Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Textos de Marcelo Mosse

Edmundo Carlos Alberto, a esquerda de Beatriz Buchili, pode ser o próximo Procurador-Geral da República

O PR Filipe Nyusi acaba de exonerar Edmundo Carlos Alberto do cargo de Procurador-Geral adjunto da República. Só espero que não seja para nomeá-lo Procurador-Geral da República porque ele é, de facto, uma figura completamente inútil ao sector da Justiça. Nunca ninguém soube o que ele faz. Desde os tempos em que foi vice-Ministro do Interior, Carlos Alberto tornou-se mais conhecido pela sua ausência e incompetência. Aliás, nessa altura houve um episódio em que ele sonegou informação numa investigação do jornalista Carlos Cardoso sobre roubo de carros. Nessa altura, sua credibilidade foi muito afectada porque pareceu ter ficado claro que ele estava a defender os larápios. Era uma espécie de polícia protegendo ladrões.

 

segunda-feira, 22 julho 2019 05:53

Sobre umas ressonâncias do Omar Mithá

O PCA da ENH foi de uma valente perspicácia na colocação das previsões do encaixe fiscal e não fiscal que o Estado terá decorrente  do gás do Rovuma. Ele clarificou "pão pão, queijo, queijo" nossas dúvidas sobre uma tal retórica que estaria empolando os beneficios.

 

Ainda bem! Daqui a poucos anos ja vai dar para monitorar essas previsões. 

 

No mesmo diapasão, o INP também veio a terreiro dizer de sua justiça. E foi interessante ver essa avalanche reactiva do regulador e do operador petrolífero nacional a uma entrevista do Dr Magid Osman na STV, da qual eu apenas amplifiquei na Carta de Moçambique suas ideias centrais. 

 

As reações revelaram um défice de comunicação das duas entidades. Dados relevantes sobre a economia do gás do Rovuma são  publicados de modo reactivo.

 

Agora é preciso que as projecções das duas entidades sejam publicadas de modo permanente nos respectivos websites. Estou curioso para ver essa dimensão de transparência.

 

Mas é preocupante que nenhuma das entidades tenha abordado sobre os desafios de controle dos custos recuperáveis, aspectos fundamentais na determinação da matéria tributável e profit oil. 

 

Por outro lado, mais do que desmentir os dados de Magid Osman e fazer troça de quem foi apenas o meio de uma mensagem que continha uma perpectiva diferente, ficou no ar um sinal indelével de que o pensamento diferente é tido como ruim. 

 

Dir-se-á que não se trata de conjenturas mirabolantes mas de números concretos decorrentes dos "project finance" relevantes. E que quem está directamente envolvido manipula melhor os dados que qualquer "outsider". Mas estamos perante um projecto de escala globlal pelo que andam por aí projeções  distintas.

 

De qualquer forma, os dados publicados são eloquentes sobretudo pelo seu nível de desagregação. E, por isso, o mérito de Magid Osman em trazer uma abordagem que forçou que mais dados fossem liberados.

 

Uma coisa, no entanto, deve ser reconhecida humildemente. O financiamento da ENH para sua participação nos dois projetos do Rovuma será um grande desafio. E isso não decorre da "conjuntura económica", qual eufemismo! Decorre do calote da dívida oculta e do "default" que enterrou nosso "rating" no lixo. A necessidade de financiamento da ENH para participar nos projectos do Rovuma e a situação da dívida decorrente do calote jogam uma contra outra. 

 

Para recuperarmos alguma  credibilidade é preciso que o Governo consiga uma urgente reestruturação da dívida oculta com alguns dos credores. Depois disso, lá mais o fim do ano, a ENH terá mais chances. Negar esta situação é tentar tapar o sol com a peneira.

 

De resto, ficamos com mais dados, agora divididos entre uma visão mais comedida e uma propaganda de encher a barriga...com os bilhões.

quinta-feira, 18 julho 2019 05:56

Manuel Chang e a Frelimo numa embrulhada

O “affidavit” de Vusi Madonsela, o Director Geral do Ministério da Justiça e Assuntos Correcionais da África do Sul, justificando a recusa da extradição para Moçambique de Manuel Chang é claro numa coisa: Manuel Chang tentou, inclusive junto do Tribunal em Nova Iorque, provar a sua inocência sem usar os passos que a justiça lhe confere.

