Já antes de pairar por aqui a Covid-19 eu era uma mulher sem esperança, não acreditava no futuro, nem meu nem da minha cidade. Há sinais que me chegavam de vários lados com a mensagem de que do outro lado da porta não há nada, e eu levei tempo a perceber isso. Houve insistência por via de acontecimentos nefastos, testemunhados pelo silêncio que afinal vem dos tempos, para me fazerem entrender as parábolas, então acabei sentindo que ao final do dia não haverá flores para colher.
Nasci aqui há mais de 70 anos e nunca vi nada de extraordinário a acontecer. A princípio virava-me contra aqueles que saíam e não voltavam mais, eu sempre pensei que aqui fosse um paraíso. Por isso era incompreensível que alguém abandonasse um paraíso, era assim como eu pensava. Mas agora percebo esse êxodo dos filhos da dita “Terra da boa gente”, têm medo de voltar. Temem sucumbir como eu, que na verdade estou em estado vegetativo.
Um amigo meu, cuja intimidade vem dos tempos de infância, apareceu na minha cidade vindo da Europa, depois de longos anos de ausência e disse assim, Nhambuli, quero construir um complexo de lazer para divertir a juventude aos fins-de-semana, e o lugar escolhido é um bairro que fica a cerca de cinco quilómetros em direcção à praia do Tofo, saíndo do centro da urbe.
Delirei ao ouvir aquilo que me parecia uma música afinada em grandes conservatórios. O sonho em si era lindo, capaz de atrair o belo, porém a realidade veio mostrar que o homem que acabava de desembarcar com um projecto daqueles no regaço, não conhecia com profundeza o terreno que pisava, afinal movediço. Ergueu as infraestruturas que incluiam uma piscina para o público. Fez publicidade. Conquistou de facto a juventude que foi em avalanche. Badalou-se o complexo em terras outras. Vieram músicos de renome para noites de festa, em catadupa, mas pouco tempo depois a casa fechou as portas e o jovem regressou à Europa. Deixando seu sangue vertido no chão. Em vão.
Eu acreditava no sonho do meu amigo. Ia lá sempre passar o tempo e beber a minha cachaça e queimar o tempo num lugar retirado e tranquilo, e chegava mesmo a mergulhar na piscina sem qualquer complexo de mostrar o meu corpo envelhecido e enrugado, eu vibro por dentro mesmo assim. Mas o sol não demorou a cair no ocaso e deixou aquelas ruinas que ainda hoje me flagelam o espírito.
Não era a primeira vez que eu chegava a um limite doloroso como este, mas agora o meu cepticismo quanto ao futuro da minha cidade, que entrou em decadência, contrariando os tempos de euforia da juventude, aumentou. Não acredito no amanhã, e o que me resta é ruminar as dores sem poder fazer nada. Absolutamente nada! A não ser passar o tempo a beber cachaça e ouvir a música de Elizeth Cardoso, “Eu bebo sim”, sem esperança porém, de que o sol vai nascer outra vez na minha cidade.
Pitágoras deixou-nos uma solução para quando estivéssemos perdidos: “Saiam da estrada e sigam o trilho.”
Acabo de ler textos recentes (agrupados em “Corrigir para fazer melhor”) do professor Elísio Macamo em que debruça sobre a Frelimo, em parte a partir do Relatório do II Congresso da FRELIMO (1968), um relatório que o Elísio Macamo reconhece qualidade. “Um relatório impressionante” na suas palavras. E por falar da qualidade deste relatório, lembro-me que já cruzara com algo parecido sobre os documentos da Frente de Libertação de Moçambique. Foi há uma década ou pouco menos, que em conversa ocasional com um membro sénior da Frelimo (frente e partido), contara-me que o filho o questionara sobre a qualidade dos documentos produzidos pela Frente de Libertação de Moçambique. Na verdade o filho queria saber como é que foi possível jovens, em tenra juventude, produziram documentos de tamanha qualidade, coisa que jovens de hoje, até com o dobro da idade e em melhores circunstâncias (tecnológicas e outras), não conseguem. Ainda na conversa, o citado membro confessara de que essa qualidade era conhecida e respeitada pelos outros movimentos de libertação (e não só) e de que tal foi um grande diferencial da FRELIMO na arena internacional. Foi uma conversa interessante, mas mais interessante, foi o que conto abaixo e que me invadia a mente, enquanto decorria a conversa.
