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terça-feira, 21 abril 2020 06:28

Vinte dias de Estado de Emergência: O que mudou?

Passaram ontem, 20 de Abril de 2020, exactamente 20 dias desde que o país começou a observar o seu Estado de Emergência (de 30 dias), no quadro das estratégias adoptadas pelo Governo para o combate à Covid-19, doença que já infectou 39 cidadãos no território nacional e mais de 2 milhões em todo o mundo, tendo já se contabilizado cerca de 170 mil óbitos.

 

Em vigor desde 01 de Abril, depois de ter sido decretado pelo Chefe de Estado na noite do dia 30 de Março e ratificado pela Assembleia da República, na noite do dia seguinte (31 de Março), o Estado de Emergência representa o ponto máximo do controlo dos cidadãos pelo Estado, com a restrição de algumas liberdades individuais, como a de circulação, porém, sem violar os seus direitos básicos, como o direito à vida, à integridade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei penal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade religiosa. O mesmo corresponde ao terceiro nível do Plano desenhado pelo Executivo para fazer face à pandemia.

 

Assim, para regular o “funcionamento” da sociedade, o Governo aprovou um conjunto de medidas administrativas, destacando-se o encerramento de estabelecimentos comerciais de diversão, ginásios desportivos, museus, bibliotecas, teatros e monumentos; a suspensão de cultos e celebrações religiosas, de feiras e exposições; e a fiscalização dos preços dos bens essenciais para a população, incluindo os necessários para o combate à pandemia.

 

 

O governo introduziu também a rotatividade do trabalho ou outras modalidades em função das especificidades do sector público e privado; introduziu a obrigatoriedade do uso da máscara nos locais de maior aglomeração, assim como nos transportes públicos e semi-colectivos de passageiros (medida adoptada após contestação da medida que previa a limitação de transporte de passageiros até 1/3 da capacidade de cada autocarro); e adoptou medidas para apoiar o sector privado a enfrentar o impacto económico da pandemia.

 

Estas medidas juntaram-se a outras que tinham sido anunciadas por Filipe Nyusi, no dia 20 de Março, como a suspensão de aulas por 30 dias em todos os sub-sistemas de ensino e a suspensão de emissão de vistos.

 

Segundo a Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, as medidas visam prevenir as pessoas da pandemia do novo coronavírus, salvaguardar a vida humana, a saúde pública e assegurar o funcionamento dos serviços. Garantir o distanciamento social ou físico entre os cidadãos é o objectivo principal da declaração do Estado de Emergência, entretanto, passados 20 dias, a realidade parece ainda contrastar com o desejado, apesar de ser visível o cumprimento de algumas medidas.

 

Barracas em funcionamento, mas com novas estratégias…

 

Entre as medidas que ainda temem em não ser cumpridas está o encerramento dos estabelecimentos de diversão, com destaque para as barracas que, em alguns bairros periféricos da cidade de Maputo, ainda continuam a funcionar. Em alguns casos, “Carta” observou que a venda de bebidas alcoólicas é feita às escondidas, para evitar a apreensão do produto, assim como a detenção dos indivíduos pela Polícia. A estratégia é esta: os proprietários “encerram” as barracas, porém, continuam a vender as bebidas alcoólicas para os seus clientes e orientam-nos a consumi-las num local distante da barraca para que não sejam comprometidos.

 

Segundo o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM), Orlando Mudumane, a corporação registou casos de desobediência na primeira semana de vigência do Estado de Emergência, porém, nas últimas semanas a situação melhorou, havendo colaboração por parte dos cidadãos.

 

 

À “Carta”, Mudumane revelou que nos primeiros 15 dias, a PRM deteve 131 cidadãos por desobediência, porém, 40% dos detidos foram restituídos à liberdade por se tratar de moto-taxistas que, uma semana depois, viriam a sua actividade permitida pelo Governo. Lembre-se que o Decreto nº 12/2020, de 2 de Abril, proibia a prestação de serviço de moto-táxi e bicicleta-táxi, no entanto, a proibição seria revogada, com a revisão do Decreto, onde foram retirados seis artigos.

 

Durante os 20 dias da vigência do Estado de Emergência, “Carta” notou ainda que poucos cidadãos, assim como proprietários de estabelecimentos comerciais de venda de produtos da primeira necessidade, cumpriam o distanciamento mínimo recomendando de 1 metro, havendo estabelecimentos em que os cidadãos ficam aglomerados no seu interior. Mesma situação se verifica nos mercados, sobretudo informais, onde o distanciamento entre os vendedores continua um sonho de difícil alcance.

 

Os transportadores semi-colectivos de passageiros perfilam na lista de cidadãos incumpridores das medidas de prevenção da pandemia da Covid-19 e, sobretudo do Estado de Emergência. Os números 1 e 4, do artigo 26 do Decreto 14/2020, de 9 de Abril, definem, respectivamente, que o limite máximo de passageiros a bordo em transportes colectivos, de acordo com a lotação estabelecida para cada tipo de transporte; e a que os proprietários das empresas ou veículos devem garantir as condições de higiene e segurança sanitária.

 

Entretanto, nenhuma destas recomendações têm sido cumpridas pelos transportadores semi-colectivos, que continuam com os automóveis superlotados, assim como nunca se viu nenhuma acção de desinfecção dos transportes e muito menos das mãos dos passageiros, como recomendam as autoridades sanitárias. A única exigência que tem ganho relevo é de uso obrigatório de máscaras, pelos passageiros, antes de embarcar.

