Muitos dos que nasceram no período da independência e nos anos a seguir, viveram uma atmosfera político-social de elevada êxtase e expectativas sobre como seriam os anos sem o jugo colonial. Foram anos de muito nacionalismo e de forte exaltação aos ideias pan-africanos em grande escala e, da negritude em menor escala.
Essa geração foi ensinada a pensar dentro de um quadro político-social de muita desconfiança e de algum medo: primeiro devido aos focos emergentes do neo-colonialismo e neo-imperialismo e, depois pelos movimentos armados que reivindicavam a suposta parcela do manjar pós-independência.
Durante muitos anos, um pouco por todo continente africano, com enfoque à Africa Austral, os partidos libertadores cimentaram sua hegemonia com recurso a narrativas, discursos e alusão a momentos históricos de difícil digestão. Essas narrativas alimentaram vários processos e várias etapas de construção de um pensamento unitário. Todavia, alguns desses partidos “esqueceram-se” de se actualizar e se de adaptar ao contexto quer em forma acções governativas ajustadas, quer em respostas mais cabais às crescentes demandas do povo. O descontentamento e o repudio à forma como os destinos de alguns países estava a ser conduzido, abriu espaço para uma nova franja crítica, seja vinda da sociedade civil, quer de partidos políticos da oposição.
Com o andar do tempo e com a natural evolução social e política, a narrativa dos partidos chamados libertadores, que era facilmente aceite de ânimo leve pelas chamadas massas foi se corroendo (por causas naturais e também por falta de actualidade). Essa gradual corrosão enfraqueceu internamente o tecido político-partidário e foi gerando pequenas alas e fissuras internas.
A história, com seu sentido didáctico, foi testemunhou para além da conquista, exercício e sedimentação do poder por um lado, a fragilização e queda dos ditos históricos por outro lado – Novos actores políticos emergiram, e com eles, novas narrativas e novas formas de ver a governação dos países.
A rotatividade política em muitos países da região foi se fazendo real, numa clara amostra de cansaço e apelo a algo diferente e novo. Alguns dos países que a experimentaram perceberam que a mudança que tanto se temia, tem suas nuances e, pois, abrem espaço para formas de ser e estar na política – o rendez-vous politique.
As narrativas depreciativas contra os partidos da oposição, e contra as organizações da sociedade civil que a história os colocou no lado erróneo e baptizou como partidos e movimentos sanguinários, inimigos do progresso e da independência, começaram a diluir-se paulatinamente em alguns quadrantes. Tal dissolução deveu-se muito pouco a forca da oposição que foi se instruindo melhor, e muito a forma como muitos governos foram tratando o seu povo. Dito de outra forma, e com outras palavras, a oposição não precisou de muita engenhoca tampouco de estaleca para o despertar social. Os actos e acções dos partidos no poder foram paulatinamente levando muitos deles ao abismo.
Novas formas de reflectir a história, de pensar criticamente a sociedade, a politica e a governação ganharam notoriedade e relevo. E com essas formas, veio a dúvida sobre o presente e a incerteza sobre o futuro.
O advento das redes sociais foi um marco importantíssimo nesta viragem de paradigma, no processo de informação e desinformação. Foi também um momento em que o uso da tecnologia possibilitou o registo, a partilha e o consumo em tempo real. A monitoria de processos eleitorais, das acções político-governativas e de toda forma de manifestação socio-política e até cultural, fez ganhar outra dinâmica na forma de participação e influencia. Quase todos com acesso a informação, podiam a partir deste instante ser agentes de mudança.
Neste momento de maior questionamento, a sociedade vira um avaliador factual da acção governativa, e não se prostra de tecer opiniões escritas ou orais que fazem toda diferença na construção do estado pluralista em que as ideias contrárias valem e tem lugar. Há um salto qualitativo nas relações de intervenção social – do simples instrumento político-eleitoral, o povo passa a um agente activo, impulsionador e motriz da mudança social. O seu papel é cada vez mais apreciado por uns e combatido por outros, porque o despertar de consciência pode também significar mau pressagio para quem não esteja disposto a permitir a rotatividade.
