Nas nossas aulas da escola secundária, os professores começavam por nos ditar o sumário das aulas que iriamos ter nesse dia. Não sei se isso ainda se faz nos dias de hoje. Vou, neste texto, seguir esse método, começar com o sumário o qual não seja: MDM, um projecto adiado! Ou MDM, uma decepção total!
A morte precoce de Daviz Simango trouxe a nu a impreparação, a imaturidade, a falta de consistência e de coesão e consequentemente o aborto que não é o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a despeito de um slogan muito bem conseguido que convoca muita crença, patriotismo, confiança, simpatia e adesão - Moçambique para Todos! Este ideal chegou mesmo a atrapalhar as grandes formações políticas e a atrair intelectuais e académicos. Mas… tudo se foi e continua se esfumando!
Quando esta formação política apareceu, ficou a expectativa de que seria aquela que iria suplantar uma Renamo que teimava em não ser um partido organizado, estruturado, elaborado e articulado. Tínhamos uma Renamo que aprofundava a desorganização interna, desdemocratizava-se galopantemente e era cada vez mais Dhlakama e só ele. Com o MDM, a democracia moçambicana esfregava as mãos de contente; pensava-se que aquele grupo de jovens empolgados iria verdadeiramente fazer diferença: estaria profundamente comprometido com a democracia, transparência, boa governação, unidade nacional, profissionalismo, maturidade e oportunidade igual para todos os “mdmeiros”, mas também para todos os moçambicanos. E ainda começaram mais ou menos bem, com resultados muito promissores, pelo menos na Assembleia da República.
Contra todas as expectativas e muitíssimo cedo, madrugada até, viu-se uma autêntica debandada de muitas figuras políticas de proa competentes, de créditos firmados, que tinham deixado, decepcionados, a Renamo também cheios da convicção de que a nova organização seria totalmente diferente da Renamo de Afonso Dhlakama. Gente que tinha deixado a “perdiz” com todo o entusiasmo de ir fazer um partido sério de jovens, para jovens, moderno, que vá de encontro à expectativa dos moçambicanos de terem uma democracia saudável, com uma oposição organizada, capaz, competente, à altura, democrática e… pura ilusão. Era a segunda decepção. E a democracia moçambicana averbava também é uma vez mais uma violenta derrota… decepção.
Afinal a nova organização política tinha aprendido bem o essencial da progenitora Renamo: desorganização, desdemocracia, intransparência, nepotismo, ineficiência, imaturidade e pouco profissionalismo - ninguém jamais se esquecerá da forma como foram constituídas (a dedo do presidente) as listas de candidatos a deputados. Tudo isto receita bastante para o descalabro que se seguiu. Se nas eleições de 2014 tinha conseguido eleger 17 deputados, o dobro do conseguido nas eleições debutantes, em 2009, que foram oito (8), em 2019 registaram uma queda que não deixou de ser estrondosa, cifrando-se apenas nos seis (6) deputados, perto de um terço do que conseguira anteriormente!
E eis-nos aqui: numa democracia sem oposição digna desse nome. Organizada, com órgãos a funcionar devidamente - comissão política (ou nacional), comité central (ou nacional), secretariados (do comité central/nacional, provincial, distrital e de localidade), congressos (a realizarem-se regularmente). Todos estes órgãos a funcionarem normalmente e a produzirem ideias úteis. Uma oposição com ciência da sua existência e do seu papel em uma democracia: a produzir ideias alternativas para a solução dos problemas do povo; a criticar racionalmente as políticas e estratégias governamentais. Uma oposição a praticar o evangelho de democracia e boa governação, bem como a transparência! Nada!
Além desta profunda decepção, o MDM ainda nos brinda com algo pior: uma inovação no processo de eleição dos órgãos do partido. Estão agora no frenesim de escolher o sucessor de Daviz Simango. O razoável numa organização política normal é os candidatos afirmarem-se através de manifestos políticos, convocar-se um congresso e os delegados, transparentemente eleitos, elegerem os órgãos em causa. O MDM vem com a inovação de que as delegações (secretariados) provinciais, muito antes do congresso, declaram as suas escolhas, os seus candidatos. Já sabemos que Maputo está com Rongwane, Manica com José Domingos e… Sofala com Lutero!
