Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Carta de Opinião

Contextualização 

 

Há muitos anos que o exercício da cidadania em Moçambique é ofuscado e condicionado pelo medo que os cidadãos sentem por temerem represálias de diversa ordem, quais sejam: perda de emprego, marginalização, discriminação, intimidação, ameaças, ódio, agressão física, desaparecimento e até assassinatos, que é a situação mais grave, fundamentalmente praticado pelos chamados “Esquadrões da Morte”, “Milicianos digitais”, alguns governantes e/ou dirigentes, algumas elites do Partido no Poder, Polícia da República de Moçambique (PRM), Forças de Defesa e Segurança (FDS). Em certas situações, o medo é alimentado e espalhado através do Ministério Público e/ou Procuradoria-Geral da República e até mesmo pelos Tribunais por via de processos-crimes infundados e fabricados.

 

Do ponto de vista jurídico constitucional, Moçambique é um Estado de Direito Democrático e de  justiça social. No mesmo sentido, a Constituição da República de Moçambique (CRM) define como objectivos fundamentais do Estado, de entre outros, os seguintes: “a edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos; a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei”;o reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual”; “a promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz”; consagrados nas alíneas c), e), f) e g) do artigo 11 da Constituição da República, respectivamente.

 

Curiosa e estranhamente, alguns órgãos do Poder Público têm ignorado o formalismo constitucional que consagra o exercício da cidadania, da democracia, dos direitos e liberdades fundamentais como forma de ser, estar e fazer política e cultura de desenvolvimento social e económico de Moçambique. O estabelecimento do medo e terror no seio da população tornou-se o maior trunfo dos dirigentes para se manterem no poder, a todo o custo, mesmo sacrificando vidas de cidadãos inocentes e indefesos que recorrem à inteligência e à lei para que prevaleça a justiça no País.

 

Há várias evidências e de natureza grave de que a PRM tem sido campeã de violação dos direitos humanos e de abuso de autoridade, com algum destaque para o Serviço Nacional de Investigação Criminal – SERNIC, que, segundo denúncias na imprensa e mesmo nos relatórios oficiais dos órgãos de justiça, até chega a assassinar e raptar cidadãos num esquema de negócios ilegais, qualificando-se como autêntico agente do crime organizado. Outrossim, polícias do Grupo de Operações Especiais (GOE), da Força de Intervenção Rápida (FIR) ou Unidade de Intervenção Rápida (UIR), unidade anti-motim da PRM, também actuam contra os direitos humanos e semeiam medo no povo.

 

Por sua vez, as Forças de Defesa e Segurança (FDS), não obstante o seu acto patriótico relativamente à guerra em Cabo Delgado contra o terrorismo, têm sido denunciadas como agentes da violação de direitos humanos, matando indiscriminadamente e saqueando os seus bens da população, para além de os intimidar e ameaçar. Aliás, várias organizações da sociedade civil, incluindo a Amnistia Internacional, assim como a imprensa nacional e internacional, chegaram a denunciar e reportar informações que consubstanciam violação de direitos humanos por parte das FDS em Cabo Delgado, no contexto da guerra contra o terrorismo.

 

Algumas evidências de institucionalização do medo no País

 

O recente assassinato bárbaro do advogado Elvino Dias e de Paulo Guambe, mandatário do Partido PODEMOS, na cidade de Maputo, no contexto das correntes eleições gerais, atendendo às circunstâncias e modus operandi, é mais uma evidência inequívoca, não só da prática da institucionalização do medo em Moçambique como uma forma de gestão do Poder, mas também da materialização da licença para matar a cidadania, a democracia e o Estado de Direito.

 

Ainda no contexto das eleições, importa aqui lembrar que foi a força policial (GOE) que, uma semana antes das eleições gerais de 15 de Outubro de 2019, assassinou o activista social, defensor dos direitos humanos e pai de família, Anastácio Matavel, no dia 07 de Outubro de 2019, em plena luz do dia, na via pública, na Cidade de Xai-Xai, na Província de Gaza.

 

Na verdade, do ano 2015 até ao presente momento houve significativos assassinatos, agressões e outros tipos de violações graves contra os cidadãos no pleno exercício da cidadania em defesa do Estado de Direito Democrático, da legalidade, do interesse público, dos direitos humanos e da justiça. Essas violações tiveram lugar, maioritariamente, num contexto de forte crítica ao governo do dia seja pela prática da corrupção, abuso de poder, má gestão do bem público, inércia dos órgãos de justiça, má governação, fraude eleitoral a favor do partido no poder e excessiva interferência do poder executivo sobre o poder legislativo e judicial.

