Defendo que o Estado não deveria ser concorrente do privado. Exceptuando, talvez, em áreas críticas como distribuição (a produção pode ser por privados) de energia, água e questões de soberania, mormente controlo, defesa e segurança territorial, o Estado deveria estar longe da gestão de empresas.
Em áreas puramente económicas não só é uma concorrência desleal, pois, na fase mais primária do financiamento, e quando necessário, o Estado pode imprimir papel moeda.
Felizmente, o cidadão “INFLAÇÃO” está lá para subverter tentativas abusivas da máquina de impressão, por um lado.
Por outro lado, temos o factor ineficiência. Ao longo dos anos, o IGEPE foi provando ser um cemitério de empresas públicas, mostrando mais uma vez que não é papel de Estado geri-las.
As receitas do Estado irão para os seus cofres apenas quando houver um ambiente conducente a negócios, em que o sector privado, via um sistema financeiro justo, possa ir buscar dinheiro a um custo justo, e o IVA, o IRPS, o IRPC e mesmo os impostos sobre dividendos e outros sejam transparentemente cobrados e aplicados no bem público.
“Não existe dinheiro público, só existe dinheiro de quem paga impostos”, disse Margaret Thatcher, antiga Primeira-Ministra do Reino Unido. O poder desta frase ecoa até hoje em todos os cantos do mundo e Moçambique não seria excepção, pois, mesmo se o financiamento de uma ponte for via um banco estrangeiro, a dívida será saldada por fundos públicos, estes que tecnicamente não existem, pois são dos contribuintes!
Vindo de uma economia centralizada, houve alguma coragem para se privatizar algumas empresas, privatizações que em algum momento foram um descalabro porque foram induzidas por motivos dúbios e porque as empresas foram abocanhadas por gente cujo único activo que tinha era conhecer quem toma decisão.
Ao longo dos anos, empresas que deveriam ser privatizadas não foram e, por desculpas estapafúrdias, essas empresas continuam a mamar da teta do Estado. Uma dessas empresas é a LAM, uma companhia que nos anos 80/90 deu-nos muito orgulho de sermos moçambicanos, pois Madrid, Copenhaga, Sofia, Paris só para citar algumas cidades, eram destinos regulares da nossa companhia de bandeira.
Nesta minha idade sei muito bem o que quero, mas, mais importante, o que não quero. Num mundo onde há muitas alternativas, eu atravesso o mundo para chegar a um sítio como Lisboa e chego feliz, definitivamente, com companhias aéreas escolhidas a dedo. Por norma, não aceito abuso se eu estou a pagar, sendo oferta nem contarei os dentes do cavalo! De modo que quando apareceu o voo Maputo-Lisboa da LAM, para mim foi apenas mais uma notícia, até há algumas semanas, quando a minha filha entrou de férias e a mãe por alguma razão insistiu em ir com a LAM. Também nesta idade não discuto, muito menos com a Comandante-em-Chefe da minha casa. Então, o pedido foi uma ordem. E lá fomos. Tenho de reconhecer que foi um bom voo de Maputo a Lisboa.
A máxima de “If you can’t buy twice, you can’t afford it” veio à tona: no regresso, quando estávamos no aeroporto para o voo das 16:45, fomos informados que o voo passaria para as 20! De balde! Não tinha havido informação no telefone nem no e-mail. Aqui uma pessoa pergunta: afinal aqueles números de telefone que nos pedem quando compramos bilhetes são para o quê?! É que com uma mensagem atempada, uma pessoa fica a beber café no Pinóquio!
Saímos quase às 22h00 e felizmente chegamos bem. Na semana passada, cansei-me de chatear amigos por causa de uma viagem à Beira. Fui à Beira, via Joanesburgo! Pronto. Ontem pedi um bilhete prémio ao Flamingo para uma questão particular. Eu tenho quase que certeza que o número de milhas que acumulei ao longo do tempo dá para ir à lua e voltar na primeira classe.
