Há um provérbio transversal a muitas culturas que reza que não há um mal que dure para todo o sempre e, mutatis mutandi, não há um bem que perdure igualmente toda a eternidade. Ou seja, nenhum ser humano vive em sofrimento ou em felicidade eternamente. Se está em sofrimento, saiba que um dia verá o sol da felicidade; e se está em manto de felicidade, conte que um dia tal vai acabar. Dure o tempo que durar uma ou a outra coisa. Um provérbio que nos ajuda bastante a sermos moderados para com as nossas actuações, práticas e vivências! E a não acreditarmos que nada… já agora, o poder (que nalgum momento nos foi outorgado por alguém) é eterno!
O nosso partido, o partido dos moçambicanos, o governamental, viveu, sobretudo nos momentos que antecederam a reunião extraordinária que elegeu Daniel Chapo seu candidato às eleições presidenciais de 9 de Outubro próximo, um êxtase sem paralelo nos últimos quinze, dez anos, melhor: sem memória!. Um momento cuja “gota que fez transbordar o oceano” foi despojada pelo veterano Óscar Monteiro, quando, justamente na abertura da sessǎo extraordinária da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLIN), quebrou o gelo, atacando impetuoso e impiedosamente o sumptuoso “elefante” que inundava o horizonte de todos os militantes, mas que, paradoxa e incompreensivelmente, estava completamente invisível aos olhos de todos eles: o silêncio que emperrava na sexagenária formação política há cerca de dez anos, mas sobretudo nos últimos cinco. Ninguém via e discernia a desfiguração e deliberada desconfiguração dos fundacionais valores, princípios e práticas sacrossantos que nortearam a determinada decisão de abraçar a luta armada de libertação nacional.
É que, sabe-se agora, depois da capitulação do então êsss gêee, a gestão do party não era aquela que todos conheceram, praticavam e viveram ao longo dos imensos tempos idos. Uma gestão que, de alguma forma, permitia a articulação do que habitasse as almas ou memórias dos membros; que livremente aceitava que fossem eleitos e elegessem; que abordassem de forma franca e honesta as questões do país, incluindo as internas. Que as suas vontades fossem elaboradas e se materializassem como genuinamente eram, salvaguardando-se, naturalmente, os limites das liberdades de outrem.
Era já outra. De domesticação e confiscação de liberdades, fossem de pensamento, articulação, ou de acção. Uma fase de orientações superiores, de disciplina militar rigorosa, em que não mais existia vontade individual sobre si próprio, mas vontade da dos outros sobre o indivíduo. Uma fase que convocou o temor e, consigo, o silêncio sepulcral e ruidoso sobre todos os assuntos da vida. A amputação espiritual. Haverá espírito no reino do medo e da coarctação de vozes, ideias, sonhos e aspirações? E as perseguições e sancionamentos dos que mijassem fora do penico?
A despeito da carta estatutária da organização existir, saudável e imponente; e, de congresso em congresso, ser revista, actualizada e… modernizada. Mas a sua aplicação sincera dependia já dos casos e dos interesses, apetites e vontades de alguns dos incumbentes do dia. Assim como dependiam/dependem as actuaçǒes de todos os outros órgãos da agremiação.
Daí que o silêncio tivesse tomado conta da casa. Ninguém podia querer, ou querer-se; tinha que ser querido primeiro! O que só se quebrou a partir daqueles três dias de Maio passado. E se prolongaria por cerca de um mês, ie., ao longo dos curtos processos eleitorais internos de candidatos a cabeças de listas, de deputados e de membros das assembleias provinciais. Foi tanto barulho que pareceu que o silêncio tinha ido embora de vez! Os camaradas falaram; alguns poucos processos foram revistos, um secretariado provincial voou... Até apareceram as Artemizas da vida, que não pararam por aí; até hoje, fazem ouvir vigorosamente e nalguns momentos com certo excesso, as suas vozes! Parecia que, uma vez ateado, tinha pegado fogo o silêncio e que, doravante, elas seriam elas…
Pura ilusão de óptica: terminadas as internas… tudo voltando ao seu normal, como quando a chuva intensa pára e o sol reabre. E, na última extraordinária, voltou a emperrar. No lugar de se pôr a verdadeira questão que perpassa(va) as cabeças dos camaradas, houve uma belíssima peça daquela das melhores do Gungu: debater-se se proclamava ou não Chapo secretário-geral efectivo e não interino, como era. O que passou silencioso foi o necessário e imperioso afastamento dos restantes membros do secretariado. Chapo não merece ter ajudantes escolhidos/sugeridos por si? Esse é que era/é o assunto que aflige a organização. E nǎo houve voz para o articular! E, no escondidinho do silêncio, continuam a perguntar-se como é que não se afasta todo o elenco anterior.