 

Aliás, vale lembrar que, nos últimos 10 anos, os cidadãos foram praticamente proibidos, arbitrariamente, de exercer o direito à liberdade de manifestação e com o beneplácito dos órgãos da justiça, mormente a Procuradoria-Geral da República que nunca tomou qualquer posição, enquanto garante da legalidade, para permitir o exercício da cidadania e da democracia, pela efectivação do direito à liberdade de manifestação nos termos da lei, por um lado, e para garantir a responsabilização dos que violam o direito à liberdade de manifestação, por outro.

 

Igualmente, os cidadãos têm sido vítimas de violação dos seus direitos humanos tão somente pelo exercício da liberdade de expressão, que na prática ficou excessivamente limitada quando se trata de criticar a má gestão do Estado, a má governação, o abuso de poder, a corrupção e violação dos direitos humanos.

 

Mais do que isso, é que o exercício da liberdade de imprensa e a liberdade de associação, nos termos constitucionalmente consagrados, não escapa a essa violação, limitação infundada e intimidação de quem exerce essas liberdades.

 

Os jornalistas, órgãos de comunicação social independentes e organizações da sociedade civil são muitas vezes perseguidos pelo regime do dia e muitas vezes silenciados sem qualquer base legal. Até há casos flagrantes de recurso à reforma legal para intimidar ou silenciar os jornalistas, activistas sociais e organizações da sociedade civil. São exemplos disso: a reforma da legislação sobre o branqueamento de capitais e combate ao terrorismo, a reforma do Código Penal e do Código do Processo Penal, a recente reforma da lei eleitoral, que até intimida e marginaliza as atribuições e competências dos juízes e tribunais eleitorais do Distrito; a forma maquiavélica e arbitrária com que se pretendia levar a cabo a revisão da Lei n.º 8/91 de 16 de Julho (Lei das Associações) e do processo da revisão da lei de imprensa (lei nº18/91, de 10 de Agosto), cuja denominação se pretende Lei da Comunicação Social, que está a ser demasiado criticado principalmente pelos próprios profissionais da comunicação social e pela sociedade civil que se sentem marginalizados e traídos pelo conteúdo da proposta de revisão da lei de imprensa, que até procura criminalizar a actividade jornalística como forma de intimidar a liberdade de imprensa.

 

Muitas das violações contra os críticos do sistema no poder, contra os activistas sociais, jornalistas, órgãos de comunicação social, organizações da sociedade civil e académicos, etc., têm lugar num contexto de forte prática de discurso de ódio contra os mesmos, pelos chamados “Lambe-botas do Governo e Milicianos Digitais”. O discurso de ódio é feito com recurso às redes sociais e imprensa pública, que serve mais ao regime do dia ao invés do interesse público. 

 

Importa notar que hoje, 21 de Outubro de 2024, as crianças não vão à escola por ser dia de “terror” contra o exercício do direito à liberdade de manifestação tanto pelo assassinato do Advogado Elvino Dias e do mandatário do Partido Podemos, Paulo Guambe, como pelas denúncias de fraude eleitoral. Nesse prisma, as crianças já sabem que a PRM e sua UIR e as FDS vão violentar os manifestantes, prendê-los arbitrariamente e até matar, se for o caso. Trata-se, em bom rigor, de um processo de interiorização do medo e terror em tenra idade.

 

Conclusões

 

São significativas as evidências e sinais do processo e prática da institucionalização do medo sobre o povo moçambicano, como forma de gestão do Estado. As maiores vítimas são os que pensam diferente e/ou contrariamente ao regime no poder,

 

A arbitrariedade, o abuso de poder e “gangsterismo Estadual”, muitas vezes com recurso ilegal à força policial e militar, são os mecanismos ou práticas mais usadas para a institucionalização do medo, com a apatia dos órgãos de justiça e de protecção dos direitos humanos, que são fortemente influenciadas pelo poder executivo.

 

O País só poderá desenvolver, conhecer a paz, boa governação e materialização dos direitos humanos com a eliminação da barreira da instituição do medo que é praticada pelos três poderes do Estado, com destaque para o poder executivo que, actualmente, controla os outros poderes e não é responsabilizado pelas atrocidades e destruição da estabilidade social e sonhos dos moçambicanos de viverem numa sociedade de pluralismo, tolerância, bem-estar, de cultura da paz e do respeito pelos direitos humanos, independentemente da opinião de cada um.

