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Carta de Opinião

segunda-feira, 09 agosto 2021 06:53

O “Feiticeiro da Pátria”

A 25 de Junho de 1975, o Estado Moçambicano era fundado, após uma longa luta de libertação movida pela brava juventude daquela década de incertezas, massacres e desumanização. E foi concretamente em Cabo Delgado, hoje em chamas, onde a corrida pela liberdade ganhou uma dimensão revolucionária do tipo Marxista, uma luta entre opressor e oprimido, operário e senhorio – o feiticeiro daquele tempo, vencido e expulso do jovem País, Moçambique. Deste modo, vencia-se o feiticeiro que perdurou por vários anos – o Colonialismo!

 

De 1975 a 86, o País esteve sob a liderança do então Presidente Samora Machel, um homem multifacetado e preparado para os desafios do seu tempo, apesar dos pesares. O País tinha um líder que sabia aparecer para o seu povo. Contudo, durante aquele período, começava uma nova feitiçaria no País, a Guerra Civil, que levou 16 anos de sofrimento, mortes e deslocações massivas da população para os países vizinhos, como Malawi, Zimbábue, entre outros. Exigia-se, por conseguinte, uma mudança de paradigma, pelo menos, é o que os historiadores nos dizem. Queria-se a Democracia, a Parlamentar ou Representativa porque, segundo os teóricos do sistema, a Popular ou Guiada já estava em funcionamento.

 

Durante aqueles anos, muita coisa foi destruída, que embora viesse da feitiçaria anterior, os feiticeiros da década 70, 80 e 90 queimavam a casa para matar a cobra. Foi assim que fábricas renomadas foram sabotadas e utopistas do tempo foram exterminados em campos de reeducação, típico de um sistema totalitário. Nesse contexto, a busca por uma ideia de nação exigiu sacrifícios extremos aos que tinham a vassoura mágica para combater o feitiço que atormentava os moçambicanos – a Guerra Civil!

 

Embora esse fosse o mais visível, existiam outros tipos de feitiços que reinavam na Pérola do Índico, como fome, miséria, analfabetismo, ignorância, tribalismo extremo, entre outros males. Ademais, a situação ganharia outros contornos com a trágica morte do Presidente Machel, em 1986. Neste ano, o País perdeu um líder.

 

Em meio à tempestade, entrou um novo dirigente, Joaquim Chissano, com a dura missão de acabar com o feitiço que dia-a-dia destruía famílias e sonhos. Felizmente, seis anos depois, chegou-se a uma solução para colmatar a feitiçaria reinante, encontraram-se em Roma e assinaram o Acordo de Paz, o qual permitiu a realização das primeiras Eleições e a transição de uma fase para outra, de Democracia Popular ou Guiada para Democracia Representativa ou Parlamentar.

 

Foi neste período que se evidenciaram as “cabeçadas” dos bons filhos, que trabalhavam fora do País – o caso dos “Madjermanes”, que se instalaram, activamente, os novos feitiços da nação – cabritismo/corrupção, nepotismo e assalto agressivo das riquezas do povo, havendo até alguns que abriram hotéis fora do País, enquanto dirigentes máximos da nação, onde os melhores pratos eram os nossos mariscos, que saiam directamente do mar para os frigoríficos da Torre Eiffel – na terra de Napoleão Bonaparte.

 

E a saga continuou! Falava-se mais do que se fazia. Entretanto, o saque foi intenso – os feiticeiros eram tantos, que chegaram a ganhar as eleições, apesar de terem perdido em quase seis províncias, entre elas, as mais populosas, como Zambézia e Nampula. Contudo, pacificamente, houve uma passagem da vassoura mágica, em 2004. Entrava em cena um novo homem – que usou dos poderes mágicos para intensificar o crescimento e desenvolvimento do País.

 

Embora já vivesse ciente dos problemas provocados na palhota dos antigos feiticeiros, desde os tempos da luta de libertação, o homem entrou com os pés no chão e começou por mandar aos calabouços alguns feiticeiros que nadavam nos cofres (des)controlados do Estado – numa era da impunidade, eram anunciados casos de Ministros envolvidos em grandes cabeçadas ao povo.

 

Foi uma era que aparentava que a feitiçaria havia abandonado a Pérola do Índico. O povo corria com Chamas de Unidade Nacional do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico – corpos e línguas diferentes se entendiam. Era bonito ver o xingondo, que tanto era banalizado nas décadas passadas, a ter facilidades e o maxangana, que pelas bandas do Centro e Norte era combatido, a ser acarinhado – até parecia que Deus havia expulsado o Lúcifer das nossas terras!

 

Entretanto, cinco anos mais tarde, tudo viria a mudar – o velho feitiço voltou – o som das armas regressou a imperar no solo pátrio. As pessoas e os automóveis tinham que ser escoltados para circularem pela EN1. A coisa estava feia, alguém tinha destapado a panela do feitiço. Entretanto, em meio às consultas, aqui e acolá, um tempo depois, encontrou-se uma saída.

 

O feitiço da guerra foi-se e descobriu-se um outro – as dívidas odiosas, contraídas com um objectivo, mas haviam sido usadas para acomodar outros interesses, entre eles, carnais e de gula. Embora em certos circuitos a abordagem sobre o assunto seja outra, a intensidade deste feitiço afugentou os outros feiticeiros da cooperação internacional. E com isso, descobriu-se um poço de raízes venenosas da feitiçaria moçambicana – a famosa corrupção cabeluda. O caso gelou o País e os bons amigos foram-se embora. As saborosas tâmaras do deserto cultivadas e distribuídas pelo mágico Armando Guebuza foram queimadas.

