Covid-19 começou como uma epidemia na China e passou a pandemia na sua dimensão mundial, tornando, até então, Moçambique numa ilha geográfica positiva, visto que, até à data, não temos nem um caso do vírus e muito menos um paciente zero.
Que assim continue, mas atenção! Enquanto existirem pessoas a circular, a entrar e a sair, a probabilidade de ocorrência do vírus aumenta, infelizmente. Nestes casos, o tempo é ouro, é urgente antecipar os eventos e os acontecimentos, vamos agir para não reagir. Para o nosso contexto moçambicano o mais sustentável seria mesmo robustez nas medidas de prevenção no lugar da mitigação (a partir do momento em que surgiu a epidemia).
A pandemia Covid-19 e as Instituições de Ensino Superior (IES)
Permitam-me frisar, primeiro, que esta pandemia precisa de uma resposta holística, prática, e sobretudo flexível, sem salamaleques. Pois é tempo de agir de forma coordenada e dinâmica. A burocracia podemos guardá-la na gaveta, ela não se sentirá ofendida. O tempo requer de forma imperativa sabedoria e liderança.
O país tem um número redondo de 50 IES, é óbvio que elas têm um papel relevante na resposta moçambicana a pandemia do Covid-19, assim como já tiveram noutras pandemias, como foi no caso de VIH-SIDA. Acredito que as faculdades de medicinas existentes no país, assim como outras faculdades que podem dar um apoio maior nas questões comportamentais, já estão em movimento, ou melhor, 'já fazem parte' de forma holística do grupo técnico multissectorial nesta resposta. Mesmo perante os factos que as Nações Unidas em Moçambique têm estado a partilhar na sua página do Twitter, onde "80% dos funcionários da OMS estão a dedicar-se em apoiar o Ministério de Saúde em finalizar o Plano de Preparação e Resposta para o COVID19", acredito soberanamente não estamos no reboque, e que nesta resposta as IES não estão inertes.
Atitude Inter Universidades
Um dos valores que as universidades mais defendem é a sua 'autonomia'. Em contexto de pandemia a maneira e a forma como as universidades comunicam dentro e fora servirá para reforçar esta 'autonomia'.
As universidades moçambicanas são tuteladas pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional, e ainda, o Conselho de Reitores. Acredito que uma forma que pode flexibilizar a resposta entre universidades à pandemia sem beliscar a 'autonomia' das mesmas, é ter uma comunicação muito flexível e dinâmica entre estes atores. É importante que exista uma resposta flexível, mas coordenada, se agirem juntos, sentir-se-ão mais fortes e capazes.
Através das redes sociais é possível verificar que de forma isolada e tímida, as universidades têm estado a emitir sinais de resposta à pandemia (Despachos e 'comunicações), mas fazem-no de forma opaca e dentro do ovo, ou seja, de forma isolada, como se o importante fosse uma comunicação interna, o que as transforma em pequenas ilhas criando resposta para o mesmo problema.
Para as universidades, acredito que este é um momento de comunicação flexível e desburocratizada, sem deixar de lado o papel e o posicionamento do ministério de tutela e do Conselho de Reitores (o silêncio é um dos maiores inimigos desta pandemia). Ou seja, não devem assoviar de forma isolada, mas sim de forma conjunta e coordenada.
Atitude Intra Universidades
A pandemia é 'antissocial', ou seja, uma das melhores formas de preveni-la é através de social distancing. Na eventual hipótese de encerramento das IES, como irão agir com vista a não prejudicar o semestre que mal teve o seu início?
Pois a mensagem chave perante esta hipótese seria a seguinte: não estão de férias, as aulas continuam, mas na modalidade à distância.
Mas pronto, até então tratasse de uma hipótese. O pássaro que temos nas mãos são algumas aulas inaugurais a serem canceladas, e muito bem, e comunicações internas nas universidades, visto que o país elevou o estado de alerta face ao Covid-19. Mesmo perante o cenário de comunicações internas, não deixa de ser importante a maneira como comunicamos, a maneira como as comunicações têm impacto na percepção no processo de recepção da mensagem.
