Casimiro é um homem muito bem parecido, apesar dos seus quase sessenta anos, elegante, não muito alto, mas por aí um metro e setenta; não muito forte, barriga não excessivamente grande, mas aquela que agrada a elas. Um homem atraente, bonito, cabelo grisalho, assim como a barbicha no queixo, o que também as atrai mais. É um homem bem sucedido na sua carreira de engenheiro mecânico e na sua vida em geral. Não é propriamente empresário, tipo empresário de sucesso ao nosso jeito, mas vive muito bem, folgado. Leva uma vida acima da média, com umas tantas propriedades, todas já construídas, em diferentes bairros da capital e, à nossa moda, muitos terrenos vazios espalhados por aí. Em termos de frota automóvel, dispõe de um parque de viaturas acima do comum, até certo ponto invejável, troca de fobanas sempre que lhe apetecesse. Ele e a sua querida esposa. É um homem que curte verdadeiramente a vida, sem limitações. Não tem, como nosso apanágio, nosso e dos muçulmanos, muitas esposas: tem uma só. Mas… mas… mete-se com qualquer uma que anda na rua. Tudo o que luz ou respira (tsakuta), ataca. E não lhe escapa nada. A sua estratégia é não deixar bandeira, bate e foge. Não deixa muitas mágoas: não promete mundos e fundos, não; diz-lhes que não é para casar, ele já está casado e não tem intenção alguma de se separar da esposa. É só para curtir. Talvez por causa dessa franqueza, para além do charme e dos “subsídios” que facilmente disponibiliza, elas quase nunca lhe negam. Põe e dispõe daquela que lhe apetece, naquela sua estratégia de “bate e foge”! Mas, de certa forma, /eraé comedido, não se mete com damas casadas, ou com colegas. Varre pela rua fora. Aparentemente, nunca teve problemas de maior. Começa e termina sem escaramuças. De rebentos na diáspora, justiça lhe seja feita, nunca se lhe ouviu falar.
É/era assim a vida do Casimiro Matchai. Ele que gosta de um bom copo, não é preso a uma bebida específica, cerveja, vinho, gin, whisky… nāo. Numa ocasião, podia beber e bem cerveja, para, na ocasião seguinte, beber vinho e numa outra, outra coisa tipo whisky. Não misturava as bebidas, mas não gostava obstinadamente de uma determinada. Mensalmente, visitava a barraca do Mangwavilane, ali no Estrela, onde fazia compras das suas bebidas e levava para casa. Ocasionalmente, podia passar por semana para prover a sua garrafeira ou colman. A barraca do Mangwavilane, que mais se assemelha a um verdadeiro botle story do que propriamente a barraca, a única diferença era que as bebidas estão espalhadas no chão, não tem muitas prateleiras. Mas, em termos de diversidade, tinha quase todas as bebidas. Aos fins de semana e feriados, é normal haver filas consideráveis.
Durante mais de 20 anos, Matchai comprava os drinkings no Mangwavilane! Já era um cliente especial, privilegiado. Quando chegasse com enchente, o dono procurava maneira de despachar o sr. Casimiro. Até que um dia… sempre um dia! Foi ao Mangwavilane procurar um tipo de gin que lhe tinham recomendado… não havia! E o empregado recomendou que fosse à barraca/botle story ao lado, dez metros, que havia. E lá foi.
Havia o gin que procurava. Mas o que lhe chamou a atenção foi a “caixa”: era uma miúda fora de série. Lindíssima. A sua jovialidade perdia-se no seu corpo esbelto, violino, uma cara bonita, de mulher mesmo! Casimiro Matchai ficou completamente perdido. Quando a moça lhe pediu o dinheiro da bebida que pedira, a trapalhice foi tal que não sabia se da carteira tirava o dinheiro ou o cartão de crédito. Acabou pagando e ele não se lembra se pagou via uma ou outra modalidade! Desde esse dia em diante, deixou de ir comprar as suas bebidas no Mangwavilane, passou a frequentar a barraca ao lado. Esta, ao contrário da primeira, tinha mais organização, com um compartimento organizado de estantes para garrafas.
Dois por três, Casimiro estava ali mais a contemplar a Isaltina do que a comprar bebidas. E um dia, não havendo muita clientela, ousou pedir o número de telefone da linda miúda. Esta deu o número da casa, não o dela particular. Registou-o com todo o carinho, suspirando de alívio. Esfregando as mãos para mais um… bate e foge!