A aceitação foi dando lugar a negação. As diferentes forças políticas, e das organizações da sociedade civil com melhor estrutura e liderança, com ideias mais claras e mais ou menos elaboradas e uma agenda muitas vezes alvo de questionamentos, ganham relevo e convidam o povo a uma introspeção e reflexão mais assaz sobre a independência e o pós-independência (seus ganhos e perdas). A luta da oposição não é mais para conquistar mais assentos no parlamento e na assembleia nacional, mas sim pelo assalto ao poder.
Muitos dos países desta parcela do continente negro, caminham para a celebração do jubileu dos 50 anos da conquista das tão almejadas independências. Nesses quase 50 anos experimentaram transições, reajustes e reformas impostas pelo Ocidente - Tais reformas ditaram a realidade de muitos países. Experimentaram igualmente o aparecimento e ocorrência recursos naturais. Alguns países, incluindo Moçambique foram bafejados por recursos naturais que se adivinhavam bênçãos, mas que aos poucos, em alguns quadrantes tem se revelado autêntica maldição (o Resource Curse).
A falta de transparência, responsabilização, o enfraquecimento institucional, a captura do estado pelas elites economicamente fortes, a fraca vontade e capacidade politica, a crescente desconstrução das ideias basilares e fundacionais do estado, dos ideais Pan-africanos de Nkrumah e Senghor, bem como a constante ingerência nos processos nacionais, entre outras causas abriram um buraco que se foi transformando numa cratera social, económica e politica – A corrupção instalou-se, e a cultura de pedinte se afirmou como uma cultura dos estados africanos.
Recentemente, viveu-se em Angola um cenário que ilustra como a aceitação foi se transformando em negação, e como a atmosfera eleitoral e pós-eleitoral foi um medidor do cansaço do povo que anseia mudanças estruturais. O cenário ali vivido, faz-nos ler com outras lentes a relação entre os ciclos governativos, a coesão dos partidos políticos, a militância de ocasião e de estomago e, acima de tudo, sobre o poder outrora oculto das massas – um poder que foi negado, mas que a realidade mostra que não há tamanha peneira para tão forte sol.
Hoje, uma sociedade angolana ociosa pela mudança clama pela justiça eleitoral, pela validação do seu direito exercido nas urnas. Uma sociedade dividida entre o amor pelo MPLA e pela esperança pela UNITA. Sociedade que deu uma aula de associativismo, sobre como valorizar o sufrágio e como mostrar ao poder do dia que não há nada mais forte que o povo – pode tardar, mas sempre acorda da sua longa noite escura.
Esta em causa muito mais que uma eleição. Esta em causa a provável queda de um partido histórico em África e no mundo, e a ascensão de um partido tido como o vilão da história recente de Angola.
Esta em causa uma jogatana que não se revelou ainda aos olhos dos menos sagazes analistas – a jogatana do petróleo, dos diamantes. Esta em causa a soberania do povo Angolano. Por isso, escrevo – Uma mão cheia de nada.
Por: Helio Guiliche (Filosofo)
“O Registo dos cidadãos nacionais e a consequente atribuição de BI deve constituir uma prioridade do Governo de Moçambique. O Sector Privado tem estado a ser penalizado pelo Estado, através do Governo, por causa da falta de registo dos cidadãos, nomeadamente, quando encontrados a trabalhar sem contrato de trabalho e falta de desconto para o INSS, quer quando se compra produtos a um camponês sem BI. Agora, com o subsídio ao transportado, acredito que o Governo de Moçambique consegue ver as suas ineficiências. Vamos todos trabalhar para corrigir isso, de contrário, um dos pilares de alívio à pobreza, contido nas vinte acções do “PAE”, não será bem-sucedido.
AB
Face ao actual custo de vida, o Governo de Moçambique adoptou vinte medidas para atenuar o mesmo, num pacote denominado “PAE”. São vários os sectores de actividade que devem, de forma harmonizada e coordenada, dar o seu contributo para o sucesso destas medidas, desde o Parlamento, através de adopção e de adequação da Legislação que vai ao encontro das medidas tomadas, o Judiciário, que se deve readaptar à nova realidade, por exemplo, que confere aos Advogados a possibilidade de certificarem, bem assim as esquadras, nestes, para pequenas empresas!