Em 2019, num meu texto ( Por onde andas, Kalungamo? ), em jeito de homenagem aos 90 anos de Marcelino dos Santos (1929-2020), outro destacado membro sénior da FRELIMO, relato um episódio de uma reunião em que participara com ele. A reunião, decorrida em finais de Dezembro de 2006, foi convocada por ele e eu tomara parte com outros colegas, na altura a equipe executiva que organizara, meses antes, o 1º Fórum Social Moçambicano (FSMoç), um espaço aberto de debate crítico de ideias. Na abertura da reunião e conforme o relatado no citado texto: “Marcelino dos Santos tinha na mesa os documentos do FSMoç, destacando o Plano Nacional. Este estava excessivamente sublinhado e com diversas cores e anotações, evidenciando que o tinha lido, como também, que vinha “chimoco”. Para a nossa satisfação, Marcelino começa a reunião elogiando a qualidade dos documentos, admitindo que não via há bom tempo algo parecido na pérola do Índico, o que o deixava contente (…)”. Em outro desenvolvimento da reunião, Marcelino perguntara se já havíamos lido os estatutos da fundação da FRELIMO, pois os documentos estruturantes do FSMoç (O Plano Nacional e a Carta de Princípios), tinham o mesmo espírito.
E aqui, o mesmo espírito, começa a parte mais interessante e que me invadia na conversa ocasional acima relatada. Soa até a uma confissão. Uns anos anos (2003/2004) antes da realização do 1º FSMoç (2006), ainda no processo de discussão da sua constituição, fora criado um Grupo de Trabalho para redigir um documento informativo/orientador sobre o FSMoç. O grupo era encabeçado por Hélder Martins, outro membro sénior e fundador da Frelimo, e este, em tempo programado, apresentou o documento, que por sinal, e não vem ao acaso, ele lamentara a pouca ou nula participação dos restantes membros do grupo . Este documento, em 2006, é resgatado e servido de base, a par da “Carta de Príncipios” do Fórum Social Mundial (FSM), para a elaboração do Plano Nacional do FSMoç, o tal documento que Marcelino dos Santos elogiara a sua qualidade e dissera de que era do mesmo espírito dos estatutos da fundação da FRELIMO. Em reunião de seguimento, em Janeiro de 2007, Marcelino até sugerira um intercâmbio entre o partido Frelimo e o FSMoç, pois os propósitos do FSMoç eram os mesmo que guiaram a fundação da FRELIMO e que conduziram a luta de libertação nacional.
É desta Frelimo - a da qualidade (conteúdo) dos seus documentos - que não vi…e tenho saudades. Por sinal, concluo que é a mesma Frelimo que o professor Elísio Macamo debruça sobre ela e torce para que seja resgatada na reunião do seu Comité Central que se avizinha. Uma vez resgatada, e para fechar, “Um outro Moçambique é Possivel!” conforme ditava o lema que guiava o FSMoç. A Luta Continua!
Coincidindo com o dia Mundial da Terra, declarado pelas Nações Unidas, e servindo de antecâmara para a próxima cimeira da ONU sobre as mudanças climáticas, agendada para o final deste ano, 2021, em Glasgow, na Escócia, mais de 40 líderes mundiais revisitaram, neste considerado novo normal, a complexa e pertinente agenda sobre aquecimento global e os efeitos imediatos das mudanças climáticas. A grande novidade, se assim a podermos classificar, está associada ao retorno dos Estados Unidos da América, por via do recentemente eleito Presidente Joe Biden, à agenda global sobre o clima, sobretudo, em relação à emissão de gases de efeito estufa, rompendo com um afastamento imposto pelo anterior Presidente norte-americano.
No sentido inverso, a não participação directa de Moçambique, por não ter sido convidado para o efeito, me pareceu inesperada, inexplicável e sintomática de como as agendas internacionais negligenciam e se afastam das preocupações de quem mais sofre com os efeitos conjugados das mudanças climáticas.