Ao quarto dia, ligou para aquele número que tinha recebido das mãos dela. Para seu espanto, quem atende é a voz de um moço. Ficou completamente baralhado, aquela voz dócil desapareceu logo, mas ainda ganhou imaginação para dizer que “falhei o numero”! Dia seguinte, foi fingir que ia comprar alguma bebida e nisso conseguiu perguntar à moça se o número fornecido era pessoal dela, ao que ela respondeu que não. Pediu o dela e ela aplicou o truque conhecido, “não tenho telefone”. Naquele dia não respondeu nada, mas num outro dia, que calhou não haver clientela a não ser ele, voltou à carga e confessou o seu desejo de andar com ela. Porque chegaram clientes, interromperam a negociação. No momento de pagar, ainda atirou uma nota de duzentos meticais, mas ela devolveu-lho, dizendo que não era preciso. Ficou confuso, mas foi-se embora!
Porque tinha cada vez menos sono, para lá voltou mais um dia e a sorte acompanhou-lhe. Quase não havia um cliente, o último era aquele que estava a pagar e a ir-se embora! E sem perder mais tempo, disparou:
Casimiro Matchai não conseguiu palavra alguma para redarguir.
Nem tudo está perdido na nossa sociedade!
ME Mabunda
O Costa do Sol preencheu, por fim, no pretérito sábado, a vacatura aberta na sequência da partida precoce de Jonas Chitsumba a 28 de Novembro do ano passado, 2022. O perecido era colega na EDM e amigo! Praticamente, ele é que me introduziu na EDM!
Na mensagem fúnebre da Direcção a que Chitsumba estava afecto nos últimos dias da sua vida, podia ler-se: “Como endereçar-te uma mensagem de despedida? Como elaborar um elogio fúnebre? Como te dizer adeus? Se tu estás nos nossos olhos! Nas nossas vistas; na nossa mente; nos nossos corações. Ainda sentimos em nós a tua energia, a tua força, pujança e serenidade, a tua alegria! O teu dinamismo muito contagiante! Nós ainda não aceitamos que partiste. Para nós, tu foste para Temane, em mais uma missão de serviço! Para nós, tu foste a Inhambane ver o andamento do projecto da Central Termo-eléctrica de Temane (CTT), de que eras digno Director e Gestor! Para nós, logo, logo, voltarás e nos insuflarás com o teu dinamismo, com a tua voz sibilante e muito audível! Continuaremos a usufruir da tua presença ruidosa nos corredores e salas da nossa Direcção de Desenvolvimento de Negócios!”
Com a devida vênia, faço minhas estas palavras, integralmente. Como faço minhas também as seguintes, que cito da mesma mensagem: “Custa-nos ouvir, aceitar e acreditar que jamais voltarás de Temane. Se foste inúmeras vezes e voltaste! Foste, voltaste, foste e voltaste! Custa-nos muito encarar que nos deixaste para todo o sempre. Que jamais sentiremos o teu fulgor. Que não mais beneficiaremos dos teus profundos conhecimentos, do teu saber muito alargado; da tua liderança galvanizante e estimulante; da tua grande capacidade de gestão. Que não mais teremos o teu coração humanista entre nós!” E acrescento que, depois de tudo, não mais ouvirei “é isso aí, meu caro Mabunda”, como me dizias sempre, depois de… fosse o que fosse!
Esta, confesso, foi a razão por que, cinco meses após a morte do Chitsumba, não consegui rabiscar nada. Ainda estou à espera do Chitsumba para… mais uma tirada por aí, ou em Vilankulo, ultimamente, ou na Beira, Nampula, ou em Pemba! Mas, o passo dado pelo Clube de Desportos do Costa do Sol - também ele muito incrédulo com o que se passou - deixa muito bem claro que o nosso amigo, irmão e colega partiu definitivamente para o além! E que só temos de aceitar, embora com olhos esbugalhados.
A minha entrada na EDM, em 2006, coincide mais ou menos com a transferência dele de Director Regional Norte para Director de Distribuição (DD) e na sequência disso tinha que viver para Maputo. Como DD, tinha a grande responsabilidade de dinamizar todas as então Áreas de Distribuição (agora Delegações) por todo o país, uma espécie de director nacional. E eu acabava de ser recrutado para… também eu… dinamizar a divulgação das muitas e imensas realizações da Empresa! A proximidade das missões de cada um de nós, se fosse para dar certo, só podia dar em casamento sólido!... e deu!
