NYUSI, deve reunir o Conselho de Estado – Carta Aberta.
I. Sr. Presidente! A Avenida Joaquim Chissano – em homenagem a um antigo Chefe do Estado da nossa República de Moçambique – ficou definitivamente mais famosa (no mau sentido) com os assassinatos macabros de Elvino Dias e Paulo Guambe a quem rendo aqui a minha singela homenagem. Joaquim Chissano, virou o “templo sagrado dos assassinatos”. Assassinaram-se, na Joaquim, dois grandes cultores e reconstrutores do Estado de direito democrático e de justiça social em Moçambique. Os “esquadrões da morte”, perderam até respeito pelo próprio ‘Joaquim Chissano’ – conhecido como o ‘obreiro da paz moçambicana’. Esses vândalos e marginais que nos cortam a comunicação (internet) e atiraram contra dois jovens intelectuais, porque se renderam as suas capacidades intelectuais, já nem mesmo aos seus próprios líderes do Partido respeitam. São fanáticos da Frelimo, intolerantes, insensíveis, drogados, cruéis, contrabandistas e inconsequentes que defendem a Frelimo a todo o custo porque lhes permite viver a vida de Rei-Rainha sem que o imperium das leis do Estado em que V. Excia dirige lhes afetem… A Frelimo, “garante-lhes isso”… a boa vida, a vida de Cão! Por isso, a Frelimo nunca pode permitir que a alternância democrática seja realidade na democracia constitucional moçambicana. Os luxos, os subsídios, as regalias, os benesses, os negócios internacionais milionários, etc., que começaram com o Governo de Chissano (de deixa andar), se mantiveram com o Governo seletivo de Guebuza, tolerados no seu Governo e se pretendem manter não podem acabar… têm de ser ad aeternum… para isso, temos de defender os nossos interesses egoístas, cruéis e desumanos a todo o custo, mesmo que isso envolva sacrificar ou aniquilar uma nação inteira.
II. Sr. Presidente! Há umas semanas atrás, antes do atentado moçambicano de 19 de Outubro contra Elvino e Guambe, escrevi (para lá do dia 17) um artigo sobre o estado da democracia constitucional em Moçambique para o reputado Jornal digital ‘Carta de Moçambique’. Volto a fazê-lo hoje, sempre num compromisso de Cidadão ativo do Estado. Excelência! Num país que se diz ser – perante os seus e a comunidade internacional – de direitos humanos e de justiça social não deve caber juramentos públicos do tipo mentiroso. A representação do Estado moçambicano jura, perante a Constituição da República, defendê-la e fazê-la respeitar de todas as agressões (…) advindas de quem quer que seja. Juramos, comummente, que acima da Constituição apenas Deus; tal como entre outras ordens profissionais, citemos a ordem médica e o dever de respeitar o juramento de Hipócrates – o pai da medicina – os que defendem a justiça juram perante a Constituição seguir escrupulosamente as diretrizes que emanam das suas normas constitucionais, mas tudo: sem seriedade prática! A democracia moçambicana enferma de vários problemas. O problema da crescente desconfiança política e descontentamento político refletidos nos resultados eleitorais são um bom exemplo! Parece-nos evidente – a olhar para o nível das abstenções e a cada dia que passa –, que vivemos (n)uma democracia perigosa, menos participativa, e sob ponto de vista da ciência política já não se percebe ao certo que tipo de democracia é essa. Já ninguém confia no Governo, nas instituições políticas dos Estado. A Frelimo, corrupta, de Chapo, para além de capturar o Estado também consegue comprar os membros da sociedade civil que integram os órgãos decisórios do Estado. Na prática, o que vemos: com o devido perdão – uma “sociedade civil de lixo”, uma democracia maquiavélica entregue… nas mãos de Partidos políticos que vivem da hipocrisia com a conivência de uma sociedade civil que facilmente se deixa corromper. Vale tudo pelo dinheiro (os fins justificam os meios; primeiro o buxo, depois o luxo). Exemplifiquemos! Entre a cultura da ditadura do voto maioritário que se instalou, a comunicação social tornou pública a lista de membros da CNE que aprovaram os resultados fraudulentos das últimas eleições. Vale, de facto, a pena o Povo moçambicano conhecer esse grupo de indivíduos que integram como os “autores morais do assassinato” da democracia: 1. Dom Carlos Simão Matsinhe – Sociedade Civil; 2. Carlos Alberto Cauio – Frelimo; 3. Mário Ernesto - Frelimo; 4. António Focas Mauvilo – Frelimo; 5. Rodrigues Timba – Frelimo; 6. Eugénia Fernando Jorge Fafetine Chimpene – Frelimo; 7. Daud Dauto Ussene Bramogy – Sociedade Civil; 8. Alice Banze – Sociedade Civil; 9. Paulo Arsénio Manuel Cuinica – o porta-voz da quadrilha dos bons malandros, responde pela Sociedade Civil.