Que eleições teremos no MDM? Que MDM teremos para fazer face aos grandes desafios dos moçambicanos? ZIRÔOO!
Passei a minha infância nos belíssimos distritos de Quelimane, Mocuba e Pebane (Zambézia) e Namuno e Balama (Cabo Delgado), onde sempre ouvia falar sobre James Bond. O meu falecido avô, Mussa Impuessa, sempre se referia a este nome, quando contava acerca da sua longa aventura de vida – ele era um Marinheiro de mão-cheia, que girou pelos quatro cantos do mundo. Mas, como eu era miúdo, não entendia a amplitude e universalidade do nome – James Bond.
Eu apenas começaria a entender sobre o nome, quando passei a residir efectivamente na Cidade de Quelimane – capital provincial da Zambézia. Lá, em conversas com amigos e professores, fiquei a saber que se tratava de uma pasta de mão. Eis que, nas brincadeiras, sempre que tivesse uma pasta do género, era, constantemente, apontado pelas pessoas da zona. Por isso, nesta altura, comecei a procurar saber mais sobre a origem do nome. Devido à nossa realidade social moçambicana, entre os finais dos anos 90 e a metade da primeira década dos anos 2000, só foi possível chegar ao âmago do problema já no ensino secundário, quando viajei para Milange.
Em Milange, a casa onde me hospedara tinha uma colecção de filmes que ainda não havia assistido em Quelimane. Entre os filmes, constava a saga 007, o código do Agente Secreto fictício do serviço de espionagem britânica MI-6, criado pelo Escritor Ian Fleming, em 1953. Na altura, o papel era desempenhado por Pierce Brendan Brosnan, o actor e produtor irlandês que actuou em quatro filmes da saga do Agente 007, hoje interpretada por Daniel Craig.
A partir daquele momento, a concepção que tinha sobre o nome James Bond mudou. Percebi que se tratava de um super agente operativo que defendia, a todo o custo, os interesses britânicos em diferentes partes do mundo. E como a saga é meramente fictícia, com o tempo, a idade, a escolaridade e a compreensão da complexidade do funcionamento do mundo, aprendi que existem, no mundo, vários , inclusive na minha própria terra. São homens que dão tudo e carregam vários segredos dos seus países. Portanto, matam e morrem por eles!
Quando vejo a saga cinematográfica 007 e o papel de James Bond, eu percebo que existem homens cujas vidas se resumem em defender a sua bandeira e fazem-no a todo o custo. Entretanto, devido à liberdade de actuação destes homens, às vezes, eles acabam por atropelar várias linhas de funcionamento social, político, jurídico, económico, entre outras.
Por natureza, os James Bonds são cavaleiros das realezas. Defensores ocultos e acérrimos dos Estados. Investigadores criminais e combatentes do bem de todos e estão dispostos a darem a sua vida pela dos outros. Portanto, os James Bonds devem ser incorruptíveis e guardiões dos segredos mais sombrios das estruturas máximas das suas nações.
Estranhamente, numa fase em que o meu entendimento sobre o papel de um James Bond é maior e profundo, numa altura em que quase todos nós temos a televisão em casa e, literalmente, nas mãos, eis que ficamos a aprender como os James Bonds se infiltram nas nossas vidas e nas instituições públicas e privadas. Ficamos atentos à tela a aprender técnicas de espionagem. Gratuitamente, somos brindados com uma formação intensiva sobre como ser James Bond. Tudo isso porque os nossos James Bonds da Pérola do Índico esqueceram-se da sua função e venderam as coordenadas das nossas fronteiras marítimas, aéreas e terrestres para supostos parceiros comerciais.
Os nossos James Bonds viraram-se contra o próprio povo que juraram defender. Deixaram o importante papel que desempenhavam em defesa da nossa soberania e ficaram apenas com as famosas pastas/malas James Bonds que, nos tempos da minha linda infância, acreditávamos tratar-se simplesmente disso. Hoje, estamos diante de uma realidade triste – ver os nossos James Bonds a serem julgados numa tenda, sentados e vestidos com o uniforme de errantes: o uniforme da desonra.