Entrei em Novembro, mas, já em Dezembro, antes de completar um mês sequer, já lá estava eu com uma missão de jornalistas de vários órgãos de informação nacionais, em digressão pelo país, a visitar os mais vistosos projectos da EDM, com Jonas Chitsumba na liderança da delegação, não só a apresentar-me aos colegas em todas as direcções, mas a abrir todas as portas. Ponto por ponto, ele e o director local é que prestavam os esclarecimentos necessários aos jornalistas. Em cerca de duas semanas, batemos quase todo o país - Pemba, Nampula, Nacala, Quelimane, Beira, Chimoio e Província de Maputo.
Assim começava uma relação de trabalho que foi muito profunda e que deu numa amizade inapagável. Ele, detentor de informação de utilidade pública e eu, divulgador de informação. Muitas mais digressões com jornalistas faríamos ao longo dos seus seis anos como Director de Distribuição e muitas aventuras teríamos... Mas, mais digressões juntos faríamos também por causa dos eventos da Empresa. O modelo de gestão em vigor tinha/tem reuniões nacionais regulares em diferentes pontos do país - reuniões de prestação de contas, reuniões de balanço e reuniões de debates sobre várias outras matérias. Lá estávamos, ou lá nos encontrávamos, trabalhávamos, curtíamos… e mais alguma coisa!
Obviamente que nem só de trabalho vive o homem! Nestas andanças todas pelo país real, muita coisa acontecia, deixando à imaginação do querido leitor! A sua transferência para a direcção das Áreas da Cidade e Província de Maputo, em 2012, apenas refreou a frequência dos contactos, do trabalho em conjunto, das conversas, mas estes continuariam até agora que ele dirigia o projecto da construção da Central Térmica de Temane!
Foi-se um amigo, um amigo dos seus amigos, uma pessoa que nunca andava de testa amarrada, que nunca olvidava o confronto com jornalistas, que nunca se exaltava nas milhentas discussões e debates que mantínhamos, a sós ou com outros presentes, incluindo jornalistas; com um riso (não sorriso) genuíno, estridente, contagiante! Nenhum jornalista desdisse o Chitsumba ao longo desse tempo! Nunca!
Caro Colega, Amigo e Irmão Jonas Ernesto Binda Chitsumba, vá e descanse em paz! Mas viverás para sempre nos nossos corações! - citando de novo a mensagem dos colegas da Direcção de Desenvolvimento de Negócios.
ME Mabunda
Na nossa vida cotidiana, depois de vivenciarmos - como dizemos ultimamente, no lugar de ‘vivermos’, ‘passar por certa experiência’, ‘sentirmos na pele ou na carne determinado facto ou fenômeno, etc. - costumamos relatar para os outros e, quase em todas as vezes, fazemos recomendações. Recomendamos aos nossos interlocutores, muitas vezes amigos, conforme tenha sido para nós a experiência passada. Recomendamos que passem por ela ou tentem passar, se tiver sido bastantemente boa, se tivermos gostado verdadeiramente do que passamos, se tivermos gramado, curtido a valer! Recomendamos “assim, assim”, isto é, moderadamente, se não tivermos gostado muito. E não recomendamos absolutamente se aquilo por que tivermos passado for ou tiver sido uma experiência terrível, horrível! Não desejamos a ninguém tal coisa. “Não desejo a ninguém aquilo”, dizemos de viva voz.
Pois bem, numa das últimas semanas, por razões profissionais, vi-me na contingência de ir a Hati Hati (os nativos pronunciam e escrevem assim, mas na grafia prostrada no edifício da sede vem Hate Hate), a norte do distrito de Chibuto, quase a ir para o distrito de Chigubo. E o trajecto, de cerca de 170 quilómetros, é Chibuto-Mohambe-Maqueze-Nlhanganine-Hati Hati… e mais para lá, até Chigubo! Chibuto-Mohambe, é o que sabemos, uma estrada muito bem asfaltada, somente há que ter cuidado com as curvas e contracurvas perigosas, mas é um tapete! Pesadelo, verdadeiro pesadelo, é quando viras à direita e tomas a direcção de Maqueze… yoweyoweeee!
