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Não é menos verdade que exacerbadas emissões globais de gases de efeito estufa, movidas pela frenética pressão aos ecossistemas, no âmbito da materialização das políticas neoliberais de acumulação do capital, estão progressivamente a colocar o planeta numa marcha rumo a um aquecimento sem precedentes e com implicações severas, sob ponto de vista de desenvolvimento, sobretudo aos países com economias periféricas como é o caso de África. Não é menos verdade que estudos apresentados no Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), a principal autoridade mundial para avaliar a ciência das mudanças climáticas, projectam que as regiões de África, dentro de 15 graus do equador, poderão experimentar um aumento nas noites quentes, bem como ondas de calor mais longas e frequentes.

 

Não é menos verdade que a desertificação de áreas férteis, as inundações das cidades costeiras, o derretimento de massas glaciais (degelo) e o aumento dos níveis do mar, a proliferação de furacões ou ciclone tropicais devastadores, estão entre as principais consequências do efeito estufa. Todavia, é também verdade que, no horizonte temporal entre 1850 a 2016, Estados Unidos, China, Rússia, Alemanha, Índia, Reino Unido, Japão, França, Ucrânia e Canadá, figuram na lista dos países tidos por principais responsáveis pelas mudanças do clima, segundo a Climate Watch. Isso pressupõe que Alemanha, presentemente considerado um dos países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, escalou esse estágio através da emissão nociva de gases de estufa outrora. Implica também que Estados Unidos, considerada a maior economia mundial, chegou a esta posição agredindo desenfreadamente os ecossistemas, emitindo gases nocivos à atmosfera através das suas indústrias. Significa ainda que o Reino Unido liderou o sector industrial mundial durante anos emitindo grandes quantidades de gases de estufa nos seus processos de produção da indústria automóvel, têxtil, entre outras. Não há precedentes, em qualquer estudo com teor científico, nesse horizonte de tempo, que aponte algum país africano na lista dos maiores emissores mundiais de carbono.

 

Vale a pena lembrar que, em 2008, África do Sul e Nigéria foram considerados responsáveis por emitirem quase 90% das emissões de gases poluentes no continente africano, segundo o estudo desenvolvido pela ONG alemã Heinrich Boell Stiftung. 45% para a Nigéria, igual quantidade à África do Sul e 10% aos restantes países do continente. Consideremos hipoteticamente uma possibilidade de margem de erro, assumindo que os dois países emitem 50% e os restantes 53 países de África emitem também 50%. Isso pressupõe que Moçambique, com um parque industrial incipiente, emite “uma gota no oceano” em termos de poluentes de estufa. Contudo, apesar desses níveis de emissões da África do Sul e Nigéria, não há espaço para compará-los aos dos países industrializados já anunciados.

 

Se atendermos o facto de as Mudanças Climáticas, protagonizadas principalmente pela industrialização ocidental, terem propiciado doenças trazidas pelo aumento da temperatura, ilhas de calor e baixa qualidade do ar, tendo afectado povos africanos, sobretudo os rurais, que passaram a exercer maior pressão sobre os ecossistemas  como é o caso das queimadas descontroladas à busca de alternativas de subsistência, parece-nos haver falta de honestidade na hora de tomar decisão sobre o futuro do Planeta. Parece-nos haver uma autêntica falta de “fair play” ecológico – na medida em que os fenómenos atmosféricos que hoje assolam África seriam muito menos violentos se os países ocidentais, hoje industrializados, não tivessem indiscriminadamente agredido o meio ambiente ao longo da história.

 

É verdade que, pelo reconhecimento da degeneração da qualidade dos ecossistemas globais e da ameaça das mudanças climáticas, muitos países vêm se reunindo desde a primeira Conferência ecológica em Estocolmo (Suécia – 1972), passando pelo Eco 92 no Rio de Janeiro (Brasil – 1992), o Cop1 em Berlim (Alemanha – 1995), até ao presente Cop26 em Glasgow (Escócia – 2021), com o objectivo de assumir o compromisso de limitar as mudanças climáticas, através da adopção de medidas que visam reduzir as emissões e construir resiliência. Mas é também verdade que no ano em que o Acordo de Paris foi adotado reconheceu-se que os compromissos sobre a mesa não seriam suficientes, ainda que os países materializassem suas promessas, as temperaturas globais subiriam 3°C neste século.