O meu cartão do Bim/LAM diz Gold e no check-in acho que é Blue (abaixo do Silver). O Flamingo nunca te manda extrato, o único e-mail que recebes deles é no dia do teu aniversário, portanto nunca sabes quanto tens em milhas. Falava do bilhete prémio. A resposta do Flamingo é de eu dirigir-me para uma das lojas da LAM pelo menos dois dias antes da viagem.
Quer dizer, um pai que vive na Ucrânia e quer que a filha viaje com suas as milhas para Lichinga, esse pai deve voltar para Moçambique para fazer essa operação! Senhores, Daniel Chapo está a dizer no seu manifesto para reduzirmos o contacto entre os utentes e funcionários públicos, para reduzirmos a corrupção, a LAM é a primeira companhia a levantar o dedo e remar em direcção contrária.
Não interessa quantas vezes vamos mudar os Conselhos de Administração ali, a solução é privatizar, os aeroportos também. Eswatini e Tanzânia em algum momento ficaram sem companhia de bandeira, há cancros cuja única solução é amputar o membro. Em Moçambique, ainda é possível.
O último informe sobre o “Estado Geral da Nação” teve o condão de avivar na minha mente o pai de uma colega de escola - tempos da 11ª classe do antigo sistema - que se aproveitando da presença, em sua casa, de colegas da sua filha caçula, convocou-os à parte para um informe sobre os seus feitos ao longo do seu então longo mandato em terra.
No quintal, à volta da fogueira e apenas com a ala masculina, o informe foi feito. Dos dois informes ressalta o número 10: o 10 do décimo informe sobre o “Estado Geral da Nação” do ora timoneiro, e o 10 da décima lavra de descendentes do pai da colega.
Uma outra e segunda coincidência: o pai da colega terminava a fala sobre os seus feitos de ganharão no nascimento de cada um dos seus dez rebentos com uma frase da classe que se tem selado, desde o anterior presidente, os informes anuais sobre o “Estado Geral da Nação”.
No entanto, no fecho sobre o seu décimo rebento, o pai da colega foi um pouco mais além do que uma frase ao dar um forte safanão no instrumento co-responsável pelos seus rebentos, ao mesmo tempo que dizia: a vossa colega foi o último grito deste gajo!
Hoje, três décadas de separação entre os dois informes, ocorre-me o senão do safanão: o fim lamentável de uma gloriosa narrativa. Quiçá a terceira e conclusiva coincidência entre o histórico informe do pai da colega e o ora recente, décimo e último sucessivo informe anual par(a)lamentar sobre o “Estado Geral da Nação”.
Quem somos nós?
Somos o povo. O povo deste país baptizado de Pérola do Índico.
Um povo forte, resiliente, porém cansado e talvez agastado com algumas (na verdade, muitas coisas) que não caberão neste manifesto. Somos o povo deste Moçambique que nos foi dado como pátria, e posteriormente nos ensinaram a amá-la.
A nossa formação política é a moçambicanidade que sente todos os dias, de sol a sol, a falta de comida, transporte, medicamentos, livros, escolas, segurança, até começa a faltar algum respeito e dignidade.
É nosso desejo enquanto povo, que o nosso manifesto chegue às mãos daqueles que detém poder e que irão governar o nosso país. No início, chegamos a pensar e a acreditar que o poder reside em nós, mas o tempo tem se encarregado de mostrar que houve uma mudança de direcção, e que, a demissão do povo outrora anunciada, é uma realidade factual. Se não houve total mudança, parece estar em curso e, a passos galopantes.
Pode parecer, à primeira vista, um manifesto romântico, e talvez o seja. Queremos neste curto documento influenciar os políticos do nosso belo e vasto país e aos homens de boa vontade. Fazemos por amor a causa nacional e puro patriotismo; porque temos ainda aquela réstia de esperança; porque vivem e ecoam em nós os ensinamentos do nosso Marechal Samora Moisés Machel.
Na carta apelidada de Carta ao Pai Natal que religiosamente publico no mês de Dezembro, tento lançar um olhar sobre a nossa sociedade, nossa vida política, nossa governação, nossos pecados e nossos legados. E quanto mais cartas escrevo, mais vontade de continuar a minha radiografia social e política. Socorri-me de algumas cartas já publicadas, para emprestar alguns pontos ao nosso manifesto.