Uma pontequinha partida dá-te as boas vindas maiores, porque as menores, essas, logo ao deixar o alcatrão, tem-nas, imponentes e exuberantes. Covas, covinhas e covinhinhas desde o primeiro centímetro! E, à medida que vais progredindo, passas ou navegas entre covinhinhas, covinhas, covas, buraquinhos, buracos, com buracões à espreita na berma da estrada. Qualquer distração no volante, excesso de velocidade, imprudência ou xikwembo… é o precipício, que pode ser fatal!
E é nesta plataforma - ngwendjengwendje, ngwendjengwendje, ngwendjengwendje - que tens que navegar até… Maqueze! Bem, bem, não só até Maqueze, mas até ao destino. Mas, até Maqueze é que é pior. Todo o tipo de reentrâncais… cruzas toda a localidade de Tlhatlhene, onde tem o desvio à esquerda para a lagoa de Bambeni, e vais até à… “vila” de Maqueze, neste grande zigue-zague! Impossível andar a… 50!, 20, 30 é a moda, para quem se lembra da linguagem estatística… muitas vezes os 10 km/h. Neste preciso momento, há uma empresa que está a montar painéis solares em Maqueze, mas não tem como trazer contentores de materiais devido à péssima estrada!…
É a este sofrimento que está sujeito quem, por alguma razão, tiver que se fazer para aquela estrada. Com boa “fobana” em ngwendjengwendje, ngwendjengwendje, saindo de Chibuto às 6, 6:30 horas, só conseguimos chegar a Maqueze, cerca de 90 km, por aí 9:30, 9:40, depois de vencer os imensos e desagradáveis solavancos! Três horas queimadas. Mas, só é fim se o destino final for este. Mas se for Nlhanganine ou Hati Hati… o mergulho no calvário prossegue por mais dias, duas horas e meia. Se bem que ligeiramente menos ngwendjengwendje, à medida que se vai indo mais para frente!
Alternativa… neste momento, não existe! Digo neste momento, porque é só nos períodos que correm que inexiste alternativa, que é o trajecto Chibuto-Alto Changane-Maqueze… num trajecto de cerca de 58 quilómetros até Alto Changane, mais apenas 7 até Maqueze, bem melhor do que o actual. Mas… entre Alto Changane e Maqueze não há ponte para atravessar o rio Changane, que está bastante cheio de água. ESTE É O BUSÍLIS DA QUESTÃO! Em anos de antanho, houve uma ponteca de paus, que ninguém mais melhorou! Nos tempos de seca, poucas águas no rio, chega-se a atravessar… a pé, ou mesmo de carro, a muito risco!
Há três anos, tive que… fazer as duas vias numa única manhã. Saído de Maputo cerca das 5, a caminho de uma missa em casa de um amigo em Maqueze, por volta das 8:30 horas estava eu e os que iam na viatura a esfregar as mãos, porque pensávamos que já estávamos a chegar… mas, quase a mergulhar o focinho da viatura do lado do Alto Changane, sem saber que não há travessia por ali. Ligando para o amigo, só foi quando despertamos para a triste realidade, que a ponte prometida e com fundos garantidos em Alto Changane nunca chegou a nascer! Até hoje, já estamos a caminho de dez anos. E nunca ninguém foi responsabilizado.
Em crónica a que intitulei O SOFRIMENTO DOS MAQUEZIANOS, relatei a triste experiência de estar, da margem do Alto Changane, a ver Maqueze, que era o destino, mas depois ter que dar a volta por Chibuto, Mohambe e… aquele terrível troço.
E a pergunta que não cala é: o que é que os maquezianos, nlhanganinenses, hati hatenses, etc. fizeram para merecer tamanho martírio. Ou por outra, o que é que os gazenses fizeram, ou não fizeram, para serem submetidos a tamanho sacrifício, sofrimento e inferno. Cônscio ainda de que os utentes da nossa EN1 têm o mesmo calvário em muitos troços, até uma companhia de transporte desistir, a questão pode ser aperfeiçoada para os seguintes termos: afinal, o que fizemos (ou não fizemos) nós para tamanho castigo!?…
Não desejo a ninguém ‘ir a Maqueze’!
