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quinta-feira, 07 fevereiro 2019 16:29

A mão externa

O cidadão está ansioso por escutar o noticiário. Assuntos graves, de urgência nacional pairam no ar. Ele liga a rádio e a notícia de abertura é a seguinte: no distrito de Namacurra a produção de milho deve ultrapassar a meta anual em 25 por cento. O cidadão suspira fundo e sintoniza uma estação televisiva: a notícia de abertura dá conta que um ministro realizou essa coisa completamente extraordinária que foi apelar para que se aumente a produtividade. O cidadão procura uma outra estação. E fica a saber que num bairro periférico de Lichinga um jovem matou a sogra à paulada.

 

O cidadão percebe que, para saber da realidade nacional, ele tem que procurar uma fonte noticiosa estrangeira. E foi o que ele fez naquele dia. E o que fez nos restantes dias. Para saber do seu país, ele passou a escutar noticiários de fora. Um dia, o vizinho, acusa-o de falta de orgulho nacional. E defende que a planificação agrícola no distrito de Namacurra é um assunto absolutamente global. E que é ainda mais vital saber o que diz um nosso ministro sobretudo quando ele não diz nada. E conclui o vizinho: você, meu caro, é um pobre manipulado. O cidadão não reage bem, exige explicações. Está a ver, isso de exigir explicações já é coisa da mão externa, declara o vizinho. O que acontece quando a pessoa começa a saber. Vai querer saber mais, vai quer debater, vai querer pensar pela sua cabeça. E a pessoa pensar pela sua cabeça, isso só pode ser uma ideia vindas de fora.

 

Veja o caso do Manuel Chang. Se continuássemos a não falar dele tudo estaria melhor. Não teríamos nada para falar. Você ficaria satisfeito com os noticiários nacionais que falam do cumprimento das metas do milho em Namarrói. Em Namacurra, corrige o cidadão. Um autêntico patriota, como eu, tem confiança, não anda para aí a querer saber de tudo e mais alguma coisa. Isso de querer saber, meu caro, não faz parte da autêntica cultura africana, isso é coisa que vem de fora, queixa-se o vizinho. Mas não acha, argumenta timidamente o cidadão, não acha que é bom que se discuta, dentro de Moçambique e entre moçambicanos, os assuntos que nos dizem respeito? E não acha, pergunta o cidadão já mais empolgado, que os que reclamam que não paguemos as dívidas ilegais sejam mais patriotas que os que aceitam tudo e mais alguma coisa? E não há mão externa nas dívidas ocultas dos que, como eu, querem saber de como iremos pagar?

 

O vizinho, suspira exausto e, já em desespero, pergunta: quem lhe está a pagar, meu caro caro cidadão? Quem lhe paga para questionar os que receberam empréstimos de fora e que, coerentes com o seu amor pátrio, colocam esse dinheiro sujo no exterior? Não lhe passou na cabeça que esses que lavam o dinheiro no exterior o fazem por verdadeiro nacionalismo, apenas para não sujar o chão da nossa bela pátria amada?

 

O cidadão retirou-se e afastou-se pela rua movimentada. Sentiu que lhe mexiam no bolso do casaco. Não reagiu com medo que fosse a mão externa.

quarta-feira, 06 fevereiro 2019 08:58

A pessoalização do Eme-Dê-Eme

É preciso ficar claro para os irmãos Simango, o Daviz e o Lutero, que foram eles que mataram o partido Eme-Dê-Eme. Quando começaram as desavenças entre o falecido Mahamudo Amurane e o Eme-Dê-Eme, escrevi algures que era eminente a cisão naquele partido. Disse isso porque em nenhum momento houve um pronunciamento institucional do partido sobre o caso. Ou seja, o caso foi gerido pelos irmãos Simango como pessoal. Se se lembram, só se mandavam farpas na imprensa. Se chamavam cobras e lagartos na imprensa até o desaparecimento físico do edil. 



Depois do assassinato de Amurane, o que se seguiu foi o descalabro que todos vimos. Iniciou-se um processo de parcerias com a Frelimo que culminaram com um festival de perseguições sem cabimento. Ao invés de fazer uma introspecção, o Eme-Dê-Eme preferiu disparar para tudo quanto é canto, acabando, por vezes, em dar tiros no próprio pé. Depois disso, vimos o que vimos: membros influentes saindo a voar do Eme-Dê-Eme, com sensação de liberdade, como se estivessem numa gaiola, anemia nas fileiras e derrotas eleitorais de retumbâncias inimagináveis. 



