Ontem, todo o “latim” da procuradora Elivera Dryer, no sentido de convencer a juíza Sagra Subroyen a dar como provados os crimes de que é acusado Manuel Chang, e por consequência, decidir-se pela sua extradição para os Estados Unidos, caiu por terra quando Stian Krausse, o chefe da equipa de advogados de defesa do ex- Ministro “abriu o livro” e arrolou os seus argumentos, para provar exactamente o contrário: que a detenção do seu constituinte é ilegal, visto que foi emanada na base de um mandado igualmente ilegal.
E, por via disso, a sua eventual extradição não faz qualquer sentido. Foi nesse contexto que, analisadas as posições de parte a parte, a juíza, adiou por 24 horas, a decisão sobre se Chang será libertado, sob caução, ou se continuará detido e decretada a sua extradição para os Estados Unidos da América. Portanto, toda a gente volta ao Kempton Park Magistrate Court esta quarta-feira à mesma hora.
Na sua exposição, a procuradora Dryer disse e repetiu que a detenção do antigo Ministro se prende ao facto daquele – justamente que pelo cargo que ocupava na nomenclatura – ter sido a pedra-chave no caso das dívidas ocultas “levando a que todo um país, com uma economia debilitada, se tornasse ainda mais paupérrimo”. E para dar força ao argumento da razoabilidade da sua extradição, para os Estados Unidos, voltou a evocar a questão dos crimes financeiros e da lavagem de dinheiro.
Defesa com a lição bem estudada
Do que Dryer não estava à espera era que a defesa viesse com a lição bem estudada. O chefe da equipa de advogados de Chang refutou todas essas alegações, começando por chamar à colação o Art. 135 da Constituição da República Sul-Africana, segundo o qual todo indivíduo detido tem direito a contestar e a responder em liberdade, sobretudo quando (se) considera que a sua detenção é ilegal – tal é o caso. E disse mais: que em nenhum momento a acusação apresentou provas documentais que sustentem a teoria de que as autoridades norte-americanas pretendem a extradição do seu cliente. Que não existe nenhuma notificação explícita nesse sentido, e que essa questão da extradição terá sido mais uma especulação (sobretudo empolada pelos media) do que propriamente uma exigência real do governo Estados Unidos.
Neste ponto da sua alocução, Krausse pediu à juíza que voltasse a (re)ler todos os fundamentos da acusação, e os comparasse com os documentos enviados pelas autoridades americanos. O advogado, inclusive, pediu autorização para naquele momento fornecer ao tribunal cópias destes últimos documentos (as ditas solicitações das autoridades americanas), onde – disse – ele próprio terá sublinhado as passagens que considera pouco consentâneas com as alegações da Procuradoria sul-africana, as quais estiveram na base da produção do mandado a Manuel Chang.
Foi com base nesses argumentos que a defesa submeteu um recurso no qual declarou que “é ilegal o facto de Manuel Chang continuar detido, com base num mandato que também consideramos ilegal”. Sem estar à espera (nem ela e, provavelmente, nem ninguém) de uma argumentação que apontasse nesse sentido, a procuradora pediu algum tempo para poder reunir toda a documentação – que diz possuir – de forma a rebater cabalmente os argumentos da defesa. A juíza, depois ouvir ambas partes, decidiu então adiar para hoje a decisão sobre se Chang fica em liberdade e sob caução, ou se aceita a sua extradição para os Estados Unidos. (Homero Lobo, em Kempton Park)
A engenharia que culminou com o calote das chamadas “dívidas ocultas”, no dealbar do consulado de Armando Guebuza (2004-2014), teve um Timeline interessante, conforme aferiu “Carta” dos contratos assinados por Manuel Chang, antigo Ministro das Finanças e actualmente deputado da bancada da Frelimo, que se encontra detido na África do Sul. No primeiro registo da empresa, a Ematum, Empresa Moçambicana de Atum, SA, no acto da assinatura do contrato declarou como domicílio a Avenida Marginal 4159, em Maputo. “Carta” investigou e apurou que tal domicílio é um Business Center, localizado mesmo defronte do Southern Sun Hotel.
Segundo, a Proindicus declarou como seu domicílio a Avenida Coronel Aurélio Benete Manave, 409. “Carta” investigou e aferiu que este domicílio é pertença da Somex, Sociedade Moçambicana de Explosivos, S.A. A primeira assinatura de Manuel Chang é datada de 28 de Fevereiro de 2013 e refere-se aos empréstimos contraídos pela empresa Proindicus S.A. ao banco Credit Suisse International através da sua filial baseada em Londres, na Inglaterra.