ME Mabunda
(Texto dedicado ao amigo Leandro Paul)
“Dr. Mabunda, todos os jornalistas já vieram levantar os cabazes, menos um da TVM. Liguei para ele, diz que não precisa!” - assim me dava o relatório da distribuição de cabazes numa instituição onde eu geria a relação com os Media, num certo ano. Eu, que tanto me tinha batido para que o CA daquela empresa aprovasse a concessão de cabazes aos profissionais de comunicação, fazedores de opinião e outras personalidades da praça, como forma de massagear a sociedade - como nos ensinou o outro, então estava ali alguém a dizer que não precisa…
Atónito e no meio de tantas “dores de cabeça” do trabalho, ainda perguntei à Dra. Isabel, então chefe do Departamento Administrativo e Financeiro, de quem se tratava: “Chama-se Simião Phongwane, chefe de Redacção da TVM”! Agradeci a colega por ter distribuído a contento todos os mais de 60 cabazes e depois prometi-lhe que ia falar com aquele jornalista que prescindia. Dito e feito, na primeira oportunidade, lá me pus a falar telefonicamente com o Simião Phongwane, meu antigo colega na escola e de profissão, depois. Somos amigos, mas consideramo-nos irmãos. Desde a escola, nunca mais deixou de me chamar “meu chefe”! Mas, debalde! Nem a minha voz o convenceu a ir levantar o cabaz!
Este é o Simião Phongwane (não Simeão Ponguane, como ele próprio gosta de corrigir quando pode) que conheço desde 1987, na Escola de Jornalismo. Ele, vindo da Secundária de Nwaxikolwane, distrito de Chókwè, em Gaza; e eu, da Rádio Moçambique. Eu e ele fizemos parte da turma de jornalismo dos anos 1987 a 1988, dois anos, com perto de vinte estudantes.
As relações entre todos nós eram muito cordiais, éramos quase família! Ao Simião Phongwane coube a responsabilidade de ser o chefe dos alunos internos e a mim a de chefe da turma. Havia os alunos que estudavam morando na Escola e outros que estudavam vivendo em suas próprias casas, na cidade de Maputo.
As queixas sobre o “Xipongwani”, como o falecido João Matola (que saudades… Deus o tenha na sua graça) o chamava clandestinamente, não tardaram: o chefe era demasiado chato e exigente! Duro. Queria sempre “ordem” na casa. Nada de indisciplina; nada de desleixos, nada de barulho, nada de bebedeiras; nada de farras na Escola de Jornalismo. Ele impunha essa… ordem! Que ia contra a vontade de muitos estudantes que se viam num internato, onde quase cada um vive livremente como quer e como pode! Claro que o casal “Couto”, que geria a escola gostava da disciplina!
Ele, o Simião, que é verdadeiramente homem às direitas: até hoje, não bebe álcool, nem fuma; não é homem de curtições, não é de mulheres, nem farras… ele é de conversas, estudos e mais nada! Nem de futebol gosta, pelo que, quando ainda na Escola de Jornalismo íamos jogar, quase todos os alunos, semanalmente, na agora inexistente Escola Secundária de Maxaquene, ali na Av. Eduardo Mondlane (hoje Universidade São Tomás), ele não ia; nem para assistir, nada. Trabalho, organização e preparação do trabalho, era/é só isso com ele! Um homem organizado!
De forma que estava claro que ele iria muito longe na vida social e profissional. E foi. Embora ache eu que, numa sociedade mais honesta, mais justa, poderia ter ido, ou pode ir, bastante longe. Ele é um homem honesto, sincero, frontal, sem regateios. Não tem muito de diplomacia. Aquele que o conhece minimamente bem, sabe das qualidades dele. Profissionalmente, é o que todos sabemos: bom, agressivo, justiceiro e contundente. Todo aquele que acompanhou os trabalhos do Simião Phongwane sabe que ele reporta tudo. Mas tudo mesmo, até o detalhe desnecessário. As suas entrevistas são contundentes de facto. Quem não se lembra da memorável entrevista dele com o falecido líder da Renamo, Afonso Dhlakama (Deus o tenha)? Quase discutiam em frente às câmeras, com o líder completa e visivelmente nervoso… quem não se lembra da discussão acérrima em pleno “Quinta à Noite” com o Professor Ferreira, há uns dois anos?…
De modo que, quando a Dona Isabel me veio falar que o Sr. Simião Phongwane, chefe de Redacção da TVM, prescindia do cabaz, depois de fazer o flashback da figura dele, não fiquei muito surpreso, ante a cara de muito espanto e admiração dela. É o Phongwane que conheci/conheço. Um homem honesto! Incorruptível! Imassageavel!… Sempre que nos encontramos ou para um café, ou um almoço, ainda que maior parte de consumo seja meu por conta do copo, ele sempre exige dividir a conta. Deve ser esta sua honestidade, seriedade e frontalidade que assusta as pessoas!