Ao sector dos Transportes e Comunicações cabe a “Gigantesca” tarefa de atenuar o custo de vida aos utilizadores do sistema de Transporte Público e aqui entra o nosso Ministro dos Transportes e Comunicações. No passado recente, o subsídio era entregue por exemplo, no caso dos panificadores, não ao comprador do pão, mas ao Padeiro. Entretanto, o paradigma mudou, deve ser entregue ao beneficiário, no caso dos Transportes é o transportado, mas, para tal, há que cumprir alguns requisitos para a acessibilidade do subsídio.
Um dos requisitos para se obter o subsídio é o Bilhete de Identidade. Entretanto, sabe-se que, grosso modo, cidadãos moçambicanos não possuem o BI. Segundo é a Conta Bancária, mas acima de 75% da população Moçambicana não possui conta Bancaria e, mais do que isso, sendo uma medida de abrangência nacional, muitos Distritos deste País não possuem uma Agência Bancária. Foi, aliás, na base disso que o Governo lançou o programa “Um Distrito um Banco” um programa que, salvo melhor opinião, está a embernar!
QUAL PODE SER A SAÍDA SENHOR MINISTRO!
Primeiro, devo dizer que a saída para a solução deste problema não pode estar no Ministério dos Transportes e Comunicações, deve ser uma acção coordenada do Governo como um todo e a ser liderado pelo Ministério da Justiça que tutela os Registos e Notariado. É importante acrescer, no pacote de acções do “PAE”, a componente de registo massivo de cidadãos, com a possibilidade de produção local e na hora de um BI para as pessoas, no caso das contas bancárias, tendo o BI, ainda que não haja agência Bancária na zona, pode-se recorrer às diversas plataformas Móveis.
Recordar ao Governo que, num passado recente e, num problema que não foi resolvido relativo à comercialização agrícola, não se considerava “legal” a compra de produtos agrícolas a um produtor não documentado. O sector privado chamou a atenção sobre o facto de muita gente não estar documentada e sobretudo no campo e o Governo decidiu ignorar isso, sendo que a Autoridade Fiscal agia sobre as compras dessa natureza aplicando a multa!
Mais: o sector privado que contratasse um trabalhador não documentado e, por conseguinte, não o inscrevesse na Segurança Social Obrigatória também se sujeitava a multas pesadas. Parecendo que não, tudo isto não deixa de ser um contrassenso porque, não cabe ao sector privado fazer registo aos cidadãos, senão ao Estado através do Governo do dia. Hoje, com esta questão do subsídio aos transportados, o Governo prova a sua própria ineficiência na solução estruturante dos problemas.
As autoridades dirão que existe registo nas unidades hospitalares onde ocorrem os partos, contudo, esses registos não possuem um carácter obrigatório para dizer que toda a criança que nasce ou que nasceu a partir de um determinado momento encontra-se registada. O registo e a atribuição do BI aos cidadãos nacionais deviam, na minha opinião, constituir uma prioridade para o Governo de Moçambique e me parece que existem condições para o efeito e digo porquê!
Quando chegam os pleitos eleitorais, todos os cidadãos com mais de dezoito anos vão registar-se e aqueles que, à data das eleições, irão completar essa idade, nesse processo biométrico o documento sai imediatamente e os dados centralizados. Ora, não seria possível adoptar esse método com as devidas adaptações e proceder-se ao registo e atribuição do BI aos cidadãos!? Acredito que seja possível, salvo melhor opinião.
Mesmo em relação aos transportadores, se formos a olhar com os olhos de ver, podemos, de forma fácil, concluir que o grosso das viaturas que fazem o Transporte Público, desde as carrinhas de nove a 15 lugares, não estão devidamente licenciadas e, por conseguinte, não elegíveis a nada! Não é por acaso que o INE – Instituto Nacional de Estatísticas fala de uma economia dominada pelo sector informal. Vimos recentemente a Autoridade Tributária, através da sua Presidente, a fazer a advocacia para o registo e formalização dos informais, quer a título individual, quer através da criação de Cooperativas, isto não nos diz nada!
