Director: Marcelo Mosse

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Textos de Marcelo Mosse

segunda-feira, 15 junho 2020 06:50

Estátuas, revisionismo e memória curta

Inhambane também teve sua estátua colonial. Vasco da Gama. Imponente. Era um símbolo da dominação colonial erigido na Praça mais “in” da Cidade, hoje Praça da Independência. Foi removida para os fundos dos estaleiros da edilidade, ainda em finais de 70, pouco depois da Independência. Para além dessa estátua, em Moçambique, as de Mouzinho de Albuquerque e de António Enes foram retiradas para o Museu da Fortaleza. A de Salazar também, por representar o poder colonial opressor.

 

Mas nessa onda de remoção, escaparam alguns monumentos: a estátua de Luís de Camões continua de pé na Ilha de Moçambique. E na Praça dos Trabalhadores (antiga Mac Mahon), temos aquele monumento aos mortos (moçambicanos e portugueses) na Primeira Guerra Mundial. São duas heranças do colonialismo, mas convivem salutarmente com as estátuas de Samora Machel, Eduardo Mondlane e Francisco Manyanga, em Maputo.

 

Camões havia sido removido na Ilha, mas foi reposto. Porquê? Em troca dalguma cooperação? Não sei! Creio que sua ligação à língua, com sua obra, pode ter sido uma razão. Afinal, o português é a nossa língua.

 

Um todo por todo o mundo há uma onda de revisionismo da história na sequência do “Black Lives Matter”, movimento de repúdio à injustiça racial, nascido do horrendo assassinato policial de George Floyd. Nos EUA, foi removida a estátua do general Robert E. Lee, comandante das forças sulistas na guerra civil, causa principal da defesa da escravatura no Sul. No Reino Unido, a estátua dum esclavagista foi deitada ao rio em Bristol. Tenta-se remover Cecil Rhodes, em Oxford. Ele foi o motor do colonialismo britânico no Sul de África, tendo dado nome a dois países, Rhodesia do Sul (Zimbabwe) e Rhodesia do Norte (Zâmbia).

 

Um brutal assassinato racista e a memória do povo se rebela contra os símbolos da injustiça do passado. No caso da escravatura, falta debater o papel dos chefes locais e a escravatura para a Ásia, pouco falada. Por outro lado, um dia gostaria de ver estes movimentos, sobretudo os da Europa, numa luta em defesa da compensação africana pela pilhagem do colonialismo europeu (ontem) e pela apropriação ilícita dos dinheiros que nossas elites corruptas (há também uma comparticipação local) roubam-nos e depositam em seus bancos (hoje). Basta de memória curta! (Marcelo Mosse)

terça-feira, 26 maio 2020 05:44

Uma Comissão de Censura para o Gustavo Mavie

Gustavo Mavie

O melhor argumento que eu usaria, se estivesse no lugar do Gustavo Mavie, era evitar ser juiz em causa própria. Eu, eu, eu, eu... Aqui não tem Ética, não! Perante a catadupa de críticas que ele vai recebendo, desabonando sua escolha para a Comissão de Ética, Mavie continua sua campanha “eleitoral”, tentando vender seus atributos de “patriotismo, competência e resiliência”. Melhor seria permanecer calado, e deixar esse trabalho para seus amigos, que têm-no feito com unhas e dentes.

 

A conversa sobre sua inaptidão para a Comissão de Ética baseia-se numa alegada má gestão da AIM, quando ele era director lá, aparentemente julgada pelo TA. Mas o melhor argumento para se desconstruir sua postura anti-ética não está aqui (estes relatórios de inspecção e auditorias são manipuláveis e falíveis).

 

A melhor fonte de aferição da postura anti-ética do Gustavo Mavie são os seus escritos. Seus lençóis de texto onde ataca e insulta quem tem pensamento crítico sobre o rumo da sociedade [recentemente meteu-se com os sociólogos Patrício Langa e Elísio Macamo; Langa propôs um debate sobre Poder e Ensino Superior; Gustavo acusou-lhe de estar a atacar o regime do dia: o debate morreu em decorrência dessa sua desonestidade intelectual].

