Procurando definir o “Desempenho Social”, Kemp e Owen (2019:i) destacam que “trabalho comunitário e desempenho social é definido como sendo a interacção, actividades, comportamentos e resultados da companhia em respeito a comunidade local. O desempenho social é suportado por sistemas, informação e capacidades que estão alinhadas com os padrões internacionais e acordos localmente negociados e cometimentos, com objectivo de evitar ferir às pessoas e assegurar uma operação estável dentro da qual comunidades e famílias podem prosperar”.
Nas últimas décadas Moçambique conheceu registou desenvolvimentos significativos no sector de petróleo e gás, como resultado das descobertas de elevadas reservas de gás natural na província nortenha de Cabo Delgado. As descobertas dos hidrocarbonetos foi confirmada por reputadas multinacionais, e neste momento algumas aguardam a Decisão Final de Investimento, tendo até iniciado a assinatura de chorudos contratos de venda do gás natural maioritariamente para o mercado asiático.
O Estado moçambicano, para além do seu papel de regulador, também é detentor de participações nestes projectos. Um sentimento de esperança e progresso foi renovado pelos cidadãos nacionais (ainda que timidamente) como resultado das descobertas dos recursos naturais. Mas ao nível do desempenho social muito há por fazer, considerando o caso problemático da experiência da mineração em Tete. Olhando para o sector de gás, é inegável o impacto positivo até certo nível no concernente à alteração da dinâmica social e económica nas cidades de Pemba e distritos abrangidos pelos projectos. Com efeito, os recentes ataques à comitiva da Anadarko serve como pretexto para a presente reflexão, não significando necessariamente que esta empresa não possui Licença Social para operar.
A questão dos recorrentes ataques protagonizados pelos insurgentes influenciará sobremaneira a habilidade das multinacionais que operam no sector de gás, de estabelecer e manter licença social social para operar. As comunidades locais irão sempre associar a violência que se vive em Cabo Delgado ao advento da indústria extractiva. Mais do que esperar pelo Governo e proteger os seus funcionários, as multinacionais deveriam ser mais proactivas no engajamento em busca das soluções para estancar a violência - se é que na verdade realmente lhes interessa, dado o facto de em muitos países a exploração de recursos naturais se efectuar em contextos de complacência com a violência extrema.Citamos como exemplos casos historicamente conhecidos como o do Sudão, Nigéria, Iraque, Líbia, RDC, Libéria, Angola, entre muitos outros.
Cabe a Moçambique escolher a rota que quer seguir, evitando a maldição dos recursos. A prevalência da violência irá condicionar a avaliação positiva dos projectos no sector de gás. Por muitos contratos milionários que sejam assinados e infraestruturas imponentes erguidas, enquanto prevalecer a violência e pobreza extrema as companhias não terão facilmente licença social para operar. Cabo Delgado tem a particularidade de também acolher significativos projectos na área de mineração, destacando-se Gemstones (Pedras preciosas), grafite, mármore, etc. Infelizmente quando mal geridos os impactos sociais cumulativos da mineração e desenvolvimento do sector de gás serão nefastos, se não forem acompanhados de uma efectiva governação do sector e observância das leis nacionais e padrões internacionais atinentes ao desempenho social e sustentabilidade por parte das companhias multinacionais.
A mulher sentada nesta cama à minha frente deve andar nos quarenta. Ou pouco mais. Se não fosse todo o crepúsculo do entardecer que a habita, diria que está no auge. Da vida. Mas tudo leva-me a acreditar que os dias que a esperam serão ainda mais dolorosos. Quer dizer, naquilo que eu imagino e sinto, ela pode estar a viver numa sombra gelada. Pensando que só Deus é que pode reverter toda a situação dramática que enfrenta. É isso: já não resta nada no seu corpo.
Está sentada com o travesseiro a suportar as costas. O lençol serve apenas para cobrir os quadris porque a partir dali para baixo não tem nada. Ou seja, as coxas e as pernas foram amputadas. O braço direito foi removido inteiro pelos malditos serrotes cirúrgicos, e o outro braço que resta está engessado, na iminência de ser cortado para eliminar a derradeira esperança. E eu faço um tremendo esforço para não chorar. Porém, notando ela a minha forte comoção diz-me assim: amor, chora à vontade, vai-te fazer bem.