Concluindo: o Governo de Moçambique deve, com carácter urgente, adoptar uma política de Registo massivo dos cidadãos nacionais, de modo a poder planificar melhor as acções de desenvolvimento e saber, de forma efectiva, com quem poderá contar para futuro desenvolvimento de Moçambique. Esse trabalho não pode ser visto na perspectiva de um sector de actividade, ainda que esse sector seja governamental. O Ministério dos Transportes e Comunicações não tem mandato institucional de atribuir BI às pessoas e, sendo assim, um dos programas de alívio à pobreza poderá “cair em saco roto”, vamos, todos, contribuir para o sucesso do “PAE”.
Adelino Buque
Temos o privilégio de estar aqui, hoje, Dia do Advogado Moçambicano, a dar o nosso ponto de vista, a apresentar a nossa doxa – qual fonte por excelência do erro, como arguiam certos círculos da Grécia Antiga! – sobre O Papel da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) no Processo de Elaboração Legislativa, num momento particularmente preocupante da nossa democracia multipartidária, marcado pela abundância de soluções e técnicas legislativas que significam tudo menos o progresso nesse tema.
Exemplos dessa ausência de progresso, cujo apanágio nos parece ser, perdoe-se-nos o eventual exagero, integram a panóplia de retrocesso legislativo que se assaca de instrumentos como o Código Comercial, que é uma excelente simbiose de conceitos e institutos indevidamente representados e de exacerbado recurso ao gerúndio, qual brasileirismo, e o Código de Processo Penal, por via do qual se engendrou um dos maiores ataques à cartilha e disciplina de direitos fundamentais de que se tem memória no período pós-independência, no que pontificam atropelos como o da ilimitação ou quase-eternização da prisão preventiva, como se esta já tivesse deixado de ser uma medida de coacção constitucionalmente tutelada.
Por falar em Dia de Advogado Moçambicano, talvez seja momento de começarmos a pensar na ampliação da celebração do que funda uma efeméride destas para algo maior, que a todos pudesse formalmente beneficiar, que seria a consignação do 14 de Setembro como Dia do Estado de Direito Democrático, conhecidas que são, da nossa história, as lutas de certos e destacados causídicos em prol da dignidade da pessoa humana, no que destacaria, no período anterior à Independência Nacional, nomes como os de Almeida Santos e de Rui Baltazar, e, na Primeira República (de 1975 a 1990), nomes como os de Domingos Arouca, Máximo Dias e Simeão Cuamba, ainda que, muitas vezes, virtualmente, naturalmente não por causa de uma pandemia análoga à COVID-19, mas por conta de algo talvez mais profundo: desrespeito pela dignidade da pessoa humana.
Claro que não ignoramos que estejamos, ainda, numa situação de devir, ou seja, num quadro de garantia meramente formal deste importantíssimo princípio, o do Estado de Direito Democrático, conforme, aliás, defendeu em 2015 o Dr. Rui Baltazar, em palestra que proferiu por ocasião dos 10 anos do jornal O País.
Com efeito, referiu nessa ocasião o Dr. Rui Baltazar que Moçambique ainda está muito longe de concretizar um verdadeiro Estado de Direito Democrático, embora esteja a experimentar, há já mais de duas décadas, um sistema político multipartidário, marcado pela realização de eleições regulares.
Feito este longo intróito, no qual a expressão-chave é Estado de Direito Democrático, vale a pena iniciar o cerne da abordagem a que fomos chamados, nomeadamente com algumas notas sobre as atribuições, quais funções ou, mesmo, responsabilidades, da OAM.
A OAM e o Processo Legislativo Doméstico
Se quiséssemos ser formalistas, nos limitaríamos a dizer, quanto ao Papel da Ordem de Advogados no Processo Legislativo, que o mesmo se resume na efectivação da norma contida na alínea c) do número 4 do Estatuto da OAM, aprovado pela Lei número 28/2009, de 29 de Setembro:
“[São atribuições da OAM] Contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica, para o conhecimento e aperfeiçoamento do Direito, devendo pronunciar-se sobre os projectos de diplomas legais que interessam ao exercício da advocacia, ao foro judicial e à investigação criminal”.
Essa putativa perspectiva formalista, ou minimalista, se quisermos, seria problemática, se se considerar que dela se extrai um “erro indesculpável” do legislador ordinário, que não incluiu na há pouco citada norma a obrigatoriedade de a OAM se pronunciar sobre empreitadas estruturantes como a revisão constitucional.