O silêncio voltou!
ME Mabunda
“O povo moçambicano, provavelmente, não soube escolher o seu empregado, contudo, desafio a TVM a não ter o papel ridículo, através de reportagens ridículas, para dar a entender que a greve decretada, com efeito a partir de 29 de Julho, com duração de 21 dias, não tem adesão. Que não venha dizer que todos os serviços estão a funcionar. Entendam, a questão não é a presença do pessoal médico, a questão é a existência dos meios para que o pessoal médico possa trabalhar e curar os doentes. Aos médicos que, por alguma razão, não irão aderir à greve, no mínimo, não sejam ridículos, procurando diabolizar os vossos colegas que estarão em greve porque a causa é nobre. Quanto à sociedade, que acarinhe a posição dos médicos, a sua greve é para melhor servir-nos. Haja consciência.”
AB
“A situação do Serviço Nacional de Saúde está um caos. Não gostaríamos de ter chegado a esta situação, mas, infelizmente, quando não há diálogo com o Governo, este é o meio que encontramos. Apelo aos médicos a prestarem serviços mínimos aos Bancos de Socorros e outros departamentos”.
In Carta de Moçambique, (Napoleão Viola) Edição nº 1.047 de 23 de Julho de 2024.
Nós, moçambicanos, estamos cientes que as unidades sanitárias do País estão um caos total. Sabemos que alguns profissionais de saúde exigem dos pacientes favores para trata-los, desde o servente a outros níveis de profissionais. A saúde é um dos sectores em que se manifesta a corrupção e espero que aqueles que não participam desse tipo de situações se distanciem e denunciem. Só desta forma é que a sociedade poderá voltar a confiar nos serviços de saúde.
Nesta greve anunciada dos médicos, a sociedade deve estar em defesa destes. Os médicos dão ênfase às más condições de trabalho, não estão a revindicar salários, regalias resultantes da função que desempenham. Eles querem que o Governo da República de Moçambique lhes proporcione condições de trabalho condignas, para o atendimento ao público. Os médicos falam de falta de material básico para atender às pessoas.
Faz pouco tempo que uma estação Televisiva Nacional reportou a falta de GESSO para o tratamento de pessoas com problemas de ortopedia. Nessa reportagem, mostram o pessoal de saúde a adoptar uma cartolina para substituir o GESSO. Ao mesmo tempo, mostram na Televisão uma criança com a deformação do braço, resultante da falta do GESSO. Por isso, não está aqui em causa o bem-estar dos médicos, mas, sim, a criação de condições para que possam dar o melhor de si, em prol da saúde da população.
Há uma coisa que acontece na nossa sociedade. Alguns médicos irão aparecer a dizer que não houve adesão à greve, que todos os serviços funcionam com normalidade. Infelizmente, são esses concidadãos que adiam a resolução de alguns problemas. A saúde é uma área fulcral para qualquer sociedade, o pessoal de saúde deve estar consciente que, ao fazer essas aparições, acompanhados pela Televisão Pública, infelizmente, estão a prestar um mau serviço público, não estão a defender a própria classe e tão pouco as pessoas cujas enfermidades juraram tratar.
A greve terá início a 29 de Julho e irá durar 21 dias. Não faz muito sentido que, durante este lapso de tempo, não haja aproximação do Governo a estes profissionais. Aliás, na comunicação do Porta-Voz da Associação dos Médicos de Moçambique, ficou claro que desde Fevereiro que não há diálogo entre as partes. Isto, em parte, pode revelar a falta de interesse do Governo na solução dos problemas apresentados.
A Associação dos Médicos vai mais longe ainda revelando que, apenas 25% das promessas do governo, tiveram seguimento. Destes, somente seis tiveram conclusão, vide “Carta de Moçambique” de 23 de Julho de 2024. Ora, se assim é, o Governo de Moçambique, que dialoga com os médicos, espera qualquer credibilidade? Mas, mais do que esperar a credibilidade, eles não reconhecem o CAOS que é a situação das Unidades de Sanitárias existentes no País? Onde é que eles vivem?
