Director: Marcelo Mosse

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Textos de Marcelo Mosse

segunda-feira, 13 junho 2022 08:38

O risco das escoltas sem revista em Cabo Delgado

O agravar da situação terrorista em Cabo Delgado, nomeadamente a sul de Pemba, faz crer que os chamados insurgentes tencionam atingir a capital provincial. Qualquer que seja a pretensão terrorista, o facto é que os níveis de alerta são elevados. Isso explica a presença na província da Ministra do Interior, Arsénia Massingue, e do Comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael, tendo visitados vários acampamentos militares e policiais, secundarizando o Ministério da Defesa, que continua ausente no plano da comunicação pública. 

 

A tropa continua calada. E a Polícia parece ter voltado a assumir protagonismo neste domínio, embora na última aparição ela (e o seu Comandante Geral) tenha sido prontamente rechaçada pelo Presidente Filipe Nyusi.

 

Os níveis de alerta são altos, a crer também nas movimentações das forças castrenses nas regiões de Metuge, Ancuabe, Metore e Chiure, seguindo a indicacao de que os insurgentes estão caminhando, dispersamente, em direcção ao sul, e que podem ter, inclusive, intencoes de entrar em Pemba (ontem foram vistos em direcção a Chiure).

 

Ontem também, ficou claro que, apesar da tentativa de desmentidos oficiais, foram organizadas escoltas militares para proteger quem quisesse entrar ou sair de Pemba, num percurso de 50 km. Mas, apurou "Carta", localmente, as escoltas não implicavam revistas. Sem revistas, os militares podem “escoltar” também os terroristas, que têm feito incursões, em grupinhos disfarçados, em aldeias a 100 km de Pemba.

 

Os terroristas usam agora as armas da decapitação, da desinformação e do pânico, confundindo as populações e alimentando receios em Pemba. O cenário é o de confusão total, terreno fértil para o ISIS introduzir armas em Pemba, disfarçados de deslocados, tal como aconteceu na véspera do ataque a Palma, em Março de 2021, quando  meteram armas em malas e colchões, etc.

 

Para controlar a desinformação, e evitar a repetição da mesma táctica de Palma, as FDS têm de deixar de fazer segredo destas movimentações e incursões terroristas em Ancuabe e explicar o que está realmente a acontecer no teatro das operações. É preciso explicar qual é a dimensão do fluxo a sul dos terroristas e o papel das forças do Ruanda e da SADC na sua contenção. 

Com o recente acordo entre o Governo e o FMI (mais de 470 milhões de USD canalizados directamente para o Orçamento do Estado), Moçambique inaugurou um novo ciclo na relação com o Fundo e outros doadores, e a retoma do chamado "diálogo político" já é notória, com o representante-residente do Fundo,  Alexis Cirkel-Meyer, a enfatizar veementemente os condicionalismos por detrás do novo desembolso, cujos detalhes ainda não foram divulgados.

 

Um dos riscos que este diálogo tem é o risco da comunicação distorcida ou do discurso contido; ou o beliscar com paninhos quentes na mão, prontos a usar. A recente entrevista de Cirkel-Meyer, à Lusa, mostra as intenções positivas do novo programa do FMI para Moçambique, mas o discurso vendido é marcado por hesitações, palavras escolhidas à lupa, passando para a opinião pública, pelo menos no caso reacção anticorrupção (a marca-de-água por detrás desta retoma) uma abordagem minimalista, naive até, sobre o que o Fundo (e outros doadores) espera que seja feito no plano político, na arena das políticas e melhoria legislativa e no campo da acção prática contra o flagelo.

 

 

Cirkel-Meyer foi de um simplismo arrebatador. A publicação do Relatório das Contas do Covid 19 para 2020, elaborado pelo Tribunal Administrativo, foi, para ele, um marco significativo. E elogiou o Governo por isso. Foi um elogio exagerado. A publicação de relatórios de auditorias a fundos do Estado responde apenas ao requisito da prestação de contas.

 

Na cadeia de valor do controle da corrupção, esse é um requisito intermediário. Não vale a pena falar de prestação de contas sem se reafirmar o imperativo da responsabilização. O discurso de Cirkel-Meyer falhou por não enfatizar a necessidade da responsabilização de quem se lambuzou, por exemplo, nos fundos do Covid 19. As evidências coletadas pelo TA não escondem a dimensão da festança. Os doadores devem cingir-se na responsabilização, na reação penal contra a grande corrupção em Moçambique. Eis o grande Calcanhar de Aquiles!