 

Mas Chang fez isso com o beneplácito do Estado moçambicano e, certamente, do seu partido, a Frelimo, que neste fim de semana se reúne em sessão extraordinária do seu Comité Central (CC). A reunião vai tratar das eleições em curso, do seu manifesto que certamente colocará assento tónico no tal combate a corrupção que o Presidente Filipe Nyusi já anda fazer num quadro de ausência total de quaisquer incentivos para que sua mensagem seja abraçada pelos destinatários [os funcionários públicos não têm quaisquer incentivos para deixarem as oportunidades de corrupção a não ser os desincentivos da repressão penal ou disciplinar!]

 

Mas o CC deve usar o momento para clarificar o que quer fazer com Chang. Sacrificá-lo, e deixando-o ir para Broklyn, ou lutando mais uma vez para trazê-lo de volta à casa.

 

O tempo corre e o teatro bacoco e a incompetência banal com que se tem feito as coisas já não bastam. Deixá-lo ir é simples: basta baixar os braços e não fazer nada, engolindo sapos vivos, mas ganhando pontos no eleitorado, e, ao mesmo tempo, atravessando todo um deserto sob o fio da navalha e o coração na mão sem saber o que Manuel Chang vai dizer quando chegar ao EUA e se vir na contingência de delatar em acordo de “plea bargaining”. Seu julgamento, como se sabe, começa a 9 de Outubro em Nova Iorque.

 

A outra opção é acelerar o processo contra Chang, acusá-lo e levantar a sua imunidade para pelo menos convencer as autoridades sul-africanas de que há deste lado uma intenção séria de aplicar justiça. E, para isso, os dias são poucos, nomeadamente até 23 de Agosto, quando as audiências do caso retomarem no High Court de Gauteng.

 

O caso está mesmo numa embrulhada. E a Frelimo sabe disso. Mas agora deve agir com seriedade pois todos os actos do nosso Estado sobre esta matéria estão a ser monitorados lá fora. O espectáculo gratuíto de Verônica Macamo (com sua panóplia esfarrapada de figuras jurídicas inexistentes como afrouxamento, relaxamento ou redução de imunidade) dá-nos uns momentos penosamente hilariantes mas também uma dose de revolta quando a mediocridade de quem nos governa é exposta cruelmente. Mas já não há espaço para manobras brincalhonas.

 

A embrulhada é grande e a Frelimo deve agir: deixar Chang ir aos EUA ou fazer mais um “forcing” para tentar a sua extradição para casa, eis o dilema.

A intervenção da sociedade civil moçambicana na África do Sul, obrigando à reavaliação judicial do processo de extradição de Manuel Chang, é a demonstração pura de uma cidadania em defesa do interesse público. Quando a política e a justiça se mostraram erráticas, defendendo uma extradição para Moçambique sob o argumento da garantia do confisco de bens (que no caso dos arguidos já acusados da dívida oculta se mostra completamente ineficaz), a sociedade civil não baixou os braços à sua crença de que um julgamento de Chang nos Estados Unidos tem maior probabilidade de não ser manipulado politicamente. Aliás, esta é uma crença generalizada dos moçambicanos, dado o descrédito vergonhoso que envolve todo o aparelho judicial.

 

Na semana passada, era largamente especulada a iminência do envio de Chang para Maputo, gerando os temores recorrentes de que ele vinha para gozar sua impunidade no quadro da protecção política que a Frelimo, seu partido, lhe oferece. E dado que os americanos (não se sabe muito bem a troco de quê) decidiram não recorrer da decisão política de Michael Masutha, a vinda de Chang parecia um dado adquirido.

 

Mas o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), uma coligação que congrega 19 organizações, e onde se destaca o trabalho abnegado de figuras como Denise Namburete, Paulo Monjane e Edson Cortez, vislumbrou brechas legais para agir dentro do aparato judiciário sul-africano, e conseguiu fazer a vez dos americanos. Sua petição, brilhantemente esgrimida, teve o efeito vulcânico sobre a decisão de Masutha: o processo vai ser analisado no Tribunal Supremo sul-africano, voltando tudo à estaca zero. Ou seja, a possibilidade de Chang seguir viagem para uma prisão em Brooklyn ainda está viva.

 

Este efeito é um marco político digno de realce e mostra como algumas organizações da sociedade civil são de extrema relevância (muito mais relevantes que os partidos políticos) para a defesa dos interesses da maioria.

 

Desde os primórdios dos anos 2000, as organizações da sociedade civil da área de Governação têm aprumado suas intervenções, sofisticando nas análises sobre a gestão pública do Estado, muitas vezes errática e, sobretudo, exigindo de forma assertiva a prestação de contas e a transparência.

