Director: Marcelo Mosse

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Nando Menete

Nando Menete

Este texto é escrito a respeito da febre de enchimentos que grassa o país. Todo o mundo quer encher alguma coisa: os lábios, os glúteos, os seios, os bicípites e outros músculos, incluindo o músculo que está a pensar. Isto a nível do corpo humano. Por outras esferas: os bolsos, as estatísticas, as facturas, o “chapa”, as urnas de votação, a lista das “marandzas” e por ai em diante. Uma autêntica e veloz corrida aos enchimentos. Na senda, partilho abaixo um episódio interessante (acho) de um dos empolamentos mais procurados da florescente indústria de enchimentos em Moçambique. 

 

Há uns anos um grupo de quatro funcionários de uma instituição da capital do país esteve em Lichinga, província de Niassa, numa jornada laboral. Um bónus de um final de semana pelo meio - intencionalmente encaixado para uns dias extras de ajudas de custo e de lazer com as contas pagas – foi aproveitado pelos viajantes para uma merecida tarde de sossego no Lago Niassa. E já agora: encherem a lista de locais visitados e as redes sociais com as melhores imagens (fotos e vídeos). 

 

Chegados ao Lago e devidamente instalados numa sombra de pau-a-pique os colegas foram passando a tarde na companhia de líquidos nacionais e do delicioso peixe local que é uma das atracções da bela praia do Lago. O ambiente estava agradável e o papo seguia a mesma onda. Cada um foi descrevendo peripécias de viagens anteriores em trabalho e o devido aproveitamento para uns dias de turismo. Um deles contou que certa vez conseguiu enquadrar a família numa dessas viagens de trabalho. Um outro colega disse que fez o mesmo com a diferença de ter enquadrado uma “Emília” e não a família. Em fim, outros enchimentos e com as contas pagas.  

 

A dada altura, um senhor de idade - que por ali zanzava com um saco e ares de quem estivesse em actividades de pesquisa - tomou a direcção dos “vientes” (não da terra/província). Depois de anunciar a entrada, pousou o saco e cumprimentou o grupo com honras militares. Uns minutos depois já estava palavreando sobre a sua vida, ressaltando na fala a troca do “r” pelo “l”. Na sua trajectória sobressai o facto de ter sido, no tempo do governo de Salazar, um marinheiro da armada naval portuguesa. E para quem quisesse tirar a prova dos nove o velho prometeu mostrar a farda e o álbum de fotografias. 

 

Depois de algum tempo a entreter o grupo com a sua história – uma estratégia de “marketing” – o velho exibiu o conteúdo do saco: um suposto produto que tornava resiliente o membro masculino. Segundo as palavras do velho “o membro enchia e não caia” (pressupondo a queda em combate), ditas enquanto mostrava e descrevia outras maravilhas do mágico produto. E para dar mais crédito recorreu da própria experiência, anotando que mantinha a sua mulher – bonita e muito jovem - graças ao produto e por nenhum outro motivo. A-propósito: o nome do tal produto foi ocultado para não influenciar as vendas e o potencial risco de alguns indicadores do sector da saúde sofreram uma subida negativa e considerável. 

 

Encerrada a sessão de “marketing” passou a de certificação do produto. Para tal cada um ligou para familiares e amigos a nível nacional. Muitas chamadas foram para Tete e Sofala, províncias com fama no tipo de produto em causa. Aliás e para recordar, numa das recentes edições da Facim, a principal feira de negócios de Moçambique, foi um produto semelhante – e de uma das duas províncias – que foi o mais procurado, tendo esgotado nos primeiros dias quando não nas primeiras horas. 

 

Concluído o “due diligence” o resultado favoreceu as finanças do velho. Com a aquisição os quatro colegas - animados com o produto e encorajados com o respectivo “no objection” popular - delineiam os respectivos planos e o “casting” para a necessária estreia. Pelo desfecho do “casting” o produto não se destinaria ao consumo caseiro, contrariando a experiência do velho quanto as vantagens do seu uso doméstico. Contudo, as duas abordagens concorriam para o mesmo objectivo: a manutenção.   

 

Cumprido o objectivo da ida ao Lago Niassa e na efusiva solenidade de despedida do velho marinheiro – pela companhia e pelo mágico produto - este fez questão de fazer um aviso à navegação quanto ao uso do produto adquirido. A advertência foi clara e sombria: o produto apenas funciona para situações de complemento (reanimação) e não de falecimento (ressuscitação) do ente querido. (Se) “Molleu, Molleu!”: foram as fulminantes palavras do velho marinheiro enquanto batia em retirada. Uns passos depois, notando que o grupo estava com sérias dificuldades de digestão e para que não ficasse nenhuma réstia de dúvidas, o velho - em tom jocoso e bem audível - enfatizou: Molleu, Molleu!  

 

PS (i): o recurso a certos sectores da florescente indústria de enchimentos pode ser satisfatório em curto prazo e estar a ocultar situações que possivelmente careçam de outro tipo de intervenção e para outro tipo de resultados em médio e longo prazo. Apostar em soluções de ressuscitação talvez fosse melhor e sustentável do que as de reanimação. E pelos vistos ninguém/o país não se dá ao trabalho de investir (não se enche de ideias) para criar as condições necessárias nesse sentido, incluindo o velho marinheiro do Lago Niassa. 

 

PS (ii): num texto anterior e a reboque de eleições que se avizinham, mormente quanto aos polémicos dados e ditos empolados da província de Gaza sugeri, a título de ajuda, aos gestores das eleições (CNE/STAE) que declarassem a inclusão, no recenseamento eleitoral, de dados da Faixa de Gaza (médio-oriente),quiçá, uma extensão ultramarina – e por reivindicar - do antigo Império Nguni (de Gaza). Na sexta-feira passada, a CNE veio a terreiro confirmar os dados de Gaza. Na prática a CNE reiterou a posição inicial que entra (pelo que se consta) em colisão com os dados/previsões do INE, Instituto Nacional de Estatísticas. Resumindo: Tudo na mesma. E na mesma continua também a minha sugestão.

 

sexta-feira, 19 julho 2019 07:03

O misterioso “bigodinho”

No fim-de-semana passado voltei a equacionar uma ida ao Major: Major Araújo. O nome antigo de uma rua boémia da baixa da Cidade de Maputo, outrora Lourenço Marques. Enquanto a decisão tardava aproveitei e recuei no tempo da última aparição. Na altura, fui ao local com a viva lembrança de uma afamada sedutora e esbelta trigueira que depenara – o bolso e o físico - de um amigo em troca de um misterioso “bigodinho”. E também influenciado pelo sugestivo cartaz da noite. Na realidade fui com uma dupla missão: O “bigodinho” (a principal) e o cartaz (a tempestiva). Já conto. 