 

Para o efeito, compete ao Governo assegurar a administração do País, garantir a integridade territorial, velar pela ordem e pela segurança e estabilidade dos cidadãos, promover o desenvolvimento económico, implementar a acção social do Estado, desenvolver e consolidar a legalidade e realizar a política externa do País. É o que dispõe o n.º 1 do artigo 202 da CRM.

 

A função constitucional da PRM é a de garantir a lei e ordem, a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, a tranquilidade pública, o respeito pelo Estado de Direito Democrático e a observância estrita dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 253 da CRM.

 

O artigo 261 da CRM determina o seguinte: “A política de defesa e segurança do Estado visa defender a independência nacional, preservar a soberania e integridade do País e garantir o funcionamento normal das instituições e a segurança dos cidadãos contra qualquer agressão armada.”

 

Por sua vez, o n.º 1, do artigo 262 da CRM estabelece que: “As forças de defesa e os serviços de segurança subordinam-se à política nacional de defesa e segurança e devem fidelidade à Constituição e à Nação.” No mesmo sentido, o n.º 2 deste mesmo artigo dispõe que: “O juramento dos membros das forças de defesa e dos serviços de segurança do Estado estabelece o dever de respeitar a Constituição, defender as instituições e servir o povo.”

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

quinta-feira, 17 outubro 2024 09:57

Como granizo de morte

Em Moçambique não se tem falado, ultimamente, de beleza, fala-se pouco. Até nos próprios quadros de arte, o belo é retratado pelas feridas. Não há alegria, nem esperança na juventude. E assim, com este anoitecer violento, avulta um verso da Elis Regina, que se ouve nas ruas e que diz assim: eles venceram e o sinal está fechado para nós, que somos jovens!

 

Há um medo que paira nas avenidas, ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. As ameaças são aspergidas todos os dias pelo rosnar dos cães. A terra treme. Mas estes tempos jamais foram vistos antes, vivemos no fio da navalha. As cascatas deixaram de despejar água cá para baixo. As albufeiras estão baixando de nível, então pode ser que haja o risco de pararem as turbinas da luz que vai enfraquecendo dentro de nós. Pois, se os rios secam, seca o país também. E os rios somos todos nós.

 

Pedro Langa já dizia: esta bela árvore já não tem folhas, caíram/o que significa que aqui em casa reina o pranto.

 

Há latidos profundos em todo o lado, então somos iguais aos cães, talvez piores que os cães, é assim como somos tratados! Mas o que é isto? É preciso repetir que a morte agora é fabricada. É servida em garrafinhas com rótulos dos demónios, como por exemplo “dinamite”. Na verdade há um rastilho aceso no nosso chão inteiro, e não poderemos nos esconder nas grutas. Que serão estilhaçadas.

 

Já não se fala de beleza nos whatsap e no facebook e noutras plataformas digitais. Passamos a vida total a escarnecermo-nos uns aos outros. A despejar todo o nosso fel por cima de nós mesmos. Tudo que se escreve agora nesses sítios tem tendência de nos conduzir à caminhos íngremes, ao pricipício. As coisas lindas que se lêem e se vem nos whatsap e nos facebook, são as mulheres, que também estão vituperadas. Não têm receio de nos mostrarem a parte mais macia do seu corpo. E isso é sinónimo de desespero na juventude. Frustração.

 

O belo atrai o belo, mas em Moçambique o belo feneceu. Nos subúrbios das cidades é que se nota com maior ênfase o privilégio de ser cão, e nem é necessário o uso da lupa para que toda a nossa nudez se torne clara. Aliás, o músico moçambicano já cantava: vada voxe (comem sozinhos). E se comem sozinhos, então não nos resta mais nada senão ser cão,  e andarmos por aí, na gandaia, revirando as latas dos ricos, até que todo o castigo e sofrimento termine. Não sabemos como, se de forma trágica, ou de outra forma.

 

A noite já vai longa demais, e não se vislumbra a aurora. Diz-se que não é por muito madrugares que o sol vai nascer mais depressa. Mas é preciso mudar esse paradigma, pelo paradigma da juventude. “Vamos madrugar muito, para que o sol nasça mais depressa”. Não precisamos de armas de fogo. A nossa pólvora são as mãos nuas que se abrem e se apertam a outras mãos. As nossas balas são as canções que vamos cantar de dia e de noite até que amanheça. Vamos dançar também, no palco dos becos e das ruas e da avenidas, com as matchatchulani (bailarinas chopes) à frente, esvoaçando as saiotas. São estas as nossas armas. Entregaremos, sem medo, o peito às verdadeiras balas que já começaram a chover como granizo de morte.