 

A pequena grande vitória na África do Sul mostra que a litigação em defesa do bem público, gerido por interesses privados de uma elite política que só pensa em acumular riqueza para si, pode ser instrumental como ferramenta de trabalho das ONGs da Governação. Estamos perante um grande marco, um excelente aprendizado.  

 

E atenção: a classe política moçambicana não se pode queixar. Foi ela própria quem criou as condições para que o caso chegasse a este estágio, ao protelar o levantamento das imunidades do deputado Chang.  A renitência (bem representada por declarações inócuas de Verónica Macamo, a Presidente da AR, garantido que Chang iria ser detido logo que chegasse a Moçambique) acabou não servindo os interesses do próprio deputado. O expediente da manipulação com doses exageradas de improviso e incompetência, a que a Frelimo está habituada, desta vez não vingou, esbarrando na RAS, um Estado onde leis e princípios são respeitados pelas autoridades públicas.

 

Em suma, a sociedade civil moçambicana, num acto de cidadania corajosa, derrotou a classe política local receosa de ver Chang delatando, nos EUA, sobre as entranhas da corrupção em Moçambique.  Tratou-se de um marco tremendo em defesa do bem público, um facto que deve ser registado nos anais mais vistosos da nossa História. (Marcelo Mosse)

 

quinta-feira, 04 julho 2019 07:19

Filipe Nyusi: “lobistas” ou tarefeiros?

Em Lisboa, o PR Filipe Nyusi admitiu que existem “lobistas” dentro no nosso espectro político-económico e que isso era normal (“profissional”) pois nem todos os empresários conseguem fazer tudo. Alguns não conseguem tratar determinados expedientes (uma carta de condução ou uma licença) e vai daí surgir o “lobista” que, com o seu talento, consegue fazer andar a engrenagem.

 

Eis o Presidente Nyusi noutra enroscada conceitual!

 

Ele admite que existem “lobistas”. Certo! Mas falha redondamente quando tenta descrever o perfil do “lobista”, confundindo-o com um simples tarefeiro. Pois aqui é que está o problema. O tarefeiro é um prestador de serviços. E isso é legal. Em Moçambique, há centenas de pequenas empresas criadas para prestar os serviços que o PR atribui ao “lobista”. Por exemplo, o tratamento de vistos ou a renovação do BI e do DIRE. Na actual crise dos BIs e passaportes, a que ninguém consegue pôr cobro, são dezenas de tarefeiros que nos contactam todos os dias pedindo-nos para investigar o que é que se passa.

 

Estes não são “lobistas”, senhor Presidente. Estes são faxineiros que procuram ganhar a vida na tramitação de documentos dentro dos procedimentos normais da administração pública.

 

Já o “lobista” é uma figura mais sofisticada (e quase sinistra) e que procura ganhos astronómicos através do tráfico de influências e isso ainda não está legislado em Moçambique. Teófilo Nhangumele é o protótipo de um “lobista” por excelência. Conseguiu convencer todo um Estado a comprar um projecto legítimo de segurança costeira. Traficando influências, ele ganhou o seu quinhão.

 

O nosso “lobista”, senhor Presidente, usa colarinho branco. Geralmente é filho de dirigente ou membro do SISE. Nos tempos de Armando Guebuza na Ponta Vermelha, eram tantos os “lobistas” que cobravam 10 mil USD para facilitarem encontros entre investidores estrangeiros e o dito-cujo. Eram os “lobistas” sangue-sugas. Sentavam-se no Polana com a missão de estabelecer pontes entre quem vinha de fora à procura de uma oportunidade e o poder político local, num contexto, pois, de ambiente de negócios demasiado dependente das traficâncias de influências ao mais alto nível.

 

E houve quem conseguiu se endinheirar nesse desiderato. Durante o guebuzismo, nossos “lobistas” até chegaram a ir ao Brasil tentar vender negócios à Vale em nome do guebuzismo mesmo que Guebuza não soubesse disso. Hoje, uns são seus ministros senhor Presidente!

 

O “lobista” em Moçambique não é uma figura normal para o ambiente de negócios. Porque ele interfere no procurement público. Nosso “lobista” paga suborno para conseguir ganhar um concurso e isso não é saudável. O que se passa com os BIs e passaportes decorre mesmo disso. Ao invés de uma adjudicação transparente, o processo decisório na contratação do novo provedor foi de acordo com a voz do “lobista”. E é o que se vê.