Até porque a mesma norma nos levaria, quando confrontada com certos processos legislativos recentes, a consubstanciar, com toda a facilidade, o desrespeito das regras de jogo por parte do legislador, conforme o espelha a última revisão do Código de Processo Penal. Para que não haja dúvidas, muito menos equívocos, partilhamos que, em nosso entendimento, um pretenso envolvimento da OAM, dando-lhe três dias ou algo muito próximo para se pronunciar, não passa de uma infeliz tentativa de legitimação de um desiderato já decidido.
Aliás, na já citada palestra proferida em 2015 pelo Dr. Rui Baltazar, ele disse algo ao mesmo tempo profundo e vergonhoso para todos nós como país: Que a Assembleia da República não tem como ser procedentemente chamada de ‘Casa da Democracia”, uma vez que, não poucas vezes, funciona como uma espécie de ‘cartório notarial’, chancelando, em forma de lei, decisões já tomadas noutras entidades, no que se incluem, acrescento eu, as de direito privado.
Sobre O Papel da Ordem de Advogados de Moçambique no Processo Legislativo, julgo que o essencial dessa função se integra em algo que é género, algo macro, de que o demais será espécie, algo micro: a defesa do Estado de Direito Democrático, princípio constitucional consignado no artigo 3 da Constituição da República de Moçambique (CRM), extraindo-se as responsabilidades da OAM nesse domínio a partir da conjugação dos artigos 73, 78 e 56, também da CRM, o que se acha de certa forma densificado na norma da alíena a) do artigo 4 do Estatuto da OAM.
Na verdade, o artigo 73 da CRM se ocupa do princípio de permanente participação do cidadão na vida da Nação, no que se incluem os advogados e advogados estagiários, individualmente vistos. E a interacção sistemática com os seus representantes na AR, sobretudo em sede da discussão de projectos ou propostas de lei, é uma das formas de materialização desse princípio fundamental.
Já quanto às responsabilidades da OAM, o artigo 78 da CRM, que a seguir o transcrevemos ipsis verbis, nos parece por demais claro:
“Artigo 78
(Organizações sociais)
Talvez valha a pena recordar que, em rigor, a expressão ‘Estado de Direito Democrático’ é considerada como sinónima à denominação ‘Estado Social de Direito’, tendo a preferência pela primeira, conforme expende Jorge Miranda (2017:75), que ver com as conotações que a segunda teve antes do 25 de Abril de 1974 em Portugal, efeméride que marcou o fim da ditadura e acelerou o processo da independência do nosso país do jugo colonial português.
No princípio do Estado de Direito Democrático, subjaz, pois, a confluência de duas ordens de princípios, nomeadamente de natureza substantiva – o da soberania do povo (número 1 do artigo 2 da CRM) e o dos direitos fundamentais (artigos 42 e 43 da CRM) – e de natureza adjectiva, como sejam o da constitucionalidade (número 4 do artigo 2 da CRM) e o da legalidade (número 3 do artigo 2 da CRM).
Quanto à centralidade e premência do princípio do Estado de Direito Democrático ou do Estado Social do Direito na compreensão do Papel da Ordem dos Advogados de Moçambique no Processo Legislativo, o legislador constituinte foi feliz ao inserir, no prêambulo da CRM de 2004, que é a que está em vigor, o seguinte postulado:
“A Constituição de 1990 introduziu o Estado de Direito Democrático, alicerçado na separação e interdependência dos poderes e no pluralismo, lançando os parâmetros estruturais da modernização, contribuindo de forma decisiva para a instauração de um clima democrático que levou o país à realização das primeiras eleições multipartidárias”.
Julgamos não restarem dúvidas quanto ao crucial papel que a OAM tem na monitoria do efectivo funcionamento da democracia moçambicana, ao mesmo tempo que deve assumir inequivocamente o seu papel de contrapoder, sem necessidade de esperar, por exemplo, pela aprovação da Lei de Participação Pública no Processo Legislativo, o que já regista mais de 10 anos de atraso.