AlexandreChauqueNova 1

Boa tarde a todos

 

Sinto-me bastante honrado em estar aqui neste lugar que hoje nos acolhe, e dar-vos  as boas vindas. Na verdade estamos todos em igualdade de circunstância, não exactamente para um almoço de confraternização, mas para uma viagem no tempo, em busca de algo que nos faça ressurgir como geração, ou como testemunhas da geração constituída por uma panóplia de homens e mulheres nascidos para brilhar, cada um com a sua luz, porém do mesmo maná.  E eles luziram enquanto vagueavam por aqui, como manhambanas típicos de uma cidade que se recusa a mudar, para além dos seus limites demarcados pela pacatez.

 

Estamos aqui para uma conversa espontânea, sem alinhamento. Sem compromisso. Se calhar com o propósito de homenagear pessoas que se tornaram personagens vivas, e sentir os cheiros guardados na memória e recordarmo-nos de lugares como por exemplo, Bángwè, onde jogávamos a bola em liberdade, com muita amizade, sem almejar absolutamente nada para além da alegria de viver.

 

Bángwè tornou-se um centro de festas futebolísticas inolvidáveis, com jogadores que mostravam, ainda imberbes, ser talhados para grandes estádios, mas como a vida não é linear, pode ser que não tenham tido a sorte de receber os aplausos do reconheciomento. E da admiração. Noutras terras. Mas foram ovacionados aqui.

 

Não vou mencioná-los a todos, seria impossível, mas há dois que terão desfraldado de forma particular, a sua evolução no Bángwè: Nando Guihoto e Chumbo Lipato, para quem peço uma salva de palmas. Aliás há quem dizia que os mortos não morrem, então esta ovação é para estas duas vedetas que vão viver dentro de nós de forma indelével.

 

Pode ser que estejamos a fazer isso, a exaltar aqueles que fazem parte da tecelagem da nossa cidade, e não precisamos de ir às tumbas onde não há vida para render a nossa homenagem a eles. Então, Fernando Guipatwane não morreu. Repito o que alguém dizia: os mortos não morrem! Fernando Guipatwane era um actor alegre, predisposto a uma gargalhada estranha, porém doce. Vinda de de dentro de um homem que não tinha espaço para feridas dentro de si. Ele, certamente, vai nos ouvir a recordá-lo neste espaço que ficará assinalado na nossa caminhada colectiva: então, uma salva de palmas para Fernando Guipatwane!

 

A jornalista e escritora portuguesa, Agustina Bessa Luís já dizia: a história é uma ficção controlada!  E nós aqui, ao evocarmos essas figuras, se calhar estamos entre a história e a ficção. Digo isso porque Matangalane Boby era ao mesmo tempo ficção e realidade.

 

Uma pessoa que se senta no encosto dos bancos de bentão que existiam na ponte cais de Inhambane, sem se importar com o perigo que isso representa, só pode ser actor de um filme de ficção. E Matangalane fez isso numa das suas façanhas. Deixou-se embalar pela briza, o sono tomou com conta dele, e caíu na água em maré cheia. A sorte dele, é que estava por perto o Adério França, nadador puro, que não pestanejou duas vezes. Mergulhou e salvou Matangalane Boby, já com água por demais engolida.

 

Mas, por ironia, Matangalane ainda dizia: Nhi digue, nhi digue... FidA PUTA (Deixe-me, deixe-me, filho da p..

 

Não importa de onde  ele vem, se daqui ou de outras terras e outros mares. O que nós sabemos é que Matangalane Boby é património da nossa cidade. Um homem com olhar de felino, pronto a apedrejar-te se o provocasses. E a dor que deviamos sentir todos neste momento, é que depois morreu sem amparo, como quem não tem a quem chorar. E  ninguém chorou no dia do seu funeral. E hoje estamos aqui para homenagea-lo. Por isso, vai uma salva de palmas para Matangalane Boby!