 

A expectativa de toda a sociedade é a mesma: que este novo ciclo de policiamento dos doadores à Governação seja mais incisivo e contribua para a mudança dos Estado das coisas. Só assim se dará valor prático aos requisitos aos novos condicionalismo acordados.

sábado, 14 maio 2022 13:50

A arte da desmemória

jornalistamorta 

O escritor, poeta e jornalista Nelson Saute desabafou recentemente sobre a síndrome do no nosso esquecimento colectivo de factos e pessoas marcantes da nossa história mais recente, esquecidos no baú do laxismo, nunca lembrados em jeito de homenagem, até para benefício dos mais jovens.
 
Ele tem vindo a fazer um belíssimo trabalho, num voluntarismo sem paralelo, uma certa arqueologia de personagens marcantes da nossa cultura. O desabafo fê-lo no seu texto recente, que nos recordou a vida e obra do jornalista e poeta Gulamo Khan, que morreu assassinado com o Presidente Samora Machel no atentado ao Tupolev em Nbuzine, em 1986.
 
Há dias, devo ter lido aqui um desses lençóis de lírica e linguagem rasca do Milton Soshangane Waka Waka Machele elogiando o Nelson por sua magnífica empreitada. Foi a propósito de mais um artigo do escritor, lembrando os 15 anos da morte de Jeremias Ngwenga, o cantor de La Famba Bicha.
 
O anátema da desatenção, do desapreço e da nossa endémica negligência, como escreve o Nelson, não só tem a ver com um passado histórico recente, mas com o presente destes dias. Parece que vivemos numa clausura enfeitiçada por uma indiferença cruel.
 
O assassinato de uma jornalista da Al Jazeera, Shireen Abu Akleh, pelo regime racista de Israel, foi totalmente ignorado em Moçambique, à excepção de um artigo no mediaFax. Todo o mundo repudiou a barbárie assassina de Telavive mas de Moçambique nem um pio. Nosso Sindicato de Jornalistas ficou calado, assim como o Misa. É a arte da desmemória do presente. E da dessolidariedade. Vivemos tempos estranhos...
segunda-feira, 11 abril 2022 07:46

O edil de Pemba merece o benefício da dúvida

Na semana antepassada, o Presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, reuniu-se com os militantes em Pemba, nos momentos vagos daquelas suas viagens presidenciais pagas pelo erário público. A reunião serviu para debater pessoas...não ideias. Uma das pessoas mais visadas foi o edil de Pemba, Florete Simba Moturua. Sua cabeça foi pedida. Entre os edis da Frelimo agora em exercício, Simba parece o mais crucificado.

 

Minhas fontes dizem que ele mostrou, durante estes anos, poucas simpatias para interesses mesquinhos de militantes e empresários locais, que achavam que tinham luz verde para satisfazerem seus apetites nos terrenos municipais. Mas, Simba não foi na cantiga. E criou inimigos figadais.

 

A nosso ver, o Edil de Pemba merece uma segunda oportunidade. Porque ele está a gerir a cidade mais pressionada em Moçambique por eventos extremos, incluindo o terrorismo. A pressão demográfica sobre a cidade é enorme.

 

De acordo com o Censo de 2017, Pemba tinha 204.872 habitantes. Em 2020, por causa do terrorismo, a cidade recebeu quase que uma outra cidade: 227.393 deslocados de Mocímboa da Praia, Palma e Muidumbe. Depois teve o ciclone Keneth...mas Pemba não se desestruturou. Mantém-se mais ou menos saudável, com uma melhoria visível nas suas infra-estruturas escolares, de saúde e estradas, para além da transferência da antiga lixeira.

 

A pressão sobre Pemba é enorme que faria cair qualquer Edil que se prese. Simba merece uma segunda oportunidade.(Marcelo Mosse)

Seis semanas atrás, o Governo queniano convidou o FBI americano para realizar uma faxina de intromissão estrangeira na sua soberania: combater o cibercrime. Nairobi baixou a bola, varreu fingimentos narcisistas e foi pedir socorro a quem tem competências, deixando de lado quaisquer considerandos de soberania de Estado.

 

O cibercrime no Quênia é um cancro, afectando sobretudo o sector financeiro e uma sociedade cada vez mais digitalizada. Sua indústria estava a crescer de forma assustadora, com gangues organizadas comandando a área sob visível impunidade, afugentado negócios e investimento.