Em Jeito de Conclusão
Sendo a contínua participação do cidadão na vida da Nação um direito fundamental, tal como consignado na parte final do artigo 73 da CRM, e sendo os direitos e liberdades fundamentais directamente aplicáveis, no que se acham vinculadas as entidades públicas e privadas (número 1 do artigo 56 da CRM), a OAM, qual organização social com afinidades e interesses próprios, de resto integrada no artigo 78 da CRM, deve socorrer-se de todos os mecanismos legais para efeitos de maximização do seu contributo na consolidação do ainda incipiente Estado de Direito Democrático em Moçambique, incluindo a participação efectiva no processo legislativo. Nesse processo, ou nessa luta democrática, a OAM deve ter presente que raras vezes os direitos são dados de bandeja em contextos similares ao de Moçambique, classificados pela literatura de Ciência Política como sendo um ‘Estado Autoritário’.
Por último, mas nem por isso menos, sugerimos que a OAM proponha a aprovação duma Lei do Procedimento Legislativo, uma vez que tanto o Poder Executivo como o Poder Judiciário têm o que designaria por “leis de processo” – Lei 14/2011, de 10 de Agosto, para o Poder Executivo, e vários códicos de processo, para o Poder Judicial –, mas o Poder Legislativo, a Assembleia da República (AR), não possui uma lei que regulamenta objectivamente os procedimentos da sua actividade e relacionamento com o cidadão e outras entidades.
(Ericino de Salema é jornalista e advogado. Texto apresentado ontem num evento da Ordem dos Advogados de Moçambique, mais concretamente num painel denominado “O Papel da Ordem dos Advogados no Processo Legislativo”. Título da responsabilidade da Carta)
Esta pretende-se uma homenagem a uma amizade que prometia ser grande, muito grande, mas que uma ida a Cuba a interrompeu para todo o sempre... Uma amizade que começou como tudo normalmente começa, em casa, com os progenitores e vai crescendo de forma natural e infunde-se pelos “continuadores”.... Amizade não a de irmãos de sangue, mas a de não irmãos, de pessoas que não têm laços de familiaridade, mas que o destino as une e as direcciona.
No longínquo ano de 1977, estava eu no Centro Educacional de Malehice, em Gaza, que juntava o Centro Internato de Malehice e a Escola Secundária de Malehice, a frequentar a quinta classe. Isto é, havia alunos que viviam no internato e estudavam na escola situada no mesmo espaço territorial. Éramos por aí uns duzentos alunos provenientes de várias partes da província de Gaza e alguns poucos de Maputo. Não me lembro se haveria ali estudantes provenientes de outras províncias…
Sorte a minha, ou a do Firmino, ou ainda, de ambos! Logo à chegada, no início de Fevereiro, quem encontro ali é o filho de um amicíssimo de meu pai, o Firmino - que já conhecia! Foi uma boa surpresa para ambos! O meu dia-a-dia passou a ser com o Firmino Salvador Mabasso. Calhou dormirmos no mesmo quarto e estarmos na mesma turma. Quase tudo acontecia para nós e conosco ao mesmo tempo: futebol, neca (brincava-se muito à neca), banho no rio, na zona baixa de Malehice, refeições e outras coisas mais. Foi em Malehice que aprendi a nadar. Íamos à baixa do rio nadarmos, competirmos, uma tarde inteira.
A amizade entre nós estava a nascer e a consolidar-se e devia já ter por aí uns três meses… e não durou muito mais do que isso, infelizmente! Certo dia, o director da escola e uns dois professores entraram na nossa sala de aulas para selecionar alunos para seguirem para Cuba… na altura ninguém sabia claramente para quê; só mais tarde é que viemos a saber que era para a continuação dos estudos…
Sentados em filas, como acontece até agora nas salas de aulas, lado a lado estávamos nós. O professor começou a apontar os alunos com o seu dedo indicador da mão direita. E o seu dedo indicador foi para… o Firmino! O Firmino Salvador Mabasso. Assim escapei de ir para Cuba! Por um triz. Nunca percebi como escapei… o dedo foi um metro para o lado! Não porque desejasse ir para Cuba, mas, como jovem que ainda não sabia bem o que queria na vida, era-me indiferente! Como não houvesse muito tempo, dias depois, seguiram para Xai-Xai, onde se juntariam a outros seleccionados noutras escolas e depois partiriam para Cuba. A amizade que começava, ou que já fluía, foi interrompida… por uma ida a Cuba! A pátria chamara pelo amigo. E, assim, eu e o Firmino desaparecemo-nos até hoje… ‘até hoje’ não, até à eternidade…
A amizade com o Firmino começou a traçar-se muito cedo, nas nossas casas. Os nossos pais eram professores primários no mesmo posto administrativo de Godide, como chamamos hoje - na altura chamava-se circunscrição de Mutxuquete. O professor Mabasso lecionava em Munhangane e o professor Eugénio em Mugunwane; depois, o primeiro passou para Ntxanwane e o “velho” foi substituí-lo em Munhangane. Vezes sem conta, trocavam copos nas cantinas de Phussa, ou em Chipadja; visitas e almoços em casa um do outro e cada um deles levava a sua família, a esposa e os filhos. Estamos nos finais dos anos 60 e princípios da década de 70.