Ainda não consegui arvorar outra paralvra para além do supérfluo e estúpido “como vai, Joana?!” Sinto-me dominado. Arrasado. Apanhado numa rede de emalhar da qual jamais sairei. Mas ela parece superior ao seu próprio sofrimento. À minha fraqueza. Joana é mais forte que eu. O rosto dela, brilhante, parece o anúncio do amanhecer. As palavras que saem da sua boca vêm directamente do coração, como agora que me olha nos olhos e diz: não te preocupes, amor, tudo isto vai passar como os ventos que sopram e passam.
Lá fora está a chover, e esta mulher não vai poder assistir ao belo espectáculo da queda pluviométrica. Pior do que isso, não sabe como serão os dias que a esperam depois de sair de uma enfemaria que pode ser das mais desesperadas do hospital. Mas ela não desespera. Diz-me que ainda vai a tempo de ser como Óscar Pistorius, que ganhou medalhas correndo com próteses de carbono. “Eu vou me levantar daqui, amor. Aguarda-me”.
O que mete medo nesta mulher é o brilho do rosto. Dos olhos. É o sorriso permanente. Que demolem por completo o sofrimento de um corpo que a partir de agora vai servir para muito pouco. Para quase nada. Joana desmente tudo isso. A leveza imposta na firmeza das palavras que lhe saem do coração pela via da boca, deixam exposta uma mulher que ainda sonha em voar. Sem asas. Decepadas para sempre.
A única mão que lhe resta naquele braço engessado parece de uma criança. É leve como pluma. As unhas, lindas, estão cuidadosamente cortadas, mas ela diz, sorrindo, que daqui a pouco esta mão também vai ser serrada juntamente com o braço e atirados ao forno para incineração, como se fazia naquele tempo com os ramos de oliva que não produziam. Eram cortados e queimados. E os membros da Joana já não dão frutos.
Na literatura sobre o que chamamos de “democracia” há um (antigo e divergente) debate sobre o que este termo representa, sobretudo, num momento em que nota-se algum descrédito sobre a “política formal”, que era vista até antes da eclosão de “novas” formas de participação política galvanizadas pelas redes sociais da Internet, em coexistência com a exercida por instituições como partidos políticos e sindicatos, sendo que a face mais marcante revela-se pelos baixos níveis de participação em eleições e consequente elevar das abstenções (Dahlgren, 2009; Van Reybrouck, 2016). Igualmente, regista-se falta de consenso sobre que critérios usar para classificar se um determinado país é ou não democrático. Como forma de minimizar este facto, surgiram termos classificatórios como “democracias eleitorais” – que designa todos os países que, a partir da realização de eleições regulares, julgam-se na qualidade de outorgar-se o nome de “democráticos” (Hermet, 1997).
No entanto, sem alongar-me num “bula-bula” meramente teórico-conceptual, quero aqui partilhar por que razões penso ser problemática, mas, ao mesmo tempo, oportuna a última intervenção da CNE.
Como nota de rodapé, cabe dizer que um dos maiores empecilhos sobre a gestão e administração das eleições no mundo prende-se justamente com a logística e transparência das contas. Aliás, num passado recente a França viveu um escândalo que envolvia o então Presidente da República, Nicolas Sarkozy, que fora acusado de ter recebido dinheiro ilícito por parte do Governo Líbio para sustentar a sua campanha eleitoral em 2007. Nos Estados Unidos, país tido como exemplo de “democracia e transparência”, o debate não foi diferente sobre as eleições de 2016 que elegeram Donald Trump como Presidente. Ainda ontem (17) lia uma nota que dava conta da investigação das finanças usadas durante as eleições de 2018 no Brasil.
Registamos, igualmente, que um pouco por vários países de África a questão das finanças em eleições é recorrentemente colocada, sendo que Moçambique não seria excepção (Gazibo e Thiriot, 2009; IDEA, 2014). Note-se, ainda, que a forma como os nossos partidos financiam as suas campanhas em tempo de eleições revela-se problemática, dado que existe um total “deixa andar” sobre a fonte dos recursos, o que pode revelar uma total desigualdade de concorrência quando existem aqueles que possuem maior musculatura financeira que os outros, sobretudo, quando recorre-se ao ‘‘political settlement’’(Weimer, B. et al, 2012) como forma de sobrevivência, o que, em última instância, abre espaço para recorrência a formas pouco claras de financiamento. Recordo que no climax das eleições gerais de 2014, o Jornal Savana escrevera no seu editorial o seguinte: “(...) a profusão de oferendas, a pretexto de caridade e militância, decorre da percepção dos doadores de que uma oferta a um partido e seu candidato com potencial de vencer as eleições é meio caminho andado para um futuro menos espinhoso em termos de acesso a negócios’’.