 

No local, cumprida a formalidade de segurança, entrei e a esbelta trigueira – que não passava despercebida - estava cintilante num canto. Fingi que não a vi. Durante a noite – estrategicamente - optei pela missão do cartaz. Uma prioridade - com justeza - a de muitos. A sala estava abarrotadíssima e oscilou, tal abalo sísmico, no momento do anúncio do último “show” de “striptease”. Era o cartaz da noite: uma dominicana e das mais cotadas “stripper”. A primeira vez em África. Na prática um regresso. O tom dos relevos que lhe esboçavam o corpo sinalizava as suas origens. Eram 3h23 da manhã de um domingo. Não me esqueço da hora porque guardo o “print” da conta que paguei pouco antes da entrada da dominicana. 

 

Nesse dia estava confiante. Chegar, ver e vencer. Para tal estava em boa companhia norte-americana: Benjamin Franklin, Ulysses Grant e Abraham Lincoln. Amigos que não me embaraçariam na hora dos custos do “bigodinho” ou de um bom domingo dominicano que seria uma ímpar e boa oportunidade para passar à limpo uma velha curiosidade suscitada por um amigo – o Gabarolas, Gabo para os próximos – a propósito de umas férias passadas na República Dominicana.  

 

Das férias do Gabo e do contado por ele – ao grupo confidente de amigos – retenho a descrição forense do que ele apelidou de “atracção turística”. Adianto já que o cartaz da ““stripper” - hoje a capa do meu álbum-baú de posters - até que podia servir de elemento de prova. Uma outra atracção, desta vez artística, foi o semblante do Gabo, carregado de uma “maldade” sem precedentes, enquanto e apoiado com gestos, narrava - com detalhe cirúrgico – toda a anatomia do complexo turístico das dominicanas. 

 

Solicitado que contasse se tinha apenas visto ou visitado alguma unidade hoteleira - que correspondesse ao descrito – Gabo respondeu que reconhecia a pertinência da questão, incluindo o gozo da partilha, mas que preferia o silêncio em assuntos de intimidades. A atitude gerou um burburinho no grupo. Foi considerada uma tamanha falta de respeito e o cúmulo da insensatez e do egoísmo. O mesmo que ficar num monólogo interminável e até ao túmulo depois de passar uma noite com a monumental Beyoncé, cantora e actriz norte-americana. 

 

Voltando ao quartel do Major. A esbelta trigueira – que nunca disse o nome – diante da minha aposta num projecto internacional partiu para um compulsivo nacionalismo-consumista. Do tipo: primeiro o produto doméstico e o excedente - havendo – podia ser exportado. De repente e do nada, enquanto ela untava o meu corpo de fumo de cigarro que lhe saia pelos orifícios do vício, senti um apertão na baixa do regadio do Chókwè (conhecido pela produção de tomate). Em seguida um outro apertão. Preferi não denunciar a dor que se foi suavizando à medida que a sua voz, no meu ouvido, sussurrava: solte a ATM que te faço um “bigodinho” histórico. Foram as últimas palavras que me recordo desse dia. 

 

No passado sábado, transcorrido o tempo de um mandato quinquenal, depois de hesitar face ao mau tempo que se avizinhava, decidi voltar ao quartel do Major. Chamei o táxi e o típico “estou a chegar” foi a resposta. Enquanto esperava senti uma fumada do néctar de palmeira do índico. Era do casaco (de tom militar) que só voltei a usar este sábado. Depois da última ida ao Major guardei-o com medo de que o aroma desvanecesse e eu ficasse sem referências físicas dela. Tinha a vaga esperança de um dia encontrá-la (a esbelta trigueira) e o casaco seria uma espécie de prova do crime. 

 

Na quinta-feira anterior tinha recebido um suspeito correio electrónico que me levava a ela. Não me lembrava que a tivesse passado os meus contactos. Combinamos que passaríamos o sábado no mítico local e que a surpresa eu já sabia. No fim da mensagem ela assinou “b” que me remeteu ao “bigodinho”. Não me exaltei em nome do foco da nova missão: desvendar o célebre e misterioso “bigodinho”. Tinha prometido e que contaria aos meus amigos. 

 

Voltei a ligar e o taxista não atendeu. Por sinal o mesmo da última ida ao Major. Não podia fazer nada. Tinha que esperar. É o meu “taxista da sacanagem”. Cada um tem o seu. Imaginem o estrago social de um megafone nas mãos dele. Oxalá – e cá eu não esteja – quando os taxistas descobrirem que podem fazer um extra com as editoras. 

 

A madrugada já se fazia sentir. Fiz mais uma chamada de insistência. Desta vez nenhum sinal. Suspeitei que o taxista tenha feito um desvio de aplicação de uma entrega. Os taxistas também são de carne e osso. Para estragar o dia: uma chuva torrencial, um corte de energia e o telemóvel sem carga. Acabei dormindo, enquanto esperava que o taxista viesse conforme o código que tínhamos em caso das linhas estarem “off-line”. Despertei por volta das 6h30 e deitado, durante uma hora, passei o tempo a pensar no que diria aos meus amigos, ansiosos por novidades, sobre o mítico “bigodinho”. 

 

O mau tempo passou e desabrochou uma manhã de um domingo solarengo. Uma solitária caminhada matinal e de seguida uma pausa no café de sempre. Pouco depois a esplanada estava entupida de amigos do costume e de outros, homens e mulheres - alertados pelos primeiros e assim sucessivamente - que se apressaram ao local. Em princípio nenhum – dos do costume - viria por conta de compromissos familiares. O repentino movimento migratório foi depois da promessa (um “fake news”) que fiz, via “whatssap”. A mensagem dizia: Esta madrugada estive com a esbelta trigueira. Aguardo a vossa chegada em 15 minutos para revelar os contornos do misterioso “bigodinho”. Estou no local habitual. Saravá! 

 

PS (i): As televisões abriram os respectivos telejornais com a notícia de um engarrafamento nunca visto ao domingo e de manhã. Não foi pior porque os automobilistas foram notáveis e exemplares na organização da gestão do trânsito em direcção ao café. Foi ainda destacado, na notícia, a prontidão, a pontualidade e organização dos moçambicanos, qualidades que escasseiam quando se trate de outras matérias e vitais para o desenvolvimento do país. 

 

PS (ii): As eleições estão à porta. É expectável que fossem aplicados – o tempo, a concentração e a curiosidade investidos na leitura do presente texto - nos manifestos dos partidos e grupos cívicos que tomarão parte nas eleições do próximo dia 15 de Outubro. A propósito de eleições – e quanto aos polémicos e empolados dados da província de Gaza – vai uma ajudinha aos gestores das eleições (CNE/STAE): declarem que incluíram, no recenseamento eleitoral, os dados da Faixa de Gaza (médio-oriente),quiçá, uma extensão ultramarina – e por reivindicar - do antigo Império Nguni (de Gaza).

segunda-feira, 15 julho 2019 06:26

Um possível legado de um mandato atípico

É sabido que Samora Machel trouxe a independência. Joaquim Chissano a paz. Armando Guebuza o caminho para a conquista da riqueza. Infelizmente, o que os três antigos presidentes trouxeram, não deixaram “tal&qual” para o actual inquilino da Ponta Vermelha, a residência oficial do Presidente da República (PR), Filipe Nyusi. Às costas – do mandato (2015-2019) – de Nyusi o peso dos quarenta e poucos anos de Moçambique e de contas por saldar: restabelecer a dignidade de um país independente; materializar uma paz permanente; e concretizar as condições para um país rico/desenvolvido.  