Não existe mal algum nesta fase de comunicação interna, as universidades manterem as pontes de comunicações com outras universidades e, se necessário, com outras realidades. Não precisamos de ser uma ilha em momento de pandemia, se não iremos transformar a pandemia em um pandemónio.
Atitude para os Estudantes na Diáspora
O país no geral, tem estudantes a estudarem e a viverem na diáspora. As universidades moçambicanas e de outros países têm desde o início da epidemia, de forma factual, estudantes em países de pico do Covid-19. No caso da China foi possível verificar cenários de estudantes a partilharem, infelizmente, as situações que estavam a viver no eclodir desta epidemia.
Acredito que as respostas que os vários países têm face à pandemia hoje, tem sempre a China na fração, onde ela ocupa o lugar de numerador. O que os estudantes na diáspora passaram no início da epidemia não precisa de categoricamente repetir-se agora na fase de pandemia, até porque todas estas situações tem um lado pedagógico, ou melhor, podemos sempre aprender delas. Mas como se diz na andragogia, "o adulto só aprende se o quiser". Mas precisamos de desaprender esta forma de trabalhar com 'chamboco'.
Para o bem-estar dos estudantes na diáspora, é importante que as suas instituições de origem, as suas universidades não tenham uma mentalidade orçamental, ou seja, perante este cenário de pandemia não orçamentem as atitudes, até porque as atitudes mais básicas não precisam de orçamento, mas sim de respeito, consideração e solidariedade. Aliás, existe muita diferença entre valores e orçamento.
É muito importante que as universidades divulguem comunicações internas ligadas ao quotidiano das mesmas no contexto das suas respostas à pandemia em Moçambique. Mas não deixa de ser curioso e surreal a ausência de comunicações para os estudantes na diáspora. E mais, o Ministério de Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional; o Conselho de Reitores; o Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano (Circular N° 02), ou melhor, todas as instituições moçambicanas que tem funcionários a estudar (ou por outro motivo), na diáspora não é momento de assoviar, e muito menos é momento para praticar o silêncio.
Pior que a quarentena, pior que o estado de alerta, pior que o estado de crise, pior que o estado de calamidade, só mesmo a ausência de empatia e de alteridade.
Este seria um péssimo momento para assoviar para o céu ou de ficar pendurado no muro.
Nota: É importante ter a capacidade de percepção sobre o significado de social distancing, pois social distancing não significa abandono, isolamento ou esquecimento social das pessoas. Significa distanciamento físico, distanciamento este que não deve substituir a preocupação, a solidariedade, não deve funcionar como bode expiatório, não deve funcionar como desculpa para não desempenharmos como zelo e brio as obrigações que temos, ou seja, não deve silenciar o lado humano.
P(r)ezado Vidinho,
Antes demais as minhas sinceras desculpas pela intimidade e ousadia em aproximá-lo. Embora não me conheças, eu, infelizmente, conheço-te. Tenho acompanhado as tuas peripécias mortíferas pelo mundo fora. Aqui fala Moçambique. Um dos países que ainda não localizaste. Acredito que não seja nenhuma avaria do seu aparelho de localização ou que eu não conste no seu mapa. Ou ainda, porque ando em quarentena – nos anexos da humanidade - desde o meu nascimento. Estou consciente que andas pelo pátio do quintal. E sei de que tarde ou cedo estarei na tua tela. Aliás, quem sabe, enquanto escrevo estas linhas, a porta bata e me abatas. Mas antes, oiça o que tenho para dizer-te, seu patife! (não me leva a mal)
Olha Vidinho,
Espero que aterres em missão de paz. Uma missão não igual à anteriores que já desfrutei no passado. Desta vez, que seja mesmo de paz, efectiva e definitiva. Tenho esperança que assim seja, pois das tuas andanças pelo mundo deu para notar que não lhe falta seriedade – embora fulminosa – em trabalho. Ainda espero que não confundas um país hospitaleiro com um país hospedeiro. Sobretudo, que não uses e abuses da minha hospitalidade – como tantos o fizeram e o fazem - para hostilizar-me e, no final, deixar-me mais hospitalizado do que me encontro desde a tenra idade.
