Director: Marcelo Mosse

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Carta de Opinião

quinta-feira, 14 novembro 2019 06:53

Vim te dar um abraço

Marcelo Rebelo de Sousa, o ti Celito,  foi ter com João Lourenço, em Roma, onde os dois se encontram (vam), cada um com a sua agenda, e disse assim para o presidente angolano, vim te dar um abraço! Ohei para a imagem dos dois estadistas, cada um entregue aos braços do outro, e senti que aquele gesto era profundo. Inolvidável. Arrepiei-me com o reflexo dos dois homens que uniam seus corpos, deixando que toda a alma fluísse, para o calafrio do sentimento. Antes já tinha visto outro abraço, entre o Presidente Nyusi e o líder da Renamo, Ossufo Momade, e o que senti nessa altura,  foi o sabor de uma comida temperada com sal insípido. Ou seja, enquanto do lado de Momad ressaltava a euforia, o  Presidente conteve as emoções. E isso fez-me recear que podia haver uma pisca-pisca para a esquerda, de um carro que na verdade iria virar para a direita.

 

Roberto Carlos já cantava, e dizia assim,

 

quem me dera que as pessoas que se encontram,

 

se abraçassem como velhos conhecidos

 

descobrissem que se amam

 

e se unissem na verdade dos amigos

 

Roberto Carlos canta a poesia. Pura. Exalta a paixão. O desejo pemanente de paz. E quem me dera, que daquele abraço entre Nyusi e Momad, ressurgisse Louis Armstrong, cantando what a wonderful world?

 

Eu oiço bebés chorando, eu os vejo crescer

 

Eles vão aprender nuito mais que eu jamais vou saber

 

E eu penso comigo, que mundo maravilhoso!

 

Sim, eu penso comigo, que mundo maravilhoso!

 

Mas essa dádiva é-nos recusada pelos graúdos do meu país, onde as mulheres não sabem o que será dos meninos que gestam nas barrigas insufladas de violação,

 

Mulher barriguda que vai ter menino

 

Qual o destino que ele vai ter?

 

Haverá guerra ainda?

 

Tomara que não!

Secos e Molhados (conjunto musical brasileiro)

 

São essas mulheres vagueando nos atalhos e nas ruas empoeiradas, sem destino, arrastando para o mato as crianças que perguntam, mamã, vamos para onde? E elas respondem, cala, meu filho, não faz barulho, amanhã voltaremos para casa.

 

Estás a ver a lua que disponta dos céus?

 

Hoje há luar

 

Vamos brincar à thumbelelwana (brincadeira de crianças)

 

Mingas

 

Qual brincadeira, qual quê! Qual lua que disponta dos céus! Aqui são as balas que sibilam, e as facas, e as catanas. Essa é a música do diabo que se ouve nestes lugares, onde o coro sai das nossas jugulares decapitadas. É esta a verdade que prevalece, e triunfa, enquanto do outro lado explodem garrafas de champanhe e cheiros de fígados estufados para regar os banquetes.

 

Xantima e bodlela (salve-se quem puder)

Salimo Mohamed

 

Voltou a sinfonia de Lúcifer, com todas as claves da desgraça. E lá estamos nós, correndo de um lado para outro, desconhecendo o que nos espera. Somos as cobaias aprovadas nos exames de sangue. E da ganância. Por isso a morte dança na estrada e nas cubatas onde já não podemos amar as nossas mulheres, onde as nossas mulheres já não podem afagar-nos os corpos cansados das jornadas incessantes. Somos essas reses estúpidas, encurraladas para abate.