 

Sobre esse compromisso, sobre a Transição Energética e todas outras acções a serem levadas a cabo pelos países, visando conter a subida das temperaturas globais, lembremo-nos que, no Acordo de Paris, pediu-se maior apoio financeiro dos países desenvolvidos para auxiliar os esforços de acção climática dos países em desenvolvimento e economicamente periféricos. Este resgate de memória vem a-propósito para lembrar o facto de ter ficado claro que os países, principalmente ocidentais, que escalaram o crescimento e desenvolvimento económico por via da degeneração da qualidade ecológica devem ressarcir os que durante anos mantiveram a mais exemplar postura ambiental como é o caso de Moçambique. Se considerarmos que a implantação de um sistema industrial centrado em energias renováveis é extremamente caro, seria muito justo que o Banco Mundial, a União Europeia e o Reino Unido, que decidiram travar o financiamento aos projectos de exploração de combustíveis fosseis, abrissem excepção ao financiamento dos projectos de Gás, como manifestação da sua preocupação para com o crescimento e desenvolvimento económico de Moçambique – atendendo que nenhum dos país ricos alcançou o Índice de Desenvolvimento Humano por via do milagre, senão pela fustigação ecológica. Para além de o Gás ser cientificamente considerado hidrocarboneto menos nocivo que o Petróleo e Carvão, é presentemente o potencial factor de autofinanciamento à Transição Energética do país. Portanto, quando o ocidente furta-se das suas responsabilidades e compromissos, e opta por ignorar os aspectos aqui arrolados, parece-nos estar a assumir uma atitude de falta de “fair play” ecológico e a oferecer-nos um discurso ornamentado de aporias sobre a Transição Energética em Moçambique.

 

Circle Langa

 

Comunicólogo e Pedagogo

 

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quinta-feira, 11 novembro 2021 08:01

O espinho do peixe pedra na garganta…

Era uma vez … em Malema, no posto administrativo de Mulela, no distrito costeiro de Pebane, na província da Zambézia. Certo dia, três garimpeiros foram mortos a tiros. A informação que foi disponibilizada ao público é de que garimpeiros haviam assaltado os seguranças da companhia que explora os recursos na referida região e se apoderado das armas de fogo. Informada sobre a situação, a polícia dirigiu-se àquele local no intuito de conter os ânimos e acabou havendo uma troca de tiros que culminou em baleamentos e mortes…até aqui, a estória estava bem contada!
 
 
Entretanto, como todos sabem ou pelo menos para aqueles que já se deliciaram do mesmo, perceberam que o sabor do peixe pedra é divinal, mas caso o espinho venha a parar na garganta, aí meu Deus! A dor é infernal. Foi o que aconteceu em Malema. O espinho do peixe pedra parou na garganta. Ora vejamos o que contam as boas línguas que acompanharam e assistiram todo o enredo.
 
 
É que, no dia 03 de Novembro de 2021, a direcção da companhia chega à mina e, durante a sua fiscalização, apercebe-se de que existiam áreas atribuídas a si que haviam sido escavadas sem o seu conhecimento. Preocupada com a situação, a direcção convoca uma reunião extraordinária com todos os guardas no intuito de perceber o que havia acontecido. Na reunião decide que era importante localizar quem havia feito aquilo. Mobilizada a força, dá-se conta de que a três quilómetros da área concessionada à empresa de capitais estrangeiros, havia uma mina artesanal onde cidadãos locais se dedicavam à actividade de garimpo (…)!
 
 
Chegando ao local, os seguranças procuram tirar satisfações com os garimpeiros. Como o diabo age nas horas de tensão, foi exactamente neste momento que, irritados com o nível de respostas, os seguranças manipulam os canhangulos e atiram contra quatro pessoas, tendo perdido a vida uma pessoa no local e duas posteriormente. A situação agitou a zona toda. Sem poder de reacção face à fúria popular, é convocada a Unidade de Intervenção Rápida (UIR) para o local juntamente com o seu Comandante que, segundo as boas línguas, foi massageado pelos chinocas no intuito de construir uma estória para o boi dormir e a culpa morrer solteira.
 
