Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Carta de Opinião

quarta-feira, 23 junho 2021 09:32

A nova e rentável bolada da terra do rand

Enquanto os brutamontes da Pérola do Índico caçam os calvos, albinos e os "magnatas de origem indiana ou asiática", na terra do pai Madiba o foco agora é outro. Já não são os diamantes, ouro, viaturas luxuosas, produtos faunísticos, assaltos ou raptos que estão na moda lá na djone.

 

Os brutamontes da terra do rand viraram o foco e passaram a olhar para um novo negócio que infelizmente abrange a pessoas dos 40 anos de idade em diante. Os tipos não querem saber de trintões, mas sim de quarentões em diante. Porque o alegado produto é mais rentável nesta faixa etária.

 

A nova e rentável bolada da terra do rand são os joelhos. Para eles, não interessa qual dos membros inferiores desde que a estrutura do mesmo esteja completa com o vasto lateral, medial, intermédio, recto femoral, bíceps, semi-tendinoso, semi-membranoso, responsáveis pela extensão e flexão do joelho estejam em condições e fortificados.

 

Os brutamontes fazem a selecção do alvo durante vários dias. Vasculham em bares, mercados, locais desportivos, prostíbulos e campos agrícolas. A ideia é conhecer a rotina da vítima. Chegando o dia da captura eles introduzem-te substâncias químicas que te deixam em coma momentânea. E durante o período de inconsciência e num sono profundo, com a anestesia aplicada, eis que é removido o joelho e interligado novamente. O esquema é altamente sofisticado. Fazem parte médicos, cirurgiões, anestesistas, enfermeiros e indivíduos das negociações.

 

O maior susto das vítimas acontece quando despertam e tentam caminhar. Acabam percebendo que uma das pernas já não tem os mesmos movimentos; e quando a anestesia acaba a dor é insuportável.

 

Os brutamontes que durante anos dedicaram-se ao extermínio de rinocerontes e outras espécies animais da vida selvagem agora viraram o foco para o ser-humano – autentica banalização da vida humana! Ou seja, enquanto o corno do rhino era/é mais rentável quando vem de um animal jovem, o negócio dos joelhos é mais rentável quando o ser-humano é adulto – que coisa! O homem caçando outro homem e criando uma nova sociedade de mutilados. Era bom que esse novo negócio rentável da terra do rand não se expandisse em outros países como o nosso – Moçambique – a barbárie seria maior.

segunda-feira, 21 junho 2021 09:39

Vou abandonar este pais

Nhambuli  está cansada de viver aqui, no seu próprio país, onde as pessoas, segundo ela diz, correm todos os dias e não chegam a lugar nenhum. Fumam cannabis sem parar, nas calçadas, na tentativa vã de atingir a felicidade na alucinação, e o que se vê  é a contínua degradação do tecido da carne e do espírito. O pior é que nunca mais amanhece, para se concrectizar a poesia de Jorge Rebelo, “Não importa que seja longa a noite/a verdade é que há-de amanhecer.

 

De que vale eu ter todos estes bens que alimentam a minha carcaça – desabafa Nhambuli – se aqui mesmo ao lado há crianças que dormem sem comer! De que vale toda a bebida refinada de que me disponho, se aqui mesmo as mulheres são violadas diante de toda a gente, as cerianças estupradas! De que vale tudo isso se as hienas não esperam que a gente morra para nos degustarem! De que vale viver!

 

Nhambuli é uma mulher de finos cristais por dentro, onde bate descompassado – mas firme - um coração de ouro puro filtrado pelo fogo. Admiro-a, sobretudo pela serenidade transmitida pela voz profunda, e pelo olhar perturbador. Também noto sem muito esforço que apesar de melancólica, ainda mantém a lanterna nas mãos -  no lugar das armas - a procura de outros caminhos que a possam levar a novas auroras.

 

Nhambuli venera o silêncio, por isso leva-me frequentemente – no seu carro - à praia de Guinjata, onde ficamos longas horas a ouvir a música ora tranquila, ora retumbante, interpretada pelas ondas do Índico. Neste paraíso nós somos meros mirones sexagenários, não propriamente frustrados, mas sem muita esperança. É por isso que Nhambuli diz repetidamente sem se cansar, vou abandonar este país!

 

Nhambuli nunca saíu de Inhambane, provavelmente seja por isso que de dentro dela nunca nascem farpas. Dentro dela há harpas que soam nas palavras e no olhar. Os olhos de Nhambuli cantam, ou ao pestanejar ou ao fixarem-se sobre algo como agora que contempla o Índico, agradecendo toda esta dádiva de estarmos aqui, quando muitos neste belo Moçambique, definham no desespero, sem nada para comer. É injusto!

