Os três supostos líderes do chamado ‘‘Al-Shabab moçambicano”, apresentados na última sexta-feira pelas autoridades policiais em Nampula, negam qualquer ligação com os terroristas que actuam em Cabo Delgado, mas dizem que, o seu líder, Abdul Azize, veio a Moçambique para apoiar os atacantes do norte de Moçambique. Antes de serem apresentados em Nampula, os três estiveram detidos em Mocímboa da Praia. Por alegadas razões de segurança, foram levados para Nampula e apresentados no mesmo dia em que o PR, Filipe Nyusi, que estava em missão de patenteamento militar na cidade, e fez uma veemente declaração contra a insurgência em Cabo Delgado.
Chamam-se Abdulraihim Faizal, Baicer Ssenono e Kabagiija Fajuma. A última é esposa de Abdul Azize, um quarto elemento, que se encontra foragido em Cabo Delgado. São todos de nacionalidade ugandesa. Dizem que pertencem ao grupo Al-Shabab mas desmentem qualquer ligação com a insurgência em Cabo Delgado.
Eles chegaram a Moçambique, por via da Tanzânia, com o objectivo de “resgatar o seu líder”, Abdul Azize, que havia sido detido pelas Forças de Defesa e Segurança, no ano passado. Vieram para “resgatar um colega”, Abdul Azize, que entrou em Moçambique alegadamente para apoiar os insurgentes de Cabo Delgado. Eles entraram no país de forma legal, pois possuem toda a documentação necessária. Quando foram capturados em Mocímboa confessaram o seu envolvimento nos crimes mas em Nampula fizeram "mea culpa". Vieram da República Democrática do Congo, onde um braço do “Alshabab” foi alegadamente fundado há dez anos.
Abdularaihim, falando a jornalistas em Nampula, disse que os três não tinham nada sobre o grupo que está a atacar em Cabo Delegado. Mas reconheceu que os atacantes têm o apoio Abdul Azize, “o meu líder’’, ou seja, aqueles de quem dizem andar a procura. Zacarias Nacute, porta-voz do Comando Provincial da PRM de Nampula, apontou Abdulraihim Faizal como o líder do grupo e disse que a Polícia estava a envidar esforços com vista à detenção de Azize. (Rodrigues Rosa)
Por ocasião do lançamento da "Cimeira do Corporate Council" on África, que pela primeira vez vai juntar em Junho, em Maputo, uma vasta cúpula de empresários americanos e africanos, o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos em Moçambique, Bryan Hunt, deu uma no cravo e outra na ferradura. Falou das boas perspectivas da cimeira para Moçambique, como um autêntico “show case” para a atracção de mais investimento, mas boa parte do seu discurso foi dedicada à política interna.
Bryan Hunt, que actua na verdade com uma espécie de “acting ambassador” depois da partida do cessante Dean Pittman, não se sentiu coibido de comentar matérias de política interna, mostrando-se mais predisposto do que o anterior chefe da missão americana em Moçambique. Eis algumas das suas declarações, ipsis verbis, em nome dos “investidores americanos”:
Sobre o processo DDR: “O progresso que Moçambique tem alcançado na cessação do longo conflito entre o governo e a Renamo é impressionante. De facto, cada dia fico mais convencido que estamos perto de uma paz duradoura entre as duas partes, e louvo a liderança corajosa tanto do Presidente Nyusi como do falecido Afonso Dhlakama que nos trouxe até este ponto crítico. No entanto, para convencer os investidores sobre esse progresso é necessário mais do que os entendimentos alcançados até à data. Os investidores americanos potenciais vão querer ver progressos concretos na implementação do desarmamento, desmobilização e processo de reintegração prometidos ao abrigo desses acordos. Vão querer garantias significativas de eleições livres e justas em 2019”.
Sobre os ataques em Cabo Delgado: “Os investidores precisam de ter garantias de que existe um verdadeiro esforço nacional para abordar e travar o extremismo violento recente que interrompeu a paz no norte da província de Cabo Delgado, para estancar as influências e actividades de grupos criminosos organizados envolvidos em tráfico de narcóticos e de vida selvagem, e para proteger os recursos marítimos e terrestres do país – sejam eles pescas, madeiras ou pedras preciosas – contra aqueles que os querem explorar ilegalmente. Os Estados Unidos, e na verdade a comunidade internacional alargada, estão prontos para assistir Moçambique na abordagem destes desafios de segurança nacional, e estou confiante de que, com uma acção rápida e em parceria, poderemos alcançar progressos sustentáveis antes de Junho”.
