Em tempos, algures pelo mundo, conheci um sindicalista e parte, na altura, da oposição em seu país. Pouco tempo depois o seu partido e candidato presidencial ganham as eleições e ele participa na nova estrutura governativa. Em visita ao seu país, passo alguns dias na sua casa protocolar na capital. Um luxo e em bairro nobre.
No final da estadia, o meu anfitrião fez questão de sublinhar de que aquelas condições de vida não correspondiam à realidade dele, apelidando-as de seus ''anos da fantasia''. Contou ainda de que a realidade dele estava em outro local, por acaso longínquo, geograficamente e socialmente, e de que as condições reais da sua vida seriam as que retomaria e com a ajuda da sua nova experiência procuraria contribuir para o progresso da sua cidadezinha.
Ontem lembrei-me deste meu amigo sindicalista, enquanto acompanhava, na TV, a apoteose da recepção no aeroporto à equipe sénior feminina de basquetebol do Clube Ferroviário de Maputo que há dias, em Dakar, Senegal, conquistou pela terceira vez o campeonato africano (de clubes) da modalidade.
Aliás, não é a primeira vez. É sempre assim quando uma equipe nacional, incluindo a selecção, sobretudo da modalidade de basquetebol, ganhe troféus ou faça brilharete além-fronteiras e que me levam a questionar se não seriam essas proezas semelhantes aos ''anos da fantasia'' do meu amigo sindicalista?
Infelizmente, e conforme o combinado, ainda não consegui visitar a terra deste amigo o que me permitiria aferir, ''in loco'', a autenticidade das suas palavras. Mas tenho tido notícias, incluindo as de que a cidadezinha onde voltou a morar, depois que o seu partido e candidato presidencial não conseguiram renovar mais um mandato, está a progredir.
''In loco'', (in)felizmente, conheço a realidade do clube campeão, sobretudo a das condições em que se encontram as suas instalações desportivas na baixa da capital. Por aqui, uma dúvida: terá o Ferroviário dito às suas congéneres, estruturas de gestão regional e mundial da modalidade ou a singulares com quem se tenha cruzado, de que os seus troféus eram apenas os seus ''anos da fantasia'' e em seguida as convidasse a visitar a sua realidade?
Enquanto espera-se que a dúvida desvaneça, e face aos dados, nomeadamente o percurso histórico de conquistas africanas do Ferroviário de Maputo vis-à-vis o percurso histórico da progressiva deterioração e abandono das suas instalações desportivas da baixa da capital, incluindo onde as campeãs treinam, fica a ideia de que o campeão esteja apenas confortável com os seus (já) eternos ῎anos da fantasia῎.
PS: Em jeito de parêntesis: foi recentemente inaugurado um estádio municipal de raiz na autarquia do Ibo, Cabo Delgado, construído com fundos dos Caminhos de Ferro de Moçambique, patrono/proprietário do Ferroviário. Salvo erro, foram perto de 2 milhões de dólares desembolsados. Não sei se estão inclusos os custos com a cerimónia presidencial de inauguração...