Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Blog

segunda-feira, 12 julho 2021 06:53

Acerca do corpo docente das universidades

Segundo informações que circularam, o Ministro da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico-Profissional referiu que as universidades deveriam ter um corpo docente composto por professores doutorados. Essa é a regra geral no ensino superior em todo o mundo, excepto em países como Moçambique, onde: (1) existem poucas bolsas de estudo; (2) as universidades não investem no corpo docente; (3) dos doutores existentes, sobretudo em determinadas áreas de conhecimento, uma elevada percentagem dedica-se à política e a negócios. As razões desta emigração de doutores para outras actividades são: (1) salários miserabilistas; (2) inexistência de recursos para investigação (excepto uns poucos de casos que conseguem mobilizar recursos externos); (3) carreiras docentes pouco transparentes e distorcidas; (4) dificuldades de publicação em revistas de referência (moçambique não tem nenhuma).

 

Em consequência, não é surpreendente afirmar acerca da mediocridade do ensino em geral e do superior em particular. Com excepções, são poucos os departamentos na Universidade Eduardo Mondlane que fazem investigação; qual das outras universidades, públicas e privadas, tem pesquisa continuada, com envolvimento de estudantes e docentes, que publica regularmente e possui cooperação/internacionalização na investigação? A reprodução da mediocridade parece ser um propósito, e não só porque a qualidade requer muito investimento e resultado de longo prazo.

 

Neste contexto, a declaração do Ministro é extemporânea. Não o seria se houvesse um programa de formação docente a longo prazo, bolsas de estudo, e as universidades privadas obrigadas, efectivamente, a aumentar os graus dos respectivos corpos docentes.

 

O Conselho de Reitores foi extemporâneo porque as universidades pouco ou nada fazem para qualificar os docentes, embora se saiba que quem manda nas universidades não são os reitores, mas os patrões através dos responsáveis da administração. Os reitores são extemporâneos porque sabem que nas universidades, efectivamente instituições de ensino superior (e não dumba nengues do ensino superior), o corpo docente tem como funções principais a investigação, o ensino e a extensão universitária (também pouco ou nada se faz no nosso país). Estas funções são realizadas por doutorados que devem possuir (nem sempre) competências, tempo, vontade e incentivos para realizarem pesquisa.

 

Os reitores, pelo que foi dito, são demagógicos quando afirmam que há profissionais com muita experiência, conhecimento e competência e que podem ensinar. Sim, há alguns bons profissionais, mas é aceite que, em geral, um bom profissional, seja automaticamente um bom pesquisador e docente? O contrário também é verdadeiro: um bom pesquisador e docente não tem necessariamente de ser um bom profissional e gestor em actividades produtivas e de serviços ou em gestão de burocracias. Sim, pode haver uns poucos profissionais que podem leccionar, mas não é a regra. Profissão em actividades extrauniversitárias e universitárias implica perfis de personalidade, atitudes e posicionamentos bem diferentes entre si.

 

Os reitores, pelo que se soube, são manipuladores de expressão, quando recorrem à autonomia universitária para se contratar profissionais, mesmo sem licenciatura, para leccionar nas universidades. E eles, reitores, sabem que foram demagógicos, quando utilizaram o conceito e o princípio da autonomia universitária. Se foram demagógicos, é porque lhes convém manter o corpo docente com mais de 70% de licenciados a quem pagam miseravelmente. Se não foram demagógicos, então não sabem o que significa autonomia universitária. E isso seria grave. Ou, finalmente, alguns não foram sérios. Termino sabendo que dentro do Conselho de Reitores há pessoas competentes e que, certamente, se distanciam do seu Conselho.

 

Por estas e por outras, mas conscientemente e em defesa de interesses de grupos e de umbigos (desprestígios construídos), a má qualidade se reproduz. Uma aldrabice às actuais e futuras gerações e um atentado ao desenvolvimento do país.