São 21 dias em que as Unidades Sanitárias não terão a totalidade dos seus serviços a funcionarem, ainda que com as dificuldades reportadas, mas também tempo suficiente para que haja aproximação entre as partes de modo a encontrarem a solução definitiva para essas diferenças. Não basta “comprar” um ou dois médicos para dizerem que está tudo bem, não senhor. Não basta que a Televisão de Moçambique espalhe repórteres para contrariar os médicos grevistas, a questão não são os médicos, são as condições hospitalares que continuarão sem solução e a penalização vai para os utentes dos serviços de saúde nacional. O que vale dizer que vai para o Povo, que os governantes dizem servi-lo e o Presidente da República disse ser o “seu Patrão”: mas que forma estranha de servir o seu Patrão Presidente!
Adelino Buque
Os discursos oficiais e dos amigos enalteceram as qualidades ímpares de Rui Baltazar pelo seu papel na construção do estado de direito democrático, como veterano da luta de libertação nacional, como eminente Advogado, Ministro, Embaixador, Conselheiro do Presidente da República, Reitor da UEM, e Presidente do Tribunal Constitucional. A imprensa considerou-o inigualável. Foi pessoa única, conhecida pela sua serenidade, verticalidade, integridade e alta competência.
O nome de Rui Baltazar dos Santos Alves, que fisicamente já não se encontra entre nós, está gravado na minha memória como um homem culto, que olhava longe, criativo, corajoso e de fala simples. Com lucidez de pensamento, rigor ético e coerência nas acções, expressava o seu pensamento profundo, em poucas palavras, sem levantar o tom de voz. Pessoa simples, modesta, afável e solidário. Estas são memórias sedimentadas na longa vivência e trabalho conjunto.
Conheci o Dr. Rui Baltazar em Fevereiro de 1975 quando, na sequência dos Acordos de Lusaka há quase 50 anos (*), foi constituída a Delegação Moçambicana para as negociações com o Governo de Portugal, sobre alguns 'dossiers' fundamentais, que era necessário concluir, ainda na fase de transição.
Tinha eu 25 anos, recém-formado em economia, quando fui integrado na delegação que, em Março de 1975, viajou para Lisboa, chefiada por Joaquim de Carvalho e que integrava Alberto Cassimo, Eneas Comiche, António de Almeida Matos, Victor Barros Santos, entre outros, todos com idade inferior a 35 anos. Em terra, no 'back office' de apoio a esta delegação, estavam Mário Machungo, Rui Baltazar e Salomão Munguambe, todos membros do Governo de Transição, liderado pelo Primeiro-Ministro Joaquim Chissano.
Os acordos então assinados permitiram: (i) a transferência dos activos e passivos do Banco Nacional Ultramarino (BNU) para o Banco de Moçambique, constituído em Maio de 1975, um mês antes da independência; e (ii) a conclusão das obras e a gestão operacional da Barragem de Cahora-Bassa, num quadro em que o Estado de Moçambique ia gradualmente aumentando a sua posição accionista no capital da Hidroeléctrica de Cahora-Bassa, à medida que a sua dívida ia diminuindo, o que conduziu à sua total reversão, anos depois. As negociações com a antiga potência colonial continuaram muito difíceis por mais dois anos, com temas como as chamadas de “dívidas de Moçambique a Portugal” por conta das ´infra-estruturas´ construídas no tempo colonial, obviamente rejeitadas pelo novo Governo de Moçambique.
No essencial, fomos bem-sucedidos. Foi trabalho intenso no seio deste grupo, no decurso do qual cresceu a amizade entre todos os integrantes.
De meados de 1978 até Abril de 1986, Rui Baltazar então com 45 anos, como Ministro das Finanças, eu, como Vice-Governador e depois Governador do BM, então com 31 anos, e os quadros superiores que nos assessoravam, recebemos a tarefa de governar o sector financeiro, num dos períodos financeiramente mais difíceis que Moçambique viveu desde sempre. Numa fase inicial, contavamos também com o Dr. Sérgio Vieira, que havia assumido o cargo de Governador do BM e que teve um papel fundamental em ´moçambicanizar´ a administração e os técnicos bancários e impor disciplina no funcionamento da instituição BM, recém-constituído do BNU. Ele teve ainda um papel importante no processo de troca de moeda: a substituição do escudo colonial e lançamento da nova moeda nacional, o Metical.