Sobre o ambiente de negócios: "Moçambique deve continuar os seus esforços para identificar e abordar as barreiras ao clima de negócios. Muitos destes desafios, como a posse da terra, os procedimentos alfandegários, as barreiras ao comércio livre, os custos de transporte, as reformas das empresas detidas pelo estado, a protecção dos direitos de propriedade intelectual, e o acesso à energia e sua rentabilidade, têm sido objecto de longos estudos e debates a nível nacional. A tradução desses estudos e debates em acções concretas deveria ser prioritária para nós, à medida que nos aproximamos da cimeira em Junho. Os líderes de empresas americanas vão querer ser convencidos de que existem planos de acção em curso para tratar destas questões complexas, que têm impacto sobre os seus lucros, e que esses planos estão no bom caminho da sua implementação plena, quando quiserem contemplar se devem gastar os seus escassos dólares de investimento em Moçambique”.
Sobre o caso das “dívidas ocultas” em Moçambique: “Seria negligente da minha parte se não mencionasse os danos que os escândalos de corrupção já causaram à economia de Moçambique, suas instituições, e sua reputação internacional. Todos nós sabemos bem o impacto da questão das dívidas ocultas, não só sobre os indicadores macroeconómicos de Moçambique, mas também na vontade dos investidores estrangeiros arriscarem o seu dinheiro e reputação nesta economia. Embora não exista uma resposta fácil, procurar esconder ou encobrir os detalhes do escândalo não vai atenuar essas preocupações. Em vez disso, deveremos empenhar-nos na transparência e na responsabilização”.
Sobre o PR Filipe Nyusi e as dívidas ocultas: “As acções louváveis do Presidente Nyusi de procurar uma auditoria internacional sobre a matéria, de adoptar as recomendações do FMI para melhorar a transparência e a responsabilização governamental, de iniciar um diálogo nacional anticorrupção, e de reformar a supervisão exercida sobre as empresas detidas pelo estado, representam acções credíveis do ramo executivo para reconstruir a confiança internacional. No entanto, essas acções devem ser acompanhadas de uma investigação judicial robusta sobre a matéria, através da qual os culpados sejam responsabilizados. As acções civis da ProcuradoriaGeral da República através do Tribunal Administrativo são um primeiro passo bem-vindo no sentido desta responsabilização, e os Estados Unidos esperam que quando apropriado, sejam complementadas por acções robustas nos tribunais criminais".
Hunt falava em Maputo, na sexta-feira, durante o lançamento da 12.ª Cimeira Anual de Negócios Estados Unidos - África, em parceria com o Corporate Council on Africa. A cimeira servirá como uma das principais plataformas para as empresas americanas conhecerem e discutirem com as suas contrapartes africanas as últimas tendências de negócios, comércio, e investimento por todo o continente, onde se espera 1500 participantes. (Carta)
Uma carta que Samora Machel Júnior tencionava enviar ao Presidente da República, Filipe Nyusi, através do seu gabinete, acabou circulando nas redes sociais antes de chegar ao destinatário, apurou “Carta de Moçambique” de fontes reputadas. Antes de enviar formalmente a missiva para o gabinete de Nyusi, Samora quis dar conhecimento ao SG da Frelimo, Roque Silva, e aos dois antigos Presidentes da República, designadamente Armando Guebuza e Joaquim Chissano. O documento surgiu circulando sexta-feira à noite nas redes sociais, tendo-se tornado viral ontem de manhã. Fontes de “Carta” asseguram que o documento foi vazado, alegadamente para criar a percepção de que Samora Júnior prefere discutir assuntos com interlocutores do partido na praça pública, ao invés de usar os canais e os palcos internos.
Na sua carta para Filipe Nyusi, Samora Machel apelava o PR à “convocação de uma reunião magna, para discutir, sem reservas e limitações, o estado actual do Partido e do País” e acrescentava que isso era “uma obrigação inevitável à luz do seu mandato”. Subscrevendo a carta como membro do Comité Central da Frelimo, Samora disse que a formação estava a viver uma crise profunda e, por isso, era tempo de “se tomar acções decisivas e voltar a encarreirar o Partido no caminho certo, ao lado do Povo”.
Entre os grandes factores para a crise, Samora elencou vários aspectos, como o envolvimento de altos quadros do partido no esquema de fraude financeira das chamadas "Dívidas Ocultas"; o posicionamento do partido na legitimação das garantias soberanas ilegalmente concedidas; a inclusão dessas dívidas, contraídas por empresas privadas, no orçamento do Estado, fazendo que o seu pagamento atravesse, pelos menos, duas gerações de moçambicanos; o crescimento e a perpetuação da insegurança de bens e pessoas no norte do país, sem capacidade de controlo do crescente extremismo étnico que está evidente; a destruição económica das empresas públicas e privadas da nossa economia; e a degradação de Moçambique nos índices de negócios e corrupção internacionais, entre outros.