 

Pois é, a cidade de Inhambane tem um estendal sagrado de figuras relevantes em todas as áreas. E as consagrações não existem somente para os políticos e as elites. Os viventes da periferia também merecem que nos lembremos deles, como nos lembramos agora de Bernabé e de Bernardo Wonane e de Helena Maluca, Laura Maluca, Chura Boy, Abdul Nha Mbafa, Micaela, Hamad Guikolomane, Guibochane! Viventes das bermas da vida em todos os momentos de sol e de chuva e de frio e de calor. Mas são esses que fazem a sétima nota da escala diátónica da nossa urbe, então merecem uma salva de palmas! Assim como vai uma ovação para estrondosa para Otto Glória (o nosso Otto Glória e Guegué.

 

Senhoras e senhoras, eu sei que a lista das nossas estrelas é interminável, e não pretendemos ser exaustivos, e nesse aspecto estamos todos de acordo, não é verdade? O importante é que estamos aqui, de forma desinteressada para celebrar a vida, e a vida, em memória, daqueles que orbitam  no cosmos da luz definitiva. Então, ocorre-me formar uma selecção de ouro composta por, Lóngwè, Babarriba, Berehemo Guifototo, Manwelito do Inhambane 70, Daniel Mosse, Tsungu Maciel, Tsungu Abílio, Guihoto, Tsungu Max, Manuel da Luz, Nuno Gobo, Siya Libendzi, Bata, Tsungu Thsoni, Guimesseryane, Madobolo, Naniá, Dogologo, Vangyane, Tsotsi, TAP, Tsungu Arouca, e demais estrelas.

 

Não evocaremos os nomes de todos os nossos ídolos, obviamente! Há informações que a memória vai protelando, fechando a hipófeses, então ficamos limitados. Mas o própósito do nosso encontro aqui  está claro: confraternizarmos e içarmos as bandeiras daqueles que viverão para sempre na nossa história colectiva. Os mortos não morrem!

 

* Texto de apresentação no almoço de confraternizaão dos manhambanas, havido no dia 5 de Outubro corrente na cidade de Inhambane

terça-feira, 08 outubro 2024 10:57

Antes emancipar as mentes

Óscar Monteiro, jurista, histórico membro do partido Frelimo, e ῎Caçador de Elefantes Brancos῎, veio a terreiro afirmar que era já tempo de o Estado ser emancipado. O pronunciamento foi no quadro do debate sobre o comando constitucional que veda ao Presidente da Republica (PR) o exercício de quaisquer funções privadas.

 

Para Óscar Monteiro é altura para o cumprimento imediato quer a montante, conformando o partido com a constituição, quer a jusante, imperando a obrigação constitucional.

 

Em debate semelhante sobre a acumulação dos dois cargos, quando foi da sucessão do ex-presidente Armando Guebuza, prevaleceram argumentos estatutários e a prática da Frelimo que obrigaram Guebuza a renunciar o cargo de presidente do partido e o então novo e actual  PR, Filipe Nyusi, a assumir também, cumulativamente, a presidência do partido.

 

Decorridos dez anos, o apelo é para que Nyusi e Daniel Chapo, o actual candidato da Frelimo, este em caso de vitória nas eleições do dia 9 de Outubro, não devem acumular as funções. Por outras palavras, Nyusi deve imediatamente deixar a presidência do partido e Chapo, uma vez PR, não deve assumir a presidência do partido.

 

Este enredo aviva-me um meu comentário de há duas décadas em vésperas de eleições. Na altura defendi que a prioridade central do Governo que saísse das eleições devia ser a de ῎Organizar o Estado῎. Na réplica, um dos interlocutores disse de que antes a prioridade deveria ser a de ῎Organizar as pessoas῎, tendo até citado algumas personalidades da vida política nacional que seriam os primeiros da fila. 

 

Hoje, e do pronunciamento de Óscar Monteiro, concluo que a sua tese de ῎Emancipação do Estado῎ passa pelas duas abordagens acima, ou seja: a ῎Emancipação do Estado῎ requer que se liberte antes as mentes para depois organizar o Estado. Talvez por aqui esteja o segredo para os próximo 50 anos de independência, e que justifica uma campanha de emancipação de mentes tendo como ponto de partida os militantes do partido do batuque e da maçaroca.   