A segunda assinatura de Chang é datada de 30 de Agosto e refere-se a Ematum junto do mesmo banco Credit Suisse International, novamente através da sua filial baseada em Londres. A terceira e última assinatura pelo próprio punho e mãos de Chang é de 20 de Maio de 2014 desta feita com o banco russo VTB Capital, para o financiamento da Mozambique Asset Management (MAM). Nos três acordos assinados por Chang, existe uma cláusula comum, onde se pode ler que “O Garante (neste caso a República de Moçambique) cumpre em todos os aspectos com as suas obrigações perante o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial”. Poucos dias depois de assinar a última garantia, Manuel Chang recebeu a visita da actual directora-geral do FMI, Christine Lagarde, e nada consta que tenha revelado todos esses empréstimos que havia avalizado.
Aliás o FMI manifestou total desconhecimento desta engenharia, estupefacta, em Abril de 2015. Entre as demais demandas das cláusulas das garantias indicam que “O Garante (a República de Moçambique actuando por intermédio do seu Ministério das Finanças) confirmou que a prestação da presente Garantia pelo Garante está em conformidade com as leis aplicáveis em Moçambique, e que o Ministério das Finanças foi mandatado e autorizado a celebrar e a entregar a presente garantia em nome e em representação da República de Moçambique”.
Chang também assumiu, ilegalmente, ao assinar as garantias irrevogáveis que “todos os montantes devidos e pagáveis, ou que venham a ser devidos e pagáveis às partes financeiras ao abrigo da presente garantia no próximo ano fiscal, foram ou serão aprovisionados no Orçamento de Estado do ano corrente, e esse orçamento anual não prevê qualquer limitação à capacidade do garante de cumprir com as obrigações decorrentes da mesma”. Sucede que quando o assunto já tinha conseguido anuência da bancada da Frelimo no Parlamento para a inscrever como dívida soberana, o Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, foi à Assembleia da República apresentar as linhas com se iria cozer o dossier.
“Reconhecemos que a informação relativa às garantias soberanas emitidas pelo Estado, a favor das empresas Proindicus e MAM para terem acesso a empréstimos, deveria ter sido partilhada, em tempo útil, com Vossas Excelências, com o Povo Moçambicano e Parceiros de Cooperação Internacional, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, instituições estas de que somos membros de pleno direito.” Disse na data Rosário.
De recordar que Manuel Chang tentou, sem sucesso, chegar a Presidência da Federação Moçambicana de Futebol (FMF) depois de largar a pasta de ministro e, na altura, num debate público lamentou-se por ter representado o Estado no “negócio”. “Estou a trabalhar nas Finanças há 19 anos, reformei-me no ano passado, terminei o meu mandato como ministro, vou fazer 60 anos e a única coisa que me apontam é a EMATUM”, lamentou Manuel Chang. (LN)
A procuradora Elivera Dreyer que está a lidar com o caso da detenção do ex-Ministro Manuel Chang em Kempton Park, Joanesburgo, adiou a sessão para amanhã alegadamente porque precisa de mais tempo para se inteirar do processo. A procuradora ficou encurralada por uma bateria de argumentos dos advogados de Chang. Um deles, Willie Vermeulen, opôs-se veementemente contra a extradição de Manuel Chang, alegando que isso não tinha sido requerido pela justiça americana. A ideia da extradição nunca foi fundamentada, disse ele. Os advogados insistiram que o seu cliente devia ser liberto ainda hoje. E fizeram chacota da alegada impreparação da Procuradora. Dreyer acabou adiando a sessão para amanhã. (Homero Lobo, em Kempton Park)
Hoje, quando Manuel Chang entrar para a sala D do Kempton Magistrate Court, ele será ouvido em primeiro interrogatório de réu preso, destinado a avaliar se existe matéria suficiente para ser mantido sob custódia, ou se pode aguardar em liberdade pelo processo de extradição para os EUA. O juiz vai analisar a matéria indiciária constante do libelo acusatório americano e aferir se ela tem elementos de prova suficientemente fortes para manter o arguido na prisão.
Na audiência, o juiz deverá confrontar o antigo ministro com alguns elementos da acusação, nomeadamente a evidência de que ele assinou garantias soberanas para a contratação de uma dívida sem obedecer lei, originando daí o seu envolvimento num esquema para defraudar investidores americanos através do sistema financeiro dos EUA. O juiz vai também confrontar Chang com evidências de recebimento de subornos de cerca de 15 milhões de USD da Privinvest. Chang deverá tentar declarar sua inocência, mas para isso terá de dizer que assinou as garantias sob coação. Nessa resposta, Chang começará a dar as pistas do que poderá ser a sua estratégia de defesa, traçada por Rudi Krause, um advogado considerado manhoso, habituado a defender “criminosos” de colarinho branco.