 

As boas coisas, outrora realizadas, foram momentaneamente questionadas e estranhamente esquecidas – porque o feitiço verificado era maior – 2.2 mil milhões de dólares norte-americanos. O caso foi parar nos tribunais nacionais e internacionais. A missão do mágico tinha de terminar.

 

Em meio à tempestade agressiva, que a fragata enfrentava, tinha que se encontrar um novo mágico – e, em 2015, chegava ao poder Filipe Nyusi, com um discurso mobilizador no dia da tomada de posse. As pessoas já acreditavam que seria, desta vez, que chegariam à Canaã e as cebolas do Egipto seriam esquecidas. Contudo, não foi o que se viu, dias depois – mexeu-se no “mágico de Sofala” – a mamba verde, segundo o jurista André Thomaussen. Atacou-se à base do “mágico de Sofala” acordando, assim, o feitiço das armas.

 

Dias depois, uma nova feitiçaria ressurgia nas cidades, o baleamento de figuras incómodas ao regime, sequestros e espancamentos aos políticos, académicos, activistas, jornalistas, enfim – chegava o novo feitiço – o medo de ser morto, por pensar e ser diferente. Associada a estes problemas, o País viveu situações complicadas com fenómenos naturais de magnitudes proféticas, como o Idai e o Kenneth, a destruírem cidades e províncias.

 

Porém, enquanto isso, os males como a corrupção, a criminalidade organizada, a pobreza, os fenómenos naturais, a desnutrição crónica, entre outros, intensificaram-se. Um grupo de homens estranhos e desconhecidos, pelo menos publicamente, começava com uma etapa de horror e destruição na Província de Cabo Delgado, terra natal do “mágico no poder”.

 

Neste interlúdio, a Pérola do Índico passou a viver diante de uma nova feitiçaria – o terrorismo e a violência extremista nos distritos de centro e norte de Cabo Delgado. Por três anos, o caso era tratado como mais um assunto de roubo de galinhas, mas logo se percebeu que o problema era cabeludo e complexo – tinha que se aumentar as vassouras mágicas para debelar aquele mal.

 

Correlacionada à nova realidade, ressurgiram, intensamente, novos feitiços, como narcotráfico de heroína, metanfetamina, cocaína, ópio, entre outras, lavagem de dinheiro, tráfico de órgãos humanos, escândalos sexuais, neocabritismo, pobreza aguda, detenções arbitrárias, execuções sumárias, julgamentos falseados, falsas seitas religiosas, assassinatos públicos, sequestros em tudo que é canto, conflitos políticos no Centro do País, entre outros problemas, que verificados, demonstram que as vassouras mágicas da nação precisam de ser exorcizadas ou actualizadas, porque as mesmas aparentam ter perdido suas propriedades reais.

 

Estranhamente, certos filhos que demonstravam ou demonstram estar com os novos poderes mágicos ou morrem/adoecem e alguns, simplesmente, desistem de lutar pelos seus ideais. A situação é mesmo essa, é que o vitalismo africano defendido por Placides Tempels vem demonstrando outras nuances na Pérola do Índico, onde a força mágica carece de uma actualização urgente e eficaz, porque a arte do improviso mal feito assumiu o controlo da poltrona do juiz, que parece estar a confundir o Direito com Curandeirismo.

 

Portanto, os moçambicanos precisam de estar unidos para vencer este velho feitiço que acompanha a pátria – a guerra, pois, ela alimenta os feiticeiros da nação, que são os senhores da guerra que se alimentam do sangue de inocentes e ficam satisfeitos com a dor de uma mãe que vê o seu filho degolado; morrer na fila do hospital por não ter dinheiro para pagar uma sopa ou comprar comprimidos; comer capim porque há stress alimentar; morrer na fila burocrata do tribunal, em busca da justiça, que o diga o velho Chandracant que tanto lutou por um bem conquistado e morreu lutando por ele contra malandros vestidos de fato e gravata; crianças que crescem num País rico, mas vivem minguando por um pão e uma carteira para se sentar e estudar condignamente, enquanto o chinês fotografa, com máquinas rebarbadoras e camiões com atrelados, às nossas florestas, como escreve o Janato Janato, e muito mais.  

 

Enfim, a pátria precisa de evitar novos feiticeiros que festejam com a morte ou queda de um adversário político ou um homem de bem! 

quinta-feira, 05 agosto 2021 09:32

A Ressurreição de “A Arte de Escrever”

Enquanto o Jota cogitava na situação do Chinês, que não descontinuava de fotografar a nossa vasta floresta, que há tempos reclama de violação e desflorestamento, ao longo das margens da extensa e abandonada Ene Um, ao mesmo tempo que em sua mente circulavam memórias de ocasiões que, em vida, havia partilhado com a sua amada tia Marciana, Manuelinho interpelou:

 

— Sobrinho, sabes que podes escrever sobre este assunto? — Referindo-se às fotografias do Chinês, com olhos arregalados espalhando-se entre os cantos daquele autocarro desprovido de modernidade. De imediato, os seus ouvidos hospedaram uma resposta vinda do Jota:

 

— Tio, escrever é um bom exercício para a nossa memória. Aliás, a escrita permite que nós preservemos não somente as nossas memórias, factos do dia-a-dia, mas também a própria história e os factos marcantes e não marcantes que se despejam nas páginas da vida.

 

— Falando nisso, sobrinho, já ouviu falar da obra “A Arte de Escrever”? — Inquiriu Manuelinho.

 

— Sim, tio. É “Arte de Escrever Bem”, nem? Eu até tenho este livro publicado em uma das minhas redes, a academia.edu.[i] É um manual meramente jornalístico que ensina a escrever bem. — Respondeu o jovem Jornalista-Estagiário e devolveu a sua voz ao abrigo do silêncio.