No dia-a-dia, enfrentávamos os efeitos das sanções determinadas pelas Nações Unidas e aplicadas em 1976 por Moçambique à colónia rebelde da Rodésia do Sul (hoje Zimbabwe), o recrudescer das hostilidades do regime do apartheid no seu estertor final, que ostensivamente praticava a política de terra queimada, no meio de profundas alterações na economia mundial, designadamente (i) o fim da era do padrão-ouro e dos câmbios fixos, (ii) alta volatilidade dos preços de petróleo e (iii) no meio da intensa guerra fria entre as grandes potências. Tudo isto ocorreu num país recentemente independente, caracterizado pelo atraso económico e social e de 93% de analfabetismo, sem reservas financeiras suficientes.
Foram tempos difíceis, tempos de penúria. Ao longo de oito anos de trabalho quotidiano, de grande carência de cambiais, encontrava-me, por vezes, duas vezes ao dia, com o Ministro das Finanças. Tal era a necessidade de concertação entre o Ministro das Finanças e Governador do Banco de Moçambique e a nível dos seus quadros. Esse foi certamente um dos elementos que contribuiu para evitar o colapso financeiro total. Valeu o espírito de trabalho árduo, a dedicação, o empenho e a elevada confiança e amizade que se gerou entre nós.
Tive o privilégio de ser seu par no Conselho de Ministros do Governo do Presidente Samora Machel. Em conjunto com os demais ministros, vivemos momentos conturbados, sofremos as agruras e as angústias dos dias difíceis de manter a economia a funcionar, no mínimo, enquanto o apartheid, na sua agonia, fazia de Moçambique, a terra queimada! Com coração apertado, registávamos os massacres, as mortes indiscriminadas de civis, a frequente sabotagem do sistema de distribuição de energia, a paralisação dos sistemas ferro-portuário, a destruição de infra-estruturas, de viaturas e equipamentos, a destruição de unidades de produção, em particular das açucareiras de Luabo e Marromeu, e as constantes paralisações das açucareiras de Xinavane, de Búzi e Mafambisse, das chazeiras de Gurué, entre outras.
Conhecíamos diariamente os baixos níveis de reservas financeiras e de reservas petrolíferas, com sistemáticas rupturas, que reduziam as opções no gasto das divisas. Para assegurar a estabilidade social, com mágoa, tivemos de deliberar sobre o racionamento na distribuição alimentar nas cidades. Poucos conheciam as contas nacionais, a reduzida liquidez disponível em moeda nacional, as poucas reservas cambiais disponíveis, que impunham sérias restrições nas importações para acorrer às necessidades para o funcionamento da economia.
Rui Baltazar era rigoroso na gestão financeira. Ele próprio vivia modestamente. Foram tomadas medidas de grande austeridade nos gastos públicos. O número de pessoas das delegações que viajavam para o exterior era estritamente escrutinado e cada membro só recebia 3 dólares dos EUA (menos de 200 Meticais (**), por dia, para as suas despesas pessoais no estrangeiro, que não precisavam de justificar – o chefe da delegação recebia 5 dólares dos EUA, por dia, (cerca de 320 Meticais). Não havia excepções. Não era permitido esbanjamento, nem fausto. Nosso tempo de trabalho diário ultrapassava as 12 horas por dia, por vezes, aos fins-de-semana. O mesmo sucedia a todos os quadros que connosco trabalhavam. Vivemos juntos este drama humano e de sobrevivência da Nação. Nunca ouvi um lamento ou um desabafo por parte de Rui Baltazar. Muitas outras coisas, não é útil contar, permanecerão nas nossas memórias.
Sob a direcção do Presidente Samora Machel, com o apoio próximo do Dr. Rui Baltazar e a participação do Dr. Eneas Comiche, negociamos o 1º reescalonamento da dívida externa de Moçambique, ao abrigo do ´Clube de Paris´. De forma similar, negociamos a adesão de Moçambique às instituições de Bretton Woods em 1984, cujos acordos foram assinados em Washington (EUA) por Rui Baltazar, na qualidade de Ministro das Finanças.
