Faltou antiretrovirais de Sida?! Possas! São coisas! Dizem que, na Beira, estão a espera da segunda temporada do Idai para desviarem mais outros produtos. Acabou remédio de malária aqui na comunidade de Então-Munive e dizem que cólera já começou a matar mais uma vez de novo lá na minha sograria em Caliya. 
 
Primo, digo-te uma coisa, primo: para nós aqui esse Coronavírus é mais uma forma de morrer. É mais uma opção. É mais uma saída. Aqui na banda o Corona não assusta ninguém porque já ninguém se assusta com a morte. Aqui a novidade não é morrer, é ainda estar a respirar.
 
Estó-tá-falar, primo. Muitos pensam que é desleixo, mas, não é, primo. Aqui morrer é a única saída para evitar a humilhação. Morrer é a única solução para ser respeitado. Morrer é sorte. Morrer é sobreviver. Aqui rifa-se a própria morte. Morrer é ganhar. 
 
Acredita em mim, primo. Corona é a octagésima nona opção no nosso menú e deve estar - se a memória não me trai - na nonagésima oitava posição do nosso ranking das mortes mais artísticas. Aqui na banda é mais artístico morrer com a sua própria cabeça no sovaco. Também tem a opção de morrer sem os membros superiores e inferiores. Aqui os insurgentes não estão a matar, estão a esculpir. Cinza sobre tela, fogo sobre casa, explosão sobre carro, sangue sobre papel, catana sobre pescoço, tiro sobre testa, etecetera, são as novas técnicas da arte plástica neo-contemporânea daqui da zona.
 
Primo, talvez a vantagem do Corona seja a sua contabilidade. Parece que o Corona tem um "Primavera" que actualiza os defuntos, enquanto que a morte artística tem um esquecimento automático. As mortes dos insurgentes, dos Nhongos, dos esquadrões, da fome, do estupro, etecetera, não se somam automaticamente. As de ontem não se juntam com as de hoje. O Corona abre os noticiários com os seus somatórios.
 
Primo, ouvi dizer que vocês aí querem o nome e o endereço do fidalgo contaminado. Aqui as vítimas não têm pelo menos idade, nem sexo... quanto mais nome e endereço. Aqui os mortos são simplesmente pessoas que morreram... sem apelido nem avenida. 
 
Dizem que Corona precisa de 700 milhões de dólares para ir embora. A indemnização dos insurgentes não sabemos quando vamos saber. 
 
Ai-am-tellingui-yu, primo...! Aqui rifa-se a própria morte. Corona é outra sorte. Aqui morrer é esperteza. Morrer é fugir humilhação. Morrer é sorte. Morrer é sobreviver. Morrer é a própria salvação. Morrer é vitória. 
 
- Co'licença!

O PM Carlos Agostinho do Rosário mais o Ministro da Saúde, Armindo Tiago, disseram hoje aos doadores que Moçambique precisa de 700 milhões de USD para prevenir e combater o Covid 19.


Bastou ser confirmado 1 caso de Covid 19, o governo já está de mãos estendidas pedindo 700 milhões de USD?


Será que vamos ter uma crise assim drástica? Como é que chegaram a essa cifra? Na semana passada, a Saúde falava de um plano de contingência de 23 milhões de USD, essencialmente para medicamentos e material de proteção para os trabalhadores do sector. Curiosamente, esse valor quase coincide com os 20 milhões de USD que a Saúde deve a fornecedores diversos, que estão agora relutantes em fornecer máscaras, luvas e dispensadores de álcool e gel, até que a dívida seja paga.


Hoje, no pedido de esmola, Adriano Maleiane disse que dos 700 milhões de USD, 90 seriam para um tal pacote económico mas ele quer que esse dinheiro seja dado na forma de apoio orçamental. Apoio orçamental? Mas o que é que mudou em termos de transparência na gestão das finanças públicas?

Filimone Meigos e Samito Machel partilham suas vivências em auto-isolamento devido ao Covid 19. Gostei do que li. O Filimone reflete sobre o existencialismo sartreano, sem falar de Sartre, dos temores da morte e da teatralidade da vida. Disseca o pânico geral. Filosofa sobre o sentido da vida no contexto do Novo Corona. Ele conversa com o Elisio, escrevendo para todos nós.

 

Samora Machel é mais intimista mas também pedagógico sobre o que significa o auto-isolamento, o tédio necessário em face de uma hipótese cruel: o receio da infecção e do contágio de quem amamos. É como que uma romaria de desamor para proteger o amor. Ele conversa com todos nós, amando sua família.