Dizia eu, nessa altura, que o comportamento dos irmãos Simango fazia-nos acreditar na versão da história sobre o seu pai contada pela Frelimo. E parece que foi isso que Afonso Dhlakama descobriu no Daviz a ponto de lhe afastar como candidato da Renamo a edil da Beira. Provavelmente, Dhlakama descobriu essa forma pessoalista e casmurra de ser de Daviz. Pessoas como os Simangos não têm lugar na Frelimo, nem hoje nem ontem. 



Daviz pode ser um bom gestor público, mas temos de assumir que o homem tem problemas sérios de aceitar ideias diferentes. Definitivamente, Daviz não gosta de ser contrariado. Digere a crítica com bastante dificuldade. Ele leva tudo para o lado pessoal. E isso não é bom para um líder. Liderança é capacidade de engolir sapos; é aceitar a liberdade da diferença; é saber gerir expectativas. 



Esse complô contra o Manuel de Araújo era desnecessário. Não precisava descer tanto. Há coisas que só põem os outros mais fortes. A vingança mata o carácter. Eme-Dê-Eme já foi uma alternativa, mas hoje nem parece que algum dia existiu. 



- Co'licença!

quarta-feira, 06 fevereiro 2019 08:13

As minhas lágrimas acabaram, amiga!

 Ao Carlos Beirão, o eterno “Rei Momo” dos beireinses

 

Amiga, escrevo-te esta carta sem lágrimas nos olhos. Secaram. Acabaram. Comecei a chorar quando o pai do João ainda estava vivo. Doente. O meu rosto não parava de ser uma albufeira. Hoje é o coração que escorre e molha-me a alma toda. Já não sinto nada, senão a dor de viver sem o meu marido. Sem o meu filho, João. Que também morreu como o pai, sentado na borda da cama. Eram eles que davam luz à minha vida. Levantava-me da cama cedo por eles. A comida que eu cozinhava todos os dias era para eles. Quando fossem ao trabalho e à escola, eu ficava em casa alagada de demora. Queria que eles voltassem depressa para me abraçarem.

 

É isso, amiga, agora tudo isto é um vazio. Já não está aqui o meu marido para me dizer que as minhas mãos são leves como pluma. Ele lisonjeava-me.  Tudo o que eu fazia merecia da parte dele elogios que me davam felicidade. Se eu cometesse um erro, reconfortava-me com palavras lindas. Dizia assim: amor, as próprias estrelas por vezes são ofuscadas pelas nuvens, mas não deixam de ser estrelas, tu és a minha estrela. Falava enquanto afagava-me. Passava a mão dele por sobre o meu cabelo curto e puxava levemente a minha cabeça para o seu peito.

 

Nhenhezi, amiga, o coração dele quando batia, tinha um compasso que parecia de mapiko. E quem dançava era a minha cabeça. Mas tudo isso passou como o orvalho que seca depois de molhar alegremente o capim. É isso! O João copiava o pai. Ele também fazia-me feliz, de outra forma. Chegava perto de mim, abraçava-me e dizia assim: mãe, tá tudo bem? Eu sorria. Transformava-me em criança perante o meu o meu filhote. 

 

E hoje quando oiço a música do Carlos Beirão: Wassaíka João (João morreu), é como se o meu filho estivesse aqui ao meu lado. Este bairro de Muchatazina que tu conheceste já não é o mesmo, amiga. Mudou. Aliás toda a cidade da Beira está a mudar. Até o meu rosto mudou, já não é banhado pelas lágrimas. Mas lá dentro o coração continua a chorar. Batendo como batia o coração do meu marido, tipo batuque de mapiko. Houve um tempo que passei a ter a casa um pouco negligenciada, porém achei que isso não faria bem à alma dos meus dois amores. Voltei a dedicar-me à ela. Continua a brilhar como eles gostavam de a ver. Assim como sempre a conheceste. As fotos deles mantêm-se nos mesmos lugares. Representando aqueles que serão para sempre os meus ídolos. Isso reconforta-me. 

 

Nhenhezi, minha amiga, como vai esse Portugal? Tens te dado bem com esses tugas? As cenas de racismo que volta e meia têm-se relatado por aí ainda não te afectaram directamente? E tu como és reguila, imagino! Mas eu também não “bato cem”. Existe porventura um ndau que não seja reguila? Kkkkkkkkkkk! Pronto, minha irmã, esta carta já vai longa. Chega, antes que eu meta os pés pelas mãos, se bem que ainda não meti. Beijo, beijo.