Não obstante ser muito rico culturalmente, Rui Baltazar não acumulou riqueza material. Apesar do imenso poder que ambos detínhamos no sector financeiro, a governação foi impoluta, sem desvios. A lisura e o exemplo de rigor e de trabalho árduo permitiram-nos exercer as funções com determinação e sempre com a convicção de que a guerra iria terminar e a paz seria restabelecida, o que permitiria retomar a normalidade da vida. Tudo isto foi vivido com intensidade e sem possibilidade de contar às famílias ou aos amigos.
Num certo momento, com o fim do apartheid e os Acordos de Roma, as armas calaram-se e, em paz, toda a região da África Austral ficou livre do racismo e da discriminação. O nosso País retomou a sua vida, com novos desafios de crescimento e da luta contra o subdesenvolvimento e o atraso. Tempos mais difíceis foram ultrapassados. Moçambique voltou a reerguer-se, olhando com esperança o futuro, com novos desafios. Nos últimos anos da sua vida, com o avanço da corrupção e os baixos níveis de ética e de moral na gestão pública, nos vários fóruns, Rui Baltazar expressou a sua frustração e se demarcou dos corruptos que se serviam do bem público, que a todos pertence. Sem hesitar, acrescentava que não entendia como é que um País com carência tão aguda de quadros experimentados se dava ao luxo de os desperdiçar, como se fossem descartáveis. Estes são certamente os maiores desafios da fase presente da nossa vida. Para os superar, os jovens devem inspirar-se neste imenso legado de Rui Baltazar.
Esta foi a realidade concreta que enfrentamos. Muitas instituições hoje florescentes assentam nesta dura realidade que exigiu coragem, ousadia e criatividade. Foi certamente difícil, muito difícil, pessoalmente muito doloroso. Não foi pera doce, não!
A intensidade do trabalho foi tal que germinou a amizade, a confiança, o respeito e a admiração, mútuas. Sendo eu muito jovem, o Camarada Rui Baltazar foi meu mentor. Aprendi dele o rigor, a importância da moderação, a necessidade de fundamentar as palavras e os conceitos, a ser contido nas falas e prudente nos actos e contratos. E a necessidade de ler muito, de estudar, sempre estudar, estar actualizado, para melhor enfrentar o futuro.
Devido à enorme amizade, diria cumplicidade, forjadas em anos de trabalho e de convivência, num ambiente familiar e de amigos, Rui Baltazar foi a pessoa escolhida para o discurso da festa do meu 60º aniversário. Foi gratificante ouvir as suas palavras generosas que retrataram o tempo em que juntos contribuímos para a edificação da 1ª República, ao lado de muitos outros heróis vivos e de outros que já não se encontram entre nós, que a Pátria por que lutaram ainda não os reconheceu nem exaltou os seus feitos. Foi gratificante conviver com esta figura tão exemplar, tão humana, tão simples, um jurista de primeira água!
Evocar o nome de Rui Baltazar é falar do seu nacionalismo, do seu patriotismo, da sua fidelidade e lealdade à causa do Povo. Rui Baltazar era altruísta, não se serviu do Estado. Pelo contrário, serviu o Estado com honestidade, respeitou a coisa pública, acima de interesses pessoais, o que faz dele uma referência, que os jovens nele se podem inspirar. Há mortes que pesam menos que uma pena. Há mortes que provocam um estrondo - a morte de Rui Baltazar provocou um abalo, gerou um vazio, difícil de preencher.
De forma incontornável, Rui Baltazar ocupa um lugar no Panteão dos Heróis de Moçambique, ao lado de muitos outros notáveis que deram tudo e arriscaram as suas vidas para erguer bem alto a Bandeira de Moçambique independente, que aglutina no seu seio moçambicanos de todas as raças, etnias, religiões ou origem social. Por enquanto, o Rui Baltazar de todos nós está, certamente, no Panteão Celestial.
A sua grandeza humana, o seu enorme legado, servirá de inspiração principalmente para os jovens, para continuar a obra iniciada e a alicerçar os fundamentos da nossa vida, da nossa história.
Descanse em Paz, Amigo Rui!
Até sempre Dr. Rui Baltazar dos Santos Alves, Grande Homem!