 

Mas o que fazer? O “lobista” usa a Frelimo para conseguir vingar. Aliás, nos últimos anos eles perceberam que ter a Frelimo no bolso era uma carta-branca para o sucesso. Por isso, em processos eleitorais internos na Frelimo, haverá sempre “lobistas” a investirem rios de dinheiro na compra da consciência dos militantes. E depois investem também fortemente nas campanhas eleitorais. A sua anterior campanha, caro Presidente, foi prova disso: havia uma grande competição entre “lobistas” para pagarem as suas despesas de campanha. E houve rios de dinheiro gastos nessa empreitada.

 

Em Lisboa, ao mencionar o facto de termos “lobistas”, o Presidente fez muito bem. Pelo menos agora muitos vão poder falar do assunto e é provável que se abra um debate na sociedade. Porque há muita gente que vive do “lobby” mas a actividade não é claramente legal. Alguns trazem negócios e ganham o seu “sucess fee” mas será que pagam impostos? Outros trazem negócios, como o Mateus Zimba, ganham as suas “comissões” e acabam nas malhas da corrupção, mesmo que o Estado não tenha sido lesado. Precisamos mesmo de um debate aberto sobre o que é isso de “lobby” em Moçambique e como é que a actividade pode ser legalizada a bem da transparência nos negócios. Mas nada de confundir “lobistas” com tarefeiros! 

Completamente embrenhado na sua pré-campanha eleitoral, esquivando-se na figura de Presidente da República, Filipe Nyusi deu, há dias, um ar de pouca graça, mostrando o quão está completamente desfocado quando se mete a falar sobre corrupção. Foi em Mapai, nas profundezas de Gaza. O Presidente disse que tinha uma lista de médicos e enfermeiros envolvidos em corrupção. E ameaçou: vamos perseguir!

 

Assim mesmo, o candidato da Frelimo, que é o actual Presidente da República, tem a vontade de fazer-se de Polícia. Com a corrupção desenfreada – virou modo de vida a todos os níveis – Nyusi parece não ter armas nem visão sobre como abordar o fenómeno. Ao invés de incentivar o trabalho das entidades do Estado que devem prevenir e repelir a corrupção, ele decidiu exibir seu dedo persecutório, como quem quer implantar um Estado policial contra os funcionários públicos de baixo escalão.

 

Mas foi sempre assim. O Presidente Nyusi quando tenta falar sobre corrupção cai, facilmente, numa retórica desastrada, desfocada. Seu consulado nunca esboçou uma ideia sólida de reforma anti-corrupção. Com Joaquim Chissano, o aparato institucional foi melhorado com o estabelecimento da Unidade Anti-Corrupção (UAC), depois transformada no actual Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC).

 

Com Armando Guebuza tivemos uma substancial melhoria do quadro regulatório, com o estabelecimento da Lei da Probidade Pública. Com Nyusi, é legítimo dizer que nada andou. Nenhuma reforma foi feita. As evidências do saque ao bem público ficaram expostas com o calote da dívida oculta e, nos últimos anos, seu Governo fez tudo para proteger os prevaricadores, não fosse a prisão de Manuel Chang por ordens da justiça americana. E a reacção penal não anda; ou anda a passo de camaleão e, na maioria das vezes, com sinais claros de violação de preceitos legais e de garantias constitucionais dos cidadãos.

 

Em Mapai, Filipe Nyusi mostrou como está equivocado, completamente sem norte quando aborda a corrupção. Por exemplo, disse que distinguir pequena da grande corrupção era uma falácia. Que tudo era igual. Pior, ele declarou que a corrupção que mais afecta as classes baixas da sociedade era a corrupção do enfermeiro, do médico da maternidade, do funcionário da migração, que cobra para emitir passaportes. Ou seja, a pequena corrupção. Eis o desfoco total do Presidente. Ele está mesmo precisando de umas pequenas aulas sobre probidade e ética na esfera pública.

 

A distinção entre pequena e grande corrupção é uma distinção operacional. Ajuda na análise ao fenómeno e na busca dos remédios para a sua cura. Misturar tudo no mesmo saco só serve a quem não quer tocar na ferida e insiste em olhar a corrupção apenas como o mal perpetrado por funcionários públicos. É o que faz Filipe Nyusi.

 

Em Mapai, ele recusa a distinção, mas acaba falando apenas da pequena corrupção, e é isso que convém à Frelimo, um partido afinal mergulhado na grande corrupção. É fácil apontar o dedo aos médicos e aos enfermeiros que falar do efeito nefasto das “dívidas ocultas”, contraídas pela elite do regime. É fácil dizer que a pequena corrupção é mais prejudicial para as classes baixas, pois isso evita que se toque na ferida profunda que a crise causada pelo endividamento ilegal causou na maioria das famílias moçambicanas.