Fica aqui o registo da minha admiração por este grande jornalista moçambicano, em serviço na Televisão de Moçambique, a nossa estação pública.
ME Mabunda
Como o tempo não pára, é impiedoso, perene e impetuoso!
Conheci a Pérola Jaime Matsinhe nos finas da década de sessenta, princípios da de setenta do século XX. Isto é, finais dos anos 1960, princípio dos anos 1970. Meu “kota” era “titxa” da Escola Primária de Muguñwane e, depois da de Munyangane, ambos, na altura, na Circunscrição de Mtxuquete, distrito de Chibuto! Já vão por aí uns 53 anos. A casa dos pais dela ficava/fica no conclave entre Muguñwane/Phusa/Nkwakwene/Munyangane, num povoado chamado Mangwenyani. É mais fácil para ela dizer que é de Phusa. Toda a criançada dessas zonas frequentava a escola de Muguñwane e ou Munyangane. Frequentava tanto o ensino, como a catequese. Vezes sem conta, as crianças/alunos da Escola eram destacados pelo… professor para irem fazer trabalhos domésticos na sua residência. Não posso escrever que a Pérola tenha ido à nossa casa fazer trabalhos domésticos, ou levar água ou lenha, cozinhar, lavar, ou ir à machamba do senhor professor. Mas posso escrever que a Pérola Jaime, mais a Ana Josefa Khongolo são as duas meninas que habitaram a mente dele até aos seus últimos dias. Nutria uma grandiosa simpatia e empatia - era como se fossem suas próprias filhas, sentia orgulho por elas. Confesso que nalgum momento ficava com ciúmes, mas compreendia, o velho não teve filha ou filhas que conhecêssemos. Sobre a Ana Khongolo, esta sim, de Muguñwane e ex-aluna, há uns quatro meses, esclareceu-me de onde é que nasceu a “paixão de pai e filha”. Uma vez, em plena aula de aritmética, o velho deu um exercício que estava mal entabulado. Ela tentou por três vezes resolver, mas dava errado. E ela, destemida, sempre foi desafiar o temido professor Eugênio a informá-lo de que o exercício não estava bem. Na primeira vez, apanhou umas varas; na segunda, recebeu um grande olhão e um berro; mas, na terceira, o velho pôs-se a examinar cuidadosamente o exercício e viu que, de facto, estava problemático, ela tinha razão e corrigiu.
E, quando chegou a vez de baptismo delas, primeiro a Ana, depois a Pêrola, os padrinhos foram, justamente, Eugénio António Mabunda e Isaura Filimone Mahene! (meu pai e mãe, respectivamente!) Em 1973, o velho foi transferido para a Escola Primária de Chipadja e, assim, deixou de “tutelar” directamente a Pérola e outras muitas crianças afilhadas que tinha por aquelas terras/bandas. Mas o “amor de pai” voltaria a resplandecer quando o velho é de novo transferido para a vila de Chibuto e vai encontrar… as suas “filhas”/afilhadas… não já com o mesmo fulgor, mas ele as visitava sempre e procurava saber do curso das suas vidas! Daí até aos últimos dias da sua vida, a Ana e a Pérola eram pessoas especiais para ele.
Acredito que, um dia, a Pérola vai esclarecer como caiu nas graças do “titxa” e, também, porque é que a minha mãe, sempre que a visse na televisão, nas suas exibições e/ou em entrevistas, tamanha era a sua nostalgia, a saudade, a emoção e a vontade de a querer abraçar! Sentia muito a ausência da Pérola!
Pois bem, dito isto, vamos ao objecto deste texto. Nada, mas absolutamente nada, do que acabo de dizer tem influência no que vou elaborar a seguir. Como disse num “post” no Facebook, quando me foi dada conta da efeméride, pedi alguns escritos sobre a Pérola e foram-me facultados um texto e o seu CV. Quão ignorante não era eu sobre a minha “irmã”!
A nossa Diva da Dança assinalou, no passado dia 5 de Abril, mais uma primavera. Mas não é “mais uma primavera”. Nem é “primavera” qualquer. É a sexagésima! Não é fácil chegar aos 60, com tanta vida porosa, com as sidas e agora as coronas à mistura. É uma grande bênção! Grandiosa. Está de parabéns a nossa “Deusa de Dança”! De toda a dança: tradicional, clássica, moderna, contemporânea, dança não sei que mais...afro-fusão, seja o que for, ela é excelente. Que ela é exímia dançarina, bailarina, coreógrafa, ela é! Destra. Estamos de parabéns todos nós por uma das nossas estrelas completar semelhante idade e a continuar a brilhar como tem brilhado, na ribalta, em todo o lado por onde é chamada. Em finais de 2022, ainda a vimos a coreografar em Vilankulo o Campeonato Africano de Futebol de Praia: uma maravilha total à vista.