Uso aqui, o termo “nosso” ainda que, sem permissão dos cerca de 33 milhões de Moçambicanos que vivem um dia-a-dia caracterizado por lutas frenéticas para vencer a pobreza extrema e carência dos bens mais básicos para uma vida condigna; bens inerentes ao que chamamos de dignidade humana e bem-estar social. Entendo que cada um deles (dos moçambicanos) irá se rever no que aqui apresentamos.
A pobreza ainda grassa o nosso país e são aos milhões os moçambicanos privados do básico e do mínimo nível calórico e proteico necessário para que haja um funcionamento normal e vital – (actualmente consta que cerca de 3,3 M de moçambicanos estão em crise de escassez alimentar e deficiência nutricional). Milhões de moçambicanos que não tem acesso a água potável e ao saneamento seguro; enfim, são mesmo aos milhões que não tem educação formal, serviços básicos de saúde, transporte e muito mais.
O nosso manifesto não é e nem deve ser confundido com um peditório. Não achamos que devemos pedir, o que deveria ser nosso por direito.
É um grito dos menos favorecidos; um grito por mais segurança, mais justiça social, mais redistribuição equitativa da riqueza, e um grito por mais respeito pela pessoa humana.
O período que o país vive, é marcado por uma efervescência política e social típica de época eleitoral – talvez o período mais áureo depois das primeiras eleições que experimentamos enquanto país ensaísta do modelo democrático – falo das eleições de 1994.
A efervescência política é, também, caracterizada pelas movimentações partidárias e dos seus candidatos, seja em ações, seja em intervenções e aparições públicas – e o denominador comum é a conquista do eleitorado e do seu valioso voto. A persuasão e a caça ao voto alias dominam os holofotes e a agenda actual.
Nesta época somos todos povo, entendemos os problemas do povo, vivemos como o povo, compadecemo-nos com o sofrimento do povo, e fingimos entender o que o povo pede.
Mas e depois?
Terminada a azafama, contados os votos e publicados os resultados finais, vivemos mais do mesmo: tomada de posse, formação do governo, distribuição de posições e a corrida desenfreada ao tacho, que parece não ser pouco. Em muito pouco tempo, esquecem-se que pretenderam e quiseram ser povo de ocasião; as andanças e passeatas com povo, são feitas de forma diferente, com cordões militares e escoltas intermináveis. Porque o povo que conferiu poder aos dirigentes, é, já nocivo e pode ser uma ameaça à integridade dos políticos, é imperioso proteger-se dele em nome da segurança, do protocolo e de toda culpa que carregam enquanto gestores da coisa pública. Poderia acrescentar que há medo de aproximação do povo, um medo causado pelo peso na consciência devido a má gestão da coisa pública, corrupção, nepotismo, clientelismo e putrefação da máquina estatal.
Neste vaivém todo, nós “o povo”, com ou sem filiação político-partidária, experimentamos ciclicamente, promessas cuja materialização quase sempre se esbarra numa realidade cada vez mais asfixiante – como algumas vitórias de certos pleitos.
Por um lado, o desejo de ver mudanças na vida da sociedade, aliado a esperança e a fé quase inabalável de fazer desenvolver Moçambique, e por outro, a ideia e desejo de ver alguma alternância governativa, fazem com que se deposite o maior recurso enquanto eleitores (o voto) neste ou naquele candidato. E porque não há almoços grátis, os shows, marchas de campanha, almoços e jantares beneficentes, camisetes, bonés, capulanas, etc., têm um preço: cinco ou mais anos de (des) governo, de neocolonialismo nacional, de exploração do homem pelo homem, de empobrecimento programado e progressivo da sociedade, com a degradação do sistema de educação e destruição do sistema de saúde.
Assim caminharemos rumo a celebração dos cinquenta anos da nossa mítica noite na Machava – o 25 de Junho de 1975.
O nosso manifesto é político, social, económico e acima de tudo humanístico. É de simples compreensão, alcance e materialização. Não obedece a uma estrutura metodológica convencional e não apresenta pontos formais e estilísticos que os partidos políticos concebem depois de longas reuniões de discussão e deliberação. O nosso manifesto não apresenta páginas bonitas, mas espera que se possa traduzir em páginas bonitas para o presente e futuro do nosso país.