Olha, pessoal, em vez de estarmos aqui a gastarmos os nossos conhecimentos jurídicos e diplomáticos com debates do tipo "o gatuno soberano devia ser julgado cá" (quando, na realidade, temos consciência da carestia de tomates no nosso mercado judiciário), devíamos é sugerir que o governo envie uma equipa de alto nível à África do Sul para pedir humildemente o vídeo do circuito de vigilância do aeroporto internacional OR Thambo que mostra como os nossos vizinhos-cunhados prenderam aquele nosso brada. Portanto, a equipa receberia o filme num flash e voltaria à casa no mesmo dia. Isso seria muito mais valioso para nós como Estado. 


Com esse filme (desculpa, mas eu acho que é um filme mesmo: é que estou a imaginar um polícia a dar um pontapé na cara de um ex-ministro e deputado numa sala de embarque cheio de gente). Dizia então, com esse filme, teríamos umas aulas gratuitas de como se emitem e como se cumprem mandados judiciais e como se prendem gatunos de colarinho branco. Aprenderíamos que ladrão é ladrão em qualquer lugar do mundo, seja ele gordo ou magro, claro ou escuro, alto ou baixo, velho ou jovem, rico ou pobre.


Aqui em casa estamos a precisar desse tipo de curta metragem para umas pequenas lições que mostram que ladrão pode-se prender em qualquer lugar: em casa do gajo, no restaurante, no bar, no aeroporto, na putaria, na padaria, na discô, no iate, na circular, na É-Ene-Um ou Quatro, em Tchumene, na "Somachild", na Costa do Sol, no Triunfo, na Munhava, em Namicopo, e por aí além. Seria uma solidariedade diplomática de louvar no âmbito das nossas boas relações. 


Esse filme seria o hino da Pé-Gê-Ere para aprenderem que ladrão trata-se pelo próprio nome sem códigos. Teríamos também esse filme no currículo do curso de direito, da academia policial e do centro de formação jurídica e judiciária. O filme seria igualmente obrigatório nos treinos da UIR e da SERNIC. Seria também disponibilizada uma cópia para cada juiz. Talvez assim saberíamos, de uma vez por todas, que para prender gatuno precisamos apenas de cumprir a lei. Ter um mandado judicial e partir para a acção sem evasivas nem subterfúgios. Saberíamos que ao gatuno não se pergunta quando, onde e como quer ser preso... Que não se liga para gatuno para saber se gostaria de ir ao tribunal neste verão ou no inverno próximo.

 

Esse filme faz-nos muita falta aqui. Passaríamos na Tê-Vê-Eme umas tantas vezes por dia até que todos moçambicanos saibam que prender gatuno não custa nada: é só encontrar o gajo, dar-lhe uma rasteira, amarrar o gajo com arame, dar-lhe uma cotovelada, dar-lhe um remate no traseiro, o gajo cair na carroçaria do carro e bazar. Saberíamos que porrada é para gatuno, e não para o povo que reclama da subida do pão. De resto, temos de inculcar nas cabeças desses nossos irmãos que não se prende gatuno via Eme-Pesa nem via ordens superiores... Que não existe gatuno diplomático nem imune... E que lugar de gatuno é na "djela-hause".

- Co'licença!

 

Publicado em 02-01-2018

 

Este espaço é oferecido pela:  

   

No entanto, seu conteúdo não vincula a empresa.

quinta-feira, 08 julho 2021 13:30

Afinal quem apadrinha a Sasol?

quinta-feira, 08 julho 2021 07:17

Inglaterra vai ter um primeiro-ministro negro*

A Raínha Elizabeth, em visita a um hospital público de Liverpool, numa manhã de chuva, virou-se para o seu segurança principal e disse, indicando ao mesmo tempo com os olhos para um bebé deitado no bercário: este menino é muito lindo! Olhou para a mãe, que sorria, orgulhosa pelo elogio e perguntou, como é que ele se chama?