Vidinho,
A tosse, as febres, as dores musculares e de cabeça que anunciam a tua chegada não me são estranhas. Elas são minhas companheiras há mais de 40 anos. Destes sintomas, temo que a tosse, curiosamente a mesma tosse do SOS da minha sobrevivência, que de tão audível e com stereo, denuncie o meu endereço, um local que o mundo relegara-me e com alguma responsabilidade minha pelo meio e desde o início.
Vidinho,
De tanto hospitalizado, desenvolvi alguma resiliência ao conselho alheio e ao que se passa fora dos meus aposentos. Tenho uma forte e repelente tendência em não perceber os perigos que me rodeiam e assim agir com antecedência. Talvez padeça do Síndroma de Estocolmo: amo os que me sugam e detonam.
Vidinho,
A minha vidinha, nestes quarenta e poucos anos de quarentena, depende do pessoal do pátio e da casa grande. Boa parte dos últimos, não gostaram de certas coisitas que fiz quando deixaram-me sair para uns raios de sol no pátio. Desde então, de joelho, passei a viver deitado. Agora, e a partir dos quadradinhos do leito hospitalar, apenas vejo uma linha longínqua da esperança dos números do norte. Até lá, e nestas condições – e por minha grande culpa - não tenho peito para enfrentá-lo, logo que bateres a minha porta. Pior agora, em que o pátio e a casa grande não vão bem por conta da sua visita. Imagina a mesma visita a quem depende deles? Não venhas, “Please”!
P(r)ezado Vidinho
A terminar - adoentado e deitado nesta vasta cama do índico - encarecidamente, aqui e em todo o lado: “Peço Distras!”. Caso contrário, espero que da tua visita não tenham que inscrever na minha lápide: “Moçambique (1975-2020). Deletado por COVID-19”
Pioras para ti, seu patife!
com sinceridade
Pérola do Índico
Senhor Presidente, quando você tomou posse pela primeira vez, em 2015, a sensação que pairou era de que estávamos no raiar de um novo amanhecer. Depois das dúvidas que se levantaram sobre a sua pessoa durante a pré-campanha dentro do Partido Frelimo, e após a cruzada eleitoral em si, as circunstâncias subsequentes levaram-nos a acreditar que podiamos ter outro caminho. Quanto mais não fosse, “aquele” discurso caudaloso proferido na Praça da Independência, vibrou-nos de tal maneira que não nos deixou outra escolha, que não fosse a de voltarmos a esperar com renovadas utopias no regaço.
É muita pena, senhor Presidente, que até hoje não estejamos a desfrutar desse sol radiante, prometido na enxurrada na sua intervenção discursiva, e isso leva-nos ao cepticismo quanto ao nosso futuro nos próximos cinco anos. Outros cinco anos que você tem para ainda fazer alguma coisa, e sair da Ponta Vermelha com orgulho. Aliás, eu pessoalmente e muitos que lhe desejam o bem, gostariamos que isso acontecesse. Mas todos os prognósticos indicam que o seu caminho é íngreme.
O problema, senhor Presidente, é que você não conseguiu demarcar-se. Não tenho a menor dúvida de que havia da sua parte uma enorme vontade de mudar as coisas, porém eles foram astutos, estenderam uma rede de emalhar que cortou ainda cedo a sua caminhada. Você foi capturado, e quando se apercebeu disso, já era tarde. Agora o espaço que resta para si é muito pouco. E o mais provável é que volte para casa com os braços caídos.