Não há concordância do ponto de vista teórico sobre qual seria o melhor modelo para o financiamento em eleições, mas penso ser urgente que se comece a discutir estas questões com mais acuidade e com estudos aprofundados para dar-nos melhor interpretação sobre os bastidores do financiamento dos partidos políticos em Moçambique, mesmo reconhecendo que, entre as eleições autárquicas e gerais, existam modalidades diferentes, onde numa exige-se o auto-financiamento e noutro existe co-participação do Estado para a realização da campanha eleitoral.
Voltando ao título que faz jus para esse comentário, levanto a questão da transparência por dois elementos interligados entre si:
O primeiro elemento é facto de não haver clareza entre o que foi dito em Setembro do ano passado em sede do Conselho de Ministros e o que viria a ser alterado pelas declarações do Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, em Novembro do mesmo ano. Sucede que no dia 11 de Setembro de 2018, o porta-voz da 29ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros, Augusto Fernando, disse à imprensa que as eleições gerais de 2019 estavam orçadas em 6.6 biliões de meticais, dos quais foram avalizados 6.5 biliões de meticais que constam do Orçamento do Estado. Porém, como veio a ser confirmado pelo porta-voz da CNE, Paulo Cuinica, os números não seguramente esses, tendo praticamente multiplicado por dois o valor inicialmente divulgado. Penso, salvo melhor explicação, que torna-se urgente e oportuna a clarificação das contas sobre o processo financeiro que vai conduzir as eleições do presente ano, pois ficou-se com a impressão de se ter inscrito um valor no Orçamento, sem a devida explicação que para além daquele haveria necessidade de um acréscimo a ser mobilizado em outras fontes de financiamento. Aliás, num momento em que somos vistos como leprosos no recebimento de empréstimos e/ou apoios pela ‘’mão externa’’, seria oportuno a lisura do processo em torno das sextas eleições gerais no país.
Segundo, penso que essa é uma oportunidade para não só sabermos que a CNE está sem verbas suficientes para as eleições, mas igualmente para, de uma vez por todas, conhecermos as contas daquela entidade (desde as primeiras eleições). Sucede, pois, que passados mais de 20 anos após as ‘’eleições fundadoras’’ em Moçambique (1994), nada sabemos ao detalhe sobre as contas daquela que é a principal entidade da gestão e administração de eleições em Moçambique. A revelação dos gastos em forma de relatórios para consulta pública por parte da CNE, não só seria um acto que promoveria a transparência e monitoria eleitorais, mas também daria exemplo para os partidos políticos que, até que se prove o contrário, a justificação ou demostração dos gastos em momentos eleitorais por estes realizados se não é deficitária é mesmo inexistente.
Referências
Dahlgren, P. (2009) Media and Political engagement. Citizens. Communication and Democracy. Cambridge: Cambridge University Press.
Falguera, E. et al. (2014). Funding of Political Parties and Election Campaigns: A Handbook on Political Finance. IDEA.
Gazibo, M., e Thiriot, C. (2009). Le politique en Afrique. État des débats et pistes de recherche. Karthala. Paris.
Hermet, G. (1997). De la démocratie électorale à la démocratie sociale. Paris: Flammarion (programme ReLIRE).
Jornal Observador (08 de Novembro 2018). Eleições gerais do próximo ano em Moçambique vão custar 214 milhões de euros.
Jornal Observador (11 de Setembro 2018). Eleições gerais de 2019 em Moçambique estão orçadas em 92 milhões de euros.
Jornal SAVANA (2014). Editorial – Urgente regulação do financiamento eleitoral.
Van Reybrouck, D. (2016). Against elections. Bodley Head. London.
Weimer, B., Macuane, J., & Buur, L. (2012). A Economia do Political Settlement em Moçambique: Contexto e Implicações da Descentralização. In B. Weimer (Ed.), Mocambique: Descentralizar o Centralismo: Economia politica, Recursos E Resultados (pp. 31-75). Maputo: Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
A história que vou-te contar vem de dentro de mim. Das minhas memórias tristes. Da vida rastejante que não me larga, e das derrotas acumuladas perante a minha incapacidade de correr ao encontro da luz, como fazia, nos seus tempos de glória, O.J. Simpson, um dos mais importantes jogadores de râguebi norte-americano do seu tempo. Sempre pensei que a culpa de todo este sofrimento imparável fosse do meu pai, mas graças a Deus ainda fui a tempo de perceber que não. Quer dizer, ele vai ser absolvido de todas as minhas acusações.