 

Suponho que o PR – no seu primeiro dia de governação – tenha perguntado: por onde começar? Do que se viu e pelos primeiros actos – dois encontros com Afonso Dhlakama, líder da Renamo, o partido-armado da oposição e arqui-rival da Frelimo, o partido-governo – a sinalização de que a paz seria o ponto de partida. E, no momento em que o PR se posicionava para definir o passo seguinte, cai o assunto das “dívidas ocultas”. No pacote, seguia um bónus de outras dívidas e por saldar: a transparência, a integridade e a prestação de contas. 

 

Num contexto atípico, um início e decurso de um mandato também atípico e de difícil gestão. Acredito que não tenha sido fácil ao PR deixar – ou tomar – decisões sobre assuntos transitados de outros governos ou sobre os quais os mais entendidos e tarimbados colegas do seu governo e cercanias (partido, assessores, entre outros) tivessem outro entendimento. Mário Soares, falecido estadista português, contava – a propósito de discussões nas sessões do governo a que presidia (e em tempos de grandes dificuldades) – que tinha perdido a conta de noites de insónias cada vez que os ministros, alguns deles, segundo Soares, muito mais inteligentes e experientes, esperassem que ele tomasse a decisão. 

 

O mandato de Nyusi – prestes a findar – herdou problemas (e outros nasceram) cujas soluções – havendo-as – ainda não geraram efeitos positivos no dia-a-dia do grosso dos cidadãos. E mesmo assim – para o espanto de alguns – o país não despencou. E abono que tenha o valioso contributo do PR para que o país não despencasse. Porventura, o melhor – que ele esperava – carecesse de outras condições que os seus antecessores não providenciaram, tanto é que o quarto andar do edifício que lhe competia dar continuidade não se encontrava à superfície: era o quarto piso dos andares do estacionamento ainda no subsolo. Outra provável razão do país não ter despencado. 

 

E por horas de fecho do mandato antevejo que o PR, no seu último dia de governação, pergunte: por onde sair? Espero que uma voz por perto diga: por onde entrou, Senhor Presidente! Neste caso pelo discurso da cerimónia de tomada de posse proferido no dia 15 de Janeiro de 2015. Uma nova leitura em jeito de balanço - à NAÇÃO - é recomendável. Vamos recordar alguns trechos: 

 

“Iniciamos hoje uma importante etapa do nosso percurso histórico como Povo e como Nação que levará Moçambique a um novo patamar de Harmonia e Desenvolvimento.”

 

“Como disse na minha campanha: o povo é o meu patrão. O meu compromisso é de servir o povo moçambicano como meu único e exclusivo patrão. O meu compromisso é o de respeitar e fazer respeitar a Constituição e as Leis de Moçambique. E eu estou pronto!”

 

“Lutarei para que os moçambicanos sejam os donos e a razão de ser da economia, assegurando uma crescente integração do conteúdo local e a participação efectiva dos moçambicanos nos projectos de Investimento, em especial na exploração de recursos naturais…” 

 

“Promoverei uma governação participativa fundada numa cada vez maior confiança e num efectivo espírito de inclusão. Este espírito de inclusão só se conquista por via de um permanente e verdadeiro diálogo. Necessitamos de construir consensos, necessitamos de partilhar, sem receio, informação sobre as grandes decisões a serem tomadas pelo meu Governo.” 

 

“Dentro de dias anunciarei a equipe governamental que a mim se irá juntar (…). Dois critérios básicos nortearão os órgãos da administração pública e da justiça: o mérito e o profissionalismo.” 

 

“Asseguraremos que as instituições estatais e públicas sejam o espelho da integridade e transparência na gestão da coisa pública, de modo a inspirar maior confiança no cidadão. Queremos uma cultura de responsabilização e prestação de contas dos dirigentes para que a que conquistem o respeito profundo do seu povo…”

 

“Eu, cidadão Filipe Jacinto Nyusi, sou o Presidente de todos vós! Tudo o que fizer e tudo o que farei será para que cada moçambicano se sinta parte do processo de desenvolvimento nacional. Mais unidos, mais fortes e mais determinados construiremos uma nação que todos celebramos como uma pertença comum. Neste acto solene, reitero a todos vós, moçambicanas e moçambicanos, no país e na diáspora, que dentro do meu coração cabem todos os moçambicanos. Vamos, todos juntos, construir um país à medida dos nossos sonhos.”

 

Um dos sonhos – e bem à medida – é a transformação do discurso oficial de tomada de posse, acrescido do respectivo balanço das promessas feitas, em discurso de despedida do mandato. Deste e de outros mandatos. Tenho a convicção que o PR, na esteira do seu inquestionável compromisso com o povo moçambicano, realizará este sonho, inaugurando um precedente histórico. 

 

Assim, no final do mandato, o PR deixaria o país à entrada do túnel (da transparência, da integridade e da prestação de contas) e com a viva e renovada esperança para uma caminhada conjunta em direcção à luz (independência, paz e riqueza) que se vê, piscando colorido, ao fundo. Em caso de concordância e assim proceder: estaremos no bom caminho, Senhor Presidente!

 

Para a História: um legado excepcional de um mandato atípico. Saravá!

quinta-feira, 11 julho 2019 06:34

O perfil para o cargo de Presidente da República

A propósito do debate despoletado por conta do desempenho do Presidente da República (PR) de Moçambique, Filipe Nyusi, numa entrevista a canais portugueses de comunicação social (RTP-África e RDP-África) - na sua recente visita a Portugal - no fundo não se estava a avaliar o seu desempenho, na aludida entrevista, mas o que cada um pensa sobre o que devia ser o perfil adequado para o cargo de PR, para o caso, em Moçambique. Na verdade, um debate adiado e que urge, tomando o interesse público sobre o assunto. 

 

Em função do perfil (barómetro para avaliação) que se pretende para um PR – e decisivo para a escolha do candidato a nível partidário – o interessado (e não necessariamente o interesse dos outros por ele) faria a sua auto-avaliação e daí - em caso de conclusão positiva – o início das devidas articulações para se apresentar como candidato. Nestas circunstâncias, em princípio, este candidato apresenta garantias e mais comprometimento na defesa e promoção do seu projecto político quer na mobilização para a sua eleição quer na respectiva implementação, em caso de vitória e até como oposição. Algo que se enquadra em parte nesta visão foi, entre nós, o exemplo de Carlos Tembe, o falecido edil da Matola. Ele partiu de um projecto pessoal (Matola no Coração) e conquistou o Partido e a Matola.   

 

Voltando a entrevista. Não tomei nenhuma posição (favorável e nem contra). Considerando que o faça, acredito que partiria de uma abordagem comparativa com outros líderes mundiais, passados e actuais. Sobre isto, tenho em memória uma intervenção, em Maputo, numa Cimeira da CPLP - e de estreia internacional – de Kumba Yala (falecido), antigo PR da Guiné Bissau. Ele fez questão de anunciar que gostaria de ser como o então Primeiro-ministro português, Engº António Guterres, actual Secretário-geral das Nações Unidas: Um orador nato e com discurso (de improviso) coerente e eloquente. Para Kumba Yala, suponho, este seria um requisito fundamental para um chefe de Governo/Estado. 