 

O governo disse basta. Foram pedir ajuda à mão externa. Um pragmatismo de Estado que merece louvor. O governo de Nairobi mostrou liderança, colocando o dedo na ferida, sentindo a dimensão da sua dor e buscando a panaceia contra todos os anticorpos que impediam a capacidade do Estado em pôr ordem na casa.

 

Nosso Governo fez isso com Cabo Delgado. Quando a indústria da guerra se apercebeu de que o cancro estava corroendo até sua capacidade de sobrevivência, foi bater portas no estrangeiro, deixando de lado considerandos de soberania de Estado.

 

Não foi a primeira vez que Moçambique abraçou a mão externa numa área teoricamente sensível para os negócios do Estado e para a auto estima de nação soberana.

 

Em 1997, o governo contratou uma empresa privada estrangeira, a Crown Agents, para exercer a gestão operativa das Alfândegas. Entregamos o controle aduaneiro de bens, valores, mercadorias, meios de transporte, passageiros e bagagens a um gestor-delegado britânico, essa outra mão externa nos momentos inconvenientes.

 

Nossa arrecadação fiscal foi, pois, entregue a um estrangeiro, mas isso só foi possível porque o sector alfandegário estava mergulhado no enriquecimento ilícito, com gangues tomando liderança de um quadro perverso de delapidação do erário público, colocando em risco a sobrevivência do Estado. Há quem tapou o nariz! Crown Agents gerindo as alfândegas? Uns espiões do MI6?

 

Mas a limpeza era necessária. E a recuperação institucional um imperativo. O Governo de Chissano, é certo que pressionado pelo Banco Mundial, no quadro do ajustamento estrutural, abriu mão da famigerada soberania. Poucos anos depois e tínhamos uma nova Alfandega, quase modernizada, com nova postura ética e uma unidade de controle interno para controlar a corrupção.

 

Nosso país vive hoje um problema que exige baixar a bola como Nairobi fez em face do ciber-crime. Os raptos viraram uma indústria cancerosa, operando de dentro do SERNIC, das estruturas policiais, alimentando uma economia paralela, afugentando o negócio e o investimento.

 

Durante longos anos, o Estado vem fingindo que pode, sem apoio externo, melhorar a estrutura de resposta contra este crime. É mentira! Uma mentira sustentada por gente que tira proveito dessa indústria. Nesta área específica, nosso governo vai protelando a decisão de pedir apoio externo com vista a limpeza institucional do SERNIC, gerando a suspeita de que há sectores do Executivo que se alimentam na indústria.

 

Já chega de desgoverno! O SERNIC precisa de um abanão...nas suas raízes, de uma reforma por mimetismo institucional (tal como Nairobi fez ao convidar o FBI)...ou as elites políticas estão profundamente mergulhadas na criminalidade organizada que a melhor decisão é deixar o caos da impunidade vigorando. (Marcelo Mosse)

 

Era preciso Marcelo Rebelo de Sousa vir a Moçambique para Lisboa autorizar que moçambicanos viajassem para Portugal sem restrições. Rebelo de Sousa chegou  hoje a Maputo, terra onde ele viveu e que considera sua segunda pátria e com Portugal tem “ligações de fraternidade que são únicas”.

 

Essa fraternidade esteve em banho-maria durante longos meses. Sem decreto conhecido, moçambicanos que quisessem viajar para Portugal eram simplesmente vexados com uma recusa de visto. Grosso modo, a opinião pública |moçambicana andava com os nervos à flor da pele. Há relatos de moçambicanos que tiveram que recorrer à Embaixada da Espanha para obterem um visto Schengen para se deslocarem a Portugal.

 

As redes sociais foram inundadas de comentários criticando a diplomacia moçambicana por não aplicar uma medida recíproca. Ou seja, no mesmo período de fechamento de Portugal aos moçambicanos, cidadãos portugueses podiam entrar em Moçambique sem restrições, obtendo inclusive vistos de fronteira, nomeadamente no Aeroporto de Mavalane. A razão para as restrições nunca foram sobejamente explicadas. E os moçambicanos podiam viajar para qualquer parte do mundo.

 

Agora, com a vinda de Marcelo, Lisboa empenhou-se em lavar uma nódoa profunda, dando a entender, nas entrelinhas, que as restrições tinham a ver com a Covid19. Os moçambicanos já podem entrar em Moçambique sem restrições. E Marcelo Rebelo de Sousa evita um grande mal estar, ele que nutre publicamente uma afeição por este país. Seja como for, esta interrupção da fraternidade por decreto português mostra como a politica fragiliza os laços entre os povos e coloca reticências na construção da dita comunidade lusófona. (Marcelo Mosse)

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