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sexta-feira, 18 outubro 2019 07:16

Uma vida cheia de "sempre"

É mais fácil ser sábio depois dos eventos, dizia um sábio. Agora é tudo fácil. É fácil encontrar bode-expiatórios. É fácil culpar as fraudes da FRELIMO. É fácil culpar a desorganização da RENAMO. É fácil culpar o Nhongo. É fácil culpar as querelas da oposição no seu todo. É tudo fácil.
 
A única coisa que tenho a dizer é que estas eleições aconteceram como sempre têm acontecido aqui. Nada mudou. O parlamento é o mesmo. Os partidos políticos são os mesmos. A Cê-Ene-É é a mesma. O STAE é o mesmo. Os membros e simpatizantes dos partidos são os mesmos. Os candidatos, também, são quase os mesmos. A sociedade civil é a mesma. Os observadores são os mesmos. Os eleitores somos nós, de sempre. 
 
Nada mudou. O parlamento faz as mesmas coisas. Os partidos políticos fazem as mesmas coisas. Os deputados continuam a gastar os seus tempos discutindo sexo dos anjos e se insultando. O STAE continua sendo rebocado pela Cê-Ene-É que por sua vez é rebocada pela FRELIMO. A sociedade civil continua a atacar as consequências e não as causas. Os observadores continuam a observar sem microscópio. Os doadores continuam a forçar conceitos e estratégias descontextualizada. E os eleitores continuam a votar por simples votar. 
 
Nada mudou. É tudo uma continuação. Espanta-me, portanto, que a sociedade esteja a espera de alcançar resultados diferentes quando ela só sabe fazer as mesmas coisas. O que é que fizemos de diferente para esperarmos resultados diferentes? Por que é que estes resultados eleitorais deviam ser diferentes dos anteriores? Mudou algo na Cê-Ene-É? Mudou algo na FRELIMO? A RENAMO mudou alguma coisa? O Eme-Dê-Eme fez algo diferente? O povo-eleitor melhorou? 
 
Filipe Nyusi ganhou as presidenciais. A FRELIMO ganhou as legislativas e as provinciais. Filipe Nyusi e FRELIMO ganharam como sempre vêm ganhando. A máquina funcionou como sempre funcionou. Os órgãos de gestão eleitoral estão a trabalhar como sempre trabalharam. A RENAMO está a lamentar como sempre e daqui a pouco os seus deputados vão tomar a bendita posse e tudo vai passar como sempre. Os observadores já observaram como sempre. Os internacionais já comeram camarões e galinhas à zambeziana e tocossadas e já estão a bazar, como sempre fizeram. E nós vamos continuar a discutir os Messis & Ronaldos, as Melancias de Moz, os Dercios, as bandeiras nos rabos das donzelas, etecetera, etecetera, como sempre. 
 
A FRELIMO sempre ganhou assim. A RENAMO sempre perdeu assim. A oposição toda sempre perdeu assim. E nós sempre lamentamos assim e depois vamos continuar a vida assim. Em 2024 será também assim. 
 
Nada mudou. É tudo uma continuação. E não podemos esperar outra coisa a não ser uma continuação também. Uma continuação gera outra continuação. Continuação não gera mudança. Mudança é que gera uma outra mudança. É assim a vida. Se queremos viver uma vida pós-eleitoral diferente, temos que adoptar acções pré-eleitorais e eleitorais também diferentes. 
 
Se queremos mudança, temos que mudar como sociedade. E isto começa na mudança dos nossos conceitos de política. Enquanto continuarmos a conceber partidos políticos como empresas, não vamos sair daqui. Enquanto continuarmos a pensar que ser deputado é profissão, continuaremos na "shit". Enquanto os candidatos e partidos políticos continuarem a pensar que as dívidas ocultas votam, nunca chegarão ao poder. 
 
A vida continua! Eu sonhei com um parlamento equilibrado, mas era apenas um sonho. O mesmo sonho de sempre. Até esta publicação é uma continuação. É o mesmo texto pós-eleitoral de sempre. 
 
Ouve lá, disseram que Ndambi fez o quê? 
 
- Co'licença!
quarta-feira, 16 outubro 2019 07:06

O voto-eléctrico, o voto-fermento e o voto-bebé

De eleição em eleição temos experimentado novas espécies de voto que acabamos normalizando a sua prática. Há uns votos aí que já deviam ser legalizados e aperfeiçoados. Estou a falar do voto-eléctrico, do voto-fermento e do voto-bebé.