 
Com a massa na mão e distribuída para a brigada toda, surgia o protagonismo do Comando Provincial da PRM na Zambézia de que houve troca de tiros entre os garimpeiros e os agentes policiais e que, em defesa do Estado e do princípio da Legítima defesa (LD), conforme emana o artigo 337º do Código Civil e o artigo 185 do Código Penal de 2019, que versa sobre a questão da LD, os policiais acabaram atirando para matar e querendo ser herói da circunstância e animados com as notas que já não cabiam no bolso e na cadeira do boss da operação, a informação foi de que morreu uma pessoa e os restantes ficaram feridos e outros foram detidos!
 
 
Hum, face a isso, como ficamos então? Engolimos a versão da polícia e pronto, caso encerrado? Ou as organizações dos direitos humanos "independentes" vão ao campo aferir o que de facto aconteceu em Pebane? Porque, de facto, está difícil engolir este espinho do peixe pedra!!!
 
 
 
 
 
quinta-feira, 11 novembro 2021 07:55

Os últimos momentos de Mariano Nhongo

Não pára de fumar mbangui (cannabis sativa), cultivada ali mesmo, nas montanhas. Há dois meses que não sai da cubata construída debaixo de uma gigantesca árvore, cuja copa transborda o tecto do casebre, tornando o ambiente ainda mais sombrio. Está mais magro do que a última vez que apareceu na televisão, ostentando a arrogância  que no fundo é uma fachada, Nhongo não tem certeza de nada.

 

O general está em delírio, a cada dia que passa vai perdendo descernimento. Nunca soube o que é tremer em momentos cruciais, quando em combates ferozes a vida dele tinha que triunfar, mas agora treme profundamente, tenta buscar equilíbrio no mbangui e no dolo (aguardente de frutos silvestres), porém a realidade é implacável, o homem está em derrocada. Passa as noites de pé, tentando trepar as paredes da sua casota como um lagarto desesperado. Grita chamando por Afonso Dlakama, “vamos fugir, comandante, o inimigo está aqui perto!”.

 

Os soldados estão com medo. Se continuarem com Nhongo serão mortos pela avalanche da tropa governamental que progride naquilo que já está parecendo uma passeata em direcção ao cume, onde um general inteiro passa a vida como um sonâmbulo, sem a verve de uma luta que não se sabe se alguma vez fez sentido. Se fugirem dos acampamentos e tentarem entregar-se, podem ser castrados. Outra ideia seria matar o general, e os seus sequazes já o viram crivado de balas para no dia seguinte aparecer novamente vivo! Mariano Nhongo é imortal!

 

Ontem saíu do casebre e veio cá fora reunir-se com as altas patentes do seu exército já moribundo. Incapaz de fazer algo a não ser os laivos sanguinários e injustificados nas estradas. Estava visivelmente ébrio, e os soldados temem-no quando está naquele estado. Tentou articular algumas palavras mas o que ele conseguia era balbuciar como um condenado a morte já em estado de incosciência, após a injecção letal. Mesmo assom ainda conseguiu dizer de forma clara, naquela reunião inesperada, que jamais se entregaria, “eles que me venham matar!”.

 

Mas o que o general diz é mentira. Nhongo está a tremer. O chão que pisa, treme também. Nas noites os mochos fogem das redondezas, já não piam nas suas sinfonias arrepiantes, e isso significa que o homem está no fim da linha, ou por cima da calçada, onde não pode cair nem para um lado, nem para o outro lado. A calçada é a dolo  que bebe como um louco, e o mbangui, que lhe alucina e leva-lhe aos combates fratricidas que a história vai registar num livro lúgubre.