 

Lá fora, relampeja com intensidade, troveja como se o fim do mundo estivesse à ilharga, e a chuva cai em catadupa, contrariando o dia que amanhecera solarento. Chove que chove, para gáudio da Raínha  que não sai do berçário do menino negro deitado tranquilamente sob vigilância constante da mãe. A soberana venera a chuva, sobretudo quando cai em consonância com os trovões e os relâmpagos. Para ela, isso é sinal de que algo importante vai acontecer, agora ou nos próximos tempos.

 

A mãe do menino, uma mulher espampanante, transbordante de beleza em toda a sua estrutura, disse a rainha que o seu filho ainda não tem nome. E a raínha perguntou, posso escolher um nome para ele?

 

A sequência dos trovões não pára, os relâmpagos iluminam mais que a luz do dia, e a chuva está determinada, nem que tenha chegado para inundar toda a cidade dos Beatles. Ela - a chuva - cai em recebimento do bebé que continua sereno no  pequeno leito, e ninguém sabe que esta criança que chega num dia de grandes enxurradas,  é um  sinal inequívoco dos tempos. Ninguém sabe, mas a raínha pressentiu, por isso voltou a abordar a parturiente: como é que se diz chuva na língua dos teus avôs?

 

- Diz-se mbvura

 

A raínha Elizabeth sorriu e disse, o teu filho chama-se Mbvura, vai ser, quando crescer, primeiro-ministro da Inglaterra! Ele será intenso como a chuva que cai lá fora!

 

Os jornais abriram as primeiras páginas com parangonas sobre o menino negro que será primeiro-ministro da Inglaterra. As televisões e as Rádios inundaram espaços inteiros com a premonição da raínha. Há um choque profundo nos ingleses que nunca acreditaram na possibilidade de o globo terrestre parar repentinamente e um negro elegido cair para cima, sem perder a humildade.

 

Quem é esse bebé?! A pergunta é feita em cascata. É preciso matá-lo antes que vitupere a nossa raça! A raínha Elizabeth está louca por velhice! Outros  diziam que a raínha está mais lúcida do que nunca. Ela fala a verdade! Esse menino vai ser o nosso primeiro-ministro! Vamos lhe dar o nosso apoio! Viva, Mbvuraaaaaaa! Vivaaaaaa!

 

Mbvura é um estudante da elite, na Universidade de Oxford, onde se tornou no centro das atenções dos colegas e dos professores. Discute com argumentos sólidos, sem o recurso  aos estereótipos. O seu discurso não é de reivindicação, é de catapulta. Tudo o que ele diz nas conversas com os amigos e colegas, ou em lugares de circunstância, torna-se uma palestra pela forma brilhante e esclarecida como coloca os dados. Mbvura já atingiu o palanque, onde nunca quis estar, mas eis que é elevado. Fala da vida no sentido de que a vida é uma seara para todos, e que todos podem ser felizes, cada um com a sua foice para o mesmo campo. Para a mesma fartura.

 

Toda a Inglaterra - desde que Mbvura se transformou no centro da convergência - tornou-se a própria aurora, e já ninguém tem dúvidas de que ele é o primeiro-ministro de que se espera!

 

*Texto imaginário

Vizinhos invejosos! Ouçam cá, seus maconheiros, esse senhor que vocês prenderam aí faz parte da nossa coleção de "marimbondos" muito valiosa. São intocáveis esses. São de porcelana cara. Esse aí em particular é de porcelana milenar chinesa. Se for por causa daquela bolada de atum e não atum, temos a dizer que esse assunto está muito bem encaminhado. Assim o processo já entrou no Tribunal Administrativo para mais averiguações, depois seguirá ao secretário do bairro, depois ao chefe do quarteirão, depois ao chefe de dez-casas, e assim sucessivamente, até chegar à Ametramo. Estamos a trabalhar. 



Dizia, esse gatuno aí é nosso. Se ele tem, na Suíça, mais dinheiro que todas as nossas dívidas juntas, isso não é da vossa conta. Que culpa temos nós se os vossos ladrões não lavam o dinheiro que roubam? Que culpa temos nós se os vossos ladrões não têm higiene "Individual"?