Moçambique, de acordo com os diferentes índices de risco climático global, que muitas vezes tem indicadores diferentes, mas muitas vezes coincidentes, ocupa, tristemente, o primeiro lugar na lista dos países mais vulneráveis às alterações climáticas. Por outras palavras, Moçambique é vítima de actividades industriais que alteraram o curso normal do clima e tem que arcar com o ónus de fazer face aos efeitos desastrosos de ciclones mais constantes, chuvas mais devastadoras e, até, longos períodos de seca.
Em bom rigor, esta cimeira até coincidiu com o segundo ano da passagem dos ciclones Idai e Kenneth, que assolaram as províncias de Sofala, Zambézia, Manica e Cabo Delgado. A ferocidade destes ciclones ceifou a vida de mais de 700 cidadãos moçambicanos, para além de ter gerado acima de 370 mil deslocados. Estas famílias continuam dependentes de ajuda para recompor as suas vidas. As mudanças climáticas, cujo aporte científico ainda precisa de ser melhor disseminado pelo país, não dilaceram, apenas, o tecido social, não destroem os campos agrícolas e as florestas, arrasam, principalmente, a esperança de um povo.
Se, por um lado, o mundo necessita, com urgência, de implementar o quadro de medidas mitigatórias e rever as suas ambições industriais, para manter o aquecimento global abaixo dos 2 graus centígrados, preferencialmente, abaixo dos 1.5 graus centígrados, por outro lado, carece da redefinição de uma agenda sobre a participação, no processo decisório, dos actores que mais sofrem com estas mudanças climáticas, dando voz aos jovens e às mulheres.
Faço parte de um grupo designado The Elders, dirigido por Mary Robinson, que inclui Ban Ki-moon, Harlem Brundtland, Ellen Johnsonn Sirleaf, Ernesto Zedillo e Fernando Herinque Cardoso. Cientes da realização desta Cimeira, decidimos fazer um apelo, para que a Cimeira não se concentre numa discussão apenas das principais potências, mas que seja um momento e uma oportunidade para que os países mais afectados possam veicular as suas preocupações e se afirmarem como os que, mais directamente, sofrem com os efeitos das mudanças climáticas.
Nestes momentos, eu me recordo, e com um misto de tristeza e desespero, que Moçambique registou, com o ciclone Idai, o mais devastador fenómeno das mudanças climáticas no hemisfério Sul. Por conseguinte, é um direito que assiste ao país de erguer a voz e, de forma legítima, clamar pela sua integração na agenda internacional e de todos quanto sofrem e que se sentem excluídos.
Este debate sobre as mudanças climáticas, que continua de forma errónea, ainda tímido e esporádico em Moçambique, terá de passar por uma posição nacional que incorpore os pontos de vista da academia, do sector privado, das organizações não-governamentais e, sobretudo, dos nossos especialistas que, a par e passo, acompanham e pesquisam sobre a temática sobre o aquecimento global. O nosso país, e outros países que fazem parte da lista dos mais vulneráveis às alterações climáticas, têm legitimidade natural para expressar e revelar as questões essenciais que os afectam, neste presente sombrio, e que afectarão o futuro ainda mais intricado e complexo.
Os sinais da inacção podem ser muito mais devastadores do que os efeitos pelos quais passamos. Nestes momentos, nos recordamos do sábio ditado africano que diz que a luz com que nós vemos os outros é a mesma luz com que os outros nos vêem a nós próprios. Em bom rigor, o clima não pode destruir as nossas esperanças e os sonhos de sermos uma sociedade e um país que vive com dignidade e harmonia.
Todo cidadão decente e que presencia um crime tem o dever moral e a obrigação social e legal de colaborar com as autoridades judiciais. Pelo menos, foi neste espírito que a família Josiane decidiu colaborar com o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), uma vez que dias antes havia presenciado um esquema graúdo de venda de resultados negativos sobre a Covid-19 protagonizado por diversos funcionários da saúde a nível da cidade e província de Maputo.