 

PS: Veio também a terreiro o sociólogo Elísio Macamo a defender que não via nenhuma ilegalidade/incompatibilidade entre os cargos por entender que o comando constitucional não especifica as funções privadas vedadas ao PR/Chefe de Estado. Diz este comando que ῎o Presidente da República não pode, salvo nos casos expressamente previstos na Constituição, exercer qualquer outra função pública e, em caso algum, desempenhar quaisquer funções privadas῎. Se atendermos que o PR não pode ῎desempenhar quaisquer funções privadas῎, e por isso vedá-lo a presidência do seu partido, leva-me a concluir que o impedimento deve também abarcar outras funções privadas como, por exemplo, as de Chefe de Família. Se não, não vejo nenhum impedimento, salvo melhor entendimento, para que o argumento de Elísio Macamo proceda.

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Diz-se, entre políticos ilusórios, que as eleições são momento de festa da democracia, entretanto, verdades podem ser reveladas por controvérsias entre partidos e candidatos. É raro que os partidos políticos, candidatos presidenciais ou candidatos independentes tenham pilares e agendas similares. O comum na competição eleitoral é a diferença nas perspectivas, agenda e avaliação do regime do dia. Da tradição política, os candidatos à sucessão tendem a trazer discurso de continuidade e melhoria, porém, é incomum o que ocorre na competição para as eleições presidenciais e legislativas de 2024 em Moçambique. Nestes casos, a competição pode tornar-se momento de desabafo, fúria e falsidades.

 

O atípico da agenda pós-Nyusi e, porventura, da Frelimo como um colectivo, é de resgate, revolução e prosseguimento. A Frelimo tenciona resgatar os valores que o partido destruiu e seguir sempre em frente. A Renamo pretende usar das suas vassouras para limpar o estado moçambicano que se encontra infestado desde 1975. O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) pretende trazer ao Povo moçambicano o desenvolvimento que a Frelimo não conseguiu desde 1975. Finalmente, Venâncio Mondlane pretende escangalhar a actual perspectiva de governação e desenvolver um estado livre da corrupção, do amiguismo e da partidarização. Parecendo agendas diferentes pelos termos usados, na essência, os candidatos estão em uníssono pela necessidade de resgate do que foi perdido ao longo do tempo e preservar o que pode ser de bom uso. Entretanto, um aspecto particular, é da incongruência entre o resgate, o curso e o futuro no seio da Frelimo.

 

Ora, Frelimo pretende resgatar os valores perdidos no seio do partido. Nas palavras de líderes do topo e influentes da Frelimo, Daniel Chapo “sabe ouvir”. A análise de resgate dos valores do partido é complexa pela falta de objectividade, o que pode resvalar em dissonância na análise. No entanto, os discursos de Graça Machel, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, que são figuras proeminentes da primeira geração de governação da Frelimo, desde o monopartidarismo – entre 1977 e 1990, bem como do multipartidarismo, desde então, são contraditórios. Ora, do resgate dos valores da Frelimo, é implícito que em algum momento da sua governação e liderança, o partido Frelimo descarrilou e se estagnou. Identificar a altura em que o partido perdeu valores é de debate complexo no ambiente extra-partidário, porém, óbvio é que as três figuras estiveram nos mais altos órgãos do partido e do Estado moçambicano. Qual será então o marco da perca de valores na liderança de Chissano e Guebuza, bem como da proeminência de Graça Machel?

 

Assumir a actual liderança, encabeçada por Filipe Nyusi, como marco do desvio de valores é especulação. Não se sabe, do ambiente extra-partidário, qual tem sido a gestão do poder e dos valores “daquela Frelimo que pretendia servir o povo”. Se é da presidência de Chissano, de Guebuza ou também da proeminência de Graça Machel, o explícito é que eles desviaram e desrespeitaram o rumo do seu partido, daí que seu mérito na campanha eleitoral é duvidoso. Das poucas tentativas de argumento de desvio, seria da candidatura de Samora Machel Jr sem anuência da Frelimo para as eleições autárquicas na Cidade Maputo em 2018. Seria legítimo concluir que Machel Jr tivesse se apercebido da perca de valores do partido e, assim, tomar tal decisão de candidatura fora da Frelimo, em defesa dos valores “perdidos” do partido. De qualquer forma, talvez seja legítimo que a liderança do partido explicasse ao eleitorado, o momento da perca de valores. Chissano, Guebuza e Graça Machel, figuras activas no partido e na campanha eleitoral, devem explicação ao povo moçambicano.