 

A escolha da corrupção do funcionário público como alvo parece ser uma artimanha para Filipe Nyusi esconder a vergonha que são os negócios públicos deste país, controlados por lobistas sem dó nem piedade, que ganham milhões traficando influências, intrometendo-se no grande procurement público e vendendo ao Governo, grosso modo, muitos serviços que não passam de gato por lebre, degradando a qualidade das instituições do Estado. Adivinhem quem, recentemente, forneceu a máquina de Radioterapia que Filipe Nyusi inaugurou, a 28 de Março, no Serviço de Oncologia do Hospital Central de Maputo. Adivinhem!

 

Para a população de Mapai é melhor falar no funcionário da migração que atrasa com o passaporte quando a emissão do documento de viagem (e dos BIs) está refém de uma gang que conseguira um contrato (ilegal e ilegítimo) com o Estado para oferecer um serviço de soberania. (Tal como no passado, o Estado ofereceu a inspecção não intrusiva a uma empresa privada, participada pela holding da Frelimo, a SPI, há poucos anos oferecemos a produção de BIs e Passaportes a uma empresa estrangeira, de conduta suspeita, chamada Semlex, belga.

 

Agora que essa gang foi empurrada para fora do negócio (por outra gang ligada a uma família do topo em Moçambique) eis que a geringonça dos BIs e Passaportes já não anda. Na fábrica, quando os técnicos da Malbauher, a nova concessionária, tentam imprimir o BI biométrico e novos passaportes sai tudo branco. O pior é a alegação de que afinal toda a base de dados com nossos dados de identificação está depositada em servidores fora do país, tudo refém da Semlex, zangada por seu contrato ter terminado.

 

Ou seja, toda a máquina de produção de BIs e passaportes está emperrada em Maputo, num gigantesco emaranhado de corrupção protagonizado por agentes de colarinho branco bem conectados na hierarquia do poder e o Presidente sabe disso. Mas em Mapai, Nyusi prefere lançar para a fogueira o pobre funcionário público da Migração.

 

Ao evitar a distinção entre pequena e grande corrupção (mas focando seu discurso na pequena corrupção), Nyusi mostra como o programa da Frelimo não visa mudar as coisas. Como é que Filipe Nyusi insiste na perseguição dos médicos que trabalham nos distritos, como seu grande cavalo de batalha contra a corrupção, quando nos últimos anos as evidências mostram que as finanças públicas estão a saque em montantes astronómicos e ele nada diz sobre isso?

 

Todos os dias são publicados na imprensa anúncios de adjudicação de bens e serviços ao Estado que são de arrepiar. O mais recente que nos chegou às mãos tinha tanto de ridículo como de arrogante. A contratação de empresa de hortícolas em Chimoio (15 milhões de Meticais) era adjudicada a uma papelaria. Como este, são vários os anúncios mostrando como o bem público está a saque em Moçambique. E o assunto já tem barbas. A reforma do procurement público, com o apoio dos doadores nos anos 2000, acabou sendo um grande fracasso. A lei até pode ser boa, mas a prática é perversa. Se Nyusi mandasse recortar todos os anúncios de adjudicação claramente manipulados teria consigo uma lista fecunda de casos a perseguir, representando vários milhões de USD.

 

As evidências da manipulação do procurement são tão patentes que leva a estranhar o silêncio do Governo sobre o assunto. Nunca nenhum governante saiu à rua mostrando sua contrariedade. Todos os ministros aprovam a roubalheira em curso. Seu silêncio é tão gritante que até dá para suspeitar se essas adjudicações rocambolescas não envolvem a canalização de uma taxa de corrupção para o partido Frelimo. Em ano eleitoral, pode ser provável que a Frelimo se vá financiar nesse lamaçal de improbidade.

 

Ouvir o Presidente Nyusi falando sobre corrupção em Mapai foi penoso. Revelou-se um homem sem ideias e sem orientação. Com a campanha eleitoral à porta é de esperar que o Presidente seja mais assertivo e apresente ideias claras sobre o que vai fazer para controlar a corrupção. A sociedade moçambicana precisa de um programa claro para lidar com o fenómeno. A prisão dalguns peixes-graúdos já não é suficiente para nos convencerem de supostas boas intenções. Falta um élan programático com reformas tangíveis mas que exigem coragem. X

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