Hamilton Josiane, chefe da família e um jovem repórter investigativo em ascensão num reconhecido órgão de comunicação social nacional que dias antes recebeu denúncias de cidadãos que vivenciaram as manobras dilatórias dos enfermeiros, médicos e técnicos de saúde que vendiam exames negativos para quê quisesse viajar para um país estrangeiro. A pessoa só precisava de ter 3.000,00 Mts ou 3.500,00 Mts.
Hamilton foi atrás do caso, mas para complementar a sua investigação precisava de colher provas factuais, e devido a sua vida pública não deveria ser ele a ir comprar os exames, foi neste contexto que pensou em envolver algumas pessoas próximas e que felizmente com as instruções do repórter conseguiram ter todos elementos da investigação e a história caiu que nem uma bomba atómica no seio das estruturas máximas de saúde, políticas, diplomáticas e judiciais da Pérola do índico. Algo tinha que ser feito!
A notícia, que foi ao ar numa sexta-feira, levou as autoridades a reunirem-se de emergência durante o final de semana porque o impacto foi maior que levou a vizinha África do Sul a rejeitar os resultados de exames negativos que os cidadãos de nacionalidade moçambicana ou não que pretendem entrar naquele território. Estava instalada uma crise diplomática entre os dois países. As movimentações não paravam. Todo mundo estava agitado. Algo tinha que ser feito. Uma equipa multissectorial foi criada. O SERNIC foi acionado. A diretoria do órgão de comunicação social que investigou o melindroso caso foi prontamente contactada e esta mostrou-se aberta a colaborar com a equipa de agentes nomeados para seguir e responsabilizar os supostos criminosos.
O repórter Hamilton Josiane foi solicitado pela diretoria do Jornal que explicou as vantagens de tal colaboração com os agentes do SERNIC. Hamilton foi contactado pelos agentes do SERNIC, onde foi explicar tudo que investigou e entregou as provas todas, mas como não esteve na hora da compra dos exames que confirmavam tudo, teve que explicar que envolveu outras pessoas para tal acto. Foi neste momento que a história viria a mudar totalmente.
Depois dos agentes ouvirem as pessoas que foram comprar os exames e recolherem as características fisionómicas das pessoas que compraram com elas os resultados falsos dos testes, eis que dias depois, o SERNIC contacta a família Josiane informando que haviam identificado alguns funcionários que batiam com as características apresentadas pelas testemunhas e que queriam a presença da mesma para confirmação ou não.
A família Josiane aceitou, mas antes o repórter Hamilton perguntou como seria este reconhecimento, se seria nos modelo hollywoodiano ou tinham outra forma, eis que o agente indicado disse que tinham uma outra forma de procedimento e que não havia nenhum risco. Chegou o dia combinado! Logo cedo, eles se apresentaram no SERNIC que prontamente pediu que se fizesse um compasso de espera, porque não podiam se deparar com os possíveis implicados – acto que foi acatado pela família Josiane.
Minutos depois foram solicitados a subir para a tal sala do reconhecimento, onde viriam a ser surpreendidos com o procedimento que em vez de proteger o denunciante, expunha o mesmo – já na sala, Hamilton foi deixado do lado de fora e a esposa foi levada pelos agentes do SERNIC que a colocaram numa sala juntamente com as possíveis implicadas frente a frente e pediram-lhe para identificar quais delas!
Mediante as circunstâncias, a esposa de Hamilton ficou alarmada e limitada. (In) felizmente, nenhum dos possíveis implicados fazia parte da team que no pretérito dia venderam os exames negativos da Covid-19. Após a secção, a mulher explicou ao repórter como foi…ele não acreditou! Afinal fazem assim? questionou Hamilton – como pode-se identificar um criminoso nestes moldes – isto é inaceitável – como trabalham deste modo? Infelizmente a bondade da família Josiane havia sido molestada por acreditar que as autoridades iriam lhes proteger – principalmente numa terra onde vivemos na linha do tiro e não sabemos separar as realidades dos contos de fada, ou seja, dos mitos – ser denunciante ou testemunha e merecer da protecção da justiça em Moçambique! Talvez seja por isso que em muitos casos, a culpa morre solteira ou os inocentes morrem no xilindró fruto da falta de rigor na investigação!!!