 

Façam-lhe uma análise de conteúdo e vão descobrir uma personalidade barricada na vingança, panfletária, muitas vezes defendendo o indefensável, forçando argumentos com suas citações rebuscadas, para dar um ar de cientificidade. Um puro “loose cannon”, atirando contra tudo e todos que pretendam debater o rumo de Moçambique. Ele é o anti-debate em pessoa, parecendo mais Frelimo que qualquer um.

 

A Comissão de Ética é para ser preenchida por figuras que, mesmo sendo militantes, demonstraram uma postura pública equilibrada, em defesa da verdade, da razão, da Lei; figuras com uma dose de respeitabilidade na opinião pública, por suas intervenções honestas. Gustavo Mavie não encaixa nisso. Ele é um bom comissário político. Ele funcionaria melhor numa Comissão de Censura.(Carta)

quarta-feira, 20 maio 2020 05:31

O Museu dos Algozes

Anteontem, no Dia Mundial dos Museus, pensei sugerir aqui uma ideia para marcar a data, uma ideia “museulógica” mas, atarefado, perdi a engrenagem. Contudo, a ideia ainda me atravessa a garganta. Duvido, no entanto, do seu consenso. Trata-se de um museu nacional do agreste, no sentido bucólico do termo.

 

Uma coisa para documentar os aspectos mais negros da nossa história recente. Temos a preguiçosa mania de escrever pouco, em livro, sobre o presente. No Brasil, a lava-jato deu dezenas de livros. Imagino agora a matéria-prima bolsonara. Na RAS, o Guptagate encheu as prateleiras da Exclusive Books.

 

Aqui, as Dívidas Ocultas ainda não fizeram um livro, mesmo pejadas de personagens romanescas como os Nhangumeles, o meu ndriyango. De modo que um museu faria sentido. Caberia lá tudo de pária que domina nossa sociedade. O crime organizado. Os raptos. A corrupção desenfreada. As próprias dúvidas ocultas.

 

Exporíamos os raptores usando os bichos recorrentes do Idasse Tembe. Dos algozes do Carlos Cardoso existem imagens à catadupa. Da dívida sinistra tão muita. Seria um museu de imagens e memórias negras das vítimas, do povo sofrido. A ideia é que nossa sociedade se textura entre enredos negros, tenebrosos. O sangue dos nhongos a centro, adiando vidas. E o horror fétido a norte, que nos despedaça como nação. Um museu não serve também para estas coisas?

 

Um Museu dos Algozes? (Marcelo Mosse)

O empresário Juneid Lalgy mostrou que não é um paraquedista no futebol. Ele não está para se servir do futebol; está servindo o futebol. Desde Fernando Gomes, do Nova Aliança da Maxixe, que eu não via um verdadeiro empresário devotado ao desporto-rei, abnegado, sem interesses obscuros. Um carola como havia antigamente.

Juneid levou o Chibuto ao "Moçambola". Imaginem! Agora quer fazer história com o ABB (Associação Black Bulls), da Matola. Deve ter percebido que estar no grande Maputo é um trampolim para voos mais altos. Sua academia de formação é das melhores do país. Ninguém apostou tanto na formação como ele. E ontem apresentou um cheirinho do Estádio de Futebol que está a erguer, um complexo desportivo.

 

Quem é o empresário que fez igual em Moçambique, depois da independência, construindo um campo de raiz? Nem o Estado! Zimpeto foi uma boleia chinoca. Aliás, ao longo dos anos, ao invés de construir, destruímos nosso parque desportivo, algum vendido ao desbarato e depois queremos o futebol em lugares que não merecemos.