 

Adorei seus testemunhos. O exemplo do poeta e seus devaneios de antropologia e sociologia e a exposição de Samora e seu tom de contributo cívico, em tempos de politica errática.

Covid-19 começou como uma epidemia na China e passou a pandemia na sua dimensão mundial, tornando, até então, Moçambique numa ilha geográfica positiva, visto que, até à data, não temos nem um caso do vírus e muito menos um paciente zero.

 

Que assim continue, mas atenção! Enquanto existirem pessoas a circular, a entrar e a sair, a probabilidade de ocorrência do vírus aumenta, infelizmente. Nestes casos, o tempo é ouro, é urgente antecipar os eventos e os acontecimentos, vamos agir para não reagir. Para o nosso contexto moçambicano o mais sustentável seria mesmo robustez nas medidas de prevenção no lugar da mitigação (a partir do momento em que surgiu a epidemia).

 

A pandemia Covid-19 e as Instituições de Ensino Superior (IES)

 

Permitam-me frisar, primeiro, que esta pandemia precisa de uma resposta holística, prática, e sobretudo flexível, sem salamaleques. Pois é tempo de agir de forma coordenada e dinâmica. A burocracia podemos guardá-la na gaveta, ela não se sentirá ofendida. O tempo requer de forma imperativa sabedoria e liderança.

 

  • Não é tempo para assoviar ou assobiar;
  • Não é tempo para ficar no muro;
  • Não é tempo para chutar a bola para o canto;
  • Não é tempo para exibir indiferença;
  • Não é tempo para exibir soberba;
  • Não é tempo para exibir falta de empatia;
  • Não é tempo de ignorância;
  • Mas é tempo de sabedoria, ou melhor, é tempo de agir (agir para não reagir).

O país tem um número redondo de 50 IES, é óbvio que elas têm um papel relevante na resposta moçambicana a pandemia do Covid-19, assim como já tiveram noutras pandemias, como foi no caso de VIH-SIDA.  Acredito que as faculdades de medicinas existentes no país, assim como outras faculdades que podem dar um apoio maior nas questões comportamentais, já estão em movimento, ou melhor, 'já fazem parte' de forma holística do grupo técnico multissectorial nesta resposta. Mesmo perante os factos que as Nações Unidas em Moçambique têm estado a partilhar na sua página do Twitter, onde "80% dos funcionários da OMS estão a dedicar-se em apoiar o Ministério de Saúde em finalizar o Plano de Preparação e Resposta para o COVID19", acredito soberanamente não estamos no reboque, e que nesta resposta as IES não estão inertes. 

 

Atitude Inter Universidades

 

Um dos valores que as universidades mais defendem é a sua 'autonomia'. Em contexto de pandemia a maneira e a forma como as universidades comunicam dentro e fora servirá para reforçar esta 'autonomia'.

 

As universidades moçambicanas são tuteladas pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional, e ainda, o Conselho de Reitores. Acredito que uma forma que pode flexibilizar a resposta entre universidades à pandemia sem beliscar a 'autonomia' das mesmas, é ter uma comunicação muito flexível e dinâmica entre estes atores. É importante que exista uma resposta flexível, mas coordenada, se agirem juntos, sentir-se-ão mais fortes e capazes.

 

Através das redes sociais é possível verificar que de forma isolada e tímida, as universidades têm estado a emitir sinais de resposta à pandemia (Despachos e 'comunicações), mas fazem-no de forma opaca e dentro do ovo, ou seja, de forma isolada, como se o importante fosse uma comunicação interna, o que as transforma em pequenas ilhas criando resposta para o mesmo problema.

 

Para as universidades, acredito que este é um momento de comunicação flexível e desburocratizada, sem deixar de lado o papel e o posicionamento do ministério de tutela e do Conselho de Reitores (o silêncio é um dos maiores inimigos desta pandemia). Ou seja, não devem assoviar de forma isolada, mas sim de forma conjunta e coordenada.

 

Atitude Intra Universidades

 

A pandemia é 'antissocial', ou seja, uma das melhores formas de preveni-la é através de social distancing. Na eventual hipótese de encerramento das IES, como irão agir com vista a não prejudicar o semestre que mal teve o seu início?

 

  • Qual é o estado de arte dos moodles das universidades?
  • Será que as tecnologias estão prontas para ajudar nesta fase?

Pois a mensagem chave perante esta hipótese seria a seguinte: não estão de férias, as aulas continuam, mas na modalidade à distância.