Ele referiu-se igualmente ao “aumento do custo de vida com um incremento brutal de taxas e impostos que estão para além da capacidade normal das carteiras moçambicanas, asfixiando o nosso desenvolvimento económico”. E não deixou de recordar a sua exclusão, sem explicação, da corrida eleitoral para a escolha do cabeça de lista da Frelimo para as recentes eleições locais em Maputo, naquilo que interpretou como um “atropelo estatutário”, uma situação que, diz ele, ocorre nos últimos anos a vários níveis da hierarquia, imperando “um desrespeito pelas normas que deveriam servir para o são funcionamento das instituições”. (Carta)
O Tribunal Supremo (TS) remeteu finalmente ontem um pedido à Assembleia da República (AR) visando o levantamento da imunidade do deputado Manuel Chang. Na sequência desse pedido, a Presidente da AR, Verônica Macamo, convocou uma sessão da Comissão Permanente para o próximo dia 29, terça-feira. Na argumentação para o pedido da levantamento da imunidade do deputado Chang, o Tribunal Supremo alegada que Manuel Chang é acusado de 7 crimes, nomeadamente burla por defraudação, abuso de cargo ou funções, violação da legalidade orçamental, peculato, corrupção passiva para acto ilícito e branqueamento de capitais.
De acordo com o pedido do Supremo, o levantamento da imunidade do deputado Chang visa a aplicação de uma medida de coação máxima, a prisão preventiva. A solicitação do TS foi promovida no âmbito do processo 1/PGR/2015, que investiga judicialmente o caso das chamadas “dívidas ocultas”, onde Chang foi constituído arguido com outras figuras centrais da orquestração de um endividamento de mais de 2 bilhões de USD. O TS alega que a prisão de Manuel Chang é necessária dado “existir o risco de fuga e perturbação da investigação". Se a Comissão Permanente anuir à solicitação do TS, um mandado de captura vai ser expedido contra Manuel Chang. "Carta" sabe que nos próximos dias a investigação local sobre o caso das dívidas ocultas vai conhecer desenvolvimentos cruciais(Carta).
Por volta de 2002, quando Manuel Chang ainda era Vice-Ministro das Finanças de Luísa Diogo, antes da ascensão de Armando Guebuza, ele quebrou um protocolo de silêncio entre a camaradagem: decidiu revelar os bens que possuía na altura. Foi no contexto da apropriação de algumas instituições de integridade pelo nosso Estado, motoras da probidade pública. A declaração de bens era um mecanismo percebido como ajudando na descoberta de sinais de enriquecimento ilícito. Chang apresentou-se como um arauto da transparência e disse publicamente que tinha bens avaliados em 500 mil USD. Isso causou uma danada celeuma. Militantes do partido saíram contra ele: tinha pisado a linha. Para eles, o que Chang fizera era nojento, uma provocação, um atentado contra o segredo dos negócios das elites.
Depois da veemente crítica, ele recatou-se. E caiu nas graças de Guebuza, tendo assumido a pasta das finanças durante os dois mandatos do guebuzismo. Ontem, 16 anos depois, quando se esperava que Chang tivesse o mesmo gesto de apego à transparência no Tribunal de Kempton Park, ele estava no antípodas, negando fazer a revelação dos números da sua dinheirama. Chang preferiu escondê-la para o grande público, permitindo que uma velha máxima viesse à tona: quem não deve não deve. O que ele fizera antes como um acto de honra podia hoje ser uma fonte de vexame.
Quando o Tribunal quis saber sobre suas posses, ele anuiu que os extractos das contas bancárias fossem apresentados mas negou que a informação fosse partilhada com os jornalistas presentes. A juíza Sagra Subroye retorquiu: toda a informação financeira de Chang seria usada não apenas para a aferição de uma eventual caução, mas também para que constasse do processo, podendo ser mencionada em julgamento, na presença da imprensa. Um dos advogados de Chang revelou os saldos das contas bancárias em Moçambique, Portugal e África do Sul e entregou dados de salário (como deputado da AR) e da pensão de ex-governante.
Chang ficou satisfeito com a omissão pública dos seus dados bancários e respirou de alívio. Quando na segunda feira, dia 21, submeteram finalmente um pedido de liberdade de Chang sob caução (depois de perceberem que ainda não tinha dado entrada, formalmente, um pedido de extradição por parte do Tribunal Supremo de Moçambique), seus advogados sabiam que o Tribunal haveria de requisitar essa informação financeira e haveria o risco dela acabar nas mãos de jornalistas. Eventualmente, foi isso que levou a que a defesa não tivesse alertado previamente à comunicação social local e moçambicana sobre uma audiência marcada praticamente em cima da hora. A intenção de guardar segredo era enorme. Chang mostrava desconforto com a perspectiva da divulgação pública da sua informado bancária.