 

E para o caso interno e tendo a Frelimo como referência. Certa vez, e numa entrevista a uma televisão local, Marcelino dos Santos, membro sénior e histórico da Frelimo, referiu que a capacidade do Presidente Chissano “engolir sapos” - uma característica ímpar no seio dos presidenciáveis na altura - foi determinante para o contexto em que Joaquim Chissano foi Presidente, sobretudo na gestão dos processos de paz e de transição económica (aposta numa economia de mercado) e política (passagem para o multipartidarismo) do país. Depreende-se que para Marcelino dos Santos, a escolha de um PR depende do contexto e desafios em que esse Presidente exercerá as suas funções. 

 

Por tabela, a escolha de Samora Machel para substituir Eduardo Mondlane, depois da morte deste em 1969, foi determinante a sua qualidade de liderança e comandante da força militar, combinando com os objectivos de intensificação da luta armada rumo a independência. Ademais um sinal de demonstração de força e vitalidade ao regime português sobre a clareza do que se pretendia com a escolha de Samora Machel. Em relação ao Presidente Armando Guebuza? Pelo acompanhado a sua visão económica, entre outras características e ideias própria sobre o que o país deveria fazer - depois da chamada transição - jogou a seu favor na mobilização da Frelimo e de outras franjas da sociedade. 

 

E para a escolha do candidato para os mandatos 2015-2019/2020-2024? O que determinou? Da leitura pesam mais razões de deslocação geográfica do poder, simbolizado no cargo de Presidente. Dos candidatos do partido Frelimo que se apresentaram nas eleições internas, em 2014 (todos provenientes acima do rio Save), o voto maioritário foi para o candidato Nyusi, embora os outros candidatos tivessem mais anos de experiência e credenciais no exercício de cargos governamentais.

 

Em parte, o facto de Nyusi ser oriundo da província do oil&gas (Cabo Delgado) - o berço da libertação política do país e pelo que se consta, o da futura libertação económica - foi determinante na sua escolha. Nessa condição, entre outros, em melhor patamar para gerir politicamente o dossier – extractivo, em particular as expectativas locais (Cabo Delgado) e até regionais (outras províncias limítrofes). A ideia de que o Sul tomará de assalto os “Biliões de USD” provenientes do gás, não está em pauta por conta deste factor. Além disso, reforçado com um outro factor: O gestor- mor da “petrolífera moçambicana” é procedente das mesmas paragens.

 

Dentro da mesma lógica: as razões que ditaram a escolha de Filipe Nyusi para candidato da Frelimo - deslocação geográfica do centro de poder - será o mesmo critério para a escolha do candidato da Frelimo para as eleições dos mandatos 2025-2029 e 2030-2034 – deslocando o centro do poder do norte para o centro do país. Suponho que o candidato será da província que nesse tempo tiver maior ou expectante papel económico. Tenho a nítida impressão que assim será e que o assunto esta devidamente acomodado e fora da agenda como substância de debate partidário.  

 

Nesta matéria - escolha do timoneiro para candidato a direcção da Nação - a realidade do que acontece na Frelimo não difere tanto a dos outros partidos, observando as respectivas especificidades. Deste modo, a discussão do Perfil do Presidente da República no quadro do que se avaliou em relação ao desempenho do actual PR, na entrevista referida, continuará adiada por mais quinze anos - a menos que fenómenos contrários ao curso normal da História façam a diferença.   

 

PS (i): Uma vez que as próximas eleições estão à porta e como diz um amigo: Podemos começar a discutir a proposta dos Termos de Referência para a definição do Perfil-base do Presidente e com cenários de características específicas em função dos contextos em que a governação será exercida. Durante o próximo mandato (2020-2024) - continua o amigo - um debate nacional e o consentimento das forças partidárias e cívicas - e com ampla base de apoio e legitimidade popular - sobre o perfil acordado para um PR em Moçambique poderá ser um bom ponto de partida para influência legislativa e dos candidatos dos próximos mandatos, pós 2020-2024, sobretudo a nível das escolhas internas dos que submetem as candidaturas.  

segunda-feira, 08 julho 2019 07:05

Ecos de uma Viagem Antecipada ao Séc. XXI

Corria um dos anos da segunda metade da década noventa do séc. XX. O Professor Severino Ngoenha - com ar de um futuro preocupante - irrompe o anfiteatro com um jornal na mão. Era um dos semanários da praça. Ele vinha da UEM pela Julius Nyerere. No trajecto passou pela embaixada da China (em construção) e pela então agência do Banco Fomento, actual BCI (em remodelação). No caminho ainda cruzou com as sonoras sirenes de comitivas dos órgãos de soberania.

 

O jornal, a imponente embaixada da China (em construção), a agência do banco português (em remodelação) e as barulhentas sirenes dos órgãos de soberania foram motivos para o início de mais uma palestra. Na verdade uma viagem ao temp(l)o do conhecimento. 

 

Depois de certificar a presença de todos os passageiros o Professor, na verdade o Piloto, projecta o jornal para a secretária de forma a deixar o título visível aos olhos de todos. Em seguida pergunta aos passageiros - ávidos de conhecimentos – se tinham lido. A resposta foi um harmónico Não! Depois pergunta - e para reflexão - se os passageiros notaram algo de interesse nas construções da embaixada chinesa e do banco português. Idem: Não! E por fim, pergunta se tinham ouvido as sirenes do poder. Ibidem: Não! 

 

Óptimo. Nada melhor que decolar ciente que todos estão na mesma classe (económica) da aeronave. Penso que assim cogitou o Professor-piloto. Em diante a turma embarcou para séculos anteriores - com escalas técnicas no séc. XV, XVIII e XIX - e, na volta, uma passagem - em voo rasante - pelo século XX, na altura, aterrando tempos depois no séc. XXI. Foram quase duas horas de uma alucinante viagem ao passado, presente e futuro. Depois da praxe habitual de despedida, o piloto deixa a sala de desembarque sob o olhar vertiginoso dos seus passageiros. Estes, depois de recuperados, tentam juntar as pontas que cada um foi segurando ao longo da viajem antecipada ao séc. XXI. 

 

Para começar, as pontas sobre os motivos da viagem: um título do Jornal (arrisco o “Demos”) que dizia: “Parece Sina: Os portugueses de 500 em 500 anos descobrem Moçambique”. Isto porque na altura começava a registar a entrada massiva de portugueses (e para alguns o regresso). E, historicamente, onde chegam portugueses, outras nacionalidades - tal hienas - se abeiram para colmatarem as fragilidades caninas dos lusos. 

 

O segundo motivo foi a observação feita pelo Professor-piloto sobre as duas obras. Na primeira obra (chinesa) anotou que viu chineses no chão a ordenarem aos moçambicanos que estavam nos andaimes. O mesmo na segunda obra (portuguesa). O terceiro motivo – sobre as sonoras sirenes do poder – a sinalização das benesses do poder. Os passageiros complementaram com outros exemplos de outros sectores, em particular estratégicos, e de outras situações, que não diferenciava ou assim tendia. 