 

A estrada já não é nossa. É da morte. A reverberante Muxúngwè voltou a perder  o entusiasmo. O sossego e a certeza de que amanhã vamos acordar, e cotinuar a libertar os balões dos nossos sonhos. Estamos com medo. Ninguém sabe nada a partir de agora. Aliás, a única certeza que existe, é de que há uma música que ainda não cantamos, todos nós moçambicanos, em únissono: Tiendi pamodzi! (Vamos juntos)

 

Se calhar o bom do nosso

terça-feira, 05 novembro 2019 13:08

Este dique vai ser varrido... juntamente comigo

A sensação que tenho é de que já estou a chegar ao fim. Perdi o entusiasmo. O engajamento às causas da música.  Amiúde tenho colocado o telefone no silêncio, para que ninguém me perturbe, na dor de velejar por dentro de um território imaginário que criei e fortifico todos os dias. Acumulam-se as chamadas e as sms, e só ao fim do dia é que as cedo, para logo a seguir voltar ao mutismo, depois de ver os noticiários na TV. Mas isso contraria o ritmo dos meus tempos de juventude, altura em que passava a vida com o ouvido colado ao celular, e os dedos nas pequenas teclas, escrevendo mensagens de paródia.

 

Geralmente durmo sozinho, e não pode ser verdade se eu disser que sou feliz assim. O que me safa é que o sono não demora, mesmo que eu queira ouvir, durante alguns instantes – depois de desligar o aparelho e deixar a luz ténue do candeeiro dissimulado na mesinha de cabeceira - a música serena da noite, antes de entrar em black out, e deixar que alma se aparte do corpo para as suas viagens de levitação.

 

Sou um homem solitário. Pior do que isso, já não consigo fazer parte das multidões em épocas de folia. Sofro de parafobia. É por isso que estou constantemente a remar numa nau que nunca sai do lugar, ou melhor, que corre o risco de ser levada cascata abaixo, e partir-se toda no rochego, antes de atingir a almofada das águas, que depois irão prosseguir no seu curso com o meu corpo flutuando. Despedaçado. E eu tenho medo disso.

 

Na verdade, esta relutância em sair e andar por aí, na esperança de encontrar alguém  para um dedo de conversa, só pode signicar que estou a ser devastado. Já não sou eu por inteiro. Dentro de mim só ficaram as sobras da euforia. Até a minha laringe, enrouquecida pelo blues desregrado, tecido nos delírios da canabis e da sura, está a definhar. Recusa-se a cantar, mesmo por debaixo do choveiro, onde me entrego todo os dias, nas manhãs,  à liberdade dos solvejos.

 

A minha guitarra jaz num dos cantos do quarto, desafinada. Empoeirada. Tento abraça-la para reforçar a nossa cumplicidade, e ela repele-me. Tento outra vez... nada! E já não me resta outra coisa senão resignar-me. Sem poder cantar, sem poder dedilhar nas cordas que conhecem muito bem as emoções dos meus sentidos mais profundos. Quer dizer,  fui despromovido, de andarilho inundado de claves, para uma bóia apagada. Incapaz de dar direcção aos barcos à vela, que um a um, estão se esbatendo dentro de mim.

 

Mas o que aumenta mesmo as minhas dores, é perceber que afinal o cesto das intermináveis colheitas a minha mercê, esteve sempre furado desde o começo. Não amealhei nada. Ou melhor, as poucas coisas que tenho, juntei-as por coincidência, num ciclo de vida por demais desorientado. E hoje, nem livros – também cheios de poeira como eu própio - consigo ler. Nem nada. Sou o último passageiro na viagem das hienas, que não sabe bem aonde vai descer. E mesmo que eu soubesse, não posso falar porque todas as minhas palavras estão amordaçadas. Os braços – dilacerados pela luta vã na conquista do amor - são incapazes de gesticular. As pálpebras mantêm-se inamovíveis, deixando livres os olhos que entretanto não vêm nada. Daí que só me resta continuar neste dique falso, que daqui a pouco será varrido... juntamente comigo.

terça-feira, 05 novembro 2019 06:36

Vítimas da Democracia

Na senda das recentes eleições dei por mim a pensar no que um amigo sindicalista disse-me uma vez – e passam anos - sobre a maldade da democracia. A tal malvadez era a própria democracia traduzida na alternância governativa, sobretudo, a decorrente da limitação de mandatos.