 

Da tua amiga Dzuwa, com muita saudade.

terça-feira, 05 fevereiro 2019 13:29

Com Petição

No último mês assistimos à atabalhoadas manobras institucionais, da parte do Estado moçambicano, com vista a munir-se de ferramentas para disputar, com o Estado americano, a custódia de um dos mais preciosos arguidos (na perspectiva interna) no puzzle das falcatruas financeiras que embandeiraram o país nos mais baixos rácios de atratividade económica e para investimentos.

 

A competição pela “língua” do deputado detido na República da África do Sul obrigou as nossas instituições a revelaram “todo” o seu potencial e deu para entender com que linhas se coze o nosso “sistema” de (in)justiça. Instituições historicamente dormentes e apáticas, salvo por empreitadas marginais, emergiram da hibernação e encetaram démarches com celeridade de matar de inveja os mais rápidos dos super-heróis das revistas em quadrinhos.

 

A tão clamada “celeridade processual” foi exibida com grosseria e atropelos (datas futuristas, potenciais conflitos de interesse, atropelos aos dispositivos normativos) no afã de assegurar o resgate, digo, “transferência”, ou melhor, “extradição”, deixemos... pode ser devolução mesmo, do detido para a “pérola do índico”. A depender da vontade do nosso “sistema”, “Tio Sam” não apanha nada! Se bem que, por vezes, pela quantidade de gafes de processo e de estratégias, fica parecendo que o essencial é erguer uma cortina de fumaça para não deixar transparecer que o arguido esteja a ser sacrificado para prestar-se ao simbolismo do insipidamente necessário ritual de purificação de fileiras. Pretensa moeda de troca para a recuperação da minguante credibilidade do “partidão”, em vésperas de mais uma competição eleitoral.

 

Seja como for, fica evidente que as nossas instituições são relativamente mais fortes do que os cidadãos (infelizmente, por um tiquinho, somente). Uma pena que assim seja.  Sendo uma sociedade em construção (ainda que mais pareça em autodestruição), como cidadãos, sempre que julgarmos oportuno, devemos desafiar as instituições.  O objectivo não é, necessariamente, romper com elas ou criar cisões (isso é demasiado convulsivo e de resultados imprevisíveis), mas re-articular as formas de “sociação”, refundar (ou consolidar) os parâmetros através dos quais nos governamos, nas mais variadas dimensões (económica, política, cultural), com ética e parâmetros partilhados de previsibilidade das acções, em quadros normativos explícitos e implícitos,  relativamente consensuados.  

 

Ainda que haja quem diga que não há revoluções às meias, senão meras rebeliões, na actual conjuntura, não carecemos nem de “primaveras” e nem de rebeliões senão de efectiva contribuição cidadã, das organizações político-partidárias (inclusive do partido mais chamuscado com este imbróglio), organizações da sociedade civil, para a transformação e aprimoramento das instituições.  

 

Em termos de formas e normas há ajustes menores que podem ser feitos com o intuído de consolidar as instituições. No que concerne à performance e desempenho há muito a ser feito. Nestes nossos tempos, há toda uma batalha atitudinal a ser feita e vencida para que se faça jus à padrões de moralidade e de justiça, para um “re-encantamento” da nossa sociedade para enfrentar os desafios económicos, sociopolíticos que actualmente assumem contornos fraturantes.

 

O imbróglio das dívidas não deve ser visto como o “princípio” e ou “fim” do nosso mundo. Mas é também verdade que o assunto tem potencial de instigar rupturas em termos de atitudes de indivíduos, instituições e partidos face a coisa pública.  No mínimo, tem o potencial de contribuir para a elevação da consciência colectiva sobre a importância da observância das normas e roteiros institucionalmente estabelecimentos e não tomar, ao desbarato, as “ordens” presumivelmente “superiores”, como padrão normal, incondicionalmente aceitável e ditame de actuação do provedor público.

 

Como bem disse a outra, “precisamos de parar com o autoflagelo”. Penso que é possível e, o Conselho Constitucional, o Parlamento e demais instituições privilegiadas para a lide com a matéria em questão, continuam sendo as instâncias com potencial repor a legalidade e contribuir no restaurar da incipiente confiança nas nossas fragilizadas instituições. Como na (des)crença sobre feitiçaria, o sistema tem potencial auto-reparador, de protecção e de reprodução de si. No limite, a competição eleitoral subsiste como um dos mais radicais mecanismos de reparação, se não quisermos incluir as guerrinhas que são ainda mais devastadoras.