 

— Não é “Arte de Escrever Bem”, de autoria de Dad Squarisi e Aríete Salvador. Refiro-me à obra “A Arte de Escrever”, simplesmente, sem incluir o “BEM”, substantivo que evidencia um conjunto de qualidades positivas. É de autoria de Arthur Schopenhauer. Conheces, meu bom sobrinho?

 

— Se não é a mesma, então, não me lembro, tio. Podes falar-me um pouco sobre essa obra? Afinal, nunca devemos parar de aprender nesta vida. Os que param de aprender, igualmente, param de crescer. Isso funciona em todas as áreas da nossa vida. Quem não aprende, permanece estagnado e estático no tempo. — Afirmou o Jota, para depois acrescentar:

 

— É verdade, escrever é mesmo uma arte. E há quem realmente é um bom artista nesta área, como Mia Couto. Saber pegar nas 26 solteiras do nosso abecedário e, a partir delas, montar um bom guisado de frases, períodos e parágrafos, como Jacó, filho de Isaque e neto de Abraão, que se traduz em textos, relatórios, monografias ou mesmo livros, é, de facto, uma admirável arte. No entanto, como acontece em qualquer área de actuação, há quem escreve artisticamente mal.

 

— Confirmo, sobrinho. Mesmo na música, isso acontece. Às vezes, como Produtor Musical, eu sofro com Cantores e Músicos que vem gravar as suas músicas, mas a melodia não se encaixa na letra e vice-versa. Noutras ocasiões, sou obrigado a reescrever as músicas! Enfim, nem quero me lembrar disso! — Referiu Manuelinho. Em seguida, acrescentou:

 

— Voltando ao nosso assunto, Arthur fala muito bem deste assunto, aos mínimos detalhes. Eu penso que seria uma boa opção de leitura para ti ou qualquer amante das letras. — Declarou Manuelinho, numa tentativa de se esquecer das lágrimas que acabara de entornar e dos choros das suas irmãs, primas, tias e demais familiares que, num futuro bem próximo, teria de acomodar. Na sua cultura, os homens não choram para fora, molhando camisas e casacos. Pelo contrário, eles fazem escorregar as suas lágrimas para dentro. Naquele contexto, ele seria um dos casos notáveis, similares às quebra-cabeças da Multiplicação do Ensino Secundário.

 

— Então, tio, qual é a tónica desta lendária obra do renomado Arthur?

 

— Arthur Schopenhauer é um Filósofo e Professor Universitário Alemão, que nasceu no oitavo ano da nona década do século dezoito, depois de Cristo, e morreu no último ano da sexta década do século seguinte. Parte dos seus pensamentos tem base nas ideias de Immanuel Kant, renovável Pensador e Filósofo da era moderna. Arthur passou quase toda a sua vida a ensinar!

 

— Sério? Ele era seguidor do autor das Críticas, ou seja, a “Crítica da Razão Pura”, “Crítica da Razão Prática” e “Crítica do Juízo” ou, numa tradução mais próxima à obra original alemã, “Crítica da Faculdade do Juízo”? Então, vejo que a obra dele deve ser muito rica e possui ideias que podem ajudar a qualquer um que pretende escrever ou mesmo que escreva. Pois, não, tio? — Indagou o Jota, tentando puxar a conversa, a fim de ressuscitar a “” de Arthur.

 

— Ahaannn… Acertaste em cheio, meu filho! Por isso, Schopenhauer era um grande crítico dos Escritores da sua época. Nesta obra, A Arte de Escrever, ele critica o estilo dos Escritores, as preferências dos leitores, as recomendações dos críticos, bem como o pensamento dos Filósofos, e propõe uma nova dinâmica de fazer Literatura e Filosofia. Ele, identicamente, rebatia a forma como os seus contemporâneos reflectiam, liam, escreviam e usavam a língua para descrever as variadas realidades daquela época. — Assegurou Manuelinho, esbanjando ciência.

 

— Wooow… É muita coisa, tio. Se vivesse nos nossos dias e tivesse uma conta no Facebook, certamente, Arthur teria muito que dizer, principalmente, sobre os nossos estudantes universitários e afamados analistas televisivos, que trasbordam nas nossas telinhas mágicas e nas redes sociais. — Afirmou Jota, requerendo, informalmente, mais comentários da parte do tio.

 

— Hummmm… Sendo sincero, sobrinho, com base no que ele descreve em “A Arte de Escrever”, não estaria conformado com a nossa realidade. Arthur espantar-se-ia com a quantidade de estudantes e analistas, de todos os tipos e todas as idades, que se orgulham em ter apenas a informação, mas não a instrução, cuja honra se baseia no facto de terem informações sobre tudo, todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e conjunto de todos livros. Não lhes ocorre que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma, se não for bem utilizada. — Sublinhou o jovem que perdeu o volumoso jackpot contractual para se tornar Presidente do Município de Quelimane.

 

— Isso é muito profundo, tio. Este pensamento é mesmo actual. Dá para ver que Arthur era um grande homem. — Disse Jota — Estendendo a sua mão direita sobre a cabeça e acrescentou:

 

— E sobre a escrita, o que ele diz em “A Arte de Escrever”? Eu creio que Arthur disse algo digno de registar em nossas memórias. Vou até abrir as páginas do meu cérebro e com a caneta dos meus neurónios caligrafar estas informações para a minha melhor instrução como Jornalista.

 

O mais belo pensamento corre o perigo de ser irremediavelmente esquecido, quando não é escrito. — Disse uma voz saudavelmente feminina, bem afinada e decorada de leite e mel frescos, que atravessou os nossos ouvidos. — “Assim como a amada pode nos abandonar, se não nos casamos com ela.” — Acrescentou Manuelinho, ao mesmo tempo que, influenciado pela frase que acabara de libertar, contornava a sua quase debilitada visão em direcção aos olhos castanhos, pintados de entusiasmo, daquela jovem e passageira de visíveis qualidades.