Metódica e religiosamente, alguns dos nossos James Bonds, quando falam para o Meritíssimo Juiz, dizem que estavam a agir em representação do povo. Queriam operar em segurança do Estado moçambicano pescando atum e endividando o País. Eles pretendiam ser, simultaneamente, homens de negócios e Agentes Especiais da secreta moçambicana.
Esses nossos James Bonds inverteram o papel e agora querem ser políticos ou revolucionários. Já falam, acreditando que estão a informar o povo. Quando são questionados, em sede do Tribunal, respondem dizendo que o povo precisa de saber. Eles ainda pensam que são os nossos James Bonds, embora queimados pela imprensa, como eles mesmos reconhecem. Eles ainda acreditam que podem voltar a fazer mais uma actuação no Casino Royal ou mesmo No Time to Die (Sem Tempo Para Morrer). Entretanto, eles, agora, devem suportar as perguntas “inocentes” do nosso Ministério Público (MP), o dono da acção penal e o representante do nosso Estado que, hoje, julga os nossos James Bonds – espiões que não revelam nada em nome da soberania e segurança do Estado – caricato, né!?
Contudo, apesar de o Tribunal estar a julgar os nossos James Bonds, a realidade está a provar que não é fácil interrogar alguns deles, porque estes foram formados para esquecer e ter argumento para tudo. Esse facto fez desmoronar a esporádica popularidade do juiz do processo, que chegou a explodir quando um dos James Bonds, durante o interrogatório, atirou-lhe uma “banana bomba” que veio quebrar aquela máscara que se aparentava robusta e cercada de uma prova de bala diferente e de outro mundo!
Por conseguinte, o País precisa de novos James Bonds, que não se confundam com empresários ou lobistas. Que sejam homens que nos protejam de verdade. Que garantam a nossa segurança e soberania, sem ferir a pátria que dizem amar. Que a sua abnegação não seja mais corrompida – porque não queremos ver mais James Bonds a serem julgados na Pérola do Índico!!!
O governo raptou nesta manhã o direito à indignação e o grito de socorro do Dr Bassith. É uma forma de proteger os raptores, porque reprime quem está contra eles.
Um médico, o Dr Bassith, é raptado. O PR Filipe Nyusi se indigna e lança o recado do ultimato contra a gang raptora, que se move no seio da Polícia. Um comparsa policial é assassinado. A sociedade aprecia. O ultimato parecia ter funcionado. A voz do Presidente ouvida.
Entretanto, os dias passam e médico continua no cativeiro. Não se conhece o valor exigido para sua libertação. Os tectos vão baixando. Agora, não são magnatas. Uma filha de dono de pequeno restaurante...e, agora, um médico. Um médico que se multiplica em horas para ganhar a sua vida e salvar outras. Um simples profissional liberal.
E se se confirmar o caso do filho do Salimo Abdula, eles vão se aproximando do poder político, dos filhos do poder. Imagina! E é esse poder que reprime quem busca solidariedade, abafando o grito de socorro da sociedade. Os médicos de Maputo foram proibidos de mostrar que condenam os raptos. Sua mensagem condenatória fere o governo, atinge as cúpulas e por isso não convém. E os raptores se sentem mais protegidos. Afinal, o governo "cagou" nos médicos.
Este país deve ser refundado. Este modo feudal de Estado basta. Democracia? Ora essa...
“O escritor não se deve calar perante o que o indigna.” (Mia Couto, 1955-Actualmente, Escritor e Biólogo Moçambicano)
Segundo informações e dados linguísticos, nas páginas das gramáticas bantu, a palavra “desporto” não existe nas línguas nacionais moçambicanas. Pelo que, por associação de significado, de modo a encontrar-se um termo substituto, que melhor o descreva, utiliza-se a palavra “brincadeira” para se referir a “desporto”.
Portanto, a Secretaria de Estado do Desporto (SED) de Moçambique, por assimilação do significado da palavra “desporto” vigente nas línguas nacionais moçambicanas, equivale à Secretaria de Estado da Brincadeira. Feliz ou infelizmente, essa brincadeira dilatou-se e estende-se à Federação Moçambicana de Futebol (FMF)! E assim começa a brincadeira em toda a cadeia desportiva no País!