Começamos por pedir mais empatia com povo – somos 33 milhões hoje, e amanhã seremos muito mais. Se os modelos governativos, as políticas públicas, leis e instrumentos de governação não levarem em consideração as demandas e as reais necessidades do povo, seremos uma eterna promessa enquanto país. Seremos uma página nos anais da história; um país lembrado como um exemplo perfeito da maldição de recursos, da má governação e da fraca ou inexistente vontade política. Talvez até a literatura futura irá catalogar-nos como um exemplo de despesismo e de produção de novos ricos num contexto extremamente pobre.
O nosso manifesto não pede promessas nem compromissos vazios; pede verdade e responsabilidade; pede que se pense no povo antes de tudo e que se leve o povo para o centro da reflexão. O nosso manifesto diz e acredita que, todos juntos podemos construir um Moçambique forte, próspero e seguro – Um Moçambique em que os seus filhos não sejam forçados a migrar por desgosto e por descontentamento causado pela ausência de oportunidades e pelas más condições criadas ao longo de décadas, por uma governação que tarda em acertar o relógio; Um Moçambique em que àqueles que optem por ficar, não fiquem por falta de alternativas, mas por um desejo de ser mais um braço entre os milhões e uma só força que nos vai ajudar a vencer todas as adversidades.
Não deixemos Moçambique transformado em um meme, numa caricatura e numa sátira.
Por: Hélio Guiliche (Filósofo)
Ele já estava no local combinado, quando cheguei, virado de costas para a entrada do bar, sentado numa mesa sobre a qual a empregada acabava de deixar uma chávena de café fumegante. Apagou o cigarro no cinzeiro com a mão a tremer e logo a seguir iniciou o desfrute. Assisti a estes movimentos de forma dissimulada, a partir do balcão onde me sentara sem pedir nada, fingindo que não estava a vê-lo, sem saber se tomava a iniciativa de me aproximar, ou esperaria até que me reconhecesse e desse algum sinal.
Bebia o café com tremelique nos lábios e na mão direita que segurava intermitentemente a chávena. Parecia ter medo de olhar para as pessoas que estavam ali com canecas de cerveja celebrando a vida logo de manhã. Naquelas circunstâncias, não passava de uma silhueta varrida até às vísceras, contrariando os tempos em que, mesmo não exalando soberba, era um personagem da primeira linha, que jamais poderia passar despercebido.
Mas eu já não podia esperar mais no balcão, de uma pessoa que estava à espera de mim, então era necessário que chegasse até ele. Vou ter com alguém com quem me relacionara, quando eu praticava jornalismo activo. Tornamo-nos confidentes um do outro. Há muita coisa que eu sei dele. Ele também, tem muita coisa que sabe de mim, das minhas incongruências, mais do que das minhas virtudes, que nem as tenho. Criamos um ambiente de amizade, quando era um ministro de proa e me convidava amiúde para um café onde falávamos de tudo, menos do futuro. E o futuro dele agora é este, desastroso. Cheio de frustrações. De mágoas.
O que o ex-ministro quer de mim é que o ajude a escrever qualquer coisa sobre a sua vida. Qualquer coisa que seja sincera e hosnesta em forma de livro. Na verdade nunca pisou a ninguém. Tratou sempre as pessoas com respeito. Cumpriu, durante o seu mandato, todas as orientações do presidente, e tornou-se um profissional irrepreensível.
Estamos sentados frente a frente, ele de costas para a porta de entrada do bar e para as pessoas que conversam bebendo cerveja livremente em grandes canecas, e eu encaro o ambiente como os cowboys nos saloons buliçosos de Farwest.
Vai um café? Perguntou-me tirando um cigarro do maço da marca Palmar azul, e eu disse que não ia beber café, por causa da cafeína, sou hipertenso. Então peça alguma coisa do seu gosto, pedi água. Já tinha tomado o pequeno almoço em casa, sardinhas fritas com salada de alface e chá de cidreira.