 

Sim, não tenho dúvidas sobre as mais completas teses sobre a “captura do Estado”. Parece até contraproducente recorrer a essas mesmas instâncias, em princípio, “capturdas” em busca de reparação. As instituições, como edifício social, são suscetíveis a erosão e, não se vislumbrando uma “távola redonda”, a curta prazo, resta-nos explorar, ao limite, as janelas e frestas que subsistem e através delas procurar penetrar na estrutura do edifício e pavimentar os trilhos da reparação. 

 

Metáforas à parte, na prática, há várias formas e possibilidades de consolidação das instituições. Entre elas, o recurso aos parâmetros institucionalmente estabelecidos para reivindicar ajustes e correções de medidas tomadas fora do quadro normativo. Esta abordagem tem também a função pedagógica de realçar a importância das instituições e as possibilidades institucionalmente estabelecidas para dirimir potenciais incongruências emanadas da operacionalização do aparato institucional. Incluindo a responsabilização individual de actores políticos eleitos para administrarem certas dimensões institucionais da vida em coletividade. Pois,  não estão isentos do escrutínio público, ou da obrigação de “prestar contas” para as constituências que representam.

 

Já que, no nosso caso, a instituição não tem a cultura de pressionar-se mutuamente de forma complementar e menos ainda de forma competitiva para a materialização do desiderato que lhes define, a actuação do cidadão, por mais inconveniente que pareça aos olhos dos que usufruem dos benefícios que as instituições também oferecem, tem potencial transformativo. Quando os três poderes compactuam com desvios normativos óbvios e, em conluio, secundam-se nos esforços para sustentar e institucionalizar suas (im)posturas é caso de dizer-se que os actores sociais abrangidos (no caso, vitimados) por essa postura devem reservar-se o direito e articular todos os dispositivos legalmente estabelecidos para sinalizar para a gravidade do desvio institucionalmente incorrido e o potencial desestruturante de persistir-se nessa senda.  Não obstante a aspiração de perenidade e de longevidade de muitos dos acordos assumidos, pactos sociais são suscetíveis à radicais alterações de vontades (e humores) dos pactuantes e podem demandar rearticulações e ajustes para manterem-se relevantes e funcionais.  A capitalização das ferramentas de governação dos pactos talvez seja a maior expressão de compromisso com os princípios que norteiam o pacto e a salvaguarda da integridade dos pactuantes.  Neste sentido, a petição que os cidadãos assinam, deve ser lida como expressão maior de compromisso com o todo, com o interesse colectivo e com o bem comum.

 

Formalmente, exige-se duas mil assinaturas para que eventuais peticionários sejam acolhidos pelo Conselho Constitucional de modo a que o objecto da petição seja considerado. A deliberação do CC é soberana, irrecorrível e irrevogável. O CC é a instância mãe, de reposição das nossas mais sublimes aspirações. Os Senhores e Senhoras que habitam aquela instância, são (ou deveriam ser) os guardiões da constitucionalidade, do interesse colectivo, acima de eventuais disputas de facções e das constituências (grupos de interesse) que povoam este espaço comum que chamamos Moçambique. Na cadeia hierárquica de instituições a que se pode recorrer o CC é a última nos termos da legalidade estabelecida. Depois disso, nirvana ou, pela nossa índole histórica, sem querer ser determinista, o caos! Ora, mas também existem as instâncias internacionais multilaterais, algumas das quais se afirmam pela defesa de direitos humanos e outros.  Ainda que sejam negativamente conotadas como “mão-externa”, essas entidades também tem o potencial de pressionar e influenciar o curso de políticas e decisões internas. No presente caso, tratando-se de fraude de proporções multinacionais, o recurso a tais entidades não deve ser descartado. 

 

Em 2016, a Sociedade Civil submeteu uma petição requerendo a ilegalização das dívidas contraídas pela ou em nome da EMATUM, posteriormente inscritas no orçamento do Estado. Na altura, o argumento apresentado centrava-se na não observância da lei orçamental, que preconiza que os avales atribuídos à EMATUM só poderiam ter sido atribuídos mediante aprovação da Assembleia da República. Faz hoje 581 dias sem resposta! O fragilidade e lentidão do CC, não deve desestimular os peticionários. Pelo contrario, devem persistir na pressão e inventivo ao CC para assumir as suas funções e dar resposta estruturada e fundamentada sobre o sue parecer /decisão.

