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João Mindo II

João Mindo II

quinta-feira, 13 fevereiro 2025 10:36

Memória de Raposa

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A Raposa Nacionalista foi há dias capa de jornal. Escusado é dizer que não foi pela melhor das notícias. Daquelas simplesmente revoltantes, pelo menos para a sociedade. Aliás, coisa inimaginável no País das Coisas Inimagináveis era ver um político na capa de um jornal pela melhor das notícias.

 

A Mosquito Bisbilhoteira soube que a Raposa Nacionalista estaria algures na cidade a visitar uma exposição sobre pirataria marítima. Seguiu até o local e aguardou pacientemente até o fim da sessão.

 

Por fim, já à saída e quando a Raposa Nacionalista se dirigia à sua viatura, a Mosquito Bisbilhoteira interpelou-a:

 

— O senhor acredita em coincidências?

 

— Talvez. Por quê?

 

Se a Raposa Nacionalista era conhecida por suas respostas milimetricamente cautelosas, já a Mosquito Bisbilhoteira tinha a fama de ter uns rodeios trapaceiros nas perguntas. Suas voltas eram intencionalmente calculadas. Como quem arquiteta sorrateiramente um xeque-mate em partida de xadrez.

 

— É que hoje percebo que a Raposinha Insolente tinha razão quando certa vez disse não ter memória de elefante — disse-o em tribunal, numa tentativa de se evadir de um interrogatório. — Há um jornal que reporta que o senhor Raposa Nacionalista se terá esquecido completamente de ser titular de uma mansão algures no País dos Males Irremediáveis. Isso parece provar que a falta de memória da Raposinha Insolente não é nenhum acidente.

 

A Raposa Nacionalista disse:

 

— Se a Raposinha Insolente herdou de mim a falta de memória, que é o que a senhora parece insinuar uma vez ele ser meu filho, então não é coincidência. É genética.

 

— E o senhor tem mesmo razão! É genética. E da mais pura! O que sucede é que lê-se também no mesmo jornal que o senhor Raposa Nacionalista não visita aquele país desde 2019.

 

— E o que é que isso quererá dizer?

 

A Mosquito Bisbilhoteira agora mostrou-se relativamente reticente. Mas, lá no fundo, todavia, era corajosa. Destemida.

 

Atreveu-se e disparou:

 

— O jornal lembra ainda que 2019 é curiosamente o ano em que o Chacal Abandonado, seu aliado de caçadas furtivas durante o seu consulado presidencial, foi detido pela Interpol naquele país.

 

E fez-se silêncio. Mas um silêncio gritante.

 

Por fim, e com ares de vitoriosa, a Mosquito Bisbilhoteira rematou:

 

— Eis-nos aí a coincidência, senhor Raposa Nacionalista. Uma curiosa coincidência. E agora repito a minha pergunta inicial. Acredita em coincidências, senhor Raposa Nacionalista?

 

Há tragédias que acontecem em todo o mundo e para todos. Mas há umas especiais que só se podem testemunhar no País das Coisas Inimagináveis.

 

terça-feira, 11 fevereiro 2025 07:25

O Ignorante Gourmet

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  1. A minha língua é português. Não percebo grego e estou diante de um texto em mandarim. Estas três línguas são traduzíveis directamente uma para a outra. O meu amigo fala fluentemente estas três línguas. Peço-lhe que me traduza aquele texto para português. Ele simplesmente descarta a tradução directa e entende que devo antes saber o texto em grego: mandarim — grego — português. Isto não é demonstração de inteligência nenhuma. É puro exibicionismo barato e obviamente desnecessário.
  1. O desastre do intelectual começa quando este não percebe os dois principais fundamentos da vida: tempo & espaço. Qualquer pessoa que não entenda isto não tem como saber ser e saber estar em determinada circunstância. E saber ser e saber estar é também ter consciência de quem é aí o destinatário da nossa mensagem.
  1. Se eu posso dizer a minha avó que estou a conversar, mas decido dizê-la que estou a prosear, então eu sou qualquer coisa como ignorante gourmet. Mas não intelectual. Definitivamente não.
  1. Um intelectual é e deve ser um tradutor. Alguém que interpreta fenómenos e os traduz, não necessariamente para a sua forma mais simples possível, mas para a sua forma mais objectivamente compreensível possível. As coisas não têm de ser imperativamente simples. Mas é expectável serem minimamente compreensíveis.
  1. É de todo natural a solução para um determinado problema que afecta 1000 pessoas ser descoberta ou construída por uma pessoa específica. Mas de pouco ou nada essa solução irá valer se essa pessoa só for capaz de explicar essa solução à meia-dúzia de pessoas da sua classe intelectual somente.
  1. O intelectual tem deveres para com a sociedade e um desses deveres é estar constantemente em busca de formas mais compreensíveis e práticas de gerirmos a vida. E se ele nem sequer entende que tem um dever para com a sociedade enquanto alguém de quem se espera um contributo para a construção daquilo que se quer fazer solução para os problemas dessa sociedade, então que nem se gabe de ser um. Os artistas não têm essa obrigação. Mas são fundamentais para nos consolar e motivar enquanto os intelectuais não nos apresentam as soluções para aqueles problemas de que somos todos cientes que sem os intelectuais possivelmente não os podemos solucionar.
  1. O intelectual não existe para ser admirado por quão ele estudou, sobretudo se esse conhecimento todo não se pode traduzir em algo de concreto. Um advogado defende causas. Ele não pode esperar ser admirado pelo acervo de leis que conhece. Mas pelas causas que ele já defendeu e ganhou efectivamente. O advogado é conhecido por defender causas. Não por conhecer leis.
  1. O poeta pode dizer que está a prosear. Mas o intelectual deve dizer que está a conversar.
  1. Para fechar. Não importa quão perfumado estiver, cocó é cocó.
quarta-feira, 13 março 2024 06:54

Azagaia: razão & causa

Aprende a encontrar sempre uma razão por qual viver porque a vida vai sempre te propor uma causa por qual morrer. E lembra-te sempre que a vontade de viver é íntima e depende fundamentalmente daquilo que cada pessoa entende como sendo uma razão para querer estar no mundo. Normalmente se predispõe a morrer por algo aquele a quem lhe é retirado ou ameaçado aquilo que constituia a razão por qual decidira viver.
 
A razão por qual viver e a causa por qual morrer têm em comum a possibilidade de serem opcionais. Mas a causa por qual morrer tem a particularidade de não ser natural. Ela resulta essencialmente da ineficiência ou da falência daquilo que devesse alimentar a razão por qual se decidira viver. Não há causa por qual morrer onde não tenha havido uma razão por qual viver.
 
Aquele que se apaixona encontra nesse amor uma razão por qual viver. Aquele que sofre por amor encontra no desejo de ser amado uma causa por qual morrer. A independência que se busca quando se está sob domínio da tirania não é propriamente uma razão por qual viver. É uma causa por qual morrer. É por isso que a causa tende a nos transformar num personagem e o qual jamais ponderássemos ser capazes de o  viver.
 
Celebremos Azagaia. Nosso herói.
 
João Mindo II
Empreendedor & Escritor
Fundador da Coinselheiro