Nessa resposta, Chang vai mostrar pela primeira vez se está disposto a carregar sozinho o fardo da culpa moral do endividamento ou dirá que foi induzido a subverter a legislação de modo a viabilizar um projecto de enriquecimento ilícito. A acusação americana mostra que calote começou com a compra da "vontade política" ao mais alto nível e depois disso altos funcionários do governo, envolvidos no esquema, incluindo Chang, agiram sob a noção de que tinham toda a cobertura para tomar decisões ilegais e ilegítimas vendendo um projecto sem viabilidade assegurada e altamente prejudicial para a economia mocambicana. Com a noção dessa vontade política comprada ao mais alto nível, Chang deu largas à sua ambição de enriquecer ilicitamente, mesmo consciente de que estava a ultrapassar os limites da prudência na gestão orçamental do Estado. O cheiro a uma ganância desmedida está patente nessa acusação americana, contrastando com o papel de “vítima e coagido” que ele desempenhou aquando da auditoria da Kroll.
Mas seja como for, Krause vai argumentar que Chang deve permanecer em liberdade até que o processo da extradição seja dirimido nas próximas semanas. O advogado vai propor um valor de caução e também apoiar-se no facto de que, na semana passada, um tribunal londrino libertou sob caução os três antigos gestores do Credit Suisse também acusados juntamente com Chang. O grande problema que Krause enfrentará é que Manuel Chang não é residente na RAS. No Reino Unido, os três libertados em Londres tinham residência na cidade. Chang parece estar na mesma situação de Jean Bostany. Preso na véspera do fim do ano em Nova Iorque, Bostany tentou uma liberdade sob fiança de 2 milhões de USD mas a juíza do caso indeferiu, por receio de fuga. Chang é também um réu preso no estrangeiro. O juiz vai certamente aquilatar da existência desse risco de fuga.
A tentativa de tirar Chang da cadeia conta agora com a PGR, que disse ontem estar a encetar diligencias para que o antigo Ministro seja julgado em Moçambique. “Carta” sabe que no plano político, o Governo também tentou uma aproximação com o ANC mas o facto de Julius Malema, o controverso líder do EFF ter entrado em cena, mostra que Ciryl Ramaphosa descartou qualquer possibilidade de interferência no judiciário, pois ela transmitiria para os EUA uma imagem negativa, numa altura em que vende uma narrativa de transparência e boa governação, essencial para a atração de investimento estrangeiro. (Marcelo Mosse)
Para além do ex-Ministro das Finanças, Manuel Chang, a justiça americana acusou mais dois moçambicanos. “Carta de Moçambique” está em condições de alegar que um dos co-acusados de Chang é António Carlos do Rosário. O “mastermind” do calote, alto quadro do SISE que gozava da protecção paterna de Gregório Leão José, Director-Geral da secreta moçambicana nos anos relevantes da orquestração da massiva fraude. Os nomes dos co-acusados serão revelados após a captura dos mesmos pela justiça americana.
“Carta” obteve os documentos mais relevantes do processo, incluindo todas as acusações aos já detidos e um pedido, de liberdade, por caução de Jean Bostany (Bostany, ou Bostani, havia se proposto, através dos seus Conselheiros de Defesa Michael Schacter e Randall Jackson, a pagar uma caução de 2 milhões de USD, mas a juíza Peggy Kuo, magistrada do Eastern District of New York, recusou alegando o risco de fuga. Os advogados de Bostany conseguiram, no entanto, obter exclusivamente uma cópia da acusação sem omissão dos co-acusados, de acordo com documentos em posse de “Carta”).
Há, portanto, mais dois mandatos de captura em execução para cidadãos moçambicanos. O perfil desses co-acusados começa a ficar claro. Rosário é um deles. Os visados são figuras que estiveram envolvidas nos primórdios da montagem dos negócios. A justiça americana virou as baterias apenas para quem montou o calote, usando o sistema financeiro americano ou ludibriando investidores americanos, através da “venda de gato por lebre”.
Na estratégia para juntar as provas, o FBI conseguiu a cooperação de três delatores moçambicanos. São pessoas que tiveram envolvimento directo no processo, receberam dinheiro, todavia decidiram colaborar, contando como tudo aconteceu, incluindo a partilha de conversas por email. Por isso, elas não serão acusadas.
No libelo acusatório, estes delatores são apresentados como co-conspirador 1, 2 e 3. O primeiro é um “indivíduo” que procurou a aprovação do Governo para o projecto Proindicus e recebeu subornos na ordem dos 8,5 milhões de USD. O segundo é um parente de um alto funcionário em Moçambique e recebeu subornos de 9,7 milhões de USD e o terceiro é um alto funcionário do Ministério das Finanças de Moçambique, que já foi director da EMATUM e que recebeu 2 milhões de USD. Quem são estas figuras? "Carta" fez várias consultas.