 

O voto-eléctrico é aquele produzido pela É-Dê-Eme na hora da contagem dos votos nas mesas. É um voto que aparece com o corte de energia. O voto-eléctrico é amigo da escuridão, e não gosta de lanterna, panti/xipefu, lua e quaisquer outras fontes de luz.

 

O voto-fermento é aquele que se multiplica depois que entra na urna. É um voto multiplicador. É um voto que faz "vezes dois" sozinho. Quando você pensa que tem cem votos na urna (que é o número real de pessoas que votaram), milagrosamente, você encontra duzentos. O voto-fermento sofre de mitose - um processo de divisão celular onde a célula do voto se divide e dá origem a duas células-filhas, portanto, dois votinhos. O voto-fermento cresce sozinho como Arroz Ngonhama na panela.

 

Por fim, temos o voto-bebé. O voto vem no colo. É acompanhado pelas suas mães ou pais. Muitas vezes, o voto-bebé sai das blusas das membros das mesas de votação. O voto-bebé nasce na maternidade da sede do partido e, em seguida, é escolhida uma mãe para ele. Normalmente, as mães costumam carregar cerca de uma dúzia de bebés de cada vez. Mesmo sem chorar, a mãe sortuda enfia o novo filho no "sutiã" para mamar e, quando se sente sozinha e sossegada na Assembleia de Voto, a mãe expele os bebezinhos na urna tipo "virungunhas" (girinos).

 

Devíamos deixar a vergonha de lado e assumirmos a nossa moçambicanidade. Esses tipos de votos são tipicamente nossos. Fomos nós que os inventamos e não devíamos ter vergonha deles. Devíamos legislar, legalizar e legitimar. Só assim todos os candidatos e partidos podem ter a chance de concorrer por igual.

 

Devíamos dar a cada candidato e partido concorrente a oportunidade de introduzir os seus votos-eléctricos durante o apagão, os seus votos-fermento a cada troca de urna e os seus votos-bebé a cada sossego. Assim, para além dos votos válidos, nulos e brancos, podíamos mencionar também os eléctricos, os fermentos e os bebés de cada Assembleia de Voto e podíamos contabilizar esses últimos para cada candidato e partido concorrente.

 

É que assim como as coisas estão não é justo. Apenas certos candidatos e partidos têm o privilégio de usar esses novos tipos de voto. E isso não é bom para a nossa democracia. Se há outras alternativas a democracia, que seja para todos por igual. Se há manobras, que sejam por todos conhecidas. Se é para competirmos no escuro, que digam. Se a competição é sobre qual é o partido que tem as mulheres com "sutiãs" mais bigs, que assim seja. Mas, faxavor, legalize-se!

 

- Co'licença!

 Buda pôs de castigo dois Monges que haviam cometido uma infracção. O castigo era que os dois Monges fizessem ioga durante todo o dia. Passadas algumas horas de meditação, os dois Monges tiveram vontade de fumar. Decidiram, então, pedir o consentimento do Buda que estava num cantinho do templo fumando o seu cachimbo de bamboo.

 

Decidiram ir um de cada vez. O primeiro chegou ao Buda e disse: Buda, posso meditar enquanto fumo um cigarro? A resposta foi negativa. Então, foi o segundo e disse: Buda, posso fumar um cigarro enquanto medito? O Buda disse que sim e ofereceu-lhe um dos seus cigarros.

 

Vendo a sorte do seu colega, o Monge que não foi autorizado a fumar foi ao Buda reclamar do seu azar. Foi daí que o Buda disse: cada pergunta tem a resposta que merece. Fumar enquanto medita é diferente de meditar enquanto fuma, assim como José Maria é diferente de Maria José.

 

Isto vem a propósito do comunicado do Comando Geral da Polícia em relação ao envolvimento dos seus Agentes no assassinato do respeitado Anastácio Matavele, Delegado do FONGA e Coordenador da SALA DA PAZ na província de Gaza, ocorrido na passada segunda-feira. Na verdade, o comunicado não está claro se o envolvimento dos quatro Agentes da Polícia foi um mero acaso ou foi um trabalho de rotina normal. Ou seja, não ficou claro se aquela emboscada era uma bolada dos Agentes ou era uma missão de serviço normal. Isto é, ainda não percebemos se matar pessoas inocentes é um "part-taimi" dos Agentes ou é o seu trabalho diário normal. Para ser mais directo, os assassinos são Agentes da Polícia ou os Agentes da Polícia são assassinos?