(*) Acordos de Lusaka, em 7 de Setembro de 1974
(**) ao câmbio actual
As “profecias” de TRUMP sobre a Guerra na UCRÂNIA e outros conflitos armados mundiais – Análise!
III. Não creio que TRUMP tenha em manga uma fórmula mágica para acabar com conflito armado entre a Ucrânia e a Rússia, muito menos com outros conflitos militares internacionais e/ou regionais sem abrir uma “III Guerra Mundial.” Pensar nas estratégias militares acionadas para assassinar QASEM SOLEIMANI através de uma emboscada desumana com recurso a um ‘drone-bomba’ contra PUTIN seria uma solução sem desfecho feliz. A Rússia de PUTIN, não é a mesma que o IRÃ DE QASANI SOLEIMANI – para os americanos e boa parte da comunidade internacional, terrorista; mas, saudoso General QASANI para os iranianos que choraram sua morte). Para os russos, ainda que não transpareça, PUTIN é claramente uma Máquina Robótica substituível. Não se trata de PUTIN (…), mas da ideologia Putin; uma ideologia, em última análise, russa/nazista, hitleriana… seguida por milhares de russos e pela esmagadora maioria dos parlamentares russos. Pensar, por exemplo, que a agressão (ou melhor: que a Invasão) Rússia à Ucrânia foi legitimada pelo “Parlamento comunista”… enfim, os dias que seguem dirão mais sobre as “profecias demoníacas” de TRUMP. Desta vez, saímos do “coração generoso” de PUTIN – como escrevemos no Semanário, Jornal Canal de Moçambique – e voltamos para as lições dos “versículos satânicos” de RUSHDIE ao “coração generoso” de TRUMP. Enquanto acordamos pela noite histórica nas americanas de 2024 que em muito pode ditar o futuro do mundo, assistimos a outra noite histórica (poucos dias atrás) para alguma alegria nossa: acompanhamos que Parisienses celebram vitória do bloco da esquerda em França de MACRON e MBAPPÉ. Finalmente, um calmante para os nossos corações… PARIS, mantém-se: anti-fascista, anti-racista, anti-xenofaba! O milagre de Deus (e do Amor) sempre acontece!
Mas a vida é assim, como as marés que vibram numa época, e baixam na época que vem. As flores também. Acordam vigorosas nas manhãs com os cheiros perfumados da noite, e ao picar do sol cedem. Perdem a graça, e ninguém as quer. É o interminável recomeço do ciclo. Que nos faz acreditar na força interior da utopia.
Eu também sou assim, sigo, ou sou levado a seguir pelos espíritos, esse caminho do sol que nasce no esplendor do amanhecer, exubera em todo o dia, porém vem o anoitecer e apaga essa luz que supera todas as estrelas. É por isso que não tenho medo, aliás perante as pedras do caminho visto o escafandro da música dos bitongas, para ver se amanhã acordo outra vez, com as mesmas azagaias. Com os mesmos ritos.
É o mar a minha prancha para os voos da imaginação, então volto sempre a este lugar para ouvir a ressonância das ondas que se esbatem na areia. E hoje cheguei a meio da manhã com a maré vaza e, para minha surpresa, está no meu lugar habitual uma mulher desconhecida deitada de barriga, deixando as fartas nádegas ressurgindo do fio do bikini, e eu ainda me perguntei: mas o que é isto?!
Sentei-me ali mesmo, ao lado dela, baralhado pela sensação de alta voltagem que me percorria por inteiro, não sabendo bem se por causa de uma mulher deitada no meu lugar, deixando as nádegas cheias de carne em exposição, ou porque sou fraco. Esqueci-me completamente de contemplar os pernilongos dos flamingos que dançam na esgravatação dos moluscos, e já estou em ebulição, sou feito de carne também.
Bebi um gole da cachaça que sempre levo no bolso à praia para que a harmonia entre mim e a natureza se aclare, mas este gole foi longo demais. Os meus olhos não saem das nádegas livres de uma mulher que está deitada na areia da praia, sòzinha, ainda por cima no meu lugar onde implantei uma sombra de folhas de palmeira para estar sozinho na minha solidão, e eu jamais imaginei que isto podia acontecer num retiro que ainda perserva os tabus.