Dezasseis anos depois, ele é um homem com outros valores sobre o instituto da declaração de bens. Já abomina a revelação pública da sua “riqueza” acumulada nos anos em que foi Ministro das Finanças – a acusação americana disse que ele recebeu 15 milhões de USD mas também existe o caso da Odebrecht. Seria interessante perceber quanto dinheiro ele acumulou nestes anos, designadamente qual é a real dimensão do acréscimo do seu património e suas fontes (ele continua a dizer que não praticou nenhum crime em Moçambique).
Dois anos depois da sua famosa e solitária declaração dos 500 mil USD, Chang assumiu uma pasta ministerial por 10 anos e depois se tornou deputado da Frelimo na AR. Em termos concretos, ele esteve sujeito à legislação local sobre declaração de bens, que obriga aos titulares de cargos públicos a submeterem uma lista anual do seu património. O objectivo dessa legislação visava monitorar o enriquecimento ilícito. A acusação norte-americana e a investigação moçambicana mostram que Manuel Chang tem um património invejável: enriqueceu ilicitamente tomando decisões ilegais e recebendo subornos para isso. Ou seja, a legislação nacional sobre declaração de bens é ineficaz.
Apesar da sua boa vontade manifestada há 16 anos atrás, Chang deu agora um golpe nos princípios de transparência que aparentemente defendia. Um paradoxo em pessoa. Ontem em Kemptom Park, seus advogados apenas revelaram parte das contas bancárias do deputado, nomeadamente as contas em Moçambique, África do Sul e Portugal. Mas a investigação do FBI e os dados coligidos pela investigação moçambicana indicam que ele tem contas em Espanha, Suíça (os subornos recebidos da Odebrecht foram depositados em contas em bancos domiciliados na Confederação Helvética) e em dois paraísos fiscais não revelados. Seu património é invejável, disse à “Carta” uma fonte da investigação local.
Mas a tentativa de esconder a dimensão real do seu património vai sucumbir às pretensões da justiça americana e moçambicana, que pretendem confiscar alargadamente os seus bens. No caso de Moçambique, “Carta” apurou que a maioria dos arguidos dos processos das dívidas ocultas usaram parentes e empresas fictícias para fizeram a lavagem de dinheiro, havendo muito património imobiliário (apartamentos no novo prédio onde era o cinema Xenon e no portentoso número 130 da Avenida Julius Nyerere, que também alberga “flats” relacionadas com a construção do novo edifício do Banco de Moçambique) que será confiscado. No caso de Chang, o rastreio envolve a investigação fora de Moçambique porque, diferentemente da maioria dos outros arguidos locais, ele terá feito a lavagem no estrangeiro. (Marcelo Mosse)
Peter Gastrow, um investigador sul-africano sobre criminalidade organizada (anteriormente ligado ao Institute for Security Studies e hoje vinculado ao Global Initiative Against Transnational Organized Crime) disse ontem à “Carta” que é pouco provável que Manuel Chang evite uma extradição para os EUA.
Gastrow, que visitou ontem as instalações de “Carta de Moçambique”, recordou que o sistema de justiça criminal sul-africano está a viver um momento positivo de mudança, depois de anos de captura por parte de um poder político corrupto (com Jaboc Zuma na liderança, sob a tutela dos irmãos Gupta) que bloqueara boa parte das suas instituições. Essas mudanças, que passam pelo reforço da transparência no processo de indicação de magistrados e investigadores de topo, envolve também o aprofundamento da separação de poderes.
Gastrow diz que o actual Presidente sul africano, Cyril Ramaphosa, não vai permitir que a RAS mostre a imagem de um Estado pouco afoito ao reforço da cooperação policial e judicial internacional. “Ramaphosa quer provar interna e externamente que está comprometido na luta contra a corrupção transnacional e que a RAS é um parceiro credível na cooperação judiciária à escala global”.
Num momento em que a RAS atravessa um dilema - a busca de investimento estrangeiro e a saída para a Austrália de empresários locais fugindo à política de expropriação de terra sem compensação - decidir contra o pedido americano para a extradição de Chang para os EUA (que foi finalmente depositado na terça feira em Pretória, de acordo com fontes reputadas de "Carta"), seria estar a ir na contramão de um discurso e prática a favor da independência das instituições de justiça, rematou o reputado pesquisador. (M.M.)