 

Mais recentemente, as novas revelações sobre os contornos do endividamento e as detenções realizadas  mundo a fora, começam a lançar luz à inquietantes zonas de penumbra encobertas por actos deliberados de sonegação de informação, por parte de actores e instituições implicadas, concorrendo para o esvaziamento da auditoria mandatada pelo nosso próprio governo, mas arquitetada para não encontrar matérias a auditar, na vã expectativa de dissipar o diferendo e voltarmos a cair, nas graças dos “parceiros de cooperação” doadores” e outras chamadas “mãos-externas”, a que historicamente recorremos para peditórios, negócios ou negociatas”.

 

Uma vez mais, as instituições da sociedade civil, recolheram cerca de duas mil e quatrocentas assinaturas para secundar a petição pela revogação das dívidas da PROINDICUS e MAM, empresas atreladas ao imbróglio atuneiro, cada vez mais associados a aventuras ilícitas, salvo por melhor apuramento das entidades internas e externas de investigação.  

 

Nosso desafio, como cidadão, é contribuir para o fortalecimento das instituições, um jargão amplamente propalado, mas raramente evidenciado e ou experimentado nos nossos debates ou troca de farpas públicas. As instituições não se fortalecem por si só, pela vontade dos detentores do poder, alguns dos quais tem se mostrado renitentes subvertores das frágeis instituições de que dispomos.

 

Assim como já houve contribuições consideradas produtivas da parte do cidadão ou das organizações da sociedade civil, como aquando do desenvolvimento da lei da família, lei de imprensa e outros, o acto de os cidadãos demandarem um posicionamento por parte de instituições que deveriam ser relevantes, evidencia o ampliar da consciência sobre a importância da utilização dos espaços de diálogo entre os cidadãos, seus constituintes e as instituições.

 

O fortalecimento das instituições passa por um diálogo permanente entre os cidadãos organizados, nos moldes institucionalmente estabelecidos, como este de agregar 2000 assinaturas e a reação dos órgãos estabelecidos para funcionarem como interlocutores. Independente da reação das instituições, o importante é que não se quebre e nem violem os espaços constitucionalmente inscritos para  interlocução e que as instituições se posicionem como actores capazes de satisfazer as demandas dos cidadãos ou interlocutores, se quisermos usar expressões ainda mais conciliatórias.

 

Como se pode depreender, com o engajamento (organizado) na mobilização e recolha das mais de 2000 assinaturas requeridas, da parte dos cidadãos, não há fraqueza em observar os trilhos institucionalmente legalizados. Neste caso, cabe às instituições demonstrarem que existem e que são suficientemente competentes para cumprirem, com a autonomia que lhes deveria ser devida, com o seu mandato. Infelizmente, até aqui, a instituição tem insistido em permanecer em ensurdecedor mutismo, defraudando seu próprio mandato e propósito. Enquanto isso, a consciência e a capacidade organizativa e dialógica do cidadão vai se consolidando, deixando a nú o deficit operacional que caracteriza o nome das instituições que indivíduos vestem em prossecução de interesses que a olhos de muitos cidadãos não são defensáveis no quadro de promoção e proteção do interesse colectivo.

 

Não sou dos que acreditam que todo e qualquer cidadão vive competindo pela governação das instituições do Estado e que qualquer mobilização social seja uma forma de escamotear o desejo de poder e não necessariamente advogar por acções que complementem as funções do Estado e aprimorem o capital institucional e, consequentemente, consolidem-se paramentos que concorram para a melhoria da qualidade da governação. É preciso descansar as azagaias dos que acreditam que todos os que questionam eventuais desmandos no quadro institucional estão sedentos por desfrutar das benesses do Estado. Nos seus modestos e imodestos postos, a maioria dos cidadãos batalha pelo seu pão, aspira apenas pela estabilidade e transparência nas regras do jogo, igualdade de oportunidades, ética na política e na gestão da coisa pública. Nada mais!

 

Cristiano Matsinhe

 

5 de Janeiro de 2019

segunda-feira, 04 fevereiro 2019 13:51

Os políticos que venderam a minha pátria!