 

Mas pronto, até então tratasse de uma hipótese. O pássaro que temos nas mãos são algumas aulas inaugurais a serem canceladas, e muito bem, e comunicações internas nas universidades, visto que o país elevou o estado de alerta face ao Covid-19.  Mesmo perante o cenário de comunicações internas, não deixa de ser importante a maneira como comunicamos, a maneira como as comunicações têm impacto na percepção no processo de recepção da mensagem.

 

Não existe mal algum nesta fase de comunicação interna, as universidades manterem as pontes de comunicações com outras universidades e, se necessário, com outras realidades. Não precisamos de ser uma ilha em momento de pandemia, se não iremos transformar a pandemia em um pandemónio.

 

Atitude para os Estudantes na Diáspora

 

O país no geral, tem estudantes a estudarem e a viverem na diáspora. As universidades moçambicanas e de outros países têm desde o início da epidemia, de forma factual, estudantes em países de pico do Covid-19. No caso da China foi possível verificar cenários de estudantes a partilharem, infelizmente, as situações que estavam a viver no eclodir desta epidemia.

 

Acredito que as respostas que os vários países têm face à pandemia hoje, tem sempre a China na fração, onde ela ocupa o lugar de numerador. O que os estudantes na diáspora passaram no início da epidemia não precisa de categoricamente repetir-se agora na fase de pandemia, até porque todas estas situações tem um lado pedagógico, ou melhor, podemos sempre aprender delas. Mas como se diz na andragogia, "o adulto só aprende se o quiser". Mas precisamos de desaprender esta forma de trabalhar com 'chamboco'.

 

Para o bem-estar dos estudantes na diáspora, é importante que as suas instituições de origem, as suas universidades não tenham uma mentalidade orçamental, ou seja, perante este cenário de pandemia não orçamentem as atitudes, até porque as atitudes mais básicas não precisam de orçamento, mas sim de respeito, consideração e solidariedade. Aliás, existe muita diferença entre valores e orçamento.

 

É muito importante que as universidades divulguem comunicações internas ligadas ao quotidiano das mesmas no contexto das suas respostas à pandemia em Moçambique. Mas não deixa de ser curioso e surreal a ausência de comunicações para os estudantes na diáspora. E mais, o Ministério de Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional; o Conselho de Reitores; o Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano (Circular N° 02), ou melhor, todas as instituições moçambicanas que tem funcionários  a estudar (ou por outro motivo), na diáspora não é momento de assoviar, e muito menos é momento para praticar o silêncio.

 

Pior que a quarentena, pior que o estado de alerta, pior que o estado de crise, pior que o estado de calamidade, só mesmo a ausência de empatia e de alteridade.

 

Este seria um péssimo momento para assoviar para o céu ou de ficar pendurado no muro.

 

Nota: É importante ter a capacidade de percepção sobre o significado de social distancing, pois social distancing não significa abandono, isolamento ou esquecimento social das pessoas. Significa distanciamento físico, distanciamento este que não deve substituir a preocupação, a solidariedade, não deve funcionar como bode expiatório, não deve funcionar como desculpa para não desempenharmos como zelo e brio as obrigações que temos,  ou seja, não deve silenciar o lado humano.

sexta-feira, 20 março 2020 06:14

O "pretérito mais-que-perfeito" da vida

Se tivéssemos pensado em colocar baldes de água e sabão no Ministério das Finanças, Ministério da Defesa, Presidência da República e Banco Central para higienizar as mãos dos nossos dirigentes, talvez hoje tivéssemos algum dinheiro guardado para fazer face ao novo coronavírus. 

 

Se tivéssemos desenvolvido o hábito de medir a temperatura das reais intenções das pessoas que entram no país através dos aeroportos internacionais, talvez o Boustani não tivesse entrado nem tomado a taça de champanhe na festa de aniversário do pai de Júnior. 

 

Se tivéssemos tido a sabedoria de valorizar a quarentena dos suspeitos, talvez hoje não estivéssemos a gastar dinheiro e tempo em resgates de um gatuno aventureiro e desleixado. 

 

Aliás, se tivéssemos tido a coragem de colocar os suspeitos de roubo do erário público em quarenta domiciliária, talvez hoje não fossemos tão ricos em gatunos. Talvez não tivéssemos desenvolvido um afecto patriótico por larápios e, nessa ordem de ideias, talvez o Téo não tivesse inventado a tabela periódica de gatunos. Quem sabe, talvez, hoje, estivesse ocupado em inventar coisas mais úteis como a vacina do corona. Aí talvez o próprio Pai Grande o tivesse reconhecido publicamente no Comité Central. 