 

Os homens que formam a corte de Mariano Nhongo nem sequer têm perguntas para fazer a um búfalo ferido, que no lugar de ir contra o obstáculo, agora foge e esconde-se no dolo e na cannabis. Uma cannabis que outrora dava-lhe vigor, mas que agora definha-lhe o corpo e alma. E a mente baralhada, eu também sou ndawu como o general Dlakama, apesar de ter nascido na Zambézia! Não sou estúpido a ponto de me entregar a pessoas sem testículos. Eles sabem que não têm testículos, é por isso que querem os meus. Então que os venham buscar!

 

Estas são as palavras frequentes que se ouvem de um general atarantado. Amedrontado. Que caminha no escuro, sozinho. Ele já não tem dúvida sobre a guilhotina que vai descendo devagar, dando-lhe tempo para que todo o medo se materialize até as profundezas do seu ser, antes de decepa-lo. Nhongo  sabe dessa espada irrversível. Perdeu a capacidade de controlar o sistema úrico. Então não lhe resta mais nada senão esperar, pelo último pio dos mochos.

terça-feira, 09 novembro 2021 06:43

A propósito dos “espiões" da Kroll

A espionagem entre os Estados, e não só, não é nenhum segredo ou informação classificada e qualquer Estado está sujeito à espionagem e Moçambique não é excepcção. Aliás, é praxe entre os Estados o reconhecimento mútuo e o estabelecimento de relações e troca de representações diplomáticas ou afins que são, para além de actividades dos respectivos objectos, também capitalizadas para as de espionagem.

 

Por estas terras do Índico, nos anos da resistência colonial, é sabido que Ngungunhane (1850-1906), o Imperador de Gaza teve na sua corte “embaixadores” ou oficiais de ligação que representavam a coroa portuguesa. Certamente que estes oficiais, adicionalmente às actividades no quadro das relações amistosas, também terão desempenhado outras de que mais tarde tenham sido de mais-valia para a captura de Ngungunhane e consequente desmoronamento do império de Gaza. 

 

Nos primórdios da FRELIMO, na Tanzânia, sabe-se de um Leo Milas – um cidadão norte-americano que se dizia descendente de Moçambique e que fora um seu controverso e activo membro e com passagem na chefia de um departamento - sobre o qual recaíam suspeitas de ser um agente dos serviços secretos americanos. Em finais de 2006, Marcelino dos Santos (1929-2019), histórico membro e fundador da FRELIMO, numa reunião deste com algumas organizações da sociedade civil, confessara de que até então “não sabia como Milas fora parar na FRELIMO ”.

 

Nos anos 80, o país já independente, o Estado moçambicano desmantelou e apresentou em público uma rede de espionagem da CIA, a agência secreta norte-americana. Para alguns círculos esta resposta foi altamente inadequada, pois, salvo desafiar uma superpotência, e em tempos da Guerra-Fria, as autoridades nacionais terão perdido um canal para acções de contra-espionagem e ainda perdido o rasto de actividades desta agência no país.

 

Ainda nos anos 80 e seguintes - os tempos dos refugiados da solidariedade política internacional, dos cooperantes e os tempos da ajuda externa ao desenvolvimento - lembrar, e para citar como exemplo, que quadros destes processos chegaram, à luz do espiríto da irmandade, a desemprenharem funções, algumas de relevo, em diversos sectores e serviços quer públicos quer privados. De parte de alguns destes quadros é bem provável que tenham agido na recolha de informações à margem do interesse das “relações amistosas”.

 

Na senda deste breve histórico nacional vis-à-vis as incidências do julgamento das chamadas “dívidas ocultas”, ora em curso na “B.O”, um dos réus acusa de espionagem (militar) a empresa (Kroll) estrangeira contratada pelo Estado para elaborar o relatório de auditoria das citadas dívidas. Embora não se saiba da veracidade da acusação, tal procedimento – o recurso a empresas para actividades de espionagem - não é estranho para o “modus operandi” de qualquer serviço de inteligência. 