Passam 44 anos desde que jovens de ontem libertaram o povo e a terra deste meu país da humilhação e desprezo do colonialismo. Depois disso ninguém esperaria que esses mesmos libertadores pudessem vender este país a um preço de banana! Os libertadores de ontem “esqueceram-se” que apesar de a meta que se pretendia com a luta armada fosse a independência política, o principal objectivo era económico. Acreditava-se que a riqueza natural de Moçambique mudaria a realidade e serviria para nos libertar economicamente da dependência dos países Ocidentais e outros. Acreditava-se que a força e mística do povo trariam o desenvolvimento de Moçambique. Acreditava-se que a independência nos faria esquecer a escravidão e desgraça da colonização. Os jovens libertadores de ontem desejavam um futuro melhor para todos, mas a ambição excessiva e amor exacerbado pelo dinheiro que foram ganhando com o tempo condenou o povo que ontem libertaram.

 

Os políticos venderam a minha pátria! Levaram os nossos sonhos e trocaram-nos pelos deles. Confundiram os interesses de todos com os deles. Sacrificaram crianças, jovens e velhos, porque queriam casas em Miami ou/em Dubai. Transformaram os nossos hospitais em locais de morte, escolas em centros onde muitas vezes os bons valores, a ciência como instrumento de competência, são preteridos. Os políticos condenaram o meu povo à desgraça, fome e doenças, priorizando o que só beneficia a eles e seus parentes. Aprovam leis alheias aos interesses do povo, implementaram a votocracia que não respeita a vontade da maioria.

 

Os políticos venderam a minha pátria! Quando viram que poderiam enriquecer com o suor do povo. Quando perceberam que polícias e militares podem trabalhar em seu benefício,intimidando o povo e disparando indiscriminadamente contra os que pretendam enfrentâ-los. Os políticos enganaram o povo quando descobriram que “o cabrito come onde está amarrado”!

 

 Afinal quem são os políticos que venderam a minha pátria?

 

Os políticos que venderam a minha pátria são aqueles que nos governam desde a independência. Enquadram-se naqueles que ontem usurparam as propriedades dos outros, apoiando-se na lei das nacionalizações ou recorrendo a outras artimanhas.São os mesmos que se apoderaram das pensões dos “madjermanes”,deixando-os na miséria a que até hoje estão votados. São os que extorquiram as riquezas do povo em benefício próprio, que nos governam desde há cinco décadas à custa do roubo de votos nos processos eleitorais.

 

Os políticos que venderam a minha pátria são aqueles que contraíram dívidas ilegais acreditando que conseguiriam enganar o povo e os investidores. Criaram o G40 e esquadrões da morte para sequestrar, agredir e até matar. São os que venderam a minha pátria aqueles que hoje respondem pelo maior escândalo de que há memória na história recente de Moçambique e da África! (Omardine Omar)

segunda-feira, 04 fevereiro 2019 11:45

A disputa por Manuel Chang

O debate sobre a extradição do até aqui deputado da Assembleia da República, Manuel Chang, continua a alimentar muitos comentários e prognósticos sobre o seu futuro. Essencialmente, as posições que mais vingam são duas: extraditar Chang para os Estados Unidos da América ou para Moçambique. A manutenção de Chang na África do Sul seria uma terceira, mas não tem sido muito considerada, pois é generalizada a ideia de que África do Sul tem pouco ou nenhum interesse na sua prisão. Os que advogam que Manuel Chang deve ser devolvido para Moçambique o fazem partindo do princípio de que é em Moçambique onde estariam localizados os bens de Chang e que a recuperação desses seria melhor conseguida se o processo correr aqui; que foram instituições Moçambicanas que foram prejudicadas, que ele é moçambicano, e que toda a trama fora realizada em Moçambique, e tantas outros argumentos que, quanto a mim, fazem pouco sentido, se não apenas as últimas tentativas de segurar o vento pelas mãos.

 

Para começo de conversa, qual é a instituição moçambicana que foi burlada? Quem são os tais bondholders? A favor de que moçambicano se pretende recuperar os bens que Chang e os seus camaradas adquiriram com o dinheiro das dívidas? Até onde eu percebo este processo, Chang e os seus amigos não roubaram dinheiro de Moçambique e nem transferiram valores ou coisa alguma para o exterior que se possa pretender recuperar. O que se sabe é que ele e os amigos montaram um esquema fraudulento, protegidos pelo regime de então, e enganaram algumas instituições e indivíduos lá do hemisfério norte, dizendo que estavam a fazer negócio em nome dos moçambicanos.