Faxavor, esse "Indivíduo" aí faz parte de um conjunto de gatunos de estimação que é uma relíquia nacional. É um jogo de peças únicas descobertas pela Kroll e mais tarde codificadas pela madame Buchily, uma renomada especialista em criptografia de larápios. São obras de arte que levaram muito tempo a (de)lapidar e a colecionar. 



Mandem-no para cá. Não estraguem a nossa coleção. Se for para enviar para os Estados Unidos, que seja então a coleção toda. Podem vir buscar o resto dos ladrões, sabemos onde moram. Que fique claro: fazemo-lo por amor aos nossos gatunos e a pátria... Para não andarem espalhados por aí. É um kit completo. Tem de estar junto. É uma coleção. 

 

- Co'licença!

 

Publicado em 31-12-2018

 

Este espaço é oferecido pela:  

   

No entanto, seu conteúdo não vincula a empresa.

sexta-feira, 02 julho 2021 09:32

A carta que eu não queria escrever-te!

Não sei se voltarei! Mas tenho que seguir em frente. A pátria precisa de mim e, também, de ti. Da minha força e inteligência, do teu amor e esperança. Até onde sei, ninguém estava preparado para entrar naquelas matas sangrentas a fim de defender a bandeira – principalmente nesta altura em que os ventos da bonança pareciam estar a bater a nossa janela do quarto.

 

Nasci em Namarrói, na Província da Zambézia. O meu nome é Alfredo Hotakala, porém, nas fileiras sou conhecido por General Hotakala, apesar da minha patente ser a de Capitão. Tanto faz! Para mim, o mais importante é o trabalho que fazemos e não as insígnias que carregamos nos nossos ombros.

 

Eu tenho 30 anos de idade, e sou formado pelo famoso Exército Vermelho, na República Federal da Rússia, cidade de Volgogrado, nas especialidades de Inteligência Militar, Fuzileiro Naval e Aeroespaciais, onde fui condecorado com a medalha Júkov, pelas habilidades demonstradas durante a formação, bem como as missões em que participei com distinção.

 

Tristemente, hoje voltei à casa e encontrei parte dela em chamas. Vi amigos com os quais ingressei no mesmo ano nas fileiras mortos desumanamente, e outros cujos corpos nunca mais foram achados.

 

Além disso, vi filhos bravos que esperavam ter a patente mais alta do Exército. Queriam servir à pátria em mais missões, ver os seus filhos a crescer e formar-se. Trabalhar e fazer amor com as suas doces e belas esposas! No entanto, quis o destino que Cabo Delgado se tornasse num cemitério –um autêntico inferno na terra.

 

Jasmin, meu amor, espero que esta carta te encontre preparada e segura. Que o brilho e a cor dos teus olhos não escureçam com a quantidade de lágrimas e tristeza que a mesma irá criar em ti. Não chore por mim! Nós vamos vencer este inimigo.

 

Amor, escrevo-te esta singela carta, não como despedida, mas como símbolo da minha eterna heroicidade e amor à terra que nos viu nascer. Caso eu tombe em combate e vocês não recebam os meus restos mortais, coloque uma coroa e velas naquela minha foto de coroação na Crimeia, que está no centro da nossa sala de estar. E a cada data do meu aniversário, meu amor, acenda uma vela e leia esta carta para os meus filhos – e faça-lhes perceber que os homens sábios sempre foram corajosos e abnegados! Que eles entendam que o meu amor por Moçambique foi jurado com sangue e entrega total, sem reservas.

 

Eu bem sei que um dia estaremos em paz e perceberão o valor do nosso sangue derramado. Aprenderão a história dos grandes homens que tombaram em defesa da nossa soberania e da unicidade dos nossos umbigos que tão cedo caíram e desapareceram nas areias e águas do rio Maputo ao Rovuma.

 

Amor, esta é a carta que eu não queria escrever-te, mas tive de o fazer!

  

Em homenagem aos grandes homens que tombaram em defesa da pátria…