 

“O meu antigo chefe é uma vítima da democracia”. Com estas palavras e enquanto indicava para mim o seu antigo chefe, o meu amigo sindicalista dava por concluída a narração do historial da exemplar governação do seu ex-superior que se viu na contingência estatutária de abandonar o cargo depois de cumprir o limite de dois mandatos.

 

“Um bom chefe e o melhor que a instituição conheceu, mas, infelizmente, a democracia impediu a sua continuidade”. Foram as outras palavras do meu amigo sindicalista e ditas com profunda e dolorosa amargura. Para ele a democracia devia ser como no futebol: em equipa que ganha não se mexe (e nem se põe à prova).

 

Este episódio veio-me à memória à corrente das reflexões corriqueiras atinentes às últimas eleições, notadamente os seus contornos a ponto dos mesmos terem ditado - eventualmente - a goleada infringida pela Frelimo aos seus opositores. Em resultado desse desfecho, tenho ouvido - amiúde e com algum desassossego - que o país devia abandonar a democracia pluralista e voltar à democracia de partido único e terceiro-mundista das pós-independências.

 

Sendo assim – face aos resultados retumbantes e aos subsequentes prognósticos do “back to the past” - quem seria(m) a(s) vítima(s) da democracia? A oposição que não se impôs? Os eleitores (que votaram na oposição e/ou que não tenham ido às urnas)?O Ocidente (os patronos da democracia)? Ou os vencedores das eleições (os candidatos e os respectivos votantes)?  

 

Procurei pelo meu amigo sindicalista (hoje um devoto democrata) que para o caso em apreço disse bem alto e em bom-tom: “Os vencedores é que são as vítimas da democracia”. Em defesa da sua posição argumentou que uma equipa que sempre ganha cansa. E por perto - não alheio à conversa - um outro amigo e das hostes dos vencedores, questiona: “Cansa ou dança?” E o primeiro – com uma dose de sarcasmo - retruca: “Um dia desses, dança!”

 

E cá entre nós - a fechar - e bem na pele das metamorfoses democráticas do amigo sindicalista: o ser ou não ser uma “vítima da democracia” é uma questão que retumba a um dilema shakespeariano. Ademais e à luz das adaptações “workshopistas” do Doutor Fofa (um militante e consultor-turbo dos meandros da sociedade civil): dançar ou indagar, eis a questão.   

quarta-feira, 30 outubro 2019 06:58

Ainda és meu irmão

Nessa altura, Maputo era a minha fortaleza (entre 2000 e 2007). E eu vivia intensamente esse tempo, sem saber que daqui a pouco iria ser levado por outros ventos. Na verdade eu já trazia muitos retalhos,  que até hoje não consegui recozê-los para reestruturar a minha espinha dorsal, que entretanto está a vacilar. Eram as noites que me fascinavam, debaixo do néon, e o iluminar psicadélico dos clubes nocturnos, onde passei muitas fatias da minha vida. Entregando-me por inteiro.

 

Também andei por aí, na gandaia dos livros, misturando-me com os poetas sempre prontos a oferecerm-me palavras que me aquecem até hoje. E eu não me canso de usá-las para me sentir livre. Faço isso amiúde, sobretudo quando a angústia me fustiga. Aliás ainda ontem servi-me de um desses versos para enviar uma sms a uma mulher que nunca mais chega, e eu permaneço nesta longa espera, não me aguarde, basta que penses em mim. É esta poesia que disfarsa as minhas dores.

 

Em Maputo, como já disse, eu deixava-me conquistar pelas noites. Embrenhava-me nelas a procura de refúgio, e uma das grutas a que sempre recorri, é o Cinema Gil Vicente, ali em frente ao Jardim Tunduro, na Avenida Samora Machel. Lembro de um dia em que o Dua apareceu naquele lugar e cantou a música do Wilson Paulo, o filho do blues man João Paulo, e o título desse tema é, Ainda és meu irmão.