 

A especulação de preços também ganhou notoriedade, sobretudo dos materiais de protecção, havendo farmácias que vendem uma máscara a 250 Mts. Já os preços dos produtos de primeira necessidade, sobretudo batata e cebola, começaram a estabilizar, depois de no princípio do mês ter-se verificado um agravamento de quase 100%.

 

 

Para Tomás Vieira Mário, Director-Executivo do Centro de Estudos e Pesquisa de Comunicação-SEKELEKANI, o comportamento da população ainda não reflecte um país em Estado de Emergência, pois, “o modo e a conduta continuam sem muitas mudanças, para 2/3 da população, pelo menos nas grandes cidades”.

 

“Creio que o relaxamento que foi introduzido, em relação ao preenchimento de autocarros e a circulação de pessoas, foi tomado praticamente como extinção do Estado de Emergência”, defende o académico, sublinhando que as pessoas não estão a levar a sério as medidas estabelecidas pelo Governo, citando o exemplo dos mercados, onde o distanciamento não é observado.

 

O também Presidente do Conselho Superior da Comunicação Social entende que nos transportes privados e públicos deve haver mais rigor das autoridades policiais, sobretudo, no que tange ao uso das máscaras porque estas estão sendo usadas “de forma desportiva”.

 

“Quando se relaxou a questão do distanciamento social, massificou-se a questão das máscaras e acho que deve haver uma acção enérgica para o uso das máscaras. Penso que o Estado deve incentivar o uso das máscaras, estimulando algumas cooperativas de alfaiates, que possam produzir em grandes quantidades e vender a preços bonificados”, acrescentou a fonte, para quem os 15 milhões de USD perdoados pelo Fundo Monetário Internacional sirvam para reforçar as medidas que o Estado tomou, sobretudo no incentivo a algumas áreas.

 

Higienização das mãos ainda ignorada por alguns

 

 

Outra medida que tem sido cumprida por alguns e ignorada por outros é da higienização das mãos. Em quase todos os estabelecimentos comerciais e terminais rodoviários de passageiros tem-se verificado a instalação de baldes e tanques de água e sabão para que os clientes lavem as mãos antes e depois de serem atendidos ou embarcar. Porém, ainda é possível observar alguns cidadãos a não cumprir a medida. O mesmo acontece em algumas residências, onde os chefes de família deixam baldes de água e sabão nos portões para a higienização das mãos dos “visitantes”, mas alguns ignoram esta medida.

 

No entanto, enquanto ainda se verifica alguns incumprimentos, há também boas notícias. Entre as medidas que têm sido implementadas com algum sucesso está o cumprimento dos horários de encerramento de estabelecimentos comerciais de venda de produtos de primeira necessidade (17 horas), embora ainda se verifique alguns comerciantes, sobretudo informais, que teimam em prolongar as suas actividades até ao início da noite.

 

Também tem sido notório o uso das máscaras em locais públicos e também nos transportes semi-colectivos, apesar de alguns cidadãos (entre passageiros e transportadores) ignorarem esta recomendação. A circulação nocturna de indivíduos, sobretudo aos fins-de-semana, tende a reduzir.

 

Para Tomás Vieira Mário, o Governo deve reforçar as medidas nestes últimos 15 dias, de modo a fazer vincar que “não estamos relaxados” porque “ou ganhamos estes 15 dias ou de um dia para o outro vamos ter pessoas, às centenas, a correr para os hospitais”. “Basta haver um, em cada família, acabou a paz”, afirmou.

 

Questionada, na última quinta-feira, pela nossa reportagem sobre a eficácia do Estado de Emergência para conter a propagação da Covid-19, passados 15 dias, a Directora Nacional de Saúde Pública, Rosa Marlene, respondeu: “avançamos. É sempre difícil, quando se trata de uma doença nova, com medidas restritivas um pouco usuais [o distanciamento social]. É difícil e nós fazemos uma mudança de atitude e comportamento, apesar de termos a informação que temos”.

 

“Então, significa que temos de andar mais, temos de trabalhar mais, temos de nos informar mais para que, de facto, nos próximos 15 dias, consigamos implementar efectivamente aquilo que está previsto no Decreto Presidencial. Quem tem de ficar em casa, que fique em casa”, afirmou, referindo que as autoridades têm notado a movimentação de pessoas para outros fins, durante o período de dispensa nos seus postos de trabalho.

 

“O que temos notado é que, para além de ficar em casa, as pessoas usam este momento para fazer outras coisas. Continuamos a ver muito tráfego na cidade. Continuamos a ver muitos aglomerados populacionais”, avançou, defendendo que o sucesso do Estado de Emergência depende de cada um de nós, pelo que, “só iremos dizer que a medida de Estado de Emergência resultou, quando sairmos à rua e vermos pessoas que só vão trabalhar”.

 

Sublinhar que, desde a decretação do Estado de Emergência, o número de casos passou de 9 para 39, sendo todos de transmissão local. Referir que, dos 39 casos já identificados no país, nenhum foi hospitalizado, em virtude de apresentar sintomas leves, de acordo com o Ministério da Saúde. Lembrar que, dos 39 infectados, oito já estão recuperados. (Abílio Maolela)

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