Assim, conhecemo-nos eu e o Firmino, ambos teenages, como diriam os ingleses! E, como também se diz, tal pai, tal filho… quando nos encontramos em Malehice, foi… zás… colamo-nos! Colamo-nos até aquele dia em que a directoria da Escola de Malehice veio “apontar o dedo” a ele. Desde então, nunca mais nos vimos nem ouvimos! A vida não era como agora em que basta ter megas… seria necessário escrever cartas, postar, etc., etc. O coração aguentou, aguentou, desejou e desejou, mas nunca encontrou a mais pequena que fosse a informação. Até que um dia… há sempre um dia… resolveu fazer buscas e o local escolhido foi o “feice”! Segundo se diz, e é muito verdade, quem procura encontra! Encontrei… Encontrei a informação que desejava ardentemente. Ainda que triste! Mas antes assim. O coração está mais tranquilo!
Os compatriotas que com ele seguiram para Cuba indicam que o Firmino Salvador Mabasso estudou agricultura e, no regresso, foi colocado a trabalhar nas terras de Chókwè, na província de Gaza, o ex-futuro celeiro da nação. Foi lá onde, fortuitamente, perdeu precocemente a vida, pouco tempo depois de voltar da terra de Fidel Castro. Fortuita e precocemente… vinham de uma partida de futebol - e nós já gostávamos de jogar futebol em Malehice… - em Chilembene e a canoa em que seguiam virou e ele foi o único preso e apertado e, sufocado, perdeu a vida! Em 1988…
As palavras acabaram! Fica aqui a homenagem a uma amizade que prometia ser grande e duradoira… não chegou a ser, uma ida a Cuba a interrompeu!
Firmino Salvador Mabasso. Que a tua alma esteja a repousar em paz!
ME Mabunda
Renato Caldeira, um dos jornalistas desportivos mais fervorosos e competentes da nossa história, publicou em 1994, no jornal “Desafio”, uma reportagem sobre a transferência de Chiquinho Conde, de Moçambique para Portugal, e chamou um emocionante título para o texto, que fez escorrer o coração: “Hambanine m´fana!” (Adeus rapaz!). Tratava-se – a partida desse irreverente beirense - do abrir tardio da página de um livro que ficou fechado cerca de duas décadas, desde que a Independência de Moçambique chegou, e impediu que muitos jogadores do nosso país fossem brilhar em grandes estádios do mundo. Onde a glória lhes esperava. Em vão.
Mas Chiquinho batia as asas numa altura em que o nosso futebol parecia estar a apresentar em palco, os últimos números de um espectáculo corporizado por grandes actores, nascidos para jogar no cimo da montanha, porque depois as luzes começaram a ter falta de néon. O Estádio da Machava, em si mesmo, foi perdendo a aura da grande catedral que era, pois já escasseavam futebolistas da jaez daqueles que tinham “pendurado as botas” por força irrecusável da idade. Então teve início o declínio, que dá a sensação de estar a prolongar-se até aos dias de hoje.
Jamais foram necessários os espectáculos de música nos campos para a convocação das massas. Não serão os paraquediastas o centro das atenções, esses eram lançados em agradecimento aos briosos jogadores e ao público que invadia o vale do Infulene aos magotes, na ânsia e na certeza de que seria brindado por um jogo da primeira linha. Não eram esses condimentos que arrastavam os sedentos, era o próprio futebol. Porém, hoje, o chamariz de cartaz para o Estádio do Zimpeto, é a Liloca e suas bailarinas. Isso signifia que estamos a descer por um carreiro íngreme.