 

Outrossim, e em jeito de fecho, aproveitar recordar que durante a II Guerra Mundial a então cidade de Lourenço Marques, hoje de Maputo, fora um palco fértil da espionagem internacional. Por essa altura, e a propósito dessa fertilidade, mas em matéria de informação doméstica, alguém comentara de que “Lourenço Marques (Maputo) é uma casa sem paredes”.

segunda-feira, 08 novembro 2021 10:49

O cúmulo da hipocrisia

O colonialismo pilhou nossos recursos à exaustão. Capitais europeias foram erguidas com nossas riquezas. Sugaram os fósseis, o petróleo, alimentando suas indústrias. Retiveram nossa riqueza depositada em seus bancos por políticos corruptos. Arrastaram Moçambique para um calote sem precedentes. Poluiram o mundo e, agora que a situação está preta, negam a Moçambique o direito de explorar o seu gás. O quê? É isso mesmo! Nós não temos o direito de poluir, apenas sob certas condições.

 

 

O carvão também está em risco. Mas suas empresas andam por cá...areias pesadas, grafite, diamantes. Quem controla? A pilhagem chinesa é visivel a olho nu. A pilhagem ocidental camuflada...como no gás, com práticas de sonegacao fiscal sem paralelo. Esta manif em Glasgow contra Moçambique merece um manguito do tamanho global.

segunda-feira, 08 novembro 2021 05:24

Restos mortais de um País…

Quando a funerária meteu-se no cemitério com o cadáver do país enrolado num pano branco e trancado no caixão, os soluços dos presentes começaram a espumar. Eram soluços breves que decaíam das gargantas como pequenas cascatas. O país estreava-se no cemitério depois anos e anos lutando contra um cancro da corrupção.

Um fulano qualquer, metido em uma gigante bata, com o pescoço preso por colarinho branco como uma cadela, tropeçava a vista em páginas da constituição procurando pelos cânticos da despedida. Organizava a cerimónia e, de instante a instante, chamava o povo para perguntá-lo sobre os dados do óbito; nome, data de nascimento, filiação.

O caixão foi poisado e a boca da cova com dentes bem afiados por pás aguardava para engolir os restos do país. O país estava nu no caixão, tal qual sempre andou em vida. Depois de morrer não foi preciso deslizar as pestanas dos seus olhos, o país sempre andou de olhos fechados. Os coveiros da função pública ali estavam com canhões de pás para disparar contra o cadáver do país e irem-se embora antes das quinze e trinta.

 

E todos queriam despedir-se do país que foi evacuado pelos pés pelo cancro da corrupção no hospital central. Os tribunais envelhecidos por processos arquivados, os ex-presidentes suportando a velhice em muletas de poder, os senhores deputados sonecando sobre o fardo das suas barrigas cheias de subsídios.

 

Recordo-me de ter visto todas as províncias metidas em luto e evacuando bolhas de lágrimas em lencinhos. Um bando de jornalistas, sem dó, disparava setas de flash ao caixão do país e um exército de moscas, nas bordas do caixão, afinava as antenas para roer o muco do cadáver e os restos que o cancro não conseguiu engolir.

 

O fulano que dirigia a cerimónia leu artigos de consolação, recitou versos do hino nacional, encheu o cemitério de cânticos e decretos de esperança e desparafusou o caixão para a última despedida; as moscas antenaram-se sobre os despojos do país. “Esse país cheira mal”, disse um ministro.

 

No adeus. Primeiro foram os tribunais que foram sacudir uma vénia ao caixão, depois seguiram os ministros que tentavam fermentar lágrimas, depois seguiram as forças armadas que se comprometeram a proteger com honra e coragem o túmulo do país e depois os senhores deputados saindo, um a um, do túnel da soneca foram dizer adeus ao país.

 

O povo foi o último a despedir-se do país. Como sempre, apresentou-se com uma camisa descosida que não escondia a enorme barriga cheia de tripas e coágulos de fome, o povo que assistiu ao cancro do país sem se importar, o povo que no lugar de correr com as receitas para curar o país, corria com boletins de voto, o povo que elegia o melhor cancro para o país. O povo chorou perante o cadáver do país, mas a cerimónia teve de continuar, porque o povo nunca fez nada para que o país continuasse vivo.

 

O caixão desceu à boca da cova, as pás começaram a fazer o seu trabalho e as formigas exigiram subsídio, pois não queriam devorar um cadáver que já tinha sido esvaziado pela corrupção.