 

E para reflectir, as pontas sobre o destino da viagem: A necessidade do país definir e operacionalizar o que pretende ser nos próximos tempos dentro do quadro e desafios da globalização, onde, por um lado, estão os globalizadores, e por outro, os globalizados. E, para concluir, as pontas sobre as lições e aprendizagem da viagem: Na verdade - entendo agora - quando o Professor-piloto largou os seus passageiros no séc. XXI queria que eles soubessem, se nada fosse feito, a realidade do país duas décadas depois, partindo da data da palestra/viagem. 

 

Hoje, duas décadas depois, quem passe pelas obras que pululam em Maputo e pelo país fora - e pegando como referencial a China e Portugal - vê chineses e portugueses no chão (base) a direccionarem o que deve ser feito e, nos andaimes (topo), outros chineses e portugueses a executarem as orientações. Os demais – com responsabilidades na edificação do país – estavam distraídos – a todos os níveis - na discussão sobre os direitos da poluição sonora. 

 

Foi esta uma parte da realidade encontrada pelos passageiros da viagem antecipada ao séc. XXI: A economia e as finanças tomadas por alienígenas e os indígenas aos empurrões à caça do que ainda sobrava (e também dependente) - o controle do barulhento “tacho político”. 

 

E sempre que o espaço do “tacho político” escasseia – porque, entre outros, a fila é cada vez enorme - alargam-no, ampliando a e(x)terna dependência de alienígenas. 

 

PS (i): Quando a China decidiu construir no país a sua imponente embaixada foi um sinal claro que no séc. XXI Moçambique seria uma infinita prioridade. Quem passe pela Av. Marginal não lhe passa despercebido a imponente embaixada dos gingos (americanos) em construção. A História ensina – e exemplo local não falta - que quem constrói uma embaixada daquela dimensão é um sinal que por estes lados tão já não removerá o pé. 

 

PS (ii): Perante estes e outros factos tão evidentes o país não se movimenta para arredar o pé do pedal de travão. Não se explica que se continue a desperdiçar o tempo a discutir a terminologia da paz que se segue e as condições para a ocupação de cargos. Desde os cargos do topo à base – dos mais sonoros e com carga apetitosa aos de menor sonoridade e apetência – e todos vitais na distribuição de benesses. E, infelizmente – para agravar – tais benesses são provenientes e no limite dos que fazem o business (e estes de certeza que não são os lobistas /prostitutos de negócio referidos pelo Presidente da República na recente visita à Portugal).  

quarta-feira, 03 julho 2019 13:47

*Não Adie, Ligue Agora!*

Em tempos li num texto - sobre a amizade – que um certo amigo disse ao outro que sempre que puder: abrace, telefone e convide. Abrace porque o abraço é a democracia do afecto. Telefone porque telefonar – nem que seja para dizer que está vivo – demonstra quanto a sua existência pode ser importante para os outros. Convide, porque convidar é o exercício da partilha. E partilhar não é o mesmo que dividir. É fazer dono de uma coisa vários. 

 

Ainda o texto e citando um trecho: “Se eu tivesse ouvido esse amigo, talvez hoje pudéssemos sair, tomar uns copos, falar sobre coisas e a vida. Mas a verdade é que nesse momento ele deve estar em algum lugar do planeta a dizer o que pensa a alguém que mereça a sua companhia muito mais do que eu. Não sei se o perdi: Mas será que um dia voltarei a encontrá-lo?” 

 

E se eu tivesse seguido à risca estes ensinamentos talvez não tivesse necessidade de contar o que abaixo e em breves linhas partilho. E faça-o na esperança de que cada um assuma a sua quota-parte de responsabilidades no que lhe disser respeito.  

 

“Em África cada velho que morre, é uma biblioteca que arde!”. Este é um ditado notável e célebre do historiador africano, Hampâté Bâ, que ficou historicamente lavrado e lacrado de forma indelével. Imagine um dia amanhecer com o Arquivo Histórico de Moçambique em cinzas. Ou suponha que furtem o seu laptop que até então guardava todo o seu arquivo audiovisual entre outra e diversa informação relevante, incluindo a sua tese de doutoramento por submeter na noite do dia em que o larápio achou por bem e dolo que o laptop – por arrasto o conteúdo - não lhe pertencia. 

 

O que lhe veio a cabeça é mais ou menos o meu caso por estes dias depois que o ditado de Hampâté Bâ bateu - no último sábado - uma porta muito próxima que é também minha. E numa semana bati mais vezes a porta da “Biblioteca” ardida - do que em décadas. No quintal, à sombra do limoeiro, logo à entrada, tenho tido dias - na mente - de intensas saudades do acervo oral – que sempre esteve disponível – e de que não me dei tempo para a devida consulta. Infelizmente, não estou sozinho. 

 

Hoje reconheço que se eu tivesse escutado Hampâté Bâ teria visitado mais vezes a “Biblioteca” que se foi e com papel e caneta. E teria muito mais para partilhar, tornado as vastas prateleiras do seu acervo em património democrático de todos. 

 

Infelizmente, por mais que cada um tenha ou compre mais tempo, não existirá tempo nenhum para a partilha do que ficou por absorver das “bibliotecas” africanas por conta de afazeres que se revestem - a partida - de importantíssimos e inadiáveis, deixando – a posterior - que a despedida seja de lamentação e não de celebração. 

 

Contudo, acredito que reste uma réstia de consciência suficiente e perturbante e que a partir deste momento cada um - observando as devidas as excepções - possa iniciar e manter, a prazo infinito, um roteiro de visitas às respectivas “Bibliotecas”. A fórmula é simples: Abrace, telefone e convide sempre!

 

Não adie, ligue agora! Evite que o seu telefone toque primeiro e de outro lado da linha, uma voz trémula, fale que a “Biblioteca” – que teimas em visitar - ardeu. E no final da chamada, a voz tremente e já aos prantos, ainda revele: Na noite passada (a “Biblioteca”) perguntou por ti várias vezes. 

 

Saravá “Bibliotecas” Africanas! 

 

PS (i): Na passada segunda-feira, disse a adeus a uma “Biblioteca” da família e de amigos, em particular os do Bairro 25 de Junho (Chopal). Na despedia do Tio Dias (a biblioteca que partiu) – um homem de elevada cultura de cidadania - lembrei-me de um dia, em 2013/14, ele ter questionado a prioridade governamental em instalar uma linha o Metro de superfície como uma das soluções na ligação entre os municípios de Maputo e Matola. Com certa perplexidade perguntou a quem lhe ouvia – um deles era eu - se no Metro i) as Mamanas entrariam com a trouxa dos seus negócios, ii) se o Jovem entraria com o saco de cimento e a chapa de zinco, e iii) se os sacos das compras do mercado teriam espaço. Estes são apenas alguns dos exemplos. E como prioridade, no lugar do Metro, ele recomendou que se investisse num transporte misto de passageiros e carga. E pelo que me consta, cinco/seis anos depois, este tipo de transporte foi equacionado como prioridade pela recente criada Agência Metropolitana de Transportes de Maputo e já existem passos concretos dados. Para mim, concretizado o projecto do transporte misto, este será o “Tio Dias”, seja qual for o nome oficial ou informal. Saravá, Tio Dias! 