Não é isto que eu lhe desejo, senhor Presidente, mas é o que provavelmente vai acontecer. Você era a esperança da juventude. Eles puseram-lhe a correr nas duas campanhas eleitorais, porém quem chegou são eles, e você sabe disso, senhor Presidente, que pena! O pior é acontecer que ninguém tenha saudades de si, depois do mandato que vai terminar daqui a pouco. E a culpa poderá ser sua, não conseguiu dizer-lhes que nesta jogada eu não entro.
Agora já pode ser tarde, senhor Presidente, o que seria muito triste para nós, que acreditamos “naquele” discurso retumbante em 2015. Mas vai ser muito mais triste para si, que vai sair sem concretizar um sonho que era, segundo muitos acreditam, de prover o bem estar para o seu povo. Esse era o sonho de Filipe Jacinto Nyusi, entretanto fracassado por motivos adversos que o chefe de Estado não foi capaz de superar.
Eu não acredito, senhor Presidente, que você durma o sono dos justos, porque não é isto que estava na sua agenda preliminar. Não é isto que você queria. Com certeza nunca lhe passou pela cabeça atirar o seu próprio povo à sarjeta. Todavia, infelizmente, não vai ficar ilibado desta desgraça. Você nunca terá a paz de consciência nos próximos tempos, sabido que Sua Excia não é uma pessoa de mal.
Então o que é que deve fazer para se redimir? Faça qualquer coisa, senhor Presidente, nem que tenha de ir às províncias montado num tigre. Nem que tenha de ir novamente à serra da Gorongosa. E se isso vai trazer paz e fartura para o seu povo, why not! Lula da Silva disse uma vez, que se você decide candidatar-se ao segundo mandato, tem que ter a certeza de que vai fazer igual ou melhor do que fez no primeiro. E você, senhor Presidente, ainda vai a tempo de fazer “algum algo”.
Dei-me a pensar, a propósito da briga da última sexta-feira 13, entre o Município de Maputo e os vendedores informais, no que se tenha falhado para que a causa da briga – a pobreza – já não fosse parte da agenda do país. Desse penoso exercício, e sem grande recuo temporal, conclui que a falha foi ou começa, em 2003, com a criação e funcionamento do Observatório da Pobreza (OP), mais tarde Observatório de Desenvolvimento (OD), um espaço tripartido de escrutínio sobre a pobreza em que convergiam (ou ainda convergem) os três mosquiteiros: o Governo, os Parceiros de Cooperação e a Sociedade Civil. Do escrutínio, reza a história, era suposto que fossem desferidos duros golpes contra a pobreza.
Entendo, a partida, que houve falhas na escolha da ferramenta de combate, tanto a original (Observatório da Pobreza) como a rectificada (Observatório de Desenvolvimento). Na original, a pobreza se confundia com a nobreza, tal era o respeito, a ponto de se temer em tocá-la e tão-somente, a satisfação em observá-la. De tanta observação, acaba desabrochando numa paixão dos mosquiteiros pela pureza da pobreza. Desse momento, a observação passa para o (des) envolvimento (entre as partes). E daí, os infindáveis afectos: beijos, abraços e outras coisitas mais.
Hoje, depois de mais de uma década e meia de intenso namoro e pelos resultados, a pobreza foi quem – aparentemente - desferiu os tais duros golpes, a ponto de não existir espaço algum na cidade em que ela não esteja presente. Porque isto incomoda, creio, urge um “Pai, afaste de mim este cálice”. Como o fazer e sem magoar a relação, eis a questão.
E aqui, a terminar, volta a briga municipal da passada sexta-feira 13: pelos vistos, a briga ainda promete e cheira à uma terceira via de observatórios. Desta vez, e com a experiência dos dois anteriores, e ao que parece, não se está diante de um observatório igual, mas sim, de um crematório. Apenas fica por esclarecer, se será o da pobreza ou o de desenvolvimento. Às tantas, em 2003, por aqui devia ter sido o caminho.