III. Sr. Presidente! Não tenhamos ilusões… Não foi o pobre coitado do Venâncio que é hoje perseguido pelos radicais da Frelimo, do SISE, do SERNIC, da PRM, das FADM e/ou das Forças militares estrangeiras! “foram (e são)” esses homens batoteiros, devidamente listados, que forçaram manifestações violentas jamais vistas na história da democracia pluripartidária moçambicana; “foram (e são)” esses homens que provocaram a morte de umas dezenas de pessoas; “foram (e são)” esses homens que provocaram (e provocarão) a morte de umas dezenas de moçambicanos no dia 7 de Setembro; são (e serão) esses, as Forças de Defesa e Segurança e a Polícia da República de Moçambique, que terão de responder aos olhos dos Tratados internacionais pelos crimes de genocídio de 7 de Novembro perante a Justiça internacional; será também o seu Governo incluindo o Senhor - enquanto Chefe das Forças Armadas de Moçambique – que até ao momento não teve a ousadia de reunir o Conselho de Estado para se aconselhar. De há muito que as eleições gerais são conhecidas como as mais fraudulentas na história da democracia moçambicana. As Missões de observadores nacionais e internacionais estão agastadíssimas, sempre reportaram ilícitos e irregularidades eleitorais em várias fases do processo eleitoral. Os órgãos eleitorais, são acusados como violadores sistemáticos dos princípios estruturantes da lei eleitoral que a seguir se elencam: o princípio da independência; o da imparcialidade; o da integridade, o da transparência, o da legalidade e o da eficiência. Parece-me, Excelência, que a solução por via da democracia representativa mostra-se inviável em países onde os valores da ética e da moral foram enterrados face a valorização desenfreada daquilo que se chama por moeda de escambo (dinheiro). Vemos hoje, como desgosto, o Tribunal Supremo, sob matérias de ilícitos e irregularidades eleitorais aplicar a dura lex sed lex ao resgatar o velho princípio da impugnação prévia (que o legislador já provou que não serve na realidade democrática moçambicana) contra a vontade popular claramente manifesta em sede parlamentar na pessoa da Presidente do parlamento. Foram incapazes de fazer o mesmo quanto ao artigo estabelecido pela nova lei eleitoral que diz que se deviam substituir as urnas antigas de fundo falso pelas novas para evitar fraudes (enchimento de urnas). Onde é que está a Justiça eleitoral, Sr. Presidente???