 

Mas há uma orca dentro da Nhambuli, e Nhambuli não quer que essa orca sobreviva. Então, o melhor é fugir daqui – segundo diz nos intervalos dos goles de scotch -  no barco de Gilberto Gil, “vamos fugir deste lugar baby/Estou cansado de esperar que você me carregue”. Ela canta sempre essa poesia do Gil, sem celebração nos olhos, nem na alma, implantada na voz. Nhambuli é a rola que deseja ardentemente voar para outro horizonte, e deixar para trás esta noite que nunca mais amanhece.

 

sexta-feira, 18 junho 2021 09:04

Diário de uma reclusa de Ndlavela

Vocês não imaginam o que acontece no interior daquelas paredes e grades. As coisas pelas quais passamos! Há dias que pensamos que quem devia estar no nosso lugar é quem diz proteger-nos. A exploração sexual ou escravatura sexual que somos submetidas já perdura há mais de uma década!  

 

Chamo-me Yola dos Anjos, reclusa número 141, bloco C, condenada a 30 anos de prisão efectiva e cumprindo pena desde 2006 em Ndlavela, a maldita Cadeia feminina da província de Maputo. Reconheço que no passado errei, porque estava inserida numa gang que aterrorizou a capital de Moçambique na primeira década do século XXI. Estava envolvida em furtos e assassinatos. Fui condenada porque guardava, vendia produtos roubados e cozinhava para eles.

 

Hoje quando olho para o tempo arrependo-me bastante, mas tenho a fé que um dia terei a minha liberdade e serei um novo ser-humano – uma mulher adulta mais rejuvenescida! Deixem o meu passado de lado, porque estou a escrever este assunto hoje para vos explicar que quando cheguei a Ndlavela; lá para os anos 2006 ou 2007 esta realidade já existia e pelo que vivemos toda a estrutura fazia parte do esquema (…). Eu fui uma das pessoas que durante anos sofreu nas mãos desta gente. Na altura eu tinha 23 anos de idade com os atributos e molhos ainda fresquinhos. Embora já tivesse feito, uns dois ou três abortos, mas tudo estava em dia!

 

Num belo dia quando já estava na cadeia há cinco meses, fui chamada para um gabinete de uma das chefes que prontamente disse que tinha uma bolada que todos sairíamos a ganhar caso eu cooperasse. Perguntei-lhe: “que bolada é essa?”. Eis que ela respondeu, que poderia trabalhar para eles, vendendo o corpo para homens "bem posicionados económica e socialmente" em troca de dinheiro e regalias infinitas na cadeia enquanto cumpria a pena de 30 anos de prisão efectiva.

 

Espantada, voltei a perguntar, qual é a outra alternativa? Eis que a chefe olhou-me de cima para baixo e vice-versa e disse: "vais conhecer o bloco A do inferno na terra e todo sofrimento que existe nele. Logo, Yola dos Anjos, caso não queiras fazer parte e cooperar devidamente vais implorar para morrer, ou seja, é pegar ou largar – podes ir!".

 

Naquele dia saí do local em lágrimas e fui a minha cela pensando em tudo que havia sido dita. No dia seguinte, vieram seis guardas e levaram-me para um gabinete onde fui mais uma vez ameaçada e como bacela obrigaram-me a "dar" para dois deles! No fim, disseram que ela estava pronta para o trabalho.

 

De 2006 – 2014 não imaginam em quantas pensões, casas particulares e hotéis fui obrigada a estar e a prostituir-se. Nem eu, já não mim lembro. Foi um momento que só tinha que obedecer e em troca ficava tranquila na minha cela, comendo, assistindo televisão, descansando depois de ter suportado vontades de homens depravados e o medo de perder a vida estranhamente na cela! A minha história foi cruel. Fui explorada sexualmente dentro e fora de Ndlavela.

 

Com a idade avançando, aos poucos fui sendo afastada das preferidas, também muitos clientes deles já haviam passado por mim e já não era uma "coelhinha ou pombinha" desejada, uma vez que os valores monetários são previamente pagos aos chefes (cafetões).

 

A verdade é que o esquema, não é de hoje! Assim como, não é de uma ou duas pessoas, é um sistema e não está só em Ndlavela, abrange há vários estabelecimentos, e felizmente o Centro de integridade Pública (CIP) investigou e revelou, este! Mas acreditem, que caso, nada venha a ser feito, nós as reclusas fomos submetidas a esta situação, vamos passar por momentos tenebrosos.