 

A Frelimo e seu candidato, Daniel Chapo, apresentam dois lemas: “vamos trabalhar” e “Moçambique para Frente.” Ademais, em forma de apêndice, figuras proeminentes do partido, como os presidentes honorários, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, bem como ex-ministra da educação e cultura Graça Machel, afirmam em uníssono que Chapo “sabe ouvir” e este é momento crucial para resgatar os valores perdidos no seio da Frelimo. Encontra-se uma dissonância entre “Moçambique para frente” e “resgate dos valores perdidos” no seio do partido, mesmo havendo necessidade do “vamos trabalhar.” Ora, do resgate, avanço e trabalho, está explicito que, em algum momento, o partido não trabalhou e ficou estático. Não seria desarmónico Chapo “sabendo ouvir”, o que ser-lhe-á dito por seus antecessores? Dos discursos, tanto de Chapo, como dos seus antecessores, procura-se simultaneamente recuar para o resgate e avançar. Para alcançar qualquer dos fins, “vamos trabalhar”, significa que Chissano, Guebuza, Graça Machel e seus camaradas, foram preguiçosos e inertes.

 

Apartando-se o lado individual das três figuras, com o apoio de Samora Machel Júnior, a Frelimo sempre obteve maioria na Assembleia da República. Aliás na legislatura que está a findar, o partido teve maioria absoluta que permitiu que o partido optasse pela alteração do dispositivo constitucional que previa eleições distritais, adiando-as sine die. Nas anteriores legislaturas, a Frelimo obteve maioria que, sem dificuldades, aprovou legislação, planos e definiu políticas. Um questionamento, mais uma vez, é sobre o momento em que a Frelimo teria descarrilado, aprovando legislação ou políticas que fossem contra seus valores. Se Chapo “sabe ouvir”, talvez fosse justo e harmónico que seus camaradas optassem pelo silêncio, visto serem de legitimidade duvidosa para serem ouvidos pelo candidato que pretende um Moçambique seguindo em frente através do trabalho.

 

Moçambique sempre foi estado de regime presidencialista, com ou sem exageros de visibilidade do presidente e seu colectivo partidário. Se assim sempre foi, em que momento terá o partido perdido seus valores sem anuência tanto individual como colectiva. Se “saber ouvir” é valor do partido, resta a Daniel Chapo filtrar do que é dito, principalmente de Graça Machel e dos honorários presidentes Chissano e Guebuza, sob pena de manter o partido fora dos valores do mesmo. Aliás, Daniel Chapo talvez tenha que parar de ouvir para evitar prometer acções fora das suas competências. Chapo pretende combater erosão nos municípios, prover água nos municípios, construir estradas e outras infraestruturas municipais. Qual foi, então, a necessidade de criação de edilidades? Talvez seja por apetência ao poder, mas se for por resultado do “saber ouvir”, seria justo não os ouvir.

 

Os eleitores são geralmente emocionados nas jornadas eleitorais e podem deixar passar mensagens com as quais não concordam. Mas estes eleitores não são tolos, muito menos os edis que podem estar somente acompanhando a onda da campanha do seu partido. Será que concordam com a eliminação das suas competências nos municípios a favor das pretensões de Chapo? Se for o caso, com que tipo de democracia Chapo fará nos municípios governados por outros partidos? Quem promete deve, mas como político em campanha, é permissível mentir, desde que não burle sobre matéria que não é da sua competência e nem depende de si. Chapo está a prometer violar a Constituição da República, mas enquanto os eleitores aplaudem discursos de tal conteúdo, a tolice é duvidosa.

 

Tal como outros candidatos, Chapo promete transferir ou criar capitais. Mocuba irá hospedar a Assembleia da República de Moçambique; Vilankulo tornar-se-á capital turística; Pemba tornar-se-á capital turística; Niassa capital da agricultura, Nampula será capital económica. Com excepções, a história revela que as capitais de órgãos políticos são definidas por ditadores ou fenómenos políticos atípicos. Não é por acaso o exemplo de Brasília, no Brasil, aprovado no regime de Juscelino Kubischek. A Alemanha do pós-segunda Guerra Mundial ficou dividida e, em resultado, Berlim e Bona como capitais, o que se dissolveu com o fim da Guerra Fria. A Tanzânia tem Dodoma como capital administrativa resultante de um longo processo de transição e discussão sobre a fusão da parte continental com Zanzibar. Mesmo assim, a transferência da capital política de Dar-es-Salaam, mantém o estatuto de capital económica por força da economia, e não da política. Outra complexidade sucede com Nova Iorque, que é capital económica do mesmo Estado, dos Estados Unidos, e do mundo, mas Syracuse é a capital política do Estado de Nova Iorque, enquanto Washington, DC, território cedido por Maryland e Virginia, é a capital política dos Estados Unidos.