IV. Sr. Presidente! O Caos se instalou do Rovuma ao Maputo e do Índico ao Zumbo. Sete dias de paralisação total e completa das atividades económicas e sociais, a quarentena forçada instalada, é um assunto que deve ser levado a sério, nada de levianamente. Temos um Estado a funcionar a duodécimos. É chegada a hora de reunir, com caráter de urgência (extraordinariamente), o Conselho de Estado para debater seriamente o estado da nação, o significado do que foi a data-limite e as imposições de um povo que se revê no coração generoso de ‘VM7.’ Estamos perante uma convulsão social assinalável com quase tudo para resvalar para um estado de permanente guerra. A tensão político-militar que vivemos hoje pode facilmente resvalar para uma segunda guerra civil em Moçambique. Não brinquemos com a capacidade de retaliação de um Povo empobrecido e enfurecido; um povo que não tem mais nada a perder… um povo esquecido como ficaram esquecidos os filhos do império colonial; um povo composto maioritariamente por jovens os quais não comem com a Frelimo, uma Frleimo que se tornou cada vez mais seletiva; um Povo que não sabe o que é jogar golfe no paraíso misterioso do presidente; que não sabe o que é viver em capitalismo liberal porque o bonus pater família (Estado) se esqueceu que os filhos têm estômago e os jovens estão na fase de experienciar tudo. Excelência! Ao abraçar o capitalismo liberal (nos fins da década de oitenta e início da década de noventa com a Revisão constitucional ocorrida em 1990) devia saber de antemão que a razoabilidade do capitalismo liberal, sua aceitação, só funciona em sociedades onde existe uma classe média visível. Não em classes onde predomina apenas ricos e pobres. Uma minoria de ricos e uma esmagadora maioria de pobres facilmente enfraquece os poderes do Estado e o império da anarquia pode se instalar. É o que temos vindo a assistir acrescido ao problema da rejeição do rotativismo democrático. Ao longo da vossa governança democrática, estudos científicos demonstram claramente que esteve de longe desse desiderato, o de conseguir uma classe média intermédia. Resultado, as canções de redenção: “(…) já não caímos na velha história, saímos para combater a escoria; ninguém sabe bem como, o povo que ontem dormia, hoje perdeu o sono… povo no poder” – EDSON DA LUZ.
V. Sr. Presidente! A verdade é que de facto o Povo que ontem dormia quer hoje tomar as armas dos seus exércitos; quer manejar os tanques de guerra que vagueiam pelas praças públicas; quer destruir a sua segurança; quer destruir a segurança do seu Governo. Eles dizem: Nós PODEMOS! Ninguém os pode parar. O Povo moçambicano é um povo com um histórico belicista; um Povo que sabe lidar com guerras. É bom ter memória: já vivemos duas grandes Guerras. A primeira, Colonial (1964-1974) e; a segunda, civil (1976-1992). Não brinquem com o fogo, não vamos permitir uma terceira.
Decidam o que querem da vida! Tirando as legislativas… algo me faz acreditar piamente que ‘VM7’ venceu as presidenciais. Isso está mais do que claro. Gostaria de convidar V. Excelência para parar de dar ouvidos aos radicais da Frelimo. O Senhor tem nos parecido que tem um coração generoso senão Isaura não se casaria consigo. Apesar de “amar mais a sua família”, pelo menos é solidário – diferente dos radicais da Frelimo cujas mentes funcionam como verdadeiros economistas, uma mente do Tio patinhas. Não tiram nem um centavo sequer para servir a humanidade, para ajudar aos mais carenciados. Eles dizem: que esses vermes morram logo! Fecham as mãos, se esquecem que uma mão fechada não pode receber as bênçãos de Deus. Aliás, estes Senhores satânicos das FDS, PRM, etc, que têm endurecido o discurso militar para intimidar um povo desarmado que lhes pagam os ordenados são disso, exemplo (a generosidade e prontidão da PRM para levar de volta os manifestantes para longe da Cidade Celeste é impressionante, quando a esmola é grande, o pobre desconfia). Estes Senhores, parecendo que não, levam um discurso odioso na ponta das suas línguas para atacar um povo que nesta hora de imprecisão precisa de umas palavras de esperança; eles dirigem-se aos seus, como se dirigissem a um povo estrangeiro… eles se esquecem completamente que os manifestantes são moçambicanos, irmãos seus. Independentemente de integrarem ou não marginais… se são um Povo composto maioritariamente por marginais é porque a culpa é de quem os governa, de quem os marginaliza. Ao invés de apelarem para o bom senso, vem nos dizer que usarão da força das armas – porque força física não me parece que a tenham – para se fazer obedecer. Mas como diria o Salvador do Mundo, CRISTO: “Mal sabem a hora em que o diabo lhes vai roubar a alma.” Aqueles que desejam a morte de um povo justo, serão castigados… não viverão uma longa vida!