Bebi outro gole numa altura em que ela se revirava, deitando-se agora de costas com as pernas estendidas, meio afastadas uma da outra, para gáudio da loucura. Os seios são perenes, oprimidos porém no soutean, e o bikini só protege a parte mais macia de um corpo esculpido por mãos invisíveis, o resto está fora. E essa mostra não será propriamente um problema, estamos na praia.
A maré está a encher e os flamingos vão bater as asas em liberdade, rasgando os céus em fila para outros poisos, mas eu estou hipnotizado por um ser feminino deitado no meu lugar, na minha sombra. Na sombra das minhas lucubrações.
Então ela agora levanta-se. Espreguiça-se. Olha para mim despreocupada.
- Oh, desculpa, o senhor é o dono desta sombra?
- Sim, sou eu.
- Avisaram-me uns miúdos que passaram por aqui, disseram-me que é um sítio privativo, desculpa pela invasão.
- Você não invadiu o meu lugar, você adornou a minha sombra.
Afinal somos conhecidos. Estudamos na mesma escola primária, e depois o tempo separou-nos, cada um para o seu destino. Mas, como o próprio mar, voltamos para a nossa terra, depois de muitas escalas pela vida, com muitas alegrias e derrotas até hoje, que recusamos ser vencidos.
Abraçamo-nos longamente. Bebemos juntos a cachaça, e eu disse assim para ela, a vida dá-nos sempre um espaço para recomeçar! E ela respondeu: é verdade!
Existem músicas que encaixam na perfeição nas nossas memórias. Alguns artistas se identificam com esses estilos musicais e deixam o seu rastilho de génios nesses estilos. O Jazz, por exemplo, só é produzido por lendas. Quem envereda por estas melodias precisa de ter mais do que arte; deve se revestir de rebeldia e genialidade.
O Jazz nasceu do improviso de solos sobrepostos de arranjos. Em finais do século XIX e bem no começo do século XX, escravos e seus descendentes gritavam pela liberdade. Vociferavam a grandeza de um continente e de povos subjugados. Negavam a humilhação que o mundo lhes quis impor.
Existe uma profunda diferença entre viver a vida com vitórias e com derrotas. Nos confrontamos, existencialmente, com estas facetas.; tudo faz parte da condição humana. Revisitar os eventos tendo por pressuposto o benefício da percepção ou do conhecimento, permite entender o passado. Este postulado pertence a Eduardo Mondlane Júnior, Eddie, que prefaciou um dos livros de sua mãe, Janet Rae Mondlane, as celebríssimas confidências que trocou com seu esposo, entre declarações de amor, paixão e desencanto. Esses ecos que perpassam tempos e memórias.
Janet Mondlane transitou pela então Lourenço Marques, entre Novembro de 1960 e meados de 1961. Ela e seus dois filhos, sem a presença de Mondlane, foram os nobres hospedes da família Clerc. Espaço privilegiado na missão presbiteriana de Moçambique, nem por isso, imune à suspeitas. Janet recorda, com fervor, dos serões musicais da família Clerc. Noites musicadas à piano, flauta e violino. As habilidades musicais do próprio Clerc, acompanhado pelo casal de reverendos Morier-Genoud e sua esposa Juliette. Estas eram as manifestações messiânicas e revolucionárias de uma igreja que também se libertava.
Jennifer Chude, que grafava o seu nome musical, emprestava a sua voz. Cantava muito afinada e entrava para um universo de onde nunca mais se libertou. Sua capacidade musical era notável. Acertava as notas com exactidão e aprendia os versos com mestria. Sua mãe não tinha dúvidas do seu futuro. Ela era uma pequena lenda que nascia para engrandecer o jazz; trazia de volta os ritmos que não sendo da sua idade eram da idade dos seus progenitores. Não admira que a rebeldia desconcertante desses sons a tivesse enfeitiçado.
Desde esta época, até a altura que integrou os treinos de preparação militar em Bagamoyo, na Tanzânia, ela virou uma voz autorizada de uma paixão revolucionária e não deixou dúvidas da sua capacidade de subversão. Ela própria forçou um aprendizado na academia de coreografia de dança moderna de Filadélfia; esbanjou o seu perfume artístico na academia de dança de Moscou, na União Soviética e, anos mais tarde, assentou arraias em Brooklyn em Nova Iorque. Os génios podem ter estado em Nova Orleans, mas, é em Nova Iorque que eles se revelam.