Meu pai era um bêbado e fumador inveterado. Isso é verdade. Cresci partilhando com ele o mesmo tecto, inalando desde criança os odores da cachaça e do fumo e do próprio cheiro do seu corpo negligenciado. Desmazelado. Aprendi dele a beber e a fumar. A ser negligenciado e desmazelado. Também. Mas há uma coisa muito importante que deixou comigo: a lealidade. E a fé de que amanhã o sol vai nascer outra vez. Isso é que me orienta.
Hoje sou ajudante de camião de longo-curso. Nunca aprendi a fazer nada na vida, senão beber e fumar. E o preço que pago é este: vou sucumbindo em cada viagem. Pendurado por de cima da mercadoria em viagens de não acabar. Mas o que me dói mais é que sigo para frente de costas. Vejo as coisas depois de passar. Nas noites pareço um pássaro de mau agoiro cheio de medo perante os holofotes dos carros que nos ultrapassam. O frio arrasa-me. A chuva festeja por sobre o meu lombo. E não posso fazer nada, senão encolher o corpo para dentro de mim, temendo interminavelmente o pior.
Apesar de tudo isto que passo cá fora, lá dentro, na cabina confortável deste Frethline, o condutor está sozinho. Gozando. Sabe que nesta zona de Catandica, onde se ergue aquela linda cordilheira como linha de fronteira entre Moçambique e Zimbabwe, faz muito frio. Para além disso está a chover. Mesmo assim está pouco se lixando. Ele dança com a alma a música dos limpa-pára-brisas, enquanto cá em cima eu é que sou o pára-brisas de mim mesmo. As minhas costas é que são a muralha de um esqueleto que está a vacilar.
Nestas viagens passamos frequentemente pelos controis da Polícia, sem que no entanto os agentes da autoridade obriguem o condutor a levar-me lá dentro. E essa dor toda faz-me lembrar o meu pai que morreu na sargeta. Bolas! Eu também vou morrer na sargeta, como o meu pai. Não tenho nada. Nem mulher. Nem filhos. A casa onde vivo é um buraco imundo. É pior que este cadafalso onde sobrevivo. Onde vou sendo executado devagar. O que castiga a minha alma é que estamos no mesmo carro, eu e o condutor, mas ele é um menino privilegiado. E eu um sabujo qualquer. Sem direito à entrar na cabine, mesmo quando está a chover. Mesmo quando o frio é de enregelar.
Apetece-me chamar sacana a este indivíduo que vai ao volante do “nosso” Frethline, mas na verdade eu é que sou inútil. Sou obrigado a suportar a ignomínia de dormir debaixo do camião, enquanto ele festeja com putas e bebida na cabine, num lugar qualquer onde lhe apetece estacionar. E depois de tudo, de madrugada, cara sem vergonha, ainda me pergunta se está tudo bem. Pior, manda-me procurar água para ele se lavar. E eu faço tudo isso curvado como uma besta.
Porventura haverá algum camionista que não seja sacana? Todos eles o são, excepto pouquíssimas excepções. Repare bem: quase todos eles são baixinhos. E homem baixinho só tem duas alternativas: ou é um bom bailarino, ou um sacana.
O mau tempo não tenciona para tão já deixar de beijar este pedaço da costa do Índico, condenado ao abandono e destinado ao esquecimento. A notícia sobre o naufrágio de um Bénéteau francês corre o mundo através de rádios que mereciam espaço nas competições da fórmula-1. E porque em Mitemane os homens também cantam Worroko[i], os rumores acerca do modo de aquisição do barco correm três vezes mais que a velocidade com que Lurdes Mutola amealhou ouro em Sidney.
Uns dizem que o Bénéteau francês foi adquirido com dinheiro da capitania de Memba, outros ainda aventam a hipótese do mesmo ter sido resultado de um empréstimo a um daqueles bancos de Nacala-a-Velha. Correm ainda rumores da incapacidade da capitania em pagar tal dívida, alguns sheiks influentes desdobraram-se em campanhas de não pagamento num acto visto por outros sheiks como uma ofensa as regras do Corão que recomenda a tudo fazer para que haja paz e harmonia entre os homens.
O agrupamento musical Worroko de Mivicone, compôs uma música que na óptica das autoras denuncia a forma fraudulenta como a dívida de aquisição do Bénéteau foi contraída. Para a sua apresentação foi marcado em Naminambo, um espectáculo. Os mais jovens reagiram positivamente e se fizeram ao local para onde se vão encontrar com agentes da polícia que os impedem de se fazer ao quintal de Mwe Habibo, a casa do espectáculo.