 

Se tivéssemos decretado o estado de emergência, o uso obrigatório de máscaras e a proibição de abraços e beijinhos na rua e com desconhecidos, talvez o Júnior não tivesse conhecido aquela meretriz francesa. Talvez o coito não tivesse acontecido e talvez nem tivesse havido o pedido de comprar uma vivenda de milhões de dólares no sul da França. 

 

Se nos tivessem avisado que existem distúrbios assintomáticos, talvez não tivéssemos caído na lábia da autoestima, da pobreza está nas nossas cabeças, da revolução verde, do atum e quejandos. Talvez tivéssemos desconfiado daqueles delírios do Pai Grande. 

 

Não é fácil conjugar o "pretérito mais-que-perfeito". O pior é que, quando se usa com exemplos concretos da vida, dá vontade de chorar. O "pretérito mais-que-perfeito composto" do modo indicativo ou subjuntivo, então, hummmmm... nem val'apena! Quem inventou essa cena, páh? Desisto! 

 

- Co'licença!

quarta-feira, 18 março 2020 12:55

Carta Aberta ao Senhor COVID-19

P(r)ezado Vidinho,

 

Antes demais as minhas sinceras desculpas pela intimidade e ousadia em aproximá-lo. Embora não me conheças, eu, infelizmente,  conheço-te. Tenho acompanhado as tuas peripécias mortíferas pelo mundo fora. Aqui fala Moçambique. Um dos países que ainda não localizaste. Acredito que não seja nenhuma avaria do seu aparelho de localização ou que eu não conste no seu  mapa. Ou ainda,  porque ando em quarentena – nos anexos da humanidade -  desde o meu nascimento. Estou consciente que andas pelo pátio do quintal.  E sei de que tarde ou cedo estarei na tua tela. Aliás, quem sabe, enquanto escrevo estas linhas, a porta bata e me abatas. Mas antes, oiça o que tenho para dizer-te,  seu patife! (não me leva a mal)

 

Olha Vidinho,

 

Espero que aterres em missão de paz. Uma missão não igual à anteriores que já desfrutei no passado. Desta vez, que seja mesmo de paz, efectiva e definitiva. Tenho esperança que assim seja, pois das tuas andanças pelo mundo deu para notar que não lhe falta  seriedade – embora fulminosa – em trabalho. Ainda espero que não confundas um país hospitaleiro com um país  hospedeiro. Sobretudo, que não uses e abuses da minha hospitalidade – como tantos o fizeram e o fazem - para hostilizar-me e, no final,  deixar-me mais hospitalizado do que me encontro desde a tenra idade. 

 

Vidinho,

 

A tosse, as febres, as dores musculares e de cabeça que anunciam a tua chegada  não me são estranhas. Elas são minhas companheiras há mais de 40 anos.  Destes sintomas, temo que a tosse, curiosamente  a mesma tosse do  SOS da minha sobrevivência, que de tão audível e com stereo, denuncie o meu endereço, um local que o mundo relegara-me e com alguma responsabilidade minha pelo meio e desde o início.

 

Vidinho,

 

De tanto hospitalizado, desenvolvi alguma resiliência ao conselho alheio e ao que se passa fora dos meus aposentos. Tenho uma forte e repelente tendência em não  perceber os perigos que me rodeiam e  assim agir com antecedência. Talvez padeça do Síndroma de Estocolmo: amo os que me sugam e detonam.

 

Vidinho,

 

A minha vidinha, nestes quarenta e poucos anos de quarentena, depende do pessoal do pátio e da casa grande. Boa parte dos últimos, não gostaram de certas coisitas que fiz quando deixaram-me sair para  uns raios de sol no pátio. Desde então, de joelho, passei a viver deitado. Agora, e a partir dos quadradinhos do leito hospitalar, apenas vejo uma linha longínqua da esperança dos números do norte. Até lá, e nestas condições – e por minha grande culpa - não tenho peito para  enfrentá-lo, logo que bateres a minha porta.  Pior agora, em que  o pátio e a casa grande não vão bem por conta da sua visita. Imagina a mesma visita a quem depende deles? Não venhas, “Please”!

 

P(r)ezado Vidinho

 

A terminar - adoentado e  deitado nesta vasta cama do índico - encarecidamente, aqui e em todo o lado:  “Peço Distras!”. Caso contrário, espero que da tua visita não tenham que inscrever na minha lápide: “Moçambique (1975-2020). Deletado por COVID-19”

 

Pioras para ti, seu patife!

 

com sinceridade

 

Pérola do Índico