Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Textos de Marcelo Mosse

Quando fundamos a Carta era preciso encontrar  cronistas que complemetassem nosso noticiário. De preferência uma voz nova, desamarrada das agruras da política, independente e armada de bom verbo e do poder voraz do sarcasmo. Juma AIUBA já escrevia no Facebook e tinha uma ninhada considerável de seguidores. Foi escolhido a dedo. De Quelimane, ele escrevia para o país, pintando de humor os actos da política quotidiana, descascando as mentiras, denunciando incongruências e esmiuçando a avareza. Ao aceitar escrever na Carta, não era o jornal que lhe estava a dar a boleia da exposição mediática.

 

quinta-feira, 04 fevereiro 2021 14:51

O Presidente deve prestar contas

É expectável que o discurso do Presidente Nyusi hoje à Nação não se resuma apenas a um agravamento das medidas de privação das nossas liberdades, da mobilidade geral, do consumo e da actividade económica, culpabilizando a sociedade pelo incremento das infeções por Covid 19 no trágico mês de Janeiro. O cidadão teve também a sua quota parte mas foi ele, quem abriu as postas da transmissão comunitária com o relaxamento de Dezembro.

 

Mais do que agravar, Nyusi deve também prestar contas, explicando o que é que o Governo fez ao longo destes meses, e como é gastou o dinheiro orçamentado para a Covid 19 (incluindo dinheiro dos doadores). Há muita informação desencontrada. E profissionais da Saude a morrer. Hoje perdemos o Dr Narciso Mucavele, Clínico Geral, Médico no Hospital Geral de Manjacaze. A questão da protecção do pessoal medico é pertinente. Sem eles, perdemos a guerra. Ainda não é clara uma estratégia de testagem; como estamos de oxigénio; e por que é que o MISAU não cria um Gabinete de Crise para responder às solicitações do sector privado? Diga-nos, pelo menos, quanto é que já foi gasto em dinheiro e em quê...

 

PS: Por falar em dinheiro, foi repetida a alegação de que o Senhor recebeu 1 milhão de USD da Privinvest, no quadro do calote. Pode dizer-nos (aos moçambicanos e em Moçambique) em primeira mão, de sua própria boca, o que aconteceu? (M.M.)

segunda-feira, 25 janeiro 2021 06:26

Uma questão de “mindset”

Corre na televisão um vídeo promocional da Fundação Chipande, dando seu ombro de caridade aos refugiados da chamada insurgência.


Boa parte da filmagem foi feita em Metuge, com Chipande se gabando da sua alma caridosa. Antes é feita uma revelação que convocaria à psicanálise. Um membro do clã Chipande diz que eles só despertaram para a realidade cruel do terrorismo quando o fenómeno atingiu a família em Mueda. Foi aí que, finalmente, se aperceberam duma tragédia que andava em cena desde há cerca de 3 anos, com relatos nos “media”, apesar da censura do Governo. É uma questão de “mindset”. Um tipo de mentalidade egocêntrica, fixa. A crença imutável de que o mundo gira à sua volta. E só despertamos para um problema quando ele nos bate à porta. É assim como o Governo está a reagir. Agora que a Covid 19 penetrou nos lares dos camaradas (depois das suas festanças esbanjadoras do fim do ano) e o sistema de saúde mais o sector privado mostraram sua falibilidade é que o Governo já está a mandar vir camas com ventiladores e Nyusi foi bater uma cavaqueira com os médicos. Não fosse isso, estaria tudo na mesma, os pobres morrendo no seu anonimato e a mola dos doadores (a nossa também, aquela do orçamento rectificativo) sendo compartilhada nas trevas da corrupção. Se os terroristas não tivessem atacado Mueda, Chipande não teria sentido a dor. No caso do Governo, falta estudar a razão porque optou por não investir, guardando o dinheiro na gaveta e uns ratos roendo tudo. E os médicos morrendo sem proteção. This is Mozambique!

segunda-feira, 04 janeiro 2021 06:03

Vamos adiar a exploração do gás do Rovuma!

O ataque perto do acampamento da Total de Afungi foi um ataque ao âmago do gás do Rovuma. A decisão da Total de evacuar os moçambicanos de Palma (não apenas por causa das questões de seguranças, mas também por uma alegada vaga de Covid 19, que assolou o acampamento, de acordo com fonte reputadas de “Carta”) é um indicador de que a exploração do gás vai sendo adiada. Adiar a exploração do gás é o mais sensato da fazer hoje. É certo que a economia presente precisa das suas receitas, mas os moçambicanos do futuro podem muito bem tratar do assunto.

