O governo do Malawi negou alegações de perseguição política movida pelo governo do presidente Lazarus Chakwera contra membros do antigo regime.
As alegações surgem na sequência de algumas detenções ocorridas nos últimos dias contra alguns funcionários estatais e membros seniores do antigo partido governamental acusados de corrupção e de pilhagem de fundos públicos.
Falando em entrevista telefónica à Times Rádio Malawi na noite desta segunda-feira, o ministro de Informação e porta-voz governamental Gospel Kazaku considerou as alegações infundadas, acrescentando que as autoridades estão a fazer o seu trabalho.
Refira-se que treze oficiais da polícia foram detidos, na sexta-feira última, acusados de assassinato de Buleya Lule, um suspeito que morreu sob custódia policial em Fevereiro do ano passado.
Lule foi encontrado morto numa cela da polícia em Lilongwe na manhã de 21 de Fevereiro de 2019 e um relatório de inquérito da Comissão de Direitos Humanos do Malawi implicou os 13 polícias no caso
A polícia prendeu também alguns funcionários e simpatizantes do Partido Progressista Democrático (DPP) por suspeita de terem cometido vários crimes.
O Serviço de Polícia do Malawi prendeu também a vice-comissária-geral da Autoridade Tributária do Malawi (MRA), Roza Mbilizi, por alegação de abuso de cargo.
Entre outras questões, Mbilizi está sendo investigada em conexão com a venda de casas da MRA e desalfandegamento de 400.000 sacos de cimento isentos de impostos no valor de 3,2 biliões de kwachas, a moeda malawiana, o correspondente a um pouco mais de 4 milhões de dólares que o ex-presidente Peter Mutharika importou da Zâmbia e Zimbabwe entre 2018 e 2019.
Especialistas jurídicos questionaram o volume envolvido na provisão de "uso pessoal" na Lei de Salários e Benefícios dos Presidentes e pediram uma investigação.
A Lei permite ao Presidente "importação isenta de impostos de itens para uso pessoal".
Muitos produtos foram declarados isentos de impostos em nome de Mutharika e envolvidos em acordos ilegais com empresários asiáticos, como Farook Gani do Victoria Hotel.
No entanto, Roza Mbilikizi foi liberta sob fiança na noite desta segunda-feira.
Ainda na mesma senda, a polícia também deteve o vice-presidente executivo da Agência Nacional de Reserva de Alimentos, Gerald Viola, por uso indevido de uma viatura do Estado e tentativa de regista-la em seu nome. O porta-voz do DPP, Nicholas Dausi, disse que as prisões foram feitas para quebrar o espírito do partido.
“Prender alguém na sexta-feira e mantê-lo numa cela todo o fim-de-semana, durante esse período da pandemia da Covid-19 é simplesmente uma sentença de morte. Não estamos a dizer que a Unidade Anti-corrupção não deve investigar quem cometeu crimes, mas é demais! Se eles acham que essas prisões vão quebrar nosso espírito, eles estão errados, na verdade estamos voltando ao terreno e voltaremos mais fortes.”
A Aliança Popular da Democracia (Pade) alertou o novo governo do presidente Lazarus Chakwera contra prisões arbitrárias e vitimização de inimigos políticos, afirmando que esse caminho afectaria os esforços do governo para curar uma nação quebrada.
Pade pede ainda ao presidente Chakwera que não retire os principais funcionários públicos sem seguir os procedimentos estabelecidos e, eventualmente, desperdiçar o dinheiro dos contribuintes no processo de indemnizações.
O grupo quer que Chakwera garanta que o Malawi seja governado de acordo com princípios democráticos; salvaguardando a dignidade do indivíduo de acordo com as disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos e garantir que o governo e todas as instituições públicas ofereçam oportunidades iguais a todos os cidadãos, independentemente da cor, tribo, sexo, religião ou status.
Entretanto, Matemba disse que a Unidade Anti-corrupção não vai esperar que o mandato daqueles que estão no governo termine para processar qualquer agente errado, argumentando que mesmo no regime do DPP algumas pessoas foram processadas antes da mudança de governo.