O barco ainda flutua por cima das águas da baia de Memba. Enquanto os agentes da polícia costeira, lacustre e fluvial querem que o mesmo atraque ao porto de areia de Mitemane, a população local desdobra-se em rezas, evocando ao altíssimo para que usando da sua omnipotente força, faça aquele barco atravessar o mar e fugir dos seus olhos. Apesar de crenças diferentes, as orações são dirigidas ao mesmo Deus, que terá de ser justo para com uns e injusto para com os outros. Alguns sheiks acreditam que Deus está com a maioria enquanto outros acreditam que os homens do poder são enviados de Deus para governar aos pecadores e tudo que fazem é em função da qualidade do povo que servem, pois quando se trata de um povo de pecados maiores, os homens do poder tratam de condená-lo ao sofrimento e quando se trata de um povo de pecadores menores com tendência para benevolente, proporciona-lhes boa vida com cheiro a fartura.
- Continuemos a operação rapazes. Vamos, façam força. Lembrem-se que juramos a bandeira para manter a segurança, ordem e tranquilidade públicas - um comando sem voz se escuta entre os homens fardados.
- Às ordens, inspector – quase todo batalhão repete a frase como se de uma oração se tratasse.
A confiança em Deus começa a roçar a alma dos agentes da polícia costeira, lacustre e fluvial da baia encarregues de gerir o resgate, mas as vezes com pausas para gerir os naworrokos[ii] que comportam-se como se aos ritos de iniciação não tivessem ido. Os ritos de iniciação ensinam a ser comedido e a guardar segredos tidos como vitais para a sociedade e numa altura em que se evoca perda de valores morais, os mais velhos lamentam que tal facto não esteja a acontecer. “As pessoas agora têm boca grande, falam de tudo um pouco, inclusive do que não sabem” – alertam.
No meio de tantas, uma ideia vinca: iniciar uma operação em terra envolvendo funcionário da capitania, do sinédrio da guarda e pessoas próximas a estes que terão tido conhecimento da contração da dívida para aquisição do Bététeau, como forma de apelar aos bons ofícios dos anjos para que o resgate finalmente aconteça.
O corpo da Dra Alimina Mussagy, uma cobradora de taxas da capitania que foi reconhecido antes mesmo de chegar ao laboratório do SERNIC[iii] cujo corpo foi encontrado a flutuar entre as águas de Mitemane constituiu mesmo um alerta sobre a possibilidade de outras mortes estarem a caminho, pelo que, a operação deve continuar.
- Sargento!
- Aqui meu inspector.
- Liga o Motorola, pretendo comunicar ao nosso superintendente que está na hora de começar as operações em terra.
[i] Worroko – dança tradicional do distrito de Memba praticada exclusivamente por mulheres, cujos instrumentos são dois paus raspados que as bailarinas tocam com recurso as mãos enquanto cantam. As suas letras são geralmente informações ou rumores que correm nos povoados ou na vila. O grupo mais famoso de Memba é o Worroko de Mivicone, localizado num povoado também chamado Mivicone, posto administrativo de Memba-sede. Por causa da natureza das letras, surgiu o neologismo naworroko que significa fofoqueiro.
[ii] Naworroko é um neologismo macua-nahara que significa fofoqueiro.
[iii] SERNIC – Serviço Nacional de Investigação Criminal
Quelimane, Zambézia e Moçambique é uma terra de especial e abençoada, com filhas e filhos especiais pela sua multiculturalidade, diversidade e diferenças relativas que não se querem universalizantes. Hoje, a saber, 13 de Fevereiro de 2019, é um dia especial para a cidade de Quelimane, para a Universidade Pedagógica e porque não, para a terra das mucinkas, da mucapata, do frango reconhecido internacionalmente como sendo o mais saboroso dos frangos: o frango à zambeziana. Pois, a Universidade Pedagógica homenageia hoje o Prof. Doutor Manuel José- fundador e director da delegação da UP em Quelimane, ou simplesmente, UPQ.