 

A senhora Ministra da Justiça esteve aqui e felizmente a direcção foi suspensa! Mas os guardas e cozinheiras ainda estão por aqui. Nada peça sobre eles. Por nós esteja gente toda deveria expulsa, acusada, condenada e presas. Porque com os subalternos ainda em funções isto vai se tornar ainda mais insuportável nos próximos dias – esta gente é capaz de tudo para manter o seu status quo – a escravatura sexual moderna.

 

Senhora Ministra, como mulher e mãe, coloque-se no nosso lugar e análise! Por nós, se existissem condições, este estabelecimento prisional deveria ser encerrado, mesmo se fosse temporariamente, porque este lugar não reabilitou e muito menos integrou socialmente alguém – as nossas almas foram queimadas em Ndlavela.

 

Excelências, se querem resolver este problema, removam o capim tirando todos os seus componentes, por que se quiserem cortar a parte de cima, esta situação vai agudizar-se e talvez até haja estranhas mortes de reclusas!

 

A senhora Ministra e o senhor Presidente, precisam mostrar que em Moçambique existem Leis e que os Direitos Humanos são respeitados – que a impunidade não pode vencer a dignidade humana e a verdade!

 

Texto de imaginação, mas baseado em factos reais. 

quinta-feira, 17 junho 2021 18:25

Comiche, Cecil Rhodes ligou-me!

Foi esta manhã. A chamada, com toque do além, foi breve e a propósito do “FUTRAN”, a nova aposta das acácias para resolver – desta vez pelo ar – o crónico problema de mobilidade urbana na Região do Grande Maputo, em particular no Município de Maputo. O Cecil Rhodes (1853 – 1902), temido colonizador britânico com vasta participação na edificação do sistema ferroviário da África Austral, denunciando, na sua voz, uma certa e arrogante autoridade na matéria, disse: “Olha, diga ao seu edil (Eneas Comiche) que a solução da mobilidade, na então Lourenço Marques e ligações afins (incluindo com a sua amada África do Sul), está, desde os finais do século IXX, à vista de todos e bem firme na terra”. Mal eu acabara de ouvir as últimas palavras, o sinal do além retorna e a chamada cai, mas, felizmente, a mensagem fica: a solução da mobilidade na Região do Grande Maputo passa pela capitalização do sistema ferroviário instalado faz perto de uma centena e meia de anos. Aliás, o projecto “metrobus”, operacional há pouco mais de dois anos, é disso um indicador inquestionável. 
 
Pois. Também, quanto o leitor, não tenho dúvidas de que o modo de transporte ferroviário é a chave para a melhoria da mobilidade urbana na Região do Grande Maputo e não só. As razões são óbvias, sendo duas delas, (1) a infra-estrutura instalada, e (2) o meio de transporte é de massa. Por outro lado, e disto tenho sérias dúvidas, uma perguntinha: porquê a ferrovia não é a aposta para a solução do caos no transporte urbano em Maputo? 
 
Enquanto aguardo quem responda, estou num café, sito na outrora Av. Filipe Samuel Magaia, hoje Felipe (sim com “e”) Samuel Magaia, segundo as novas placas de endereçamento da capital. É grave! Encontro-me na companhia de um amigo e contei-o a inusitada chamada. A reacção (igualmente inusitada): “A prioridade já não são os acessos ao centro da cidade (assunto do “FUTRAN”), mas sim a de evitar que os munícipes e os visitantes não se percam pela cidade”. É justo, mas espero, para terminar, que eu , ou o mesmo o estimado leitor, não tenha que receber uma  chamada matinal, do além ou não, e desta a chamar a nossa atenção para o necessário cuidado com a História nos projectos que se adoptam, sobretudo os de âmbito e interesse público.    
 
PS: A propósito das novas placas de endereçamento da cidade: justifica-se quatro postes por esquina? Não será este um novo obstáculo (físico) na mobilidade urbana em Maputo?
quarta-feira, 16 junho 2021 10:10

Amor à minha eterna Pátria

Minha pátria, meu sangue,

Teus braços, minha alma, meu sofrimento,

Teu suor, meu sonho, minha loucura

Teu choro, minha angústia, minha felicidade desejada

Tuas lagrimas, meu desespero,

 

A tua guerra, é minha, sou eternamente teu,

O sangue derramado, é minha perdição, é meu demónio eterno,

Minha pátria, meu único sonho, meu único horizonte,

Tua existência, é meu único destino,

O teu luto, é minha morte, é meu eterno perigo

Os teus gritos, a minha insónia, a minha esquizofrenia,

 