Por isso, nas artérias da agitada Cidade das Acácias, bem como em todas as cidades espalhadas pelo extenso Moçambique, ouviam-se várias conversas acesas sobre a actuação da SED e da FMF. Até analistas renomados da praça, grande parte deles da sociedade civil nacional, comentavam em suas páginas de Facebook, bem como nas suas intervenções nas telas das TVs nacionais sobre a ineficácia e ineficiência da governação desportiva vigente no País.
Assim, não apenas os adultos, mas, também, os jovens não se distanciavam daquele assunto, razão pela qual revelavam, aqui e acolá, as suas concepções em relação ao mesmo. Mais uma vez, aquele assunto nos colocava, não somente na boca do povo local, mas da Região Austral, de África e do mundo. Todos eram unânimes e diziam que a forma como, quer a SED quer a FMF, eram desgovernadamente conduzidas… Quase tudo relacionado ao desporto e futebol deixava a desejar. E as esperanças de ver a situação mudar estavam a esgotar-se!
― Há uma semana, fomos blindados com mais uma intervenção decisiva da Confederação Africana de Futebol (CAF). Trata-se de uma decisão que vem demonstrar as brincadeiras desenhadas pelos representantes desta brincadeira chamada futebol. ― Revelou o Jota, que conversava com o tio Manuelinho.
― É verdade, sobrinho. O nosso melhor pátio, onde brincamos com a bola, foi chumbado pela falta de condições para organizar o embate entre os Mambas desvenenados e os indomáveis leões, os Camarões. ― Retorquiu o tio Manuelinho.
― Aliás, em Novembro do ano passado (2020), naquele mesmo estádio, hoje sem temperos para fazer o caril da brincadeira futebolística, Camarões ofereceu uma goleada gémea à Pérola do Índico, isto é, duas bolas sem resposta. ― Acrescentou o Nelo, que, também, se juntou àquela conversa de tio e sobrinho.
― Tens razão, Nelo. ― Disse a Raquel, tia do Jota.
E, em seguida, somando palavras à sua fala, ela adicionou:
― Como meninas, os Mambas brincaram com a bola, mesmo estando em solo pátrio. As derrotas e os poucos empates que conseguimos, associados a algumas manobras desconhecidas, descascaram o estádio e levaram-no à total reprovação.
― Então, porquê nós, constantemente, nos perguntamos: “Afinal, quando voltaremos a gritar “golo”, não para chorar e confirmar a derrota, mas para celebrar os nossos compatriotas por nos brindarem com a vitória? ― Interpelou, indignado, o sobrinho do tio Manuelinho.
― É verdade, amigo. Parece que ainda não temos a certeza da resposta a esta simples pergunta. Sim, a resposta é simples, porém, os meios são longos e complexos. Mas nada de extraordinário! É uma questão de planificação, como articulou o Rui Lamarques, brilhante Jornalista, Editor e Formador de Jornalistas, incluindo o Jota, numa publicação recente partilhada na sua conta do Facebook. ― Compôs o Nelo, como se estivesse a brincar com as teclas do seu piano familiar.
― Quando recebemos a carta de demissão que nos tirava o direito de acomodar a partida de brincadeira com os Camarões, na batalha para o ingresso ao Mundial de 2022, carimbamos a nossa certeza: sabíamos que não estávamos qualificados para tal. ― Indicou o Jota, sobrepondo a sua voz à fala de Nelo.
― Apenas estávamos a tentar a sorte, como nos jogos de carta. Sonhávamos que teríamos todos os trunfos, desde o “A” ao “6” e, assim, a jogada seria simples. Mas não foi! ― Acrescentou a tia Raquel, mostrando-se uma cidadã consciente.
― Portanto, a desorganização e a falta de planificação vieram a revelar-se. Chumbamos no totobola desta brincadeira. ― Rematou o tio Manuelinho.
Em poucos minutos, sacudimos os ombros e escrevemos uma carta embelezada de adjectivos, bajulando toda a Federação Sul-Africana de Futebol e os seus representantes governamentais, traduzida no Google Translator, e, como eternos pedintes, corajosos, submetemo-la aos nossos vizinhos e irmãos, os donos do Rand.