 

O saber é o princípio e a fonte para se escrever bem. — Adicionou aquela jovem.

 

— Olá, moça. Tudo bem? Chamo-me Manuel. — Disse Manuelinho, tentando mostrar que não era uma criancinha sem noção das coisas. — E acrescentou: — Também já leste o livro de que nos referimos? — Questionou, enquanto movimentava a língua sobre os seus lábios.

 

— Olá, Manuel. O meu nome é Shantel. — Referiu a jovem passageira e manteve-se em silêncio.

 

— Opha… Até que os nossos nomes rimam. Ambos terminam em “el”. Será isso uma mera coincidência ou um plano sobrenatural? — Assumiu, todo esperançoso, o Manuelinho.

 

— Tio, ainda em “A Arte de Escrever”, o que disse Arthur sobre os Escritores? — Interpelou Jota.

 

— Jota, meu filho… — Soltando alguns sorrisos, como quem quisera enviar uma mensagem encriptada. — Para Arthur, há dois tipos de Escritores: aqueles que escrevem em função do assunto e os que escrevem por escrever. Os primeiros tiveram pensamentos, ou fizeram experiências, que lhes parecem dignos de ser comunicados; os outros precisam de dinheiro e, por isso, escrevem. Escrevem somente por causa do dinheiro. Infelizmente, esses são bastantes!

 

— Tio, eu penso que muitos se enquadram na segunda categoria, da qual eu não quero integrar. — Desatou o Jornalista-Estagiário. Ele já reviu muitos textos, monografias e livros, por isso, sabia muito bem do que estava a falar. Além disso, ele era um Escritor em formação, que sonhava em ser autor de vários livros!

 

Também se pode dizer que há três tipos de Autores: em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem pensar. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam enquanto escrevem. Eles pensam justamente para escrever. São bastante numerosos. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de se pôr a escrever. Escrevem apenas porque pensaram. São raros! — Acrescentou a Shantel, visivelmente confiante, e soltou olhares macios e chamativos ao Jota.

 

— E qual é a base fundamental para escrever? — Perguntou o Jota, procurando colher mais conhecimentos sobre “A Arte de Escrever”. Ele não queria nada além disso.

 

— Escrever como se estivesse a preparar a construção de uma casa. Deve ter a planta do que pretende escrever. Esse é o começo! Não se difere da Arquitectura. É necessário ter o projecto do que você precisa de construir e não apenas começar a cavar, colocar blocos, pedras, areia, cimento, água, varrões, ou qualquer material de construção. É por isso que temos muitas casas malnutridas, e livros também, que desabam diante que qualquer ventinho. — Argumentou Manuelinho, como se estivesse a desabafar.

 

— É verdade, Manuel. Como disse Arthur, poucos escrevem como um arquiteto constrói: primeiro, esboçando o projecto e considerando-o detalhadamente. A maioria escreve da mesma forma como se estivessem a jogar cartas. Nesse jogo, às vezes, segundo uma intuição, ganhamos; às vezes, por mero acaso ou batotice, encontramos cartas certas para ganhar o jogo sem que o nosso adversário ganhe uma rodada sequer, e o mesmo se dá com o encadeamento e a conexão das frases desses Escritores. Mas não deveria ser assim. — Salientou a Shantel.

 

Só uma mente de destaque é capaz de nos oferecer algo digno de ser lido. — Mencionou Manuelinho, e acrescentou: — No fundo, o autor engana o leitor sempre que escreve para encher o papel, uma vez que o seu pretexto para escrever é ter algo a comunicar.

 

— São tantas coisas que, quando bem entendidas e aprimoradas, podem ajudar muitos jovens a desenvolver a Arte de Escrever, claro, com a devida qualidade e reverência necessária. — Sublinhou o Jota que, em seguida, demandou: — Segundo Schopenhauer, é possível aprender a escrever a partir dos escritos de outro Escritor, isto é, através da leitura de livros?

 

— É possível, sim, sobrinho. No entanto, ele adverte que nenhuma qualidade literária – como, por exemplo, a capacidade de persuasão, a riqueza de imagens, o dom da comparação, a ousadia, ou a amargura, ou a concisão, ou a graça, ou a leveza da expressão, ou mesmo a sagacidade, os contrastes surpreendentes, a ingenuidade, entre outras – pode ser adquirida pelo simples facto de lermos Escritores que possuem tal qualidade. — E acrescentou:

 

— Entretanto, se a pessoa que deseja escrever, o futuro Escritor, possui estas qualidades in potentia, pode evocá-las, trazê-las à consciência, ver que uso é possível fazer delas, fortalecer a sua inclinação, na disposição para usá-las, julgar o efeito da sua aplicação em exemplos e, assim, aprender a maneira correcta de usá-las; e só, então, é possível ter estas e demais qualidades de escrita desejáveis in actu, ou seja, na prática ou em acção, escrevendo.

 

Essa é a única maneira de a leitura ensinar a escrever, na medida em que ela nos mostra o uso que podemos fazer de nossos próprios dons naturais; portanto, pressupondo sempre a existência destes. Sem eles, não aprendemos coisa alguma pela leitura, a não ser uma forma fria e morta, de modo que não nos tornamos nada mais do que imitadores banais. — Sentenciou a Shantel. E, virando-se para o Jornalista-Estagiário, perguntou: — É isso que queres ser, Jota?

 

— Claro que não! Mas muitos escrevem apenas por escrever! Aliás, antes de escrever, deve-se, também, pensar no leitor. Ninguém deve escrever, simplesmente, para queimar o tempo do leitor. Afinal, é o leitor que não apenas actualiza, mas também, dá vida ao conteúdo do texto. Sem o leitor, o texto morre e não alcança o objectivo pelo qual foi escrito. Eu penso assim, querida Shantel! — Argumentou o sobrinho do Manuelinho.