A actual tensão no médio-oriente é ruim para o mundo mesmo que não resvale em guerra aberta. As consequências das tensões e guerras nesta região do globo são familiares. Algumas das consequências têm sido a reconfiguração territorial, as mudanças de correlação de forças e os realinhamentos de alianças estratégicas. Existe uma outra consequência não tão importante mas interessante: a reconfiguração do vocabulário. 

 

Quando foi da segunda guerra do Iraque (2003) despoletou um debate ou a curiosidade em se saber se os americanos entrariam por ar ou terra em Bagdade, capital Iraquiana. Creio que um General americano - e a propósito da preocupação - tratou de esclarecer, referindo que “O Objectivo é Bagdade” e que não interessava se era por terra ou via aérea. E assim encerrou o assunto. Uma vez tomada a Cidade de Bagdade e o resto do Iraque, num (Tikrit)  e outro local (Faluja) aconteciam alguns ataques dos iraquianos que os americanos apelidaram  de “Bolsas de Resistência”.  

 

A “Tribo Lazer” (grupo de confraternização)  a que pertencia tratou na altura de acomodar os novos  termos no vocabulário corrente, aliás no vocabulário líquido. Certo dia - desenrolava a preparação de um evento de pretexto para uns “Copos & Papo” – e um assunto aflige o “Grupo de Contacto (GC)”, equipe responsável pela organização da festa. Existia  a dúvida se o GC compraria um barril de cerveja 2M ou de Laurentina Clara. Não havia dinheiro para  dois barris. O impasse foi sanado quando um dos membros  do GC disse “não interessa, seja Laurentina Clara ou 2M, o objectivo é Bagdade”. 

 

No dia da festa, chovia na Matola (o local do evento). O mais próximo do GC da casa anfitriã - preocupado com a chuva, pois a estrutura e toda logística estava montada - ligou para um dos membros do GC, a manifestar alguma apreensão se a tribo iria comparecer. O anfitrião ficou descansado quando do outro lado da linha ouviu que ficasse relaxado que a chuva era apenas uma “Bolsa de Resistência” e que não atrapalharia  o objectivo traçado  e  lacrado  com a  chancela de urgente e inadiável.   

 

Vêem-me lágrimas de saudades só de lembrar as  grandes batalhas cognominadas de “O Objectivo é Bagdade” ou “O Assalto à Bagdade”.  Nesses tempos eu era polígamo - assim como tantos outros – e talvez a razão das saudades. Eu participava nas batalhas se as minhas três namoradas lá estivessem ou se permitissem que eu as levasse. Era inegociável: Os quatro ou ninguém. 

 

Actualmente e por razões alheias a minha vontade não tenho marcado presença. Uma ou duas vezes ao ano  participo em algumas cerimónias de exaltação de heróis anónimos de antigas  batalhas (um dia conto algumas das batalhas mais emblemáticas). São cerimónias comparadas ou ao nível das realizadas por ocasião da  celebração de mais um aniversário do “Desembarque da  Normandia”, o famoso dia “D”, que determinou o final da 2ª Guerra Mundial.

 

A razão da ausência é uma e única: As minhas três namoradas ( e sem  exclusividade) já não fazem parte deste mundo. Foram sumariamente executadas. Corre um inquérito para averiguar o “Modus Operandi” da execução e apurar responsabilidades. E também, em paralelo,  corre um outro inquérito  para se apurar a veracidade de informações que sustentam a possibilidade delas terem sido induzidas a uma situação de coma cerebral. Amiúde - nas redes sociais -  circulam versões que defendem esta hipótese, pois nunca foi exibido a certidão de óbito das três e  inesquecíveis namoradas: A Laura, Tina e a Clara. Até que tudo seja esclarecido, confesso:  Tenho muitas saudades de ti, Laurentina Clara! 

 

Por estes dias que Trump, presidente norte-americano, ora ameaça apertar o gatilho, ora decreta sanções ou diz que está aberto ao diálogo com Teerão ( capital do  Irão), tenho pensando  nas batalhas que se travam por cá por conta da entrada de um novo “player” no xadrez alcoólico da Pérola do Índico. E venho imaginando os Departamentos de Guerra (DGs) das duas companhias - eufemisticamente  denominados “Departamentos de Marketing”-  a traçarem  os respectivos  objectivos estratégicos  com recurso a frases do  tipo: “O Objectivo é Jardim” ou, para a contraparte, “O Objectivo é Bobole”. 

 

A terminar, o apelo para que o vocabulário não seja actualizado por conta de uma nova guerra no médio-oriente: Que “O Objectivo é Bagdade” não necessite que passe para “ O Objectivo  é Teerão” (e por arrasto, que as “Bolsas de Resistência” sejam  de resiliência para outros desafios da humanidade); E no que estiver omisso, que esclareça  ou decida  o leitor. 

 

  • PS (i): Há sensivelmente dez anos,  soube  - através de um cidadão estrangeiro que geria a pequena e agradável casa de pasto que funcionava no local onde foi erguida uma das cervejeiras – que a Laurentina Clara seria descontinuada. Não levei a sério e pensei que o gerente desejasse  pregar um susto a mim e ao resto da “Tribo Lazer” que ali recomponha as forças depois de batalhas travadas, sobretudo  na Praia do Bilene. Desde então, e pelo tempo, infelizmente o gerente tinha razão. 
  • PS(ii): Em momentos que me cruzo com outros enlutados se aventa a hipótese de constituição de  uma coligação  a fim de persuadir  a companhia a resgatar a eterna namorada.  A médio prazo, em caso de fracasso, far-se-á o possível para que seja erguido um monumento de preferência no local onde foi instalada a concorrência, coincidentemente o mesmo do anúncio precoce do desaparecimento físico da Laura, Tina e a Clara. O monumento,  uma espécie de “Bolsa de Resistência/Resiliência”,  servirá para manter viva  a memória e a pressão pelo reaparecimento – por quem de direito -   da minha, tua e nossa:  Eterna Namorada, Laurentina Clara!    
  •  PS (iii): Pelo  fim-de-semana que se aproxima  e mais um sem a Laurentina Clara, dedico este texto a todos que tiveram nas inseparáveis irmãs e amigas, o ombro companheiro em momentos tristes e alegres.  Aproveito dedicar com especial apreço a um primo (“Kenteê”, seu nome de guerra) que completou anos redondos no passado mês de Maio, cuja celebração é hoje, 28 de Junho de 2019, numa das badaladas casas de pasto da Cidade de Maputo, outrora Lourenço Marques, o pai das irmãs Laura, Tina e a Clara.  Saravá, Kenteé!

Recordei e conto o episódio abaixo - verídico e passado há duas décadas - a propósito dos festejos pelo anúncio de 25 biliões de dólares americanos e a renda de dois “bis” anuais, a partir de 2025, resultantes do investimento da Anadarko na exploração do gás da Bacia do Rovuma, província de Cabo Delgado. 