 

Moçambique não tem estrutura de poder capaz de conduzir a exploração do gás ao almejado “El-dorado”. A abordagem da guerra é titubeante (com contratos secretos e compra de equipamento quase obsoleto) e essa mesma guerra começa a ser uma justificação do negócio de rapina que se está a implantar no sector, cada vez mais com termos de troca prejudiciais para a sociedade moçambicana. Ao invés de construir um acampamento sólido, usando nossa pedra e areia, a Total mandou vir pré-fabricados lá da Europa. Nosso conteúdo local está vendo navios. Aliás, esses módulos residenciais chegaram de navio.

 

Se este regime não consegue impor o conteúdo local e terminar com esta guerra, então paremos com o gás. Esta guerra parece um instrumento de saque. Saque externo e interno. E temos cerca de 500 mil deslocados, empurrados para distritos recônditos da Zambézia. Como? De Macomia para a Zambézia? E aqui são tratados como estrangeiro, desterrados? E quando a guerra terminar, sua terra já foi tomada? E o gás esgotado? Não!

 

A exploração do gás nas actuais condições não serve aos moçambicanos. Nem com famigerados fundos soberanos. Aliás, o maior fundo soberano são nossas florestas e nossos mares, que, mesmo sem guerra, esta geração que fez a luta armada não consegue gerir de maneira dignificante. A rapina chinesa comanda. Eles lá na China sabem quanto cada um dos moçambicanos deve ao Estado chines. Nós cá em Moçambique não conseguimos calcular quanto dessa dívida já estaria paga, em espécie, através da nossa madeira e frutos do mar. (Sim! A ponte para a Catembe poderia ser paga dessa forma, e não com portagens astronómicas, como foi anunciado). É intrigante como esta elite no poder não consegue corrigir os desmandos nas pescas e florestas. No gás, corremos o mesmo risco. Melhor parar! Já! (Marcelo Mosse)

Na semana passada, Filipe Nyusi disse uma verdade nua e crua: as redes sociais estão a ser usadas para propalar o boato e a mentira sobre a guerra. E tocou na ferida: meios dão eco a essa vaga manipulação. Mas em face à crítica, metemos a cabeça na areia. E nosso corporativismo, assente em falsas uniões, ao invés de discutir abertamente o problema, barrica-se numa defensiva com fundações de barro.

 

Nyusi centrou a guerra e o boato vigente sobre suas incidências. Dizia alguém nos anos 90 que na guerra a verdade era a primeira vítima, imagine-se hoje no advento das redes sociais em que qualquer um produz seu noticiário donde quer que esteja. E pior no caso de Moçambique, em que temos jornais digitais registados não sei aonde, que sobrevivem do plágio e da fofoca (sem que ninguém lhes caia cima), da pura invenção, muitas vezes visando figuras inocentes, reclamando para si o epíteto de investigativos, quando não passam de pasquins chantagistas.

 

Na semana passada, um jornaleco digital inventou que a Etiópia recusara a mediação da Joaquim Chissano alegadamente porque o Governo de Adis considerava o antigo Presidente como sendo um “senhor da guerra”. O jornaleco dizia mundos e fundos sem nexo sobre Chissano. Imagino como terá ficado o homem. Mas a mentira permanece ainda “on line”; quanto mais lida mais visibilidade para o pasquim.

 

Nyusi tocou numa ferida. A comunicação social e algumas organizações da sociedade civil repudiaram, como se o Presidente tivesse extravasado seus limites e estivesse numa empreitada injusta contra a liberdade de expressão. Mas não! Aliás, jornais e ONGs que usam ferramentas de jornalismo tornaram-se hoje especialistas na manipulação.

 

E, nalgumas vezes, substituem-se aos tribunais, condenando em primeira instância, numa espécie de jornalismo sumário, sem direito ao contraditório por parte dos visados. Nem a presunção da inocência vale. O caso das “dívidas ocultas” tem mostrado isso. Quanta gente já foi condenada pelos “media” sem nunca terem sido constituídos arguidos pela Justiça. Vimos recentemente aquando da remissão pela PGR do processo autónomo das “Dívidas Ocultas”. Alguém reparou que no exercício de adivinhação de quem constava no processo algumas pessoas, nunca ouvidas em sede de justiça, foram arroladas por jornais e ONGs como suspeitos?

 

O retrato de Nyusi sobre Media, Redes Sociais e Manipulação com enfoque sobre a guerra pode ser extrapolado para todo o espectro da sociedade. E a melhor resposta de todos seria abraçarmos o debate. Por exemplo, há uma dimensão ética perdida no jornalismo. O que fazer? As redes sociais são um antro de manipulação usada por gente sem rosto, escondido no anonimato. Como regular? Como penalizar o plágio e a calunia na arena digital? Que papel para o muito caladinho Conselho Superior da Comunicação Social (que poderes de regulação com salvaguarda da liberdade de expressão?).

 

É fácil reagir atacando o Presidente. Mas precisamos de enxergar longe, fora da caixa, e fazer a autocrítica. Vamos debater?

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