O homem já não treme, nem nos lábios, nem nas mãos, o café e o whisky trouxeram-lhe à falsa sensação de bem estar. E assim começou dizendo: olha, meu caro, estou profundamente frustrado por não ter feito nada pelo meu país.
- Mas porque é que você não fez se tinha condições e a obrigação de o fazer, tomando em conta o lugar privilegiado que ocupou durante dois mandatos?
O ex-ministro pediu mais um duplo e olhou para mim com incisão: eu podia ter feito muito, com certeza, porém estava atado, não me deixaram fazer. Pior do que isso, obrigaram-me a cometer erros, a cometer crimes.
- Então, se fizeram isso contigo, porque é que continuou a seguir um caminho que não será o mais correcto?
- Essa é a pergunta mais perfurante que me faço a mim mesmo todos os dias. Perdi a oportunidade de acender luzes para o povo, e já não posso voltar para trás. Sou um pulha!
A frase "nepotism baby" (ou o diminutivo "nepo baby") tem permeado as redes sociais desde os anos 2022, em expressões de seguidores dos famosos que são denominados por nepo baby e em séries de surpresa na TV. É uma adjetivação corriqueira que vai ganhando espaço formal, particularmente para denominar os artistas da Hollywood que chegam ao topo da carreira por via de influências dos seus pais (cfr. NYT, 2022). A popularidade do termo é resultado da “geração Z”, particularmente da mídia periférica. Segundo The New York Time (2022), esta expressão ganhou mais voz nos últimos anos “quando uma fã de Maude Apatow soube que a atriz tinha pais famosos, ela tuitou sua surpresa e inspirou uma série de piadas sobre os chamados “bebês do nepotismo” (NYT, 2022).
É facto que durante séculos, as crianças nascidas em famílias ricas, famosas e poderosas tiveram uma vantagem na vida, herdando monarquias, impérios empresariais, riqueza e poder estelar. Em alguns casos, eles ultrapassaram o status de seus pais. Isso é o que a maioria dos pais deseja para seus filhos. Também é muitas vezes como o poder funciona, especialmente em Hollywood (NYT, 2022).
Ora, a política não escapa a esta realidade, particularmente em Moçambique. Entre eventos políticos midiatizados, assistimos nas últimas semanas a publicação de listas de candidatos para serem os novos inquilinos da Ponta Vermelha, da Assembleia da República, governadores e assembleias provinciais, por parte dos partidos políticos, que por sua gênese, são totalitários à não virtude política, que resulta nos “ridículos políticos” (TIMBURI, 2018). Paralelamente ao fenômeno de “ridículos políticos”, que caracteriza a corrida eleitoral para as próximas eleições, temos visto proliferar mais um, o dos bebês políticos filhos do nepotismo partidária.
Estamos objetivamente falando dos “bebês do nepotismo político” gestados nos partidos para a praça pública, na maioria das vezes, protagonistas do ridículo político. É gente sem projeto político e nem mínima visão de Estado e nação. São, alguns deles, desconhecidos na militância e nas fileiras políticas, portanto, desprovidos de qualquer preparo. São estes nepo baby, que de uns tempos para cá têm tomado “de assalto” as instituições de soberania, como seja o parlamento e, aos poucos, a presidência. Não engrossam por vontade genuína de fazerem diferente como legisladores e fiscalizadores, ou por terem um projeto de desenvolvimento do país, pois nem sabem como e por que estão lá. Atufam o círculo de múmias vivas, que mais não sabem senão torrar o dinheiro do Estado e, no caso do parlamento, para mostrar alguma subserviência partidária, reproduzindo hinos panegíricos em hosanas aos chefes.
Tal fenômeno é facilitado pela promiscuidade de relações estabelecidas e vividas dentro das organizações políticas moçambicanas, sobretudo se considerarmos que a condição necessária para adesão a um partido político é a “filiação partidária” e os seus afetos relacionais ao nível de graus de confiabilidade paternal. Os partidos se tornam hoje, em Moçambique, um berço fértil para incubação e exportação de nepo baby nos espaços do poder político.