“Em muitos casos, quando os políticos infringem a lei e quando as autoridades querem fazer o seu trabalho, eles pensam que é perseguição política ou caça às bruxas, mas não é. Se você é político e infringe a lei, deve responder a acusações como qualquer outra pessoa. Deixe-me avisar os que governam o país agora que se eles violarem a lei, como alguns dos seus amigos no passado, chegará o dia em que eles vão responder por seus crimes", referiu.
Falando durante a tomada de posse no passado dia 6 de Julho, Chakwera disse que desde 1994 que os sucessivos governos prometeram boa governação e autonomia institucional, mas infelizmente entregaram-se à corrupção e captura do Estado. O recém-eleito presidente alertou ainda a todos os funcionários corruptos que iriam enfrentar a lei.
Num outro desenvolvimento, o especialista em leis anti-corrupção Wesley Mwafulirwa pediu reformas na lei de corrupção para garantir um ACB independente, tendo sugerido o que chama de 'Teoria da Democratização Profunda', na qual os cidadãos têm poderes para verificar como os que estão no poder estão acumulando sua riqueza, e que o governo não deve reprimir o trabalho da media e das Organizações da Sociedade Civil (OSC).
Mwafulirwa espera que o actual governo também invista na produção legislativa sobre a declaração de activos, pois, segundo defende, ACB precisa ter mais dentes para morder.
“Tem de ser independente como o Gabinete do Provedor de Justiça que é muito autónomo. Deixe o ACB ampliar seu escopo. O nepotismo e a fraude eleitoral, por exemplo, devem ser claramente definidos na lei”, disse.
Por fim, vincou também a necessidade de garantir a independência das OSC, dizendo: “Não precisamos de OSC governamentais. Vamos também fortalecer nossas leis para que sejam mais flexíveis, seria bom ter uma lei sobre litígios públicos que guiaria o locus standi para as OSC.”
Por seu turno, o cientista político Ernest Tindwa pediu ao actual governo para lidar com a corrupção, afirmando que qualquer negligência de sua parte vai desapontar o eleitorado que rejeitou o governo do Partido Progressista Democrático (DPP) com a percepção de que era muito corrupto.
“Para mim, falar é fácil. O que é necessário é remover a nomeação do director da Unidade Anti-corrupção das garras do Presidente. Na situação actual, tudo depende da vontade do Presidente de lidar com a corrupção. Vimos isso desde a época de Bakili Muluzi até hoje. Deixe o Parlamento cuidar da contratação e da demissão do chefe da ACB”, disse Thindwa.
Malawi é considerado um dos países mais corruptos do mundo
De acordo com as estatísticas do Fundo Monetário Internacional, Malawi também é um dos mais pobres países do mundo, sendo que mais de metade da sua população vive abaixo da linha da pobreza, situação que piorou com a Covid-19.
O país regista neste momento mais de 2400 casos do novo coronavírus e cerca de 40 mortos e está sem kits para testagem. Entretanto, mesmo com os desafios que o país enfrenta, Malawi está a surpreender a região e o continente.
A partir deste mês, Malawi passa a ter pela primeira vez, depois de 56 anos de independência, um governo de transição para tirar o país da ruína económica e da corrupção.
O governo de transição foi anunciado na última sexta-feira pelo Presidente Lazarus Chakwera em resposta à indignação pública sobre a composição do seu executivo.
A decisão de Chakwera conquistou o voto de confiança política dos malawianos que se mostravam cépticos em relação ao novo presidente, supostamente nomeado com base em laços familiares e de compadrio.
O Presidente do Malawi deu cinco meses aos ministros recém-nomeados para apresentar resultados sob o risco de serem substituídos.
Naquilo que designou de governo de transição, Chakwera disse que em cinco meses os ministros devem produzir resultados que darão aos malawianos a confiança de que a mudança ocorreu através do governo.
Acrescentou ainda que, no final de cinco meses, cada ministro devera apresentar um relatório público aos malawianos sobre os progressos alcançados em cada um dos principais indicadores de desempenho.
Sobre as alegadas relações familiares ou regionais dos membros do governo, Chakwera defendeu que o seu executivo foi formado com base no mérito.(FI)