 

Parece complicado, mas não é. Uma coisa é descobrir que os assassinos do professor Matavele são Agentes da Polícia da República de Moçambique e outra, bem diferente, é revelar que, afinal de contas, os Agentes da Polícia da República de Moçambique são assassinos. Uma coisa é um Agente meter-se no crime por mero circunstancialismo da circunstância ou mero acidente e outra é um assassino meter-se na corporação policial de forma profissional, reconhecida pelo Estado e disfarçado em Agente.

 

Fiz-me entender? Um assassino que é Agente e um Agente que é assassino não é a mesma coisa. Um assassino Polícia é muito diferente de um Polícia assassino. Uma coisa é um Polícia ser contratado para ser assassino e outra, bem diferente, é um assassino ser contratado para ser Polícia. Assassinos na corporação e corporação de assassinos são coisas bem diferentes.

 

Faltou este esclarecimento no comunicado. Não ficou claro. Aguardemos que o Comandante em Chefe faça esta 'esclaração'.

 

- Co'licença! 

terça-feira, 08 outubro 2019 07:28

Seja feita a vontade do sistema!

Se o mais velho Anastácio Matavele foi considerado "persona non grata" pelo sistema a ponto de ser mapeado e fuzilado em plena luz do dia, imagina, então, malta nós. Quem conheceu o Matavele sabe do que falo: um homem de discurso pacífico, moderado e reconciliador; um homem moderado e humilde. Na verdade, uma das pessoas mais coerentes e coerentes que conheci durante este tempo todo que estou na SALA DA PAZ.

 

Se uma pessoa assim está na lista negra do sistema, então, em que lista estou eu com meus bradas malta Mutoua, Zefanias, Ferreira, Quitéria, Frei Manhiça, etecetera?! Em que lista está a SALA DA PAZ toda?! É que o cota Matavele era a pessoa que conseguia baixar os nossos ânimos. Que conseguia nos lembrar que estávamos na SALA DA PAZ.

 

Então, não seria melhor o sistema enviar-nos cartas de pré-aviso do nosso assassinato?! Não seria melhor o sistema enviar-nos em carta fechada os itinerários das nossas mortes uns dias antes?! Para facilitar o trabalho, não seria melhor o sistema lançar uma bomba atómica para o local onde vamos reunir na próxima sessão da SALA DA PAZ?! Para não morrermos espalhados pelas ruas, não seria melhor o sistema mandar fazer sobremesas de pudins fosfóricos e todos darmos os nossos últimos suspiros no "cofi-brequi" de uma sessão?!

 

Está mais do que claro que em Moçambique, hoje em dia, já não é mais Deus que manda nos nossos destinos. É o sistema. Já não podemos mais dizer "seja feita a vontade de Deus!" porque Deus já tem um gabinete sucursal aqui na banda que é gerido pelo sistema - o Governo. Agora é o sistema que traça os nossos destinos. Agora, é só esperarmos ansiosamente pelo itinerário das nossas mortes sentados. Seja feita a vontade do sistema! Tudo depende do sistema. Mas se depender de nós, o sistema pode cair.

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segunda-feira, 07 outubro 2019 07:03

O acordo de paz que Nyusi não quer assinar

Não é por falta de tempo. Não é por falta de troncos para tirar foto. Também não é por falta de espaço para montar a mesa para assinar os papeis. É mesmo por falta de vontade. Não interessa ao Nyusi assinar o acordo entre o governo e os esquadrões da morte, e entre o governo e os membros e simpatizantes da FRELIMO em Gaza e Inhambane. 
 
Os esquadrões da morte e os membros da FRELIMO em Gaza e Inhambane aterrorizam mais do que qualquer outro grupo armado neste país. Esses dois grupos são os tais que dão tiros constantes à democracia. Um Estado de Direito Democrático não se pode erguer e caminhar com facínoras internos criados e apadrinhados pelo governo para bloquear as liberdades de expressão e de manifestação dos seus cidadãos. 
 
Foi num dia 4 de Outubro, o tal dia da Paz, que Mahamudo Amurane foi barbaramente assassinado por 10-conhecidos no quintal da sua casa em plena luz do dia. O assassinato de Amurane foi apenas a demonstração do quanto esses esquadrões vis tinham domado o Estado moçambicano. Uma demonstração de que eram eles que controla(va)m os cérebros e as bocas dos cidadãos. O que se pensa e o que se fala. 
 
É (e sempre foi) em plena campanha eleitoral - o epíteto do processo democrático - que os membros e simpatizantes da FRELIMO - o partido que Nyusi preside - cobardemente impedem que outros partidos e candidatos peçam votos em Gaza e Inhambane. Essas violências contra a democracia matam sorrateiramente o espírito de convivência pacífica um pouco por todo o país. 
 