Foram sessenta anos a coreografar o mundo, o seu e o de outros, a cantar, encantar, a dançar e a ensinar em muitos palcos do mundo. A conceber coreografias, bailados e outras peças; a representar em bailados; a dançar como bailarina muito habilidosa; mas também a cantar com todo o talento e a encantar e a orientar bailados. A formar e a orientar bailados e bailarinos. Não há como falar da Companhia Nacional de Canto e Dança sem mencionar, entre outros vultos, tipo David Abílio, o nome da Pérola Jaime. Pérola Jaime Matsinhe, de nome completo! E não há como falar de dança em Moçambique sem mencionar o nome dela!
Das dezenas de coreografias que concebeu e montou, com muita destreza, destacam-se Amatodos, A ponte, a Biografia do Antigo Presidente Chissano, o Encontro Inter-religioso com os jovens em saudação ao Papa Francisco, a abertura do Campeonato Africano de Futebol de Praia em Vilankulo, etc. Das coreografias e bailados onde ela desempenhou papéis muito importantes, destacam-se Em Moçambique o Sol Nasceu, A Noiva de Nha-kebera, Xitukulumukumba e N´tsay. Peças que vivem na memória do Mundo! Como cantora, para além de ter integrado o naipe de cantoras da CNCD e tendo-se celebrizada com as canções Xingwavilane e Xindzekwane, participou no projecto de fusão Timbila/Jazz, uma orquestra que integrava moçambicanos, suíços e alemães, denominada Família de Percussão, dirigido por Peter Giger, e Eduardo Durão, cujo trabalho a levou a actuar em várias cidades da Alemanha, culminando com a gravação de um disco compacto.
Como professora, ensinou a toda a gente e em todo o lado… desde nas escolas e academias de dança, até lugares suspeitos como Serviços Cívicos de Moçambique, Escola de Aplicação Militar, Banco de Moçambique… A Pérola é uma mulher andada: foi para todo o mundo… dançou em todos os palcos do mundo! Até na China! Tiremos o chapéu para ela!
Agora, prêmios, esses, é que minguam! Variam de Melhor Trabalhador do Ministério da Educação e Cultura, Figura do Ano pela Revista Tempo, Rádio Moçambique Jornal Notícias e pouco mais. MUITÍSSIMO POUCO PARA UMA PESSOA COM UM CURRÍCULO DESTA ENVERGADURA! Não merece alguma medalha esta senhora? Ou nome de uma rua?
Moçambique está de luto. Estamos de luto. Perdemos um grande Homem. Homem com ‘h’ maiúsculo. Um nacionalista exímio, destro, um grande humanista, homem de paz, pragmático, homem de bem. Que escolheu, logo cedo e de livre e espontânea vontade, a medicina como cavalo de batalha para proporcionar o bem e o melhor ao seu semelhante, sobretudo aos seus compatriotas. E porque a essas alturas a sua pátria ainda não estava em liberdade, teve que juntar a sua paixão, a medicina, à luta de libertação nacional para poder libertar e servir melhor o seu povo. Fez as duas coisas: a luta e a medicina. E fê-las com muita destreza! Conquistada a independência, dedicou-se, de jure e de facto, à profissão que escolheu. Foi simples médico em hospital modesto e desconhecido algures; depois, foi director de hospital, também modesto e algures; e só mais tarde é que foi “jogar na melhor posição em que devia jogar”: onde podia libertar abertamente todas as suas qualidades, competências e saberes, humanas, profissionais, acadêmicas, sociais, etc.: Liderança. Foi director. Depois foi ministro da Saúde por dez anos, período durante o qual catapultou o nome de Moçambique para as melhores páginas da Organização Mundial da Saúde. Os indicadores de desempenho do país na área consolidaram-se ainda mais e continuaram a subir no ranking mundial nas várias campanhas de vacinação e de combate a diversas doenças, sobretudo a varíola. De tal sorte que Moçambique tem sido referenciado em várias iniciativas da OMS; foi elogiado recentemente por ter conseguido gerir bem a campanha de vacinação contra o coronavírus, em parte devido ao legado, à experiência e ao histórico que teve a mão de Pascoal Mocumbi.