― Não foi por falta de alerta, mas esquecemo-nos de que eles já estavam fartos das nossas brincadeiras. Mesmo com relações historicamente carimbadas entre nós, desta vez, os nossos irmãos não responderam à carta de reconhecimento das nossas brincadeiras. ― Carimbou, mais uma vez, o Jota.
Da terra do rand, um membro do governo posicionado, desapontado, segredou:
― Afinal, o que se passa com estes nossos irmãos e vizinhos? Além de recebermos milhares dos seus filhos, nas nossas terras, estamos a gastar milhões de rands para acomodar as nossas tropas que militam no Cabo queimado das suas terras. E os custos aumentarão, pois, querem prorrogar a permanência daqueles soldados lá.
― Os nossos cidadãos pagam somas de impostos e uma parte é destinada para custear as caminhadas dos nossos soldados que protegem a Pátria deles quase queimada. ― Adicionou outro cidadão Sul-Africano, membro do Parlamento.
Em seguida, um representante do Desporto Nacional de África do Sul questionou:
― Não são eles que disseram que aquilo era um jogo de polícia-ladrão e resolveriam em apenas uma semana? Mas essa semana ainda não terminou e está a afectar a nossa economia local. Agora, com 46 anos de independência, eles enviaram esta carta e dizem não ter um campo adequado para realizar uma partida de futebol com os Camarões? É isso meso?
― Isso só pode ser mesmo brincadeira! ― Afirmou uma cidadã Sul-Africana, que se mostrava verdadeira conhecedora daquele assunto mal-parado e vergonhoso.
― Ora, não foi por causa de alguns erros de comunicação ou porque eles estão cansados de nos ajudar. É por causa da forma como tratamos o nosso desporto, aliás, a nossa brincadeira! É a mesma brincadeira que nos faz pensar que o nome da nossa selecção é a causa das derrotas. ― Atirou o Jota, virando-se para Nelo.
― É essa brincadeira que nos faz pensar que o facto de um jogador estrear numa equipa Europeia ou Tanzaniana constitui garantia e selo para alcançarmos bons resultados. ― Acrescentou o Nelo, o qual foi interpelado pelo tio Manuelinho:
― É essa brincadeira que nos faz gastar somas de dinheiro para comprar cremes de bolos e usar migalhas na confeição dos bolos. Como esperar golos de bolos localmente malfeitos? ― Questionou, sublinhadamente, o tio Manuelinho.
― Não é apenas a África do Sul que se recusou de custear as preparações de um campo para assistir a mais uma demonstração da nossa brincadeira, mas toda África Austral. ― Ajuntou a tia Raquel, enquanto, com a sua cabeça, acenava, negativamente, reprovando aquele comportamento de gestão desportiva nacional.
― Como resultado, e não sabemos a que custos, lá do corno da cabeça da nossa mãe, de Marrocos, ouviu-se uma voz que disse: “Nós sabemos que vocês gostam de brincar! Temos um espaço livre para as vossas demonstrações, incluindo voos, hotéis, táxis e outras despesas. Estejam à vontade!” ― Atirou o sobrinho do tio Manuelinho, revelando um plano inglório.
Por conseguinte, todos, felizes e ávidos para gastar as nossas poucas migalhas e economias, que seriam úteis para endireitar aquele campo maltratado e muitas outras necessidades locais, carimbamos a despesa para mais uma demonstração da exaltação da brincadeira! E, assim, como nação, seguimos, orgulhosamente!
No dia 10 de Outubro de 2021, um Agente Operativo da Polícia foi crivado de balas por indivíduos desconhecidos que se faziam transportar numa viatura ligeira no Bairro Intaka II, localizado no Município da Matola, na Província de Maputo. O homem, que já era viúvo, vivia com os seus filhos e tinha uma matilha que guardava a sua luxuosa residência. O Agente que era bastante temido, na zona onde residia, devido às constantes ameaças que fazia à vizinhança, morreu ao estilo Mexicano ou Colombiano e da máfia calabresa – à queima-roupa, morte na hora!