A tarefa da escolha da capulana da homenagem não foi fácil pela responsabilidade da mesma, foram várias e sobretudo ricas e belas as propostas, no final, o patrono desta iniciativa, o Prof. Doutor José Paulino Castiano, como um bom filósofo, soube exportar a sua inspiração no título fabulástico do prefácio do livro da homenagem da autoria do Prof. Doutor Jorge Ferrão, Reitor da Universidade Pedagógica, a saber, “Pedalando Utopias Por Entre os Palmares” ficando o título do livro de homenagem “ Pedalando Utopias entre Acácias e Palmares”. Porque esta iniciativa acontece dentro dos ethos académicos, muitas e muitos ou poucas e poucos se questionarão: o porquê da homenagem? Homenageá-lo por fazer ‘bem’ o seu trabalho? Ainda bem, existe a possibilidade desta hipótese surgir, pois, academia é mesmo isso, ou seja, confronto de ideias (não de pessoas), questionamentos e consensos desconcertados.
Esta iniciativa é uma pequena forma de reconhecimento e legitimação de um homem de várias causas e nuances, particularmente no espaço académico. Prof. Doutor Manuel José de Morais como académico e gestor é detentor de uma alma, de um espírito, de uma atitude e prática de extra mile. Extra mile termo utilizado outrora pelo Prof. Doutor Rogério Uthui, ex-reitor da Universidade Pedagógica para caracterizar a UPQ. Prof Doutor Manuel José de Morais não se farta de pedalar feliz e incansável rumo ao extra mile.
‘Doutor Morais ou Professor Morais’, estas são duas das várias formas que a emblemática figura do Prof. Doutor José Manuel de Morais recebe no seio da academia zambeziana e moçambicana. Por academia, aqui, olho para cada parte da rica capulana que a compõe: estudantes, docentes, técnicos e a sociedade circundante, instituições religiosas, lideranças tradicionais, sector público e privado, que, diariamente, contribuem para a sua legitimação. Confesso que, mentalmente, é muito mais fácil e prático idealizar uma narrativa sobre o nosso homenageado, Prof. Doutor Manuel José de Morais, no lugar de escrever porque é muito mais fácil idealizar o que ‘narrar’ com base no convívio que dura há mais de uma década.
Não diria que é difícil criar a narrativa Prof. Doutor Manuel José de Morais, mas confesso que é uma oportunidade carregada de felicidade e alegria por poder dizer aqui, com um sorriso enorme no meu rosto: OBRIGADA POR TUDO, em especial, pela oportunidade de, diariamente, poder aprender de uma biblioteca que fala, que respira e que tem a magia de fazer as coisas acontecerem. Foi em 2006 que me apresentei ao Director da Universidade Pedagógica- Delegação de Quelimane, Prof. Doutor Manuel José de Morais. Vinha eu da Delegação de Nampula, onde fui estudante e monitora. Gostava de Nampula, dos campi, dos colegas, e confesso que, até hoje, mantenho um contacto alegre com a Delegação e colegas. Mas, decidi regressar para casa, Quelimane, e, nessa altura, os meus colegas de turma de Licenciatura, em Nampula, Rui de Sousa e Beato Dias, já estavam a trabalhar em Quelimane, mas eu não sabia como seria a minha integração em Quelimane e, por isso, deixava Nampula com alguma tristeza pois era o lugar onde eu já me sentia axinene arivava.
Mas, a partir do momento em que o Director da UPQ, Prof Doutor José de Morais, me desejou boas boas-vindas à Delegação, respirei fundo e pensei que ter regressado à casa foi uma decisão boa. Como eu, já la estavam a Vilza Cassamo e a Stella Pinto Novo. Na mesma época, chegaram mais colegas: o Miguel Reis, o Paulo Calima, entre outros, e, at the and the day, estavamos todos nós felizes com o Director que tínhamos. Assim iniciava a nossa trajectória como docentes da UPQ. Foi assim que, sem hesitar, o Prof Doutor Manuel José de Morais criou a sua equipa de jovens, como ele dizia na época, ‘uma equipa jovem sem vícios’.
Muitos dirão que a força deste embondeiro e diamante lapidado está na juventude que o rodeia. Eu diria o inverso: a força da juventude que o rodeia está no Prof. Doutor Manuel José de Morais, ou seja, neste privilegiado convívio profissional e social que temos a oportunidade de ter com ele. Isso fortifica a academia e a nós. Outros dirão que ele é um homem viajado e que as viagens iluminaram as suas ideias. Se assim for, então um bem-haja às viagens pois este é o protótipo de uma visão académica.
O que torna o Prof. Doutor Manuel José de Morais um líder e campeão académico?
Prof. Morais, como tu dizes: ‘A Todas e a Todos, Aquele Abraço Zambeziano’