Além do mais, cabe sublinhar que filiação é o vínculo que estabelece a relação entre pais e filhos. Ela pode ser biológica ou por adoção. A filiação partidária, por sua vez, deveria ser inegociavelmente um vínculo de natureza jurídica entre o cidadão e o partido político. Esse vínculo asseguraria os direitos e a imposição dos deveres aos cidadãos e aos partidos no cuidado do povo e da “coisa partidária e pública” (Estabelecidos na Constituição da República e no Estatuto Partidário).
Na verdade, o vínculo de paternidade é o mais comum na prática da “política ativa partidária” do que o “vínculo de natureza jurídica partidária” (abundam as reclamações nos órgãos deliberativos partidários) e, deste nepotismo partidário resulta igualmente o atual Estado Paternalista Moçambicano, fruto do nepotismo político generalizado que tem a sua origem nos partidos políticos que gestam bebês do nepotismo para a esfera política moçambicana. No contexto político, o Estado paternalista intervém nas decisões governamentais, assumindo o papel de um pai que define regras para o bem-estar dos cidadãos, independentemente de concordarem ou não (no fundo, é o misto entre a aparente democracia do cuidado do povo e o totalitarismo).
Se governar é arte e ciência de dirigir a partir da deliberação daquilo que é bom para uma sociedade, bens simbólicos e materiais; e se a votação é o momento em que escolhemos aqueles que acreditamos terem confiança e competência para nos dirigir; então o dia de votação pode ser comparado ao momento em que atravessamos a rua das nossas expectativas, entregando um veículo que irá circular nas nossas estradas aos motoristas certos para dirigirem. Ora, “habitualmente as pessoas atravessam a rua apenas quando acreditam que está desimpedida. Têm todos os incentivos para olhar para ambos os lados. Também têm todos os incentivos para formular crenças de forma racional sobre se a rua está desimpedida. Quando veem o que parece ser um camião Mack desgovernado na sua direção, não se atrevem a pensar que se trata de uma ilusão ótica (BRENNAN, 2020).
O que estamos argumentando? Que os partidos políticos, se fossem sérios e com responsabilidade social, como pais, categoricamente, deveriam escolher dentro dos quadros existentes “adultos políticos”, os seus mais bem filiados; posto que “há uma base ampla de investigação empírica que mostra que, em quase todas a tentativas de medir o conhecimento político, o seu nível em termo de média, moda e mediana entre os cidadãos nas democracias contemporâneas é baixo” (BRENNAN, 2020).
Entretanto, recorrentemente e à surdina, não tardam queixas de listas ao estilo norte-coreano. Mas também vieram, nas últimas semanas, vídeos de descontentes a relatar listas forjadas à base de relações de influência e não como resultado da democracia interna: constam marido e esposa, amantes, filhos de altos dirigentes dos partidos, propagandistas de ocasião que pululam os programas de TV e rádio, ora premiados pela sua falta de escrúpulo. Ao fim e ao cabo, esses novos atores, os filhos do nepotismo político, mais do que agregar, só vem deteriorar o já exaurido ambiente político moçambicano, pois os meios pelos quais ascendem são parte de um problema danoso para o fortalecimento democrático (BAQUERO, 2003). Sabemos que quando a ética não for capaz de dar conta desse rol de problemas ao nível interno (dos partidos), o caminho mais razoável seria o rigor da lei. Mas porque a nossa legislação é porosa nessa matéria, o que dá livre curso às arbitrariedades, descambamos nos interesses subjetivos e desejos perversos daqueles que se perpetuam no poder por meio do clientelismo, personalismo, patrimonialismo.
Por isso, em última instância caberá ao cidadão o poder de decidir se corrobora esse modelo que nos é impingido por boa parte dos partidos políticos. Para tal, torna-se necessário um amplo domínio não só dos processos políticos, mas também dos internos (ao nível dos partidos), que culminaram com o tipo de candidatos a vários órgãos, e, por fim, a pertinente reflexão em torno dos projetos políticos. É que num país em que as discussões políticas, sobretudo neste período pré-eleitoral, resvalaram para a fulanização, precisamos de insistir que há um país e várias gerações, cuja sobrevivência dependem de um projeto comum e supra partidário.