Com a morte do homem, o grupo dirigiu-se à sua mansão, onde a vandalizaram e retiraram tudo o que queriam e lhes apetecia. Porém, nesta empreitada, com os nervos à flor da pele, os seus cachorros pagaram pelo prato, ou seja, no local do crime havia “cinco invólucros” de bala. Esse facto revela, claramente, que a arma usada ainda estava carregada e precisava de ser esvaziada – e sobrou para os cachorros – coitado deles!
Ora, os cachorros, embora animais irracionais, mas domesticáveis, pagaram com a própria vida pelas supostas acções erróneas do seu dono. O estilo demonstrado pelos shootman revela, de facto, que o crime organizado está imperando na Pérola do Índico. Além disso, o caso pode tratar-se de um acerto de contas ou queima de arquivo de uma peça dispensável.
Entretanto, a raiva pelos cachorros, num País em que, aparentemente, as investigações criminais não têm o modelo CSI (Crime Sob Investigação), onde se faz a reconstrução do crime e segue-se várias pistas do caso, o mesmo não acontece em Moçambique. Aliás, aqui, na Pérola do Índico, sempre está a trabalhar-se, sempre existem pistas, mas nunca se chega a solucionar o caso ou a ter um desfecho desejado – e mesmo assim, os shootman descarregaram toda a raiva para os cachorros, enfim!!!
Escrevo este texto em memória de Raul Honwana, que viveu a vida inteira na profunda cegueira, porém gotejando luz para os outros, que não eram cegos como ele. Já o fiz antes, em muitas ocasiões, inclusive em ambientes de paródia, e isso reconforta-me. Dá-me a sensação de que há um rugido do tempo sobre mim, que me apela a urgência de viver. Percebi que a cegueira é uma intensa luz que só os os próprios cegos entendem, e quando comunicam connosco, surpreendem-nos com detalhes que, mesmo estando ao nosso alcance, não conseguimos decifrá-los.
Há duas semanas que venho acompanhando os movimentos de um casal em que o marido é cego, e a mulher desfruta em pleno das cores da natureza, andam sempre abraçados. Parecem dois siameses que não terão outra escolha que não seja a de descerem juntos pelos desfiladeiros íngremes da vida vida. Mas também, quando chega a vez de explodirem em gargalhadas, explodem juntos, como crianças que se contentam com uma simples pipoca.
A última vez que os vi, estavam sentados na varanda da loja do Madobole (Fonte Azul – cidade de Inhambane), vendendo duas cabeças de repolho murcho. Ninguém se aproximava deles, provavelmente por serem andrajosos. Dói dizer isso, mas o cheiro que eles exalam, vai contribuir para o afastamento dos potenciais compradores. E os dois nem sequer sabem que são repelentes. Mesmo que chegasse alguém e comprasse todo aquele pouco, o dinheiro que iriam receber serviria para quase nada, mas esse pouco será muito na sua condição.
Aproximei-me deles, ignorando a repulsa que emanam. Estou cmpletamente arrebatado pelo cenário de amor que expelem, sem se importarem com tudo o mais à sua volta, nem com as pessoas que não vêm comprar o que vendem, sentados no chão. É tudo isso que perturba os meus sentimentos. É isso que me leva a chegar mais perto, não exactamente para inalar o cheiro nauseabundo do casal, mas para inalar o cheiro do amor, que tanta falta me faz.
Saudei-lhes e perguntei se podia tirar uma foto. Queria falar deles, partilhar a sua história nas redes sociais, mas o marido respondeu prontamente que não, porque, segundo ele, não se tira fotografia a uma mulher grávida. Capitulei. Não fiz mais perguntas, não queria continuar a ser incoveniente. Até porque estou saciado pela imagem esplendorosa, como o amor, que os dois vêm oferecendo-me há duas semans. Isso basta-me.
É isso: a mulher, jovem e linda, tristemente suja, estava grávida, e eu pensei: quando a criança nascer, o quê que a vão dar, se eles próprios não têm nada! Quem vai dar banho ao bebé, se eles próprios não tomam banho! E a resposta chegou-me imediatamente: se este casal não tem nada e vive feliz, então a criança que vai nascer, também será feliz. Sem nada. Como os pais.