Espero que, um dia, os historiadores - ou aquele/s que for/em a fazer o registo biográfico deste grande homem - tenham a devida e satisfatória elaboração sobre o contributo que este nobre filho da terra teve no nosso Sistema Nacional da Saúde e na Organização Mundial da Saúde (OMS) - sobretudo, mas não só, o seu contributo na erradicação da varíola do nosso solo pátrio.
No que me toca. Começo o jornalismo em 1987, quando ele passa de ministro da Saúde para o de Negócios Estrangeiros. Digamos que do ministro da Saúde quase nada tenho registado. Do seu novo pelouro, foca (principiante) que eu não era na altura, naturalmente que não era destacado a fazer coberturas que requeressem grandes responsabilidades, saber e experiência. Gradualmente, fui assumindo responsabilidades profissionais. E eis que, em 1993, já depois do AGP, envolvido num projecto pessoal do Presidente Chissano, tive que viajar… lado a lado, com o então ministro dos Negócios Estrangeiros para Inhambane! Estava a recolher uma e outra informação para a autobiografia que o antigo estadista estava então a escrever - já estava escrita praticamente a obra Tempos, Lugares e Espaços, mas uma ou outra coisa tinha que ser complementada e eu tinha que estar por perto, pois eram as melhores oportunidades para encontrar esta ou aquela figura - o trabalho continua, falta a segunda e a terceira parte da biografia... É assim que, estando em visita presidencial a Inhambane, mais em pré-campanha, pois as eleições de 1994 estavam à vista, havia que estar por perto. E a boleia encontrada foi a do ministro dos Negócios Estrangeiros que tinha que se juntar à comitiva presidencial em Inhambane. Lá peguei a minha pastinha com algumas roupinhas e lá me fiz… ao carro protocolar do Dr. Pascoal Mocumbi. Lado a lado nos bancos de traz da “land cruiser”. Não tenho palavras para descrever a angústia que se apossou de mim. Não sabia como aguentar 500 quilómetros ao lado de uma grande figura, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique. Até hoje, não me lembro direito de como aguentei, mas certo, certo é que saímos de Maputo às 13 e tal e por volta das 22 horas chegamos ao destino. Como, não sei… mas não colapsei. Nem serviram de nada os jornais portugueses que levara para ler pelo caminho… Mas foi boa conversa, alimentada mais por ele do que por mim, inexperiente e tímido, além de muito novo! Daí para frente, houve mais simpatia e empatia também.
Feitas as eleições de 1994, Pascoal Mocumbi fica primeiro-ministro, o segundo primeiro-ministro de Moçambique a seguir ao Dr. Mário Machungo (que também repouse em paz). Uma das “coisas” que o Dr. Mocumbi introduz no relacionamento com a imprensa são os briefings semanais com jornalistas. Todas as manhãs das quintas-feiras, lá estava ele, sumptuoso como era, a falar à imprensa sobre todas as áreas do Governo.
Esta prática duraria o tempo em que ele esteve no cargo e… ficaria, assim, a marca do primeiro-ministro Pascoal Mocumbi! Não delegava, não era irregular, houvesse ou não assunto quente, ia pessoalmente e falava de boca cheia sobre todos os assuntos do Governo. Uma e outra vez levava um ministro ou vice, mas na maioria das vezes era ele que punha a sua voz audível. Respostas práticas, concretas e directas.
Tendo saido nos últimos meses do mandato do Presidente Chissano, seguiu-se-lhe a Dra. Luís Diogo. Ainda continuou um pouco com a prática, mas depois… acabou! Não mais houve briefings dos primeiros-ministros… até hoje. Uma prática salutar, que aproximava bastante o Governo à media, ajudava a dissipar quaisquer que fossem as partes menos claras; e ajudava a sociedade a compreender as políticas e práticas. Hoje, nós, os comunicadores, queixamo-nos de que o nosso executivo não se comunica, ou se comunica mal… uma das razões é a ausência desta prática que já foi rotina. No tempo do Dr. Pascoal Mocumbi, não era preciso haver assunto para ele sair ao briefing. Era importante comunicar-se com a sociedade!
Um legado saudável que… botamos abaixo!
Vá e descanse em paz, ilustre Dr. Pascoal Manuel Mocumbi. Cumpriu e muito bem a sua missão na terra!
ME Mabunda