Antes do jogo do Black Bulls, frente ao Petro Atlético de Luanda, os dirigentes do clube local vieram a terreiro aliciar as pessoas, prometendo surpresas – que seriam do tipo Liloca e outras - no Zimpeto. Isto deixa claro que eles sabiam que a equipa por si só, não teria força mobilizadora, ninguém vai acreditar nela. No tempo que antecedeu o Chiquinho Conde e no tempo dele também, quem aliciava era a qualidade do futebo apresentado. Pena é que alguém entendeu que esses jogadores de quem temos saudades, deviam ser enclausurados e grilhetados.
Quando chegou aqui o Victor Bondarenko, disse – numa entrevista ao Homero Lobo, no jornal “Desafio” – que queria fazer do Matchedje, um conjunto de elite, e que com este conjunto chegaria longe. Homero não acreditou no que Bondarenko dizia, mas não demorou muito e o russo levou a equipa às meias finais do “Africano de Clubes”. Estávamos numa época de ouro. Se calhar no auge. Os jogadores eram escolhidos a dedo e colocados nos escaparates onde superavam todas as expectativas.
Será necessária uma enciclopédia para incorporar todos aqueles jogadores de fina estirpe, e falar da história de cada um, apesar de não lhes ter sido permitido o voo para outras terras. Fecharam-lhes o espaço. Cortaram-lhes as asas, como ao belo Mugubani do Salimo Mohamed. Mesmo assim, os seus nomes vão ressoar para sempre na memória do futebol moçambicano. Lembrar-nos-emos das tardes e noites inolvidáveis no Estádio da Machava, onde os adolescentes e adultos que não tinha dinheiro para aceder ao recinto de jogos, penduravam-se nas torres de electricidade. Ainda havia uma bancada para os “sócios” da Federação, que eram os miúdos deixados entrar gratuitamente para aplaudirem os craques.
Hoje já não há euforia nos campos. Não há entusiasmo. E se não há tudo isso, não nos resta outro caminho que não seja o de continuarmos a fumar o ópio deixado pelos nossos ídolos, que continuam os mesmos!
A narrativa oficial do MADER (Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural) registou um crescimento de 20% da produção local de batata-reno, nomeadamente na campanha agrária 2021-2022,atingindo 57 mil toneladas.
Os dados oficiais apontam que, no mesmo período, Moçambique importou 70 mil toneladas, para cobrir o défice. Os mesmos dados oficiais prevêem que a produção local de batata-reno deverá crescer cerca de 20%, permitindo que mais de 50% da batata consumida passe a ser nacional. Como consequência do aumento da produção nacional, o preço da batata-reno baixou consideravelmente no Mercado Grossista do Zimpeto.
Um dos centros de maior produtividade de batata-reno, em Gaza, é o distrito de Massingir. Lá o saco de 10 kg, de batata limpa, é vendido, à porta do produtor, a 200,00 Mts. No mercado do Zimpeto, o preço de referência para a mesma batata, com data de 5 de Setembro, não ultrapassava os 230,00 Mts.
Ontem, "Carta" foi dar uma espreitadela no Shoprite, para ver se a retórica governamental, a ladainha da contenção do custo de vida com base no aumento da produção local tinha correspondência efectiva na redução no preço final ao consumidor de alguns produtos de "bandeira", como é caso da batata.
O que apuramos foi um cenário de especulação sem paralelo. A mesma batata comprada a 200,00 Mts no produtor em Massingir é vendida a 299,00 Mts no Shoprite. Ou seja, cerca de 50% de margem de lucro.
Isto é um autêntico roubo ao consumidor final e é aqui onde entidades como o INAE (Inspecção de Actividades Económicas) devia apurar sua fiscalização. Mas o caso mostra que o encarecimento do custo de vida não pode ser atribuído exclusivamente às políticas governamentais, mas a predadores da especulação que navegam num mercado retalhista sem o devido policiamento. Fica aqui um TPC para o INAE.(M.M)