 

— Até parece que leste “A Arte de Escrever”, Jota. É preciso ser económico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela. — Sublinhou Manuelinho, enquanto afastava a cortina e empurrava o vidro do autocarro, onde ele estava sentado, para se escapar dos fortes raios solares que tentavam interromper a fluidez da nossa conversa.

 

— Vejo que este livro, A Arte de Escrever, é mesmo interessante, tio. — Comprovou Jota.

 

— Além de interessante, é uma obra importante e actual. E, como disse Arthur, cada livro importante deve ser lido, de imediato, duas vezes. Em parte, porque as coisas são melhor compreendidas na segunda vez, em seu contexto, e o início é entendido correctamente quando se conhece o final; em parte porque, na segunda vez, cada passagem é acompanhada com outra disposição e com outro humor, diferentes dos da primeira, de modo que a impressão se altera, como quando um objecto é observado sob uma luz diversa. — Concluiu Manuelinho e aquietou-se no seu assento, cuja almoçada, de tanto trilhar a estrada sem manutenção, estava quase descascada.

 

— Mais do que isso, Arthur fala de aspectos críticos sobre a leitura que, também, são dignos de destaque. Até parece contradição face ao que ele escreve, mas são meras verdades. — Afirmou Shantel — Para depois acrescentar: — Ler significa pensar com uma cabeça alheia, em vez de pensar com a própria. E nada é mais prejudicial ao pensamento próprio do que uma influência muito forte de pensamentos alheios, provenientes da leitura contínua.

 

Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos o seu processo mental, do mesmo modo que um estudante, ao aprender a escrever, refaz com a pena os traços que seu Professor fizera a lápis. — Adicionou Manuelinho.

 

Neste intervalo, ouviu-se o barulho do empurrar de um dos vidros do autocarro, no lado de trás. Conseguia-se escutar, igualmente, os sons do volume de um Smartphone que recolhia fotos para a sua quase entulhada galeria. Do lado de fora daquela janela, havia uma enorme quantidade de árvores. Um verde escuro banhado de clorofila! E ali estava, novamente, como se nada estivesse a acontecer, o Chinês, planificadamente mansinho, com o seu Huawei preto, capturando imagens da nossa vasta floresta.

 

Surpreso, após ouvir aquelas declarações, o Jota questionou:

 

— Então, que saída temos neste processo?

 

— Não te preocupes, Jota. Não significa que devamos parar de ler. Simplesmente, quer dizer que devemos ler e pensar ou meditar no que lemos. Se alguém lê continuamente, sem parar para pensar, o que foi lido, não cria raízes e se perde em grande parte. — Cimentou a Shantel.

 

— Além disso, quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar. É por isso que sentimos um alívio ao passarmos da ocupação com nossos próprios pensamentos para a leitura. — Arremessou Manuelinho.

 

— Ahaaannn… Agora entendo a colocação de Arthur sobre a situação dos estudantes e estudiosos ou analistas da sua época que, de igual modo, se estende à nossa, ao distinguir a posse de informação da instrução de quem a possui. É por isso que não podemos confundir a compra dos livros com a assimilação do seu conteúdo. — Argumentou o Jornalista-Estagiário!

 

— Exactamente, Jota! — Exclamaram, em uníssono, Manuelinho e Shantel! Enquanto isso, o motorista aumentava a velocidade do autocarro e, assim, seguiam a viagem rumo ao Chiveve, terra de sonhos confiscados, na qual, dois anos mais tarde, IDAI semeou luto generalizado.

 

Naquele intervalo, momentâneo, banhados de fadiga e sono, uma voz masculina interrogou:

 

— Jovens, vejo que vocês guardaram, em vossas memórias, tudo sobre “A Arte de Escrever”. Não apenas ressuscitaram Arthur Schopenhauer, mas também a própria obra.

 

— Não, companheiro! Nós guardamos apenas o essencial para alimentar esta simples conversa. — Declarou Manuelinho e, conclusivamente, acrescentou:

 

Exigir que alguém tivesse guardado tudo aquilo que já leu é o mesmo que exigir que ele ainda carregasse tudo aquilo que já comeu! Entretanto, do mesmo modo que o corpo guarda apenas aquilo que lhe é útil, assim também acontece com a leitura, o cérebro guarda o que nos interessa e é necessário para o nosso bem-estar total, da mesma forma que expulsa o que não precisamos ou não nos é útil guardar ou reservar em nossa memória.

 

[i] https://www.academia.edu/8675024/A_ARTE_DE_ESCREVER_BEM

terça-feira, 03 agosto 2021 06:45

Bar dos crâneos

Na Av. Eduardo Mondlane havia um bar baptizado “Goa”, conhecido em todo o grande Maputo  pela essência dos petiscos ali servidos, em particular os mariscos que levavam os irresistíveis temperos asiáticos. Bebia-se cerveja a rodos desde o amanhecer, e todos aqueles que lá iam pela primeira vez, queriam voltar outra vez e nunca mais abandonavam o lugar que se tornou histórico, resistindo aos ventos infaustos do tempo, até ao momento em que tudo aquilo colapsou.

 

É aqui onde João Paulo, o arrebatante blues man e soul music man, inspirava-se para a loucura dos clubes noturnos reservados aos grandes, e ele reverberava, tornando-se assim, aquele cometa que jamais voltará. Era ele, o João, a principal referência quando o “Goa” entrou em derrocada até se tornar uma espelunca. João Paulo também estava em derrocada, até que a morte, cansada de esperar por um indivíduo que ia devagar em direcção à guilhotina, em cada duplo de Jack Daniels, trespassou-o.