Há cinquenta anos – tinha vinte – que saíu daqui para nunca mais voltar. Os seus irmãos também, e tantos outros dessa geração, entraram num êxodo para terras longínquas, e lá constituíram famílias cujos filhos chegam a este lugar como estranhos. Não conhecem as raízes dos pais. Pior do que isso, desembarcam, em viagens de férias, e correm imediatamente para as casas de hopesdagem previamente reservadas. Nos “lodges”. Aliás o que lhes apela não é a história genealógica dos seus progenitores. São as praias. E a necessidade urgente do gozo da liberdade.
Todos lhe chamavam carinhosamente por Nhalégwè, nome bitonga dado às gaivotas, mas hoje poucos se vão lembrar deste homem, tirando os que com ele partiram de vez, e os poucos de nós que ficamos. De resto o tempo vai esbatendo as memórias.
O Café Lobito está abarrotado, e a única mesa que ainda pode acolher mais um, é a minha, onde estou sentado tomando chá de camomila, mesmo assim sentindo-me asfixiado numa cidade (Maputo) que já não tem poros. É por isso que escolhi estar perto da montra, de costas para a maioria, o que me permite vizualizar a intensa “Eduardo Mondlane”. Contemplo os carros que descem e outros que sobem, e as pessoas apressadas que se roçagam umas às outras. Pelo menos essa azáfama recorda-me que estou vivo.
Atrás de mim há um burburinho de gente que vem tomar o pequeno almoço rápido, ou um simples café, e ainda o tilintar das chávenas poisando constantemente nos piris. É o início de um dia de trabalho, e as tertúlias irão esperar para o final da tarde, onde, para além do café, pode vir uma caneca de cerveja. Mas eu estou livre, amanhã volto para Inhambane, minha eterna cidade, onde nunca vai faltar oxigénio para as minhas botijas espirituais. Onde não há este ram-ram todo que me enlouquece.
Olho para o relógio, são oito horas e trinta e cinco minutos, e logo a seguir, no meu horizonte, vejo um homem alto, magro, cheio de barba da cor de prata, cambando no passeio, numa passada desinteressada. Pelo andar deduzo que usa prótese na perna esquerda, e pode estar, por assim dizer, incapacitado para encetar uma corrida, a menos que a prótese que o sustenta seja de carbono, como as duas postiças de Oscar Pistorius.
Paguei a conta. Saí e segui na direcção do personagem que me fascina pela barba da cor de prata, e pelo estilo que parece de um bailarino. Ele dança na minha imaginação, uma dança desconhecida. Usa boina preta que cobre completamente a cabeça, camisa de ganga negligenciada, calças Gins, e nos pés calça botas a Beatles, sem conseguir, contudo, disfarçar o defeito de um pé que não dobra, o que reforça a minha suposição de que este indivíduo tem na verdade uma prótese na perna esquerda.
De repente o tempo mudou e começou a chover, o que nos obrigou a interromper a marcha para nos abrigarmos na varanda de um daqueles prédios perfilados na “Eduardo Mondlane”, entre a “Salvador Allende” e “Amilcar Cabral”. Estamos muito perto um do outro. Olhei bem para ele, agora com “lupa”, e senti um gelo na espinha dorsal. Saudei-lhe timidamente e perguntei, o senhor não é o Nhalégwè!?
Não podia estar equivocado. É ele! Porém, o que eu não esperava, e esperava também, é que o dito cujo me vergastasse, Nhalégwè é teu avô!
Deu-me costas e passou para outro extremo do nosso “esconderijo”, à espera, sem voltar a olhar para mim uma única vez, que a chuva, que cai em catadupa, cessace. Mas esta atitude é de muitos bitongas, que detestam ser reconhecidos como tal, sobretudo quando estão em Maputo.