 

Dá-me a mão

 

Dá-me um abraço

 

Dá um passo

 

Faz um laço

 

Ainda és meu irmão

 

Poxa! Senti  o corpo todo cedendo, como se logo a seguir  as nuvens fossem abrir-se para dar espaço ao sol. Até porque foi  isso mesmo que aconteceu. A sala toda ficou em silêncio, ouvindo o Dua. E eu fazia parte desse silêncio, sentado à mesa do João Paulo, o JP, mesmo em frente ao palco, sem me preocupar com o tempo.

 

É confortável estar ao lado do João Paulo, que bebe jack daniels honey, para catalizar a voz. Uma voz por demais rouca. Bela. Única. Inexistente em Maputo. Ele acaricia o meu braço e diz assim, este gajo canta muito bem, pa! Referia-se ao Dua. Eu disse assim para o JP, vocês os dois cantam muito, caramba! Bebeu num trago mais um duplo e disse-me assim, vai-te lixar!

 

Esses pedaços da vida ficaram-me na memória, de um tempo em que  os meus  passos eram uma verdadeira anarquia. A bebida era o meu capuz, para fechar a vergonha de urinar na alma das acácias e fingir que não me importo com nada, quando no fundo doía-me as entranhas. Mas hoje estou aqui, gozando com tudo isso. Inventado um novo futuro que me mata de ansiedade.

 

Sou um sobrivente desse cataclismo, por isso passo a vida a rir-me do meu passado, e faço um esforço tremendo para me lembrar apenas das coisas mais bonitas que eu passei, como esta de estar na mesa do João Paulo, no Cinema Gil Vicente, ouvindo Ainda és meu irmão, na voz do Dua. Que é uma verdadeira catarse.

sexta-feira, 25 outubro 2019 07:13

Eleições enquanto (in)certeza

Desde cedo, as eleições constituíram a premissa base de debate e estudos em ciência política. O “acto do voto” foi tido como fundamental para o exercício do poder através da submissão e da dominação. Entre outras variáveis, a incerteza constitui elemento fundamental para o estabelecimento de um “jogo eleitoral” em que os concorrentes possam competir em iguais circunstâncias, mesmo que tal não seja de todo desejável ou alcançável quando se pretende buscar o poder. Como aponta Przeworski (1984: 84), as posições assumidas pelos distintos actores políticos não podem determinar “os resultados do processo político”, de tal sorte que “numa democracia ninguém pode ter a certeza de que seus interesses serão vencedores em última instância”. Em uma democracia, portanto, “todos devem submeter seus interesses à competição e à incerteza”.

 

Conscientes da nossa própria limitação, somos susceptíveis de omitir outras dimensões de análise. Assim, a partir deste comentário pretendemos sugerir alguma explicação em torno do recente processo eleitoral, exercício a ser feito em dois ângulos que devem ser lidos como complementares:

 

  1. Sobre os actores do processo

Numa eleição podem existir vários actores, sendo que os primeiros e fundamentais são os que directamente participam na qualidade de eleitos e eleitores. Nestes podemos adicionar os órgãos de administração e gestão eleitoral (OAGE: STAE & CNE), os quais são fundamentais para a organização de todo o processo, que em termos de ciclo não se circunscreve ao momento e dia da eleição em si. Do que sobre as eleições de 15 de Outubro se pode extrair, verificou-se o que chamamos de “confiança nua” entre os três actores acima mencionados: OAGE, eleitores e eleitos, estes últimos identificados como candidatos e partidos políticos. Notou-se e continua a registar-se tamanha insegurança sobre o que cada actor deve fazer para garantir a incerteza eleitoral (o debate em torno dos 300 metros foi disso um exemplo). Enquanto os eleitores depositam pouca esperança em quem votam, os eleitos pouca ou nenhuma confiança encontram em quem deve organizar o processo. Os partidos não conseguem cumprir a função de limitar as escolhas do eleitorado, deixando-os assim numa situação de total e completa discotecagem no mercado eleitoral.