 

A festa de aniversário prometia. Dos que se deslocaram – comitivas de Maputo, Xai-Xai e Chocwe - fui o último – vindo da capital - a chegar à vila da Macia, província de Gaza. A partida não foi difícil constatar que as marcações ao dito sexo fraco já haviam sido feitas e para uns com antecedência postal. Estava frio e a medida que a madrugada caía exigia maior celeridade às intenções (implícitas) de cada um. Entre os convivas, o Adão e o Neco, procedentes de Maputo, acabaram os protagonistas da festa.

 

O Adão, da “terra do carvão”, saiu da capital com a ferramenta agitada tal era o desejo de estar com a dama com quem trocava cartas de amor e sonhos de uma Lua-de-mel nas margens do rio Zambeze. A sua missão: Chegar, triunfar e regressar com a dama. O Neco, da “terra da boa gente” e auto-intitulado “o charmoso”, trocou o conteúdo local por uma repentina presença americana em trabalho social por aquelas bandas. Ele jurou que cumpriria a sua (nova) missão: Mergulhar pelo Mississippi abaixo. 

 

Por momentos um corte de energia junta as mulheres de um lado e os homens doutro. O Adão estava agastado e impaciente com a sua dama das águas do Limpopo. O seu requerimento ainda não tinha sido deferido. Ela alegava que eles precisavam de tempo, pois era a primeira vez que se viam, embora a correspondência postal fosse longínqua. O Neco, na mesma situação em relação ao deferimento, disse que a “state-girl” preferia uma chuva mais miudinha, agreste e ordinária. Um tchim-tchim encerra a reunião improvisada de feedback e o regresso da corrente eléctrica no exacto momento em que ancorava a 6ª garrafa de whisky entre protestos de uma excursão estudantil sem precedentes. 

 

Eram seis horas quando a noite começou a despedir e a festa a despedaçar. A americana recolheu sem ter sido colhida. As outras, trocadas pelo whisky, rumaram ao “room”. Um amigo, Camito, foi sacudido ao tentar – na escuridão do quarto - uma incursão sem pré-aviso. O Acácio, a namorada aniversariante e uma amiga blindada, namorada de outro amigo que não se fez presente, tomaram os respectivos quartos. O Neco, reclamando da provocação biológica e da fala em vão, bateu em retirada. Do Adão, ninguém sabia. O resto prosseguia com mais uma garrafa e “bis” de doses de frango dados pelo gerente da Pensão em reconhecimento exaltado da volumosa capacidade ébria dos “vientes”.

 

O sol já se fazia presente e penetrava entre as grelhas do salão, ameigando os sobreviventes. Para o espanto destes, entre os raios de sol, ressurge o Adão em grande estilo, tal rei do Zambeze. Pergunto pela dama do Limpopo e ele - em pose majestática - tira do bolso do seu velho casaco azul um “Jeito” (preservativo) já sem jeito. E armado em laureado foi rodopiando o salão, exibindo o asqueroso troféu. Leve e jovial disse que desceu para ver o ambiente e saber se o resto do pessoal teve algum sucesso. 

 

De regresso ao seu quarto e enquanto subia a escada o Adão para e faz um giro, ficando em posição frontal com os sobreviventes. Em seguida acena as mãos como quem solicita silêncio para dar a palavra a “sua alteza”. Feita a vontade, finge uma vénia e com ar petulante e aprumo triunfal, declara: Fiquem com os deliciosos “bis” de frango que eu deleitar-me-ei com outro tipo de “bis”! De seguida, volteou e continuou a subir em direcção ao quarto - ausente durante um quarto de hora – e onde, supostamente, a sua dama reestruturava as condições necessárias para o “bis” anunciado publicamente e com pompa. 

  

-Nãooooo! Não! Nãããoooo...! Era o grito de desespero do Adão que de tão sonoro foi ouvido na Praia do Bilene. Num ápice os mais ágeis chegam a zona dos quartos e encontram-no completamente imóvel à entrada do quarto número quatro. Ele não compreendia e muito menos acreditava na roubalheira que acabava de presenciar: O Neco estava em pleno usufruto do que seria o seu difundido “bis”.

 

  • PS (i): Fica o alerta para que o país não se embandeire em arco como fez o Adão. Urge uma gestão e controle eficaz dos recursos do país porque de contrário têm muito Neco à solta - de dentro, fora e juntos - decididos a usufrui-los de forma subtil, clandestina e até violenta. 
  • PS (ii): De regresso a Maputo um dos amigos sugeriu que o Neco seria um bom reforço para os Mambas, Selecção Nacional de Futebol. Entrar nos últimos 15minutos e marcar um golo (ao estilo de morte súbita) não é para todos. 
quinta-feira, 20 junho 2019 06:35

*As partes ocultas do Orçamento de Estado*

Hoje desadormeci com sequelas da comparência numa das badaladas casas de pasto da “cidade dos urinóis nas acácias” por ocasião comemorativa (e antecipada) de mais uma data da (in)dependência da Pérola do Índico. Um momento que serviu para rever amigos e botar a conversa em dia. O que acontece com as conclusões destas conversas é matéria restrita a cada um dos amigos. 

 

Desta vez – na conversa - uma parte considerável dos presentes, e a propósito de uma discussão sobre as “dívidas ocultas”, tinha em comum o facto de terem participado numa sessão de formação - nos anos 2009/10 - sob o tema: “As partes Ocultas do Orçamento de Estado”. A ideia fundamental da formação consistia em dotar os participantes do necessário arcaboiço técnico para descortinar - no Orçamento de Estado (OE) - itens secretos (qualquer semelhança com “a nossa secreta” é mera coincidência) que à primeira vista não são detectáveis. Algo do tipo “gungu, apanhei-te” das saudosas brincadeiras de infância. 

 

O principal resultado da formação foi o estabelecimento de uma brigada de activistas-observadores do OE determinada a detectar movimentos estranhos dentro e arredores do OE, uma vez que este havia passado a centralizar a divisão do Bolo Nacional e cada vez mais com (dis)sabor estrangeiro. E face a tudo o que se sabe sobre o dossier das “dívidas ocultas” - durante o debate - os membros desta brigada foram sumariamente vaiados acusados de falta de brio e entrega no exercício da magna e soberana tarefa. A discussão não desaguou em pancadaria graças ao elevado nível de urbanidade e a tradicional troca acalorada de ideias no seio da sociedade civil, uma característica que se recomenda. 

 

Dentre os que vaiavam havia um estratega de assuntos de defesa orçamental que não poupou críticas ao desempenho da brigada. Não obstante, esclareceu que a brigada foi traída pela geografia e a proximidade geopolítica inter-institucional do local onde se localiza as instalações do OE. Argumentou que o facto do foco da terminologia do assunto da operação – “pescas-guerra-negócios-banco-mar”- encontrar-se dentro do perímetro do último anel de segurança do “Palácio dos Arcos”, o “Bunker” do OE, na baixa da capital do país, confundiu os códigos do sistema de controle montado pela brigada de activistas-observadores

 

Em sua defesa, a brigada justificou que tal proximidade é um facto e seria contornada. Assim não sucedeu porque a razão-mor foi a manifesta incompetência técnica e regimental que não permitiu agir e nem reagir, atendendo que i) os módulos do curso sobre as partes ocultas do OE não abarcaram matérias relacionadas com a detecção de movimentos ilegais, prévios e a posterior, e ii) nos termos da acusação da PGR, o destino íntimo dos valores de parte da dívida escapa a esfera da jurisdição da brigada.

