Director: Marcelo Mosse

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Textos de Marcelo Mosse

quarta-feira, 25 novembro 2020 06:45

Carlos Cardoso e os anos do Metical*

O Metical nasceu porque o Editor rompeu com a Mediacoop. Ele não concordava com certas práticas de gestão na cooperativa. Não concordava que o MediaFAX fosse a melhor fonte de facturação e o Savana o principal centro de custos.

 

Exigia que o jornalismo do SAVANA melhorasse suas vendas. Houve vários debates dentro da cooperativa sobre como resolver essa inquietação.

 

O editor também lutava por melhores salários para os jornalistas do MediaFAX.

 

Num certo momento, as coisas ficaram insustentáveis. Cardoso acabou sugerindo que a Mediacoop lhe vendesse o MediaFAX. A proposta foi chumbada pela maioria dos membros da cooperativa. E o Editor bateu as portas e foi fundar o Metaical na velha garagem onde o MediaFAX nascera. Chamou-lhe Metical, mas era o mediaFAX continuado. Em tudo. Até no conjunto de colaboradores.

 

Com o Metical, Carlos Cardoso abraça uma contingência: a de produzir e, ao mesmo tempo, gerir um jornal. Um dos grandes desafios do novo patrão era colocar em prática na empresa seus valores de esquerda e seus princípios de transparência, que tão aguerridamente defendia em seus editoriais.

 

E ao longo dos quase 4 anos de existência do Metical, ele foi praticando sua gestão transparente. Ele deixara a Mediacoop por razões de gestão. Então, era preciso provar um registo completamente diferente.

 

E fê-lo: todos os meses, ele publicava, numa vitrina, a receita mensal e os extratos bancários; todos os jornalistas ganhavam o mesmo salário (e aqui eu discordava); todos os gastos mensais do jornal eram publicados. E no fim do ano, havia um bónus salarial para todos, sem diferenciação. Posso dizer que a face do Metical mostrou um Cardoso mergulhado numa personalidade multifacetada: um detentor de meios de produção, aplicando seus princípios de socialismo e transparência.

 

A fase do Metical mostra um jornalista envolvido na politica activa. Ele não era um politico ingênuo. Ele era um politico cheio de utopias. Uma utopia com forte base empírica. Um politico sonhador e pragmático também. Comprovamos isso com sua adesão ao JPC, no advento da Municipalização.

 

Ele usou essa oportunidade para praticar sua cidadania activa. Deixava a redacção para ir discutir, na Assembleia Municipal, a gestão da cidade de Maputo. Seu foco era a gestão financeira. A qualidade dos sistemas de colheita de receita nos mercados, a gestão do solo urbano, que estava a ser vendido ao desbarato, incluindo a terras de enorme valor junto da marginal.

 

Um dos grandes legados do seu activismo politico foi a persistência num modelo de estradas que acabou vingando em termos de resistência: as estradas feitas com base em pavê. Ele lutou, juntamente com o antigo representante do Banco Mundial, Roberto Chavez. Conseguiram numa das ruas de Maputo: o prolongamento da Vladimir Lenine, a partir da Praça da OMM, até ao Xiquelene. Aquela estrada e, para usar a palavra da moda, é a mais resiliente da cidade de Maputo. E isso deveu-se também ao papel do Cardoso como político.

 

O Metical nasce nos anos da corrupção desenfreada em Moçambique, que ainda perdura. A transição para a democracia relaxou a repressão do Estado. Em meados dos anos 90, muitas das empresas privatizadas haviam aberto falência.

 

Mas todos queriam ser empresários. A promiscuidade entre a politica e negócios avulta. O tráfico de drogas ganha espaço, assim como o recurso a fundos do tesouro que nunca foram devolvidos. A criminalidade organizada implanta raízes nas autoridades policiais e judiciais. Penetra no Estado, comprando sua impunidade.

 

O Metical surge sob este pano de fundo, embora a matriz editorial fosse de cariz econômico, melhor dizendo de economia politica. Cardoso prossegue a defesa da indústria, o debate fiscal, o comercio informal, o ambiente de negócios, a luta contra os malefícios do ajustamento estrutural. Mas o crime organizado e a corrupção quase que tomam conta da economia. Os bancos são defraudados. Com o judiciário e a policia tomados pelo crime organizados, a imprensa independente é a trincheira restante. Contudo, dentro da imprensa, nem todos estavam limpos. Cardoso e o Metical são o ultimo baluarte da integridade.

 

E, por isso, o jornal torna-se a provedoria publica da denuncia contra a corrupção. Cardoso desdobra-se na investigação. Tem sob a mesa diversos casos de promiscuidade nas elites politicas, denúncias de rombos e fraude, lavagem de dinheiro. Ele foi abatido quando começou a expor uma das fraudes marcantes do nosso sistema financeiro: a fraude ao antigo BCM. Outras fraudes ficaram por investigar, muita gente ficou aliviada pois o assassinato de Carlos Cardosos foi uma garantia da sua impunidade.