Ora se a atividade política profissional pressupõe um modelo de democracia que conceba a ação política como um espaço de circulação de conhecimento e informação para transformação e provisão do bem comum, algo está falhando na democracia partidária em Moçambique. Estamos falando das dimensões social (axiológica) e pragmática (deliberativa) da atividade política como critérios de eleição dos representantes do povo. Parece consensual a acepção de que “a reflexão sobre a política é sempre [uma] reflexão sobre a natureza humana, sobre as “modalidades reais de conexão de indivíduos” (TUNHAS, 2012). Mas este facto não justifica a coragem de visibilizar os nepotismos partidários através de figuras que esteticamente denominamos no presente texto por “bebês do nepotismo político”, os filhos partidários que podem, nos próximos cinco anos, assinar um contrato social com o povo moçambicano para dirigir os destinos do país nas duas dimensões contratuais: legislativo, executivo.
Com efeito, se faz necessário voltar a humanizar a nossa democracia, nos libertando dos inimigos cívicos, os filhos do nepotismo partidário - bebês do nepotismo político. Pois, “só nos tornamos mais humanos à medida que nos tornamos mais políticos no sentido de Seres cientes da relação de poder e violência, como forma de sustentar a convivência, que é o elemento mais simples da condição política da espécie humana” (TIMBURI, 2018). É também necessário a renovação de um contrato social que não mate ao circular nas estradas do nosso tecido social moçambicano, e que não entregue os destinos da nação aos "nepo baby" da política.
A renovação do contrato social acarreta, no plano prático, uma sociedade permanentemente educada e mobilizada em torno do bem comum. Nesse sentido, um político que ascende por competência e mérito próprio e não como um “filho do nepotismo político” – que emerge pela influência do poder de quem o endossa – será o corolário de uma transformação estruturalmente necessária da sociedade. Não é por acaso que em “A República”, Platão já asseverava a necessidade de depuração de comportamentos e práticas de carácter privado na vida política. Por isso não é de admirar a visão de uma educação que inculque no cidadão a capacidade de separar as relações de fórum familiar das relações de carácter republicano, norteadas pela impessoalidade da justiça. Um dos maiores legados deste modelo – também alvo de críticas – é uma educação política direcionada ao bem comum, muitas vezes conflitante com apetites egoístas e excludentes, como as que caracterizam a elite política moçambicana.
Urge, por fim, um novo contrato cultural que seja a condição de possiblidade moderadora entre a inegociabilidade da condição jurídica democrática (constituição) e a dimensão ética da convivência entre os homens dentro da democracia (tolerância). Neste sentido, a dimensão axiológica da democracia impõe o fim do ridículo político, de uma maneira apodítica e não negociável, a igualdade entre os cidadãos e o respeito pela dignidade das pessoas dos direitos do homem, e também a igualdade entre os cidadãos e o respeito pela dignidade das pessoas (NGOENHA, 2016). Ainda podemos dizer não à avalanche dos nepo baby da política. Cabe a nós!
Referências Bibliográficas
BAQUERO, Marcello. Construindo uma outra sociedade: o capital social na estruturação de uma cultura política participativa no Brasil. Revista. Sociol. Polít., Curitiba, 21, p. 83-108, nov. 2003.
BRENNAN, Jason. Contra a Democracia. Trad. Elisabete Lucas. 3 ed, Lisboa: Editora Gradiva, 2020.
NGOENHA, Severino. Os Tempos da Filosofia. Imprensa Universitária, Maputo, 2016.
TIBURI, Marcia. Ridículo Político: uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto. 4ª Ed., Editora Record: Rio de Janeiro, 2018.
TUNHAS, Paulo O pensamento e seus objetos. Maneiras de pensar e Sistemas filosóficos, MLAG Discussion Papers, Vol.5, Edições da Universidade do Porto, Porto, 2012. (Págs. 465- 466)
The New York Times. What Is a ‘Nepotism Baby’? Disponível em https://www.nytimes.com/2022/05/02/style/nepotism-babies.html. Acesso a 14/06/2024