VI. Sr. Presidente, Excelência! O Senhor ainda tem o dever republicano de defender o seu Povo. Pode e Deve travar qualquer tentativa de hostilizar militarmente as manifestações no País. Saiba, que no concerto das nações deverá ser julgado pela sua integridade política perante os compromissos de Estado e não pelos compromissos ideológicos que assume com o partido a que faz parte. Um Presidente de uma República serve o Estado, o seu Povo. Não serve o seu Partido, muito menos os camaradas. O mandato presidencial é isento das funções político-partidárias. Os Tribunais internacionais não têm interesse no exercício das suas funções enquanto dirigente/membro do Partido Frelimo; têm, isso sim, interesse no exercício das suas funções enquanto Presidente da República. Aconselho vivamente a revisitar o ‘Estatuto do Presidente da República’. Se o Senhor conduzir o País para os crimes internacionais de genocídio, (…) ou contra a humanidade, pode crer que responderá por isso. Por se livrar dos crimes económicos não pense que se vá livrar dos crimes de guerra. Não se esqueça que o Senhor é o Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança. As forças Armadas estão ao seu comando. O Direito à manifestação é um direito de dignidade, um direito humano de primeira geração, um direito fundamental. É o que eleva a democracia de um País. Deve ser garantido pelo Estado doa a quem doer. Acreditando nos seus valores humanísticos, estou convicto: (i) que o Senhor não permitirá que o Estado dirigido por si assassine VM7 e os manifestantes; (ii) que ainda vai a tempo de encontrar um meio-termo para o País; (iii) ainda vai a tempo de Salvar o País deste eminente crime internacional, de honrar o seu título – o de Doutor Honoris Causa!
Hamilton S. S. de Carvalho – PhD em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões. Professor Visitante em Angola. Colunista do Jornal Impresso, Semanário Canal de Moçambique, e do Jornal Digital ‘Carta de Moçambique.’
“Existe a percepção de que quem não participa das manifestações está bem, que quem não participa das manifestações é da Frelimo, que quem não participa das manifestações é contra o candidato que as convoca. Mas não é verdade, existem membros da Frelimo, com filhos formados e que não têm emprego e deambulam pelas estradas, vendendo crédito. Existem idosos que não recebem seu subsídio básico e são membros da Frelimo. Existem jovens casados, vivendo na casa dos pais e estes são militantes da Frelimo ou outros partidos. Vamos respeitar o direito dessas pessoas”.
AB
O Candidato Presidencial, suportado pelo partido PODEMOS, anuncia a quarta fase das manifestações em Moçambique e segundo deu a conhecer, em exclusivo a CNN Portugal, as mesmas serão muito mais fortes e irão afectar a economia nacional. Segundo o mesmo, com as manifestações, pretende-se que a CNE volte atrás em relação aos resultados que anunciou, dando vitória ao Candidato Presidencial da Frelimo com mais de 70% dos votos expressos e, ao reclamante, que ficou em segundo lugar, com pouco mais de 20%.
Antes de desenvolver o raciocínio sobre as manifestações na fase mais dolorosa, é preciso dizer que a adesão às manifestações demonstra o cansaço popular com a má governação do partido Frelimo, nos últimos anos. A inexistência de condições de trabalho nos serviços de saúde, por exemplo, onde se chegou a usar cartolina no lugar de gesso é o cúmulo dos cúmulos em relação ao mau serviço público nacional. Quando os professores chegam a acumular dois anos sem pagamento das horas extras, os médicos ameaçam com greve devido às más condições, os juízes idem, significa que, dependendo do ângulo em que olhamos para as coisas, parece não haver nada de bom que se possa apontar como exemplo.
A camada mais afectada por isto tudo são, sem dúvidas, os jovens, muitos com formação, que deambulam pelas estradas das cidade, vilas e sedes distritais a venderem o “santo” crédito das telefonias móveis ou outras quinquilharias, que servem aos citadinos. Esses jovens, alguns dos quais