Ora, o que custa Filipe Nyusi sentar-se à mesa com esses dois grupos kamicasianos e conversarem sobre a paz efectiva? Qual é a dificuldade de assinar com esses dois grupos antidemocráticos um acordo de paz definitiva? O que falta? Vontade de querer! 
 
Filipe Nyusi não mostra vontade de acabar com os esquadrões da morte nem com a intolerância política. Não lhe convém. Não lhe é vantajoso. Não lhe agrada essa ideia. Nyusi está nem aí para isso. 
 
Enquanto Filipe Nyusi for indiferente aos esquadrões da morte e à intolerância política, o 4 de Outubro continuará sendo apenas um dia de descanso sem valor nem significado. Continuará sendo o dia da vergonha nacional. Este dia continuará sendo o "apagador" da nossa democracia; a casca de banana do nosso desenvolvimento; o abacaxi no c* da nossa unidade nacional. 
 
Paz não é apenas o calar das armas. É também ausência de medo e susto de todo o feitio. 
 
- Co'licença!
quarta-feira, 02 outubro 2019 06:28

SALA DA PAZ: os meus medos

A SALA DA PAZ é uma grande escola de democracia. Começou em Nampula e agora se expandiu pelo país todo, buscando mais aprendizado, formas harmoniosas de resolver diferenças políticas e aprimorando a transparência na gestão dos processos eleitorais. É uma grande escola e fazer parte dela tem sido igualmente uma grande honra.

 

Posso me gabar de conhecer a SALA DA PAZ por dentro. Mas, como não há bela sem senão, parece que alguém descobriu que esta plataforma é um laboratório de lapidação de futuros políticos, um esconderijo de políticos acobardados e quiçá um terreno de espionagem política. E isso me preocupa muito. Me dá muito medo.

 

Parece que as pessoas que a gente confia os planos e as estratégias desta importante plataforma, a dado momento, acabam sendo recolhidas ou resgatadas pelos partidos políticos - esse ópio civilizacional. De manhã você está a discutir assuntos muito sérios da SALA DA PAZ com alguém e a noite você fica sabendo que esse mesmo alguém está na lista do partido A, Bê, Cê... Xis, Dabliu ou Zé. Isso me preocupa muito. Me dá muito medo.

 

O meu medo é de chegarmos à uma fase em que a plataforma será tomada de assalto pelos partidos políticos. Uma fase em que os partidos políticos terão membros-permanentes na SALA DA PAZ por quotas de representação parlamentar. Uma fase em que esta plataforma não passará disso, simplesmente uma plataforma. Uma fase em que a SALA DA PAZ cairá no descrédito da opinião pública. Uma fase em que a própria SALA DA PAZ não saberá dizer o que ela é na essência. Uma fase de uma SALA DA PAZ sem termos de referência claros e objectivos. Uma organização suspeita. Uma plataforma sem identidade.

 

Tenho medo que as pessoas não saibam em quem e em o que acreditar. Dizia Aristóteles, a primeira verdade de um discurso é o seu próprio orador. Tenho medo que as pessoas percebam que já não somos mais verdadeiros quanto os nossos discursos. A opinião pública ainda espera muito de nós.

 

São os meus medos. Nada contra as decisões de quem quer que seja. Nada contra as pessoas se filiarem onde quer que seja. Só não me agrada que as pessoas usem organizações da sociedade civil como a SALA DA PAZ para fazerem preliminares. Uma organização que faz observação e monitoria do processo eleitoral não pode ser a porta de entrada para a política activa. A SALA DA PAZ não merece essa fama. Qualquer um é livre de se filiar a qualquer partido político que lhe apetecer, mas que não seja através da montra da SALA DA PAZ.

 

Não sou de cortar liberdades de ninguém, mas não podia deixar de partilhar os meus medos. Medo de entrar numa sessão e não saber quem é quem ou quem será quem mais logo ou, pior, quem sou eu. Medo de não saber se vale a pena este compromisso. Medo de não saber a quem dedico as minhas energias. Medo de gritar de júbilo ou de desmaiar no dia de votação. Medo de não conseguir acudir a luta entre o meu eu e o meu mim. Medo de ser um porta-voz de uma organização sem voz nenhuma. Medo de pensar que tudo é normal e que os fins justificam os meios. Medo de confundir opiniões e burlar expectativas.

 

São muitos os meus medos sobre o futuro da SALA DA PAZ. São enormes os meus medos.

 

- Co'licença! 

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