Minha pátria, meu Moçambique, meu segredo público  

Acredito em ti, és combativa, morro contigo porque és eterna,

Ensinaste-me o patriotismo lá na Escola primaria Criadora do Homem novo, lá no Songo,

Sou teu filho, sou tudo o que te posso dar, minha pátria,

Minha alma, meu ser, és a minha substância,

Minha pátria, minha felicidade angustiada,

 

Amo-te, meu sonho permanente,

És tu, sempre foste tu em todos os tempos,

Estou orgulhoso, és única, minha pátria única,

Os meus soldados, os meus amores eternos, os meus eternos camaradas,

Combates o inimigo, dás-me orgulho,

Não adormeces, eu durmo, és a minha segurança,

Tu estas sempre acordada,

És minha tranquilidade,

Minha pátria, minha paixão eterna.

 

Minha pátria, és o meu horizonte,

Cada filho morto por ti, é minha morte,

Morro em cada filho que derrama o sangue por ti, és minha,

Existo hoje, porque sacrificaste-te muito,

Minha pátria, amo-te,

Quero-te sempre, amo-te sempre.

Não existo sem ti, minha eterna pátria.

segunda-feira, 14 junho 2021 09:06

Carta de uma "instruenda" em Matalana para o mundo

Escrevo esta missiva numa altura em que a nossa "casa" está em "chamas". Escrevo para dizer que o "nosso modus vivendis em Matalana" foi exposto ao público e ao mundo. A humilhação e a violação constante dos nossos direitos em nome da preparação para um "futuro melhor" e protecção e segurança da pátria veio à tona.

 

Não escrevo para me justificar e muito menos expôr tudo, mas para dizer que Matalana é onde meus sonhos foram colocados à prova. Aqui em Matalana, ser mulher com atributos é um pesadelo (...) "todos querem passar por ti, se não é por bem será por mal. Como foi com a Mbyte, menina linda lá das bandas de Bajone, na Maganja da Costa, rosto de actriz Indiana, corpo desenhado que nem uma guitarra descrita na música ‘Ana parece novela’ de Matias Damásio”.

 

O sonho da Mbyte era fazer parte da polícia e um dia ser Comandante-Geral da corporação. Tão jovem e habilidosa, o pecado dela foi ser admitida em Matalana e o instrutor "Muthu" dizer que esta seria minha por bem ou por mal. Aquilo foi o fim para ela. Mbyte voltou grávida e está infectada. Hoje pensa em tirar e desistir da vida. Mesmo com tantos conselhos de nós as amigas, ela diz que a família não lhe aceita, porque desonrou a mesma. Mesmo quando diz que foi violada por várias vezes pelo instrutor, a família não entende.

 

Escrevo este ensejo para revelar que (in) felizmente os instrutores e nem os meus colegas pensaram em tocar-me porque dizem que tenho postura de comando ou o famoso “vilão Fenda”, o homem que violentou o actor Jean- Claude Vandamme. Porque eu não mostro os meus dentes para ninguém, que minha bunda é rija que nem a pata da “galinha do mato”. Que eu venço todos os homens nos treinos, seja em artes marciais, tácticas operativas, resistência ou qualquer outro exercício. Eles têm medo de mim.

 

Mas hoje quando vejo que algumas passaram por um total inferno. Anteciparam um projecto de vida que não tinha chegado a hora. Trocaram de sonhos forçosamente, devido à gula excessiva dos inspectores M Pino, Choquito ou Tembesi. Penso que estou num lugar errado. Penso que eu tinha que fazer algo. Mas não fiz! Mas de repente, surge uma voz no fundo dos meus tumultuosos pensamentos e diz: continue para que faças o diferente. Para que defendas todas as mulheres vítimas de qualquer tipo de violência.

 

“Fiques para que o mal não vença o bem. Para que a fisionomia da mulher não alimente apetites insanos e competitivos dos homens. Só cabe a pessoas como tu colocarem a ordem nas fileiras. A usarem do lado bom da formação e instrução para servir a nação”, diz-me a tal  voz.

 

Escrevo esta carta para dizer que em Matalana também tem mulheres diferentes que não são preguiçosas e de uso descartável. Escrevo este ensejo para revelar que as anteriores 15 e as actuais nove são uma gota no oceano dos horrores que ocorrem em Matalana, Muinguine, Montepuez, Mueda, Nacala, nas esquadras, comandos, ministérios afectos e outros locais, onde mulheres que querem a farda têm passado.

 

Texto de imaginação, mas inspirado em factos reais.

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