 

Embora não se conheçam os dados da participação eleitoral na sua globalidade, podemos avançar com a hipótese segundo a qual o crescente descrédito que existe entre os eleitores e eleitos deve-se ao vazio de propostas que se verifica nos políticos na sua globalidade, sendo que os moçambicanos não são excepção. De forma cada vez crescente, emergem “novas” formas de participação política que já não encontram acomodação na “política usual” que é exercida dentro dos partidos políticos tal e qual conhecemos e por meio do voto.

 

No que toca aos OAGE excluímos desta análise as propostas que se colocam sobre a reforma que se deve exercer, pois pensamos que não será possível encontrar modelo adequado se antes não soubermos o que realmente se busca numa eleição: a incerteza sobre o(s) vencedor(es). Pensamos que nenhum modelo será eficaz se não conseguir garantir que os vencedores não sejam conhecidos antes da realização do próprio escrutínio. Entendemos ainda que os OAGE não são um corpo estranho ao processo em si, eles emergem e se constituem a partir do próprio sistema, sendo que a sua análise deve ser vista como um todo holístico. In fine, não nos parece que o debate central se coloque ao nível do actual modelo dos OAGE.

 

  1. Sobre a resistência à mudança

Para explicar a nossa segunda hipótese nos vamos apoiar aos estudos feitos no campo da administração pública quando abordamos as possíveis razões da resistência à mudança dentro de uma organização. Assim, podemos sublinhar que o processo de mudança envolve a combinação de vários factores, sejam internos ou externos, decorrendo de forma individual ou colectiva nas organizações, o que vai desde alterações na tecnologia, implantação de programas de qualidade, mudanças na gestão, fusão, alterações nas leis por meio do governo, alterações de máquinas, o que exige adaptações, mudanças de atitude e de comportamentos por parte dos funcionários tanto da base como do topo. As fontes de resistência individuais à mudança residem nas características humanas básicas, como percepção, personalidades e necessidades.

 

A resistência à mudança começa sob certas condições: falta de clareza (os indivíduos reagem quando recebem uma informação incompleta sobre modificações que as afectarão); percepções diferentes sobre o motivo da mudança (a tendência é ver apenas aquilo que se espera ver); pressão de forças contraditórias (surge na comunicação entre os líderes e os gerentes quando o funcionário é pressionado a incorporar novos padrões em pouco tempo e estes novos padrões não estão suficientemente claros); hábito, segurança, factores económicos (medo de redução dos rendimentos); medo do desconhecido e processamento selectivo de informação (os indivíduos passam a processar selectivamente as informações para manter suas percepções intactas, elas ouvem só o que querem ouvir).

 

Colocadas as premissas acima, podemos tomar os partidos e candidatos concorrentes como organizações onde os eleitores são seus funcionários. Nessa mesma organização, antes das eleições gerais de 2019 o gestor chamava-se Frelimo (e seu candidato presidencial), sendo que a cada cinco anos se deve renovar o mandato, e dessa vez chegou-nos como proposta os partidos Renamo, MDM e AMSUI (e seus candidatos). Sobre as propostas pensamos ser necessário colocar as seguintes questões, as quais não temos respostas: estariam os funcionários (eleitores) dispostos a exercer a mudança? que garantias eram colocadas para que os funcionários (eleitores) pudessem exercer tal mudança? com que intensidade e clareza os funcionários (eleitores) receberam informação capaz de os levar a exercer alguma mudança? seria, portanto, a mudança desejável ou oportuna?

 

Concluímos que a presente eleição foi uma oportunidade que permitiu levantar mais questões do que respostas que em momento oportuno merecerão estudos aprofundados. Por hora levanta-se a necessidade de repensarmos a estratégia de como exercemos a actividade política em Moçambique, a mesma que não deve se circunscrever apenas ao momento eleitoral per si. Com o advento da multiplicação de espaços e práticas de participação política (para além do voto), exige-se maior dinamismo aos actores da cena política, sendo que a propaganda eleitoral é chamada como fundamental para além dos quarenta e três dias de campanha eleitoral oficialmente estabelecidos no país, sob pena de esperar colher um determinado feedback a partir de uma demanda incorrecta.