 

Portanto, aqui não há que se falar de recuperação dos bens de Chang que estão em Moçambique para pagar aos moçambicanos. O que os moçambicanos revindicam é que o seu nome seja retirado desta tramoia ou maracutaia (como diria Lula da Silva, quando também era do povo) e não aceitarem pagar uma dívida da qual não viram se quer de que cor era o tal dinheiro. Se há alguém que tem direito a revindicar que os bens sejam recuperados e lhes sejam pagos os dinheiros roubados, são as instituições e indivíduos que compraram esta dívida montada na calada da noite em algum lugar que só eles podem explicar. Das dívidas ocultas, Manuel Chang não deve dinheiro aos moçambicanos, deve sim aos gringos e é por isso que estão a trás dele para cobrar o lhes deve.

 

O dinheiro que Chang, e outros que governaram nos tempos da outra senhora, nos deve é do Tesouro, do Banco Austral, do BCM e outros dinheiros dos quais ainda não nos esquecemos. Sobre esse os moçambicanos ainda vão cobrar. Em relação às dívidas ocultas, os moçambicanos não pretendem receber dinheiro nenhum, apenas não querem ser obrigados a pagar nenhuma dívida ilegal e inconstitucional que em nada contribuiu para as suas vidas e, por isso, dizem EU NÃO PAGO!

 

Parece estar claro que os maiores interessados em que Chang seja de facto julgado, e bem julgado, são aqueles de quem ele e os seus camaradas roubaram dinheiro, aqueles que compraram a dívida oculta. Os moçambicanos querem apenas tirar o nome do país deste imbróglio e ficarem longe destas dívidas, e assegurarem-se que não haverá nenhuma possibilidade de serem obrigados a pagar o que não devem. O esforço titânico de trazer Chang para Moçambique, que conta com o apoio incondicional do seu partido, da PGR e do Tribunal Supremo, não mais é que uma tentativa de evitar que Chang e os outros enfrentem a justiça Americana e, de facto, paguem o que devem a quem é devido. 

 

É sintomático que, depois de vários comentários indicando que o TS citou leis revogadas, que o pedido formulado à Assembleia da República não é o mais adequado para o caso; que a anuência da AR para que Chang seja preso sem que lhe tenha sido retirada a sua imunidade viola a lei e a Constituição da República, nenhum destes órgãos tenha reagido a estes comentários nem se mostrado pronto a corrigir tais erros. Esta indiferença pode revelar uma desorganização desorganizada para favorecer Manuel Chang e, por via dele, os restantes camaradas na lista. É muito estranho que o Juiz Conselheiro do TS, Dr. Sebastião Rafael, conhecedor profundo das leis, em particular as criminais, com larga experiência em vários sectores da administração da justiça do nosso país, formador, docente universitário e estudioso do Direito, não tenha visto estas incongruências que, como diria o saudoso presidente Afonso Dhlakama, “até os passarinhos viram”.  Se Manuel Chang for, por uma eventual hipótese, extraditado para Moçambique (como alguns já vaticinam) poderá se considerar um homem livre. O mesmo tribunal que pediu a anuência da AR para permitir que Chang fosse preso, será o mesmo tribunal que vai mandar o cidadão e Deputado Manuel Chang ir em paz e em liberdade, por a sua prisão se mostrar ilegal e inconstitucional. Para a defesa de Chang bastará citar o Estatuto do Deputado e a Constituição para dizer que, como Deputado Manuel Chang não pode ser detido, salvo em caso de flagrante delito, e indicar que as leis que fundamentam a sua prisão foram revogadas. Mantendo-se o status quo Manuel Chang regressaria a Moçambique com a sua im(p)unidade ainda intacta.

 

Se a nossa justiça quiser recuperar alguma dignidade, é chegada a altura de parar com as manobras para inviabilizar a extradição de Chang para os Estados Unidos da América; se a AR, ou melhor a bancada que apoia a extradição de Chang para Moçambique, quiser se reconciliar com o povo, é melhor fazer o que é de lei, retirar-lhe primeiro a imunidade parlamentar para vermos a seriedade com que pretender lidar com este assunto. Por enquanto, o meu parecer é de que Chang deve ser julgado nos EUA e o povo moçambicano deve ser liberto de qualquer responsabilidade em relação às dívidas.