 

Empresários de verdade como Juneid Lalgy são necessários no nosso desporto. E devem ser acarinhados. Este texto é minha maneira de tirar o chapéu diante de uma obra ainda em curso, mas que dá conta, sem batota, da presença de um homem erguendo uma história de sucesso no nosso futebol.

quarta-feira, 15 abril 2020 06:28

O Fuminho deve ir para os “States”

Depois da conferência de imprensa do SERNIC, ontem, sobre a detenção do Fuminho, antes de ontem revelada em primeira mão pela “Carta”, mudei de opinião. Na manhã de ontem eu tinha bancado numa cegueira patriotice. Eu defendia num artigo na “Carta” que o Fuminho devia ficar por cá detido mais tempo para revelar, em sede de interrogatório judicial, suas relações promíscuas na pérola indica, quem lhe abriu as portas e quem lhe deu guarida, enfim suas relações cúmplices, tecidas junto de sectores políticos e económicos locais, o novo-riquismo torpe gerado da droga e suas lavandarias. Mas eu estava sobre-avaliando nossa Justiça e fazendo tábua razão de nossa porca economia política da corrupção, incluindo no judiciário.

 

Mas o Fuminho detido cá? Onde? Alguém alertou! E recordou-me que o Fuminho fugira de uma prisão no Brasil. Obviamente que nossas prisões são menos seguras. Depois tem a dimensão corrupção. Em menos de duas semanas, ele já terá todas as mordomias inerentes, incluindo acesso a telefonia móvel. E o risco de ser eliminado. O mesmo risco que motivou toda uma repulsa nacional contra a extradição do Manuel Chang para cá: a ideia de que pode levar um balázio perdido ou ingerir um veneno oferecido, queimando-se o arquivo que nele habita.

 

O conteúdo lacónico da intervenção do SERNIC alertou-me para o seguinte: traficante transnacional como Fuminho, procurado até pelo DEA, só pode ter protecção de autoridade pública corrupta. Moçambique não é um oásis de integridade. É um charco gigantesco de promiscuidade. Há cá gente poderosa interessada em que Fuminho se esfume de vez. E tudo farão para que isso aconteça. Por isso. ele deve partir. O DEA esteve envolvido na sua captura. O que significa que Fuminho deve ter traficado também para os EUA. Sendo assim, que vá para os EUA, como o último “El Chapo” mexicano, o Joaquín Guzman.

 

E uma vez lá, as autoridades negoceiam com ele um “plea bargain” (uma delação premiada) para que se tire todos os nabos da púcara. É disto que precisamos! Queremos saber os nomes dos bois que pastavam nesta selva de enriquecimento ilícito, fingindo-se empreendedores de nata quando não passam, também eles, de traficantes cujo património ilícito deve ser confiscado imediatamente. Para isso, o Fuminho deve ir para os States. Ponto final!

O PM Carlos Agostinho do Rosário mais o Ministro da Saúde, Armindo Tiago, disseram hoje aos doadores que Moçambique precisa de 700 milhões de USD para prevenir e combater o Covid 19.


Bastou ser confirmado 1 caso de Covid 19, o governo já está de mãos estendidas pedindo 700 milhões de USD?


Será que vamos ter uma crise assim drástica? Como é que chegaram a essa cifra? Na semana passada, a Saúde falava de um plano de contingência de 23 milhões de USD, essencialmente para medicamentos e material de proteção para os trabalhadores do sector. Curiosamente, esse valor quase coincide com os 20 milhões de USD que a Saúde deve a fornecedores diversos, que estão agora relutantes em fornecer máscaras, luvas e dispensadores de álcool e gel, até que a dívida seja paga.


Hoje, no pedido de esmola, Adriano Maleiane disse que dos 700 milhões de USD, 90 seriam para um tal pacote económico mas ele quer que esse dinheiro seja dado na forma de apoio orçamental. Apoio orçamental? Mas o que é que mudou em termos de transparência na gestão das finanças públicas?

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