 

Os motivos arrolados, entre vários de bradar aos copos e prontamente honrados pelo garçon ”… aqui nessa mesa de bar/…no bar todo o mundo é igual/Meu caso é mais um é banal/Mas preste atenção por favor/…/Quero tomar todas/Vou me embriagar/…/Se eu pegar no sono/Me deite no chão/…” que minha grande esperança deixou em pedaços minha soberania. Quando acabei de cantar todo o mundo, em deleite colérico, gritou uníssono: O que fazer, Reginando? Antes de responder o bar fechou. 

 

No acerto das contas, sempre problemáticas, ficou no ar e por fonte reputada que um consórcio tripartido (Doadores, Governo e Sociedade Civil, incluindo o Sector Privado) decidiu e realizou um seminário de planificação de estratégias, concluindo que era necessário mais uma formação para acompanhar o actual contexto e as “ameaças” decorrentes dos propalados biliões do gás que engordarão o OE num futuro próximo.  

 

Os Termos de Referência já foram elaborados, faltando a contratação de uma firma de consultoria a fim de ministrar um curso intensivo subordinado ao tema “As partes Íntimas do Orçamento de Estado” cuja finalidade é a formação de uma brigada de analistas-patrulha do OE. Esta brigada será devidamente apetrechada, incluindo dispositivos de gás lacrimogénio para rechaçar o olfacto dos apóstolos domésticos pelos biliões do gás do Bolo Nacional que terá cada vez menos (dis)sabor estrangeiro a partir de 2025.  

 

PS (i): Oxalá a firma de consultoria não seja a ferragem da esquina e contratada por ajuste oculto de natureza íntima.  

 

PS (ii): Se a brigada de analistas-patrulha não trouxer resultados é recomendável que o país aposte no que de melhor sabe fazer e comece a lucrar pelo mundo com a troca experiências e consultorias sobre “As Partes Carnudas do Orçamento de Estado” 

segunda-feira, 17 junho 2019 06:53

*Os monólogos dos matolenses*

Por razões privadas tenho ido com certa frequência a Matola. No início até que era agradável, pois ficava pouco tempo e voltava. Depois foi um tanto aborrecido. Fico mais tempo e com intervalos espaçosos entre dois compromissos. E para quebrar a rotina, no fim-de-semana passado, liguei a um amigo que se mudou para aquelas bandas já passa um mandato presidencial. Perguntei-o onde podia encontrar um café (não necessariamente um bar/tasca) e estar numa boa cavaqueira a debater o pulsar da Matola e do país. Resumindo: eu queria saber onde é que se debate a Matola e o país na Matola. 

 

O meu interlocutor - um combatente da cidadania (aproveito reivindicar a inclusão desta categoria na tipologia dos combatentes em Moçambique) - denotando alguma estupefacção com a minha ignorância respondeu-me que na Matola estavam com uma outra abordagem: Os monólogos. Uma espécie de colóquios solitários. Repostei que era uma abordagem interessante. Desliguei e perguntei cá para meus botões: Agora o que faço? Enveredar pelo solilóquio? Apostar pelo bar mais próximo? 

 

Antes da decisão fui reflectindo sobre a nova abordagem dos matolenses. Decidi começar pelo próprio termo: Monólogos. Lembro-me de duas ocasiões em que me confrontei com esta palavra. A primeira foi na escola secundária na aula de língua portuguesa. E a segunda foi através de uma peça de teatro, creio do Grupo de Teatro Mutumbela Gogo, cujo título era “ os Monólogos da Vagina”. A primeira hipótese, porque longínqua, descartei. A segunda apresentava sinais que se encaixavam com uma das bandeiras-estandarte da Matola: Os fóruns extra-conjuntural (ditos escondidinhos/hospedagem interina). Estes são os espaços de debate da Matola? afinal, tais monólogos são momentos de reflexões ou de flexões? 

 

Animado pela cogitação e inspirando em Mário Soares, um falecido estadista português dos tempos contemporâneos, ponderei outras hipóteses. Soares, falando do balanço do seu percurso cívico-político (e dos companheiros) de luta pela democracia nos tempos da ditadura de Salazar, disse: “…Passados tantos anos, pode afirmar-se que raros, raríssimos, foram os que traíram. Muitos se acomodaram, cansados pela dureza da luta ou vergados às exigências do ganha-pão que…vem quase sempre acompanhado de abdicações”. Partindo de Soares, pensei: O meu ilustre amigo terá abdicado da sua luta? Se for verdade, terá sido pelo cansaço das exigências do exercício de cidadania? Foi nomeado um PCA de uma empresa pública? A opressão dos engarrafamentos e a sujeição de viver na principal camarata do país não estarão a perturbar os matolenses? 

 

As interrogações continuaram. E porque ainda não me sentia confortável continuei a ponderar outras hipóteses. Debalde. Decidi ficar por onde estava e a sorver suculentas tangerinas. De repente e do nada, talvez impelido pelo suco das tangerinas que me agitou o cérebro, vêem-me a memória o saudoso poeta José Craveirinha, recentemente aniversariante. Na verdade, e a propósito dos monólogos dos matolenses, lembrei-me da pergunta “uma população que não fala não é um risco?” de um dos gomos (trechos) do poema “as saborosas tangerinas de Inhambane”. Ainda em transe filosófico, adicionalmente questiono: E os monólogos dos matolenses não são um risco? 

 

Quando dei por mim já era um matolense: estava em pleno e total monólogo. Antes que me adoidasse pensei em ligar ao meu amigo. De certeza que depois de cada sessão solitária em algum momento existiria uma plenária. Duas ou mais insistências atendeu e disse que as plenárias também tinham outra abordagem: decorriam nas urnas e que a próxima plenária seria em meados de Outubro próximo. Ele terminou a chamada – não esperou que o remetente exercesse esse direito soberano – referindo que a última plenária foi no passado mês de Outubro de 2018.

 

Recuei no tempo e compulsei o relatório da dita última plenária da Matola. Depois de aturada leitura e avaliando os resultados e o ambiente sereno do pós-anúncio dos mesmos é caso para perguntar: Os monólogos dos matolenses constituem uma nova forma de participação política? Não tenho a resposta mas por enquanto e a quem interessar - antes que os monólogos sejam à escala nacional - o aviso à navegação já foi emitido. 

 

Na portagem - de regresso a capital e em contramão com os matolenses - dei por findado o meu colóquio solitário, avocando e concluindo que o lema “A Matola Primeiro” já fazia algum sentido e a trazer resultados. Por enquanto e como ponto de partida: a Matola como pioneira em novas abordagens de intervenção nos processos eleitorais. 

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