 

Nos Últimos anos, - meados de 2000 - “Goa”, apesar de se ter tornado um lugar desprezível, era uma importante lagoa, onde mais do que ir refrescar-se com as suas águas turvas, as pessoas que lá se materializavam , muitas delas, faziam-no com o propósito de debater ideias. Havia massa pensante que transformava esta gruta em fonte de sabedoria, não se falava de putas. Quer dizer, em todas as mesas a conversa era desenvolvida em torno do saber, e o que se notava é que quanto mais embriagados, mais lúcidos ficavam os intervenientes.

 

João Paulo apelidou o “Goa” de “Bar dos Crâneos”, querendo dizer com isso que o “Goa” é bar dos pensantes. O que se falava lá dentro e na esplanada cá fora, não eram balelas. Havia oradores esclarecidos, que se destacavam e eram promovidos, pelo seu conhecimento, a mais do que simples pivots. Outros ainda, aqueles cuja capacidade de oratória e de cultura geral era limitada, ficavam empolgados em escutar os arautos, e pediam mais cerveja. Para eles próprios e para aqueles que falavam.

 

No “Goa” não havia interlúdio. Em todas as mesas destacava-se um maestro, ou vários, mesmo assim não se perdia a consonância. Era como você estar num estádio com vários palcos, onde em cada um deles a música que se toca, é tocada por grandes músicos, e você quer ouvir todas as músicas ao mesmo tempo. Com a diferença de que chega um momento em que o maestro dilui-se. Cada executante quer tocar a sua música e quer que os outros a escutem. Mas esse é o  ressurgimento dos “crâneos”, todos querem brilhar. Aliás, eles vão ali para brilhar. E mostrar que brilham.

 

Pois é! Lembrei-me destes momentos indeléveis na memória, quando há uma semana estive em Maputo e passei por este lugar onde ainda fui tempo de sentir o cheiro do João Paulo, sem precisar de entrar. Já não se chama “Goa”, mudou de nome e de história, como todos nós. Já não somos os mesmos!

É uma situação que já não me permite calar, senão sentirei remorso para o resto da minha vida, caso amanhã apareça mais um colega de Órgãos de Comunicação Social dos ditos independentes morto.

 

A situação não está boa no País para o exercício pleno desta profissão nobre – o Jornalismo. Eu penso que quem está no terreno e não só, sabe do que me refiro, embora esta triste situação seja mais visível quando praticada por autoridades ou instituições do Estado. Entretanto, este não é o cerne deste artigo de opinião ou grito de socorro, não para mim, mas para quem pratica um jornalismo “fora da caixa”.

 

O cerne deste texto não visa atacar as lideranças do MISA-Moçambique ou do Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), porém, sugerir que estejam atentas face à real situação dos “jornalistas independentes” baseados em Províncias como Cabo Delgado, Nampula, Sofala, Manica, Tete, Inhambane, Maputo e outras, principalmente no que respeita ao tipo de representante existente nestas províncias, pois, a situação não é boa. Digo isso por experiência própria e com evidências reunidas ao longo de três anos de viagens constantes para estas regiões.

 

São inúmeras vezes que alguns colegas da profissão, por saberem que eu estava na sua Província, evitaram encontros presenciais devido ao medo exacerbado de ficarem a ser “mal vistos” pelas lideranças locais porque, alegadamente, caso alguma “bomba” rebentasse, ele ficaria a pagar a factura em meu nome ou os representantes das instituições formalmente concebidas para defender a Liberdade de Imprensa no País convidá-lo-iam para um “café nazista” nos escritórios do Governo Provincial para saber se não terá sido ele a escrever o tal artigo.

 

Em Cabo Delgado, quando os ataques ainda reportados pelos Órgãos de Comunicação Social privados eram todos vistos aos olhos oficiais como “fake news”, por não quererem que a informação fosse veiculada ao povo e ao mundo, jornalistas correspondentes de Órgãos de Comunicação Social nacionais e  internacionais foram, por várias vezes, torturados psicologicamente. Ora, o mais estranho destes actos é que eles não são protagonizados, na sua maioria, por Agentes Secretos ou pela Polícia, porém, por jornalistas e representantes de organizações como o MISA ou SNJ, que deveriam defender a classe nestes locais.

 

Todos nós acompanhamos a situação vivida por Amade Abubacar, Estácio Valoi, Germano Adriano e, recentemente, Ibrahimo Mbaruco. Alguém já viu ou ouviu falar de uma Conferência de Imprensa do MISA ou SNJ em Cabo Delgado a exigir que as autoridades judiciais tragam resultados das investigações? Se eu estiver errado, estão livres de usarem os mesmos meios para desmentirem. Agradeceria bastante.

 

Em contrapartida, quando, em 2019, eu e a minha colega Paula Mawar, vítima destes actos nocivos de certos profissionais acobertados em organizações defensoras da Liberdade de Imprensa nas províncias, denunciamos a situação de limitação de circulação de informações sobre os ataques em Cabo Delgado por ordem do então Governador da Província, foram os representantes do MISA e SNJ que vieram ao público, alguns pousando, simultaneamente, como repórteres e fontes de informação, distanciando-se e desmentido a ocorrência de tal acto como se de um gesto nobre e patriótico estivessem a prestar à nação.

 

Por conseguinte, os dias que se seguiram foram tenebrosos para os jornalistas que trabalham para privados e internacionais. Vários foram interrogados e ameaçados. Na altura, o meu telemóvel não parava de chamar, alguns se despedindo ou mesmo chorando para mim. E quando os questiono se se tratavam de Agentes do SISE ou SERNIC, os colegas diziam um sonante “NÂO”, pois eram ameaçados por colegas da profissão!