NandoMeneteNum texto anterior falei da reconfiguração do vocabulário popular por conta de narrativas de acontecimentos políticos, internacionais e nacionais. Hoje e no contexto das recentes eleições volto a partilhar uma parte (e adaptada) do referido texto e com alguns acréscimos cujo título também foi sujeito a ajustes para o do presente texto.

 

Na segunda guerra do golfo/Iraque (2003) foi despoletado um debate cujo foco era saber se os americanos atacariam Bagdade, a capital iraquiana, por ar ou por terra. E creio que um general americano – se a memória não me atraiçoa - tratou de encerrar o pretenso debate valendo-se da frase: “O objectivo é Bagdade!”. E de que era indiferente se a invasão fosse terrestre ou aérea. Depois, com a tomada de Bagdade e do resto do Iraque, era frequente que se registassem - num e outro local - ataques dos iraquianos que o mesmo general apelidou de “Bolsas de Resistência”.

 

Certo dia e no decurso de preparativos de um evento de “copos & papo” de um grupo de amigos subsistia a dúvida em relação a compra de um barril de cerveja 2M ou de Laurentina Clara, atendendo a austeridade imposta pela falta de verba. O impasse foi sanado quando um dos amigos – que adequando os novos termos da guerra do golfo ao vocabulário - sentenciou à americana: “Não interessa se o barril é de Laurentina Clara ou de 2M: o objectivo é Bagdade!”.

 

O dia “D” para os “copos & papo” amanheceu com chuviscos. Um elemento de avanço - já no local de batalha e preocupado com a chuva - ligou para um outro a manifestar alguma apreensão quanto a comparência do resto da legião. E ele só ficou descansado quando do outro lado da linha ouviu que a chuva era apenas uma “Bolsa de Resistência” e insignificante para impedir o assalto à “Bagdade”. Nesse dia “Bagdade” foi tomada de forma retumbante e inequívoca.

                                                                                                                            

Um outro episódio e à reboque de acontecimentos políticos resulta da sequência e contexto da assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP), nomeadamente, no que se refere ao acantonamento das forças militares das partes signatárias - Governo e RENAMO - em quartéis/bases até que fossem desmobilizadas ou reorientadas.

 

O mesmo conceito – acantonamento – foi acomodado no vocabulário de uma determinada residência universitária onde os quartos eram partilhados por dois a três estudantes. Nos finais de semana era comum um visitante chegar à dita residência e encontrar um ou dois quartos apinhados com a maioria dos estudantes. Segundo eles, estavam acantonados por força de outras assinaturas – as da paz biológica – que decorriam em paralelo e de forma sonorosa nos restantes quartos.

 

Recordei-me destes dois episódios a propósito das recentes eleições (15 de Outubro de 2019) e por duas situações. A primeira prende-se com as recomendações “votou, ficou” (no local) e “votou, partiu” (para casa) que se assemelham ao acantonamento forçado que acontecia na residência universitária em dias de flexões locais. E a segunda situação tem a ver com o enchimento das urnas. Isto e considerando os relatos de que as urnas foram enchidas, é suposto que a palavra de ordem tenha sido - nada mais e nada menos - a célebre frase: “O objectivo é Bagdad!”. 

 

Por fim e por alguma razão - na residência universitária e nos dias aludidos - a opção de ficar no local do voto não era necessariamente proibida. Contudo, há quem preferisse ai acantonar e observar todo o processo in loco, tal “bolsa de resistência” (ou de assistência na esperança do avesso “ficou, votou”), mas - no final do dia - insignificante para travar a grande e ofegante marcha pela tomada completa de “Bagdade”.

 

PS. Este final de semana (25, 26 e 27 de Outubro) e face a agressividade propagandística do “Eixo Jardim-Bobole” (CDM-Heineken) paira mais um impasse em relação a escolha do que sorver para deleitar a abertura da estação de verão. Mas seja como for: “O objectivo é Bagdade!” e tenha um final de semana feliz!