 

*Este texto foi escrito para ser apresentada no Webinário evocativo de Carlos Cardoso, que teve lugar na segunda feira.

segunda-feira, 02 novembro 2020 07:38

Legado de Carlos Cardoso: as sementes da irreverência

Neste Novembro que iniciou ontem, passarão 20 anos após o brutal assassinato que tirou a vida ao maior jornalista moçambicano, Carlos Cardoso. Sua assassinada partida violentou nosso imaginário colectivo. CC era um farol contra a corrupção e a delapidação do bem público, como ele gostava de dizer. Um porta-estandarte da integridade. Seus algozes, foram, por decisão judicial, julgados e condenados. Menos mal!

 

Mas abater Cardoso fez o favor a toda uma classe política e empresária entulhada na improbidade e ameaçada pelas investigações do jornalista. Em Novembro de 2000, Carlos Cardoso tinha em seus rabiscos um conjunto de temas sob escrutínio, envolvendo a grande corrupção, centrada nas fraudes bancárias e do tesouro, na expropriação do solo urbano, no tráfico de drogas e de influências, na lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito.  

 

Seu assassinato teve um efeito imediato perverso. O jornalismo de investigação tinha sido directamente visado. O medo se instalou nas redacções. Houve quem baixou a caneta. Cardoso formara muitos jornalistas, desde os anos 80, na AIM, mas nem todos fizeram germinar em si as sementes da investigação. Com seu assassinato, houve quase que um acanhamento geral. Poucos jornais, como os da Mediacoop, davam alguns ares da sua graça. A corrupção e o crime organizados andavam de vento em popa. Temia-se que com o seu assassinado, tudo o que ele plantara tinha morrido. Mas ele deixara afinal um grande legado.

 

O grande legado de Carlos Cardoso foram as sementes da irreverência que ele lançou. Não foram pessoas em concreto. Foram modos de ser e de estar, o direito à indignação, o abraço à investigação, a críticas aos poderes públicos. Cardoso mostrou que a democracia não se compadece com a censura.

 

Uma organização que bem abraçou o legado de Carlos Cardoso foi o CIP. Ao agarrar a luta contra a corrupção e a defesa da transparência, o CIP retoma de certa a agenda e as lutas de CC, agora com outras metodologias em complementaridade com o jornalismo investigativo, e outros referenciais teóricos.

 

Esta organização foi uma reencarnação dos ideais de CC. E berço do activismo conro em prol da integridade, defesa do bem publico. Ao ser replicado por outras organizações, o âmbito temático do CIP acaba espalhando as raízes da irreverência, cultivadas por Carlos Cardoso.

 

O legado de Carlos Cardoso está vivo e recomenda-se: a sociedade civil de Moçambique, incluindo o jornalismo está vibrante, activa e vigilante.        E cada vez sendo replicadas por novas organizações, surgindo como cogumelos que lutam contra a improbidade.

 

Vinte anos depois da sua partida, e- gratificante constatar que a obra de Carlos Cardoso transcendeu a efemeridade de uma notícia ou reportagem estampada num jornal. E é isso que os moçambicanos deveriam estar a celebrar neste Novembro: celebrar a obra profunda de CC. É isso que estamos a fazer aqui na “Carta”, jornal lançado justamente a 22 de Novembro, o dia trágico do jornalismo moçambicanos.(Marcelo Mosse)

No passado mês de Setembro, o jornalista de “Carta”, Omardine Omar percorreu os atalhos lamacentos da criminalidade ambiental, em Manica e Tete. Farejou a mineração informal (não necessariamente ilegal) e vasculhou evidências e percepções sobre o contrabando de madeira. No caso do contrabando de madeira, ele descobriu uma evidência aterradora: Moçambique está promovendo o contrabando transnacional de madeira. Toneladas de toros de kula entram em Tete, provenientes da Zâmbia. A kula é proibida em Moçambique por domesticação de convenção internacional. 

 

Por outro lado, o contrabando interno de madeira continua na ordem do dia. Durante a tutela do Ministro Celso Correia sobre o sector (nomeadamente, no MITADER), criou-se, e bem, a percepção de que o contrabando tinha sido vencido. Ele abraçou o confisco de madeira ilegal e viabilizou o “enforcement” da legislação que proíbe a comercialização internacional de determinadas espécies.

 

Essa situação óptima de gestão florestal foi temporária. Vingou apenas no consulado do Ministro. Aliás, durou poucos meses. O “lobby” do contrabando, algum promovido no quadro de uma cooperação perniciosa com a China, conseguiu impor-se. Já não há “enforcement”. A mão de ferro de Celso Correia foi sol de pouca dura. O retrato actual do sector é caótico. E isso leva-nos a uma questão: de que vale uma situação óptima de gestão pública se ela não é duradoura e depende de uma liderança temporária?

 

O caso do contrabando transnacional mostra a calamidade da gestão pública neste sector. A corrupção impera. Tornou-se modo de vida, uma forma “desigualitária” de redistribuição da riqueza, com enormes bolsas de rendas, uma economia de rapina do erário público. Isto mostra que uma “liderança” sozinha de nada vale se ela não for complementada por outros ingredientes de gestão e “enforcement”. Eis que nos falta! Em suma, uma liderança vale se ela for douradoura. Sem outros condimentos, um novo “set up” organizacional, ela é efémera. Vale o que vale!

quinta-feira, 01 outubro 2020 09:06

Visão de Estado

terça-feira, 22 setembro 2020 07:13

Bernardo Cumaio ainda não tomou posse INSS

Marcelo Mosse 0319
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