Este percurso a definiu com uma artista sublime. Era o espírito libertário do qual a família não tinha dúvidas, nem do seu talento, muito menos da sua graciosidade e da sua vocação. É comum as famílias não aceitarem que os filhos enveredem por carreira musical ou desportiva, antes de se firmarem na escola. A opção passa por trabalho formal, remunerado e com títulos. Todavia, o impulso musical da Chude a perseguia, criando em si contradições insanáveis e uma disciplina tão ortodoxa quanto inquestionável.
Para o casal Mondlane, revolucionar e libertar um país, com crianças tão pequenas se tornou, igualmente, um problema por resolver e era preciso pensar na sua segurança. Dar es Salaam, apesar de muito segura, requeria outras condições. Por falar no desenvolvimento dos talentos naturais, escreveu Mondlane para a sua esposa, em 1967, que os miúdos, por vezes, faltavam às lições de piano e trompete. A Chude, amiúde, vivia aborrecida por não ver retomadas as suas aulas de ballet.
O tempo fez da Chude uma das mais prolíficas artistas de jazz de Moçambique. A rigor, ela emergiu como figura central e se tornou mentora de tantos outros. Cantou a liberdade, a sua cidade de Maputo, cantou o amor, salsas e coentros; virou uma iconoclasta. A sua forma de ser, quantas vezes incompreendida, revelava o inabalável compromisso com o jazz, com a cultura e, sobretudo, com o seu activismo social que tinha como substrato o seu altruísmo.
No começo dos anos 80, e residindo Estados Unidos da América, Nova Iorque, lançou os álbuns “Tomorrow’s Child” e “Samurai”; internacionalizou Moçambique. Um país socialista e de que o capitalismo teimava em combater. Colaborou com Marcus Miller, um dos expoentes máximos do Jazz and Blues no mundo. Escreveram canções, assombraram palcos e se transformaram em ícones indispensáveis. Marcus Miller pode ter sido quem mais sofreu com a partida precoce da Chude. Enviou uma mensagem que não era apenas dirigida à família Mondlane, mas para África e para o mundo; reconfirmou a rebeldia da sua amiga querida e testemunhou o quanto ela ajudou artistas como Roberta Flack, Jason Miles, Lionel Richie e tantos outros, que gravaram algumas das suas letras, cantaram com ela e fizeram de Moçambique um país que não poderia ser omitido.
Uma voz tão apaixonada e melodias de timbre inigualável, levaram-na a ser agraciada com o Grande Prémio, em diferentes festivais internacionais, nomeadamente Coreia do Sul, em 1980; Japão, em 1981; prémio artista do ano, pela Rádio Moçambique, em 1999 e figura central da Rádio Moçambique, em 2016. O seu álbum “Salsa e Coentros” pode ter sido premiado em outros festivais que bem desconhecemos. Estes prémios revelavam esse compromisso pelo desenvolvimento artístico de Moçambique e, sobretudo, um legado para as novas gerações e para esse jazz moçambicano com milhares de seguidores, nem por isso, ainda tão assumido por todos.
Ninguém se olvida das suas intervenções, palestras e outros eventos nas escolas de música e artes e, nas diferentes associações de músicos, espalhados pelo país. Estes grupos populares não carecem de reconhecimentos públicos e nem se quer, dispõem dos meios para esses efeitos. Este é o maior legado de uma mestra que o tempo soube testemunhar e que muitos de nós, apenas, vimos passar como uma rara galáxia dessa constelação de estrelas.
Chude permanecerá sempre actual e inquietando as nossas memórias. Com o dobro da idade de Cristo, ela partiu de forma prematura. Sem muitas coreografias, essa pungente mulher da subversão e de causas, repousa junto de seu pai, Eduardo Mondlane. Revisitam Moçambique, falam sobre a independência; sobre o socialismo tão relevante enquanto durou, sobre a prolongada guerra entre irmãos, sobre o actual capitalismo selvagem, trasvestido de neoliberalismo, da democracia incipiente e titubeante; falam de um país que busca a reconciliação nacional, a paz e progresso social.
A mente criativa precisa de impulsos e de absorver do mundo e lugares as suas experiências. O artista é, apenas, um intermediário, que vive ao serviço da criação. As lendas estão sempre presentes. O sol continuará brilhando para todos, mas, nem todos podem reflectir o seu brilho.