Há oito de Março de 1977, no Pavilhão do Maxaquene, o Presidente Samora Machel reuniu com alunos que deveriam prosseguir com seus estudos, na 10ª e 11ª classes, e comunicou-lhes que a partir daquele momento já não tinham mais sonhos. De que em diante: “Não é aquilo que eu quero, não é aquilo que tu queres, é aquilo que nós queremos, aquilo que o povo quer”. E o dito povo, reunido dias antes, no seu III Congresso, realizado em Fevereiro de 1977, decidira que devia sacrificar o sonho destes jovens em prol dos desafios que o país enfrentava na altura. Da data, do discurso presidencial e do percurso dos jovens de então, nasceu a geração “8 de Março”.
Sobre os feitos e defeitos da decisão e da própria geração “8 de Março” muito já foi dito e escrito. De tudo apenas não se compreende uma coisa: por que carga de água a geração “8 de Março” não tomou o PODER? (não confundir tomar o Poder com servir o Poder).
No debate sobre o acesso e controle do Poder no seio do partido dominante, e não só, esta geração não é tida e nem achada e bem que poderia ser uma das alas ou grupo influente. Aliás, a sua participação e influência poderia abarcar outros quadrantes de intervenção pública nacional. Neste Domingo e por ocasião da celebração da passagem do 43º aniversário do encontro de 77, é expectável que os “oitomarcistas” tenham aproveitado para, entre outros, responderem a pergunta, sobretudo e agora que a reforma e as cobranças da consciência, batem-lhes a porta, e esta, para alguns, já se encontra escancarada.
Numa recente discussão com amigos e a propósito da pergunta, ficou patente que a geração “8 de Março” teve (porventura continua a ter) todas as condições para conquistar/exercer/controlar o PODER. Fora o denominador comum de terem sido “vítimas” do 8 de Março, os “oitomarcistas” são, na sua maioria, urbanos, com estudos, vasta experiência profissional e de governação e com uma profunda inserção em todos os sectores-chave de actividades a nível de todo o país, incluindo do partido dominante. Assim sendo, não se compreende que em matéria de Poder, a geração “8 de Março”, não tenha feito melhor que a anterior geração, a geração “25 de Setembro”. Esta , maioritariamente rural, sem estudos, sem experiência profissional e muito menos inserida em sectores-chave da máquina colonial, conquistou o Poder, exerceu-o e controla-o até aos dias que correm. Desta geração, fora a vénia, é importante que se tire dela as devidas lições em matéria de manutenção e expansão do Poder.
Numa comunicação do anterior Presidente da República (PR), Armando Guebuza, por ocasião da passagem do 27º aniversário do 8 de Março e diante de representantes da respectiva geração, disse: “Aproveito esta oportunidade para vos lançar um desafio para que se unam e se organizem (…) para transmitir às gerações mais novas a necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre os processos políticos e históricos do nosso país, para neles buscarem referências, exemplos e inspiração, …”. Neste trecho, o então PR faltou afirmar: “Que a geração 8 de Março transmita às gerações mais novas a necessidade e a forma de conquista e manutenção do poder de acordo com os padrões de cada época”. O PR não o tendo tido, é compreensível. Porém, é incompreensível que os destinatários da comunicação nada tenham feito para que tal fosse um dos legados a transmitir.
Nas celebrações dos 38 anos do “8 de Março”, em 2015, um representante da associação com o mesmo nome, intervindo numa sessão de auscultação à convite do actual Presidente da República, Filipe Nyuse, disse: “De nada vale dizer constantemente que nos meus tempos, nos meus tempos, quando daí em diante nos alheamos de tudo o que ocorre à nossa volta” (Jornal Noticias, 18/03/15). E uma das alheações - e bem à volta dos “oitomarcistas”- foi a de terem deixado o Poder passar.
Infelizmente, e por terem deixado o Poder passar, a história não absolverá a geração “8 de Março”. Dela, apenas o registo da prontidão na resposta ao chamamento da pátria, e a podridão na resposta ao chamamento da cidadania.