 

Sobre o caso Amade Abubacar, por exemplo, eram jornalistas como ele que propalavam, em certos circuitos, que Abubacar era mesmo o que as autoridades diziam – informante dos insurgentes. Alguns chegaram até de se deslocarem à residência do proprietário da casa, onde Amade Abubacar havia arrendado, para dizê-lo que ele estava a albergar alguém estranho e controlado pela justiça. Coitado do Abubacar, o qual, até hoje, aguarda por um desfecho do caso! Infelizmente, devido a estas situações, o homem teve que se reinventar.

 

A Paula Mawar, que logo que a onda de terror começou, foi colocada na parede para decidir se continuava a escrever sobre os ataques ou se abandonava a instituição. Por sua vez, o Estácio Valoi, embora tenha ganhado o processo contra a Polícia, ainda sonha com o seu material de trabalho em mãos incertas. Sobre o caso Ibrahimo Mbaruco, infelizmente, devido à nossa consciência voltada ao esquecimento, já lá se vão quase dois anos que não se sabe da sua situação. Alguns colegas, por conseguinte, tiveram que trocar as suas assinaturas e vivem mudando, constantemente, de residência por temer o pior – apesar disso, os representantes destas instituições nem estão para eles.

 

Mesmo na Cidade de Maputo, a técnica de funcionamento é idêntica. Contudo, a vantagem de Maputo é a existência de vários Órgãos de Comunicação Social, no entanto, a solidariedade jornalística é um mito, ou seja, escreve-se por ocasião, para o inglês ver. Em caso de um acontecimento, os colegas julgam-te, dizem que já sabiam que ele era assim. Até os que são raptados e espancados, há quem corre para informar as lideranças que se tratava de questões sociais. Quando se queima um escritório de um jornal, prendem-no arbitrariamente e acusam-no de crimes que não cometeste. E os colegas da classe afirmam: “isso é assunto dele, não vamos nos intrometer”.

 

Eu sou um exemplo disso! Recentemente, um colega, curiosamente, Coordenador de uma associação de jornalistas, disse-me na cara que o caso da minha detenção não foi assim como tem sido explicado, que a Procuradoria da Cidade de Maputo, que decidiu em se abster do processo, não tinha que o fazer, pois, eu teria cometido os tais actos sobre os quais fui acusado. Não imaginam o quanto fiquei chateado com aquele colega e, por pouco, partia para a ignorância, contudo, como sei o tamanho das grades mentais que o tipo carrega, preferi agir como um monge! 

 

Posição similar cheguei a ouvir com outros colegas da classe, os quais confessaram que, a princípio, deram razão às autoridades policiais, entretanto, quando juntaram as peças, viram que eu tinha razão. Mesmo assim, eles sugeriram que eu deveria abrandar o nível de trabalho que tenho realizado, para não voltar a ter estresses de género, entre outras coisas. Alguns até foram prometidos cargos, em instituições estatais, caso fornecessem informações comprometedoras ao meu respeito, mas a prudência e verticalidade ajudou-lhes a reflectir melhor!

 

Outra situação preocupante está a ser vivida, nos últimos dias, pelo jornalista Luciano da Conceição, natural de Tete, e correspondente da DW África na Província de Inhambane. O homem tem vivido uma autêntica situação ao modo nazista protagonizada por jornalistas e representantes do SNJ em Inhambane e não só. Ele, que há meses foi raptado na porta de casa e deixado numa praia inconsciente, vive actualmente em constante hostilização por parte dos colegas da classe e de outras individualidades.

 

A hostilidade ao jornalista intensificou-se desde que ele escreveu o artigo sobre as qualificações académicas do Administrador de Vilankulo, Edmundo Galiza Matos Jr. Como é apanágio destes grupos, Luciano foi removido de todos os grupos de WhatsApp de jornalistas e do Sindicato na Província, humilhado pelos colegas e chamado para um “café nazista” de enculturação dos âmbitos jornalísticos da Província pelo representante do SNJ, alegadamente, porque o homem está a agir fora da caixa. Luciano da Conceição recebe ligações constantes destes grupos, ameaçando-o e demonstrando algumas atitudes tribalistas. 

 

Nas agendas de trabalho da Província, o jovem jornalista é excluído porque, alegadamente, não escreve como “patriota”, ou seja, ser patriota é replicar os supostos feitos da administração local – sinceramente – que o diga Armando Nenane, abandonado à sua sorte e exigido a pedir desculpas ao General, por ter exercido um direito constitucional – Liberdade de Imprensa e de Informação – agora é sugerido a ajoelhar-se nas botas do General, lambê-las e vir, publicamente, confessar o crime de informar – só mesmo em Moçambique. E os mesmos defensores organizacionais da Liberdade de Imprensa dizem não ter dinheiro para o apoiar – que coisa, nem!?

 

Na Cidade da Beira, o jornalista Arsénio Sebastião, quando pensava que o caso, que aparentava ter sido dirimido em 2020, eis que um Tribunal local decidiu condená-lo pelo Crime de Corrupção. Já se passaram semanas e nenhuma organização veio ao público para denunciar e repudiar esta acção incompreensível do Tribunal.

 

Portanto, os casos são variadíssimos, e espalham-se em todo o País. Talvez terei que fazer um segundo texto para narrar mais casos de género, porque é importante que haja mudanças de comportamentos e atitudes por parte de todos nós. 

 

Por conseguinte, chegando a esta parte, eu penso que seja de vital importância que se repense sobre quem representa a classe jornalística em algumas Províncias. Não se pode admitir que assessores de dirigentes que, estranhamente, ainda exercem a profissão estejam na liderança de organizações como MISA-Moçambique e SNJ, as quais, quando bem dirigidas e representadas, tornam-se num veículo importante de defesa, protecção e moderação desta profissão nobre que, em outros quadrantes, constitui o Quarto Poder, mas, aqui na Pérola do Índico, alguns guardam o poder no quarto!