 

Em democracias, contrariamente ao que Chapo promete da transferência do Parlamento para Mocuba, tal decisão é definida primariamente pela elite político-económica. Se apostar pelos princípios democráticos, estará preparado para debate nacional para tal tomada de decisão e implementá-la em cinco anos? Terá o candidato Chapo feito negociação com a elite da Frelimo, habituada ao luxo dos centros urbanos, com centros comerciais para transferirem suas actividades ao “mato” de Mocuba? Garantir tal promessa é burla política que não está no manifesto da Frelimo. Aventando a possibilidade de ditadura, como sugere da retirada do poder dos edis, terá capacidade para fazê-lo em cinco anos? Entre emoções eleitorais, não haverá aqui burlas e ilusões? E a todos os candidatos, para onde vai a capital económica senhores políticos?

 

Uma capital económica não é transferida, mas sim construída em resultado do ritmo da economia para o desenvolvimento. Investimento não resulta de discurso político e o mesmo país não pode ter mais do que uma capital do mesmo bem ou serviço. É incongruente o discurso de Vilankulo e Cabo Delgado serem ambas capitais turísticas, nem Niassa e Manica, ambas se tornarem capitais da agricultura. Que investimentos tornarão esses locais capitais de tudo? Não serão ideias para ludibriar os eleitores num discurso de resgate, sempre em frente, mesmo com o “vamos trabalhar”? A ideia de capitais para quase tudo, na verdade, revela discursos inconsistentes.

 

Na unanimidade que os candidatos comportam. Daí que vós candidatos, podem mentir, mas as ondas de capitais para tudo na campanha eleitoral, parecem exposição de sevícias, burlas e ilusões no chamado “momento de festa da democracia.” Promessas sem premissas fundamentadas, nem avaliação de exequibilidade, não tornam a campanha eleitoral momento de festa. Incongruências no discurso de resgate, estagnação ou prosseguimento, são problemáticos e seus promotores, em particular, os presidentes Chissano e Guebuza, bem como a ex-ministra da educação e cultura, Graça Machel, devem explicação ao povo moçambicano, antes que Chapo os oiça. Aos demais candidatos, talvez não precisem de tais conselhos a serem ouvidos.

terça-feira, 01 outubro 2024 08:37

Burla democrática

Um forasteiro latino que amiúde visita em trabalho o país, numa das suas vindas, pediu ao seu habitual taxista que o arranjasse uma prostituta para o final do seu expediente laboral de serviços de consultoria. Assim feito e sido selado com a entrega do número de telemóvel da requerida ao requerente.

 

Uns dias depois, e já uma sexta-feira, o forasteiro ligou para ela requerendo serviços desde o jantar ao café da manhã. Feito o compromisso e sido cumprido as responsabilidades de cada um, ambos voltaram para os respectivos aposentos. Um detalhe: o forasteiro, por experiência mundana, não usou o hotel em que estava hospedado.

 

Por volta do meio-dia o forasteiro recebeu uma chamada da requerida. Esta depois do ῎adorei a noite῎ e de que fora ῎a primeira vez a sentir o sabor da gastronomia latina῎ expectou-o com um pedido financeiro para a compra de uma garrafa de gás, pois não tinha como cozinhar para as crianças.

 

Um ou dois dias depois, os pedidos não cessaram, desde o Credelec aos gastos do salão de beleza e a mensalidade escolar das crianças, que levaram o forasteiro a ligar para o taxista a reclamar, recordando-o de que ele havia pedido uma prostitua e não uma amante.  

 

Depois de contar este episódio a um amigo, este disse que também estava numa situação semelhante em relação a escolha dos candidatos do processo eleitoral em curso. Ainda disse de que estava com inveja do forasteiro porque este ainda teve a quem reclamar, o que não era o caso dele.  

 

Em resumo o amigo reclamava o facto de não ver nenhuma diferença entre os candidatos, pois todos eles prometem fazer a mesma coisa e do mesmo jeito. Para ele era suposto que fosse o contrário e assim ele pudesse escolher o candidato que achasse que melhor responderia aos seus propósitos e os do país.  

 

Sobre a sorte do forasteiro por ter tido onde reclamar, o amigo concluiu que não sabia a quem telefonar e de que apenas restava-lhe meter uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República contra desconhecidos, alegando de que ele está a ser vítima de uma burla democrática.

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