Uma suspeita inicial para o número 1 recai sobre o Eng. Teófilo Nhangumele; um homem experiente em negócios no ramo petrolífero, que durante muitos anos trabalhou para a Petro SA. Foi Nhangumele que abriu as portas para Bostany no país em 2011. Ele acabou fazendo um esboço daquilo que seria o negócio da Proindicus, tendo-o apresentado a vários membros do Governo.
Não é certo se esses encontros foram privados ou oficiais. Nhangumele recebeu comissões pelo seu envolvimento inicial no processo.
Outra possibilidade recai sobre a figura de Cipriano Mutota, que é sócio de Rosário e Gregório Leão na Jociro Internacional, uma empresa para onde passaram vários milhões de USD de subornos. A Jociro foi criada justamente para drenar o dinheiro que devia ser investido nas três empresas caloteiras. Mutota é um grande operativo do SISE. Suspeita-se que ele tenha colaborado com o FBI passando informação fundamental sobre a conspiração. Os três sócios da Jociro são um alvo central das investigações.
No caso de se confirmar que Mutota tenha sido um dos delatores, então abre-se uma interrogação para a figura de Nhangumele. O segundo co-conspirador é apresentado como um parente de um alto quadro funcionário do Governo. “Carta” ainda não estabeleceu quem poderá ser, apesar de uma suspeita cada vez mais adensada sobre um nome. O terceiro co-conspirador é uma dentre duas pessoas: Henrique Gamito ou Isaltina Lucas Sales. O primeiro já foi Director da Ematum, sendo quadro das “Finanças”. Teve um papel de relevo no calote na Ematum. A segunda já foi membro do board da Ematum tendo sido Directora Nacional do Tesouro aquando da assinatura das garantias soberanas, onde ela teve uma mão.
Nos próximos dias esta dúvida será dissipada. Mas qualquer que tenham sido as informações passadas pelos delatores tudo parece convergir numa coisa: clara protecção do antigo Presidente Armando Guebuza. Cada vez parece ficar claro que Guebuza não é visado. O que levanta a hipótese de uma concertação prévia de alguns dos delatores com o Partido Frelimo, o que pressupõe que Manuel Chang possa vir a carregar também o fardo da vontade política.
Da análise dos documentos, outra coisa resulta clara: o Presidente Nyusi parece não ter tido um papel determinante no calote tendo em conta o que a justiça americana está a apurar, pois tudo gira em torno da fraude financeira e da burla aos investidores. Filipe Nyusi assinou documentos dando o aval ao projecto relevante, mas não participou na montagem da engenharia financeira, que é o que originou a fraude. Nas conversas iniciais para a montagem do projecto Proindicus, constantes de um email enviado por um co-acusado para Bostany, onde se cobra um suborno de 50 milhões de USD, é alegado que “mais tarde ter-se-ia de envolver os Ministérios da Defesa e do Interior e a Força Aérea”, mas não se sabe se Nyusi terá recebido subornos; nomeadamente se o seu nome consta da planilha de subornos da Privinvest, elaborada e controlada por Iskander Safa, o “mestre dos subornos”, que também pode ser um dos acusados ainda não nomeados, apesar de ontem, numa resposta a uma pergunta de “Carta”, Stuart Leasor (da Woodstock Leasor, Limited) de Londres, que representa a Privinvest, tenha dito que companhia não estava a ser acusada.
Apesar de ser muito criticada por sua alegada inoperância na investigação do caso das dívidas ocultas, a PGR esteve envolvida numa intensa troca de informação com o FBI e as autoridades de investigação britânica. Uma fonte de “Carta” disse que a PGR vai agora usar a matéria relevante da acusação americana para dar seguimento ao processo de corrupção em Moçambique. Isto quer dizer que apesar de os delatores terem sido excluídos de uma eventual acusação nos EUA, eles ainda vão responder pela justiça em Moçambique. (Marcelo Mosse)
Os moçambicanos adoram comer galinha. Assada com xima e molho de tomate. Em água e sal para quebrar a babalaza. Com piri piri sacana para alguns ou ao jeito zambeziano untada com leite de coco para outros. A galinha cafreal é uma habitante das casas suburbanas de Moçambique. Quem tem quintal geralmente cria galinhas. Na vaga ocupacional dos prédios de rendimento no fervor da independência, alguns tentaram criá-las nas varandas dos prédios. A relação com o animal é afável apesar do seu destino fatal que é um motivo prazeroso para o homem.