 

Atenciosamente. Até já!

 

segunda-feira, 02 agosto 2021 07:18

“Alguma novidade de Kigali?”

“Alguma novidade de Kigali?”. Foi assim que esta manhã, à mesa do café, fui recebido pelos amigos. Pelos vistos será a praxe dos próximos tempos - contrariamente ao habitual – a luz da chegada da tropa ruandesa, sobretudo depois do primeiro briefing, a partir de Kigali, a capital do Ruanda, alusivo a evolução da luta contra o terrorismo em Cabo Delgado. Antes a pergunta, sobre a mesma matéria, dirigida ao último a chegar à mesa e cabendo-o o voto de qualidade, era um tímido “ouvimos dizer que…! Confirmas?”

 

O intróito lembra-me que no quadro da ajuda ocidental ao desenvolvimento de Moçambique, e parte considerável tida como doação (grátis), eu cresci a ouvir que o país não podia fazer determinadas coisas (e soberanas) porque “o Fundo Monetário Internacional (FMI) não deixa”, que “o FMI vai repreender” e que desta instituição, a fonte de informação segura sobre as novidades e contornos do desenrolar dessa ajuda e de outras relações financeiras como fora o caso das chamadas “dívidas ocultas”.

 

Hoje, face aos contornos da presença da tropa ruandesa em Moçambique, para citar um exemplo, oiço/vejo em “reply” o mesmo filme com o FMI, mas actualizado. Na sua comunicação à nação, o Chefe de Estado moçambicano disse que no quadro da ajuda estrangeira (ruandesa), que é solidária (grátis), o comando no teatro de operações continuaria em Maputo. Não se esperou tanto, menos de uma semana, para que os sinais do briefing ruandês, pelo menos por enquanto, indicassem que Kigali será o palco das novidades (e o comando?) e, na senda, o provável destino dos ganhos. Infelizmente, da experiência com a versão original do filme, não se tirara a devida lição de que “a ajuda não é caridade” tal como dissera um antigo e então PM do Canadá, um país doador ocidental, nos primórdios do corrente século, a propósito da ajuda ao desenvolvimento.  

 

Do dito, e para terminar, auguro (oxalá erradamente) que decorrente da caridade de Kigali, ou de uma outra capital que parta a ajuda militar, os nossos filhos cresçam a ouvir de que “Kigali não deixa”, “ Kigali não vai gostar” que “Kigali quer assim” e de que “são ordens de Kigali”. E assim, e em jeito de resposta à pergunta que me fora colocada à chegada para o café matinal, é caso para dizer de que a novidade (da ajuda) que nos chega de Kigali é a de sempre (velha, conhecida e rabugenta) e que só difere o samaritano, Kigali. Alguém confirma?

Soube esta manhã que o Jornalista João Matola da Rádio Moçambique (RM) partiu. Soube-o ao ler o texto de despedida/homenagem lavrado pelo seu colega da RM, Arão Cuambe e publicado no Jornal Carta. Enquanto lia, invadia-me a memória de um certo dia de Agosto em 2006. Foi um dia de reunião do Conselho de Administração da RM. Eu e um colega, na qualidade de organizadores do I Fórum Social Moçambicano (que teria lugar em Outubro de 2006), participávamos na dita reunião e que definiria as linhas da parceria entre a RM e a organização do Fórum Social Moçambicano, nomeadamente na divulgação e cobertura integral deste evento pela RM.

 

“Temos interesse e queremos ser um parceiro estratégico deste evento”. Assim concluiu Botelho Moniz, que dirigia a reunião que terminara, no ponto de agenda atinente ao Fórum Social Moçambicano, com a indicação do João Matola, convidado a propósito à reunião, para que este fosse o ponto de ligação da RM na parceria com o Fórum Social Moçambicano. Desde esse dia e por 03 meses o João Matola foi mais do que um ponto de ligação - um amigo, conselheiro, assessor, activista social – tendo o seu empenho traduzido numa divulgação e cobertura do evento comparável e de fazer inveja com a de grandes eventos oficiais e privados deste país.

 

Lembro-me, para dar uma ideia do compromisso e entrega de João Matola, que na manhã do dia seguinte ao da reunião do Conselho de Administração da RM, enquanto preparava-me para entrar no ar no programa de Emílio Manhique, outro saudoso jornalista, este pergunta-me para quando é que era o evento. Depois da minha resposta ele ficara espantado pois ainda faltava muito tempo, o que não era normal no seu programa.

 

Da leitura do texto do Arão Cuambe, ressaltou-me o seguinte trecho: “ …Ao final do dia, o João, como um bom “marronga”, com passagem pelas escolas portuguesas, actuava como meu enólogo fazendo-me provar desde a Casa de Insua, de casta agradável, e um bom Borba, entre outros vinhos Portugueses”. Mal ainda terminara a leitura enviei, por Whatsapp, o link do texto a um amigo que também participara na organização I Fórum Social Moçambicano. Com o link foi a seguinte mensagem: “Thomas. Este é quem ficara encarregue pelo Conselho de Administração da Rádio Moçambique para cobrir integralmente o I Fórum Social Moçambicano tendo cumprido com sucesso. De lá até hoje ficamos por tomar um copo e quem sabe nesse dia eu teria tido uma aula sobre vinhos.” Do Thomas, a resposta: “Não repita isso de ficar a dever alguém uma sessão de copos”.

 

“Um copo de balanço” por tomar com João Matola é a sessão em dívida desde os finais de Outubro de 2006 e que desde então, eu e o João Matola, sempre que nos cruzássemos, era recordada como um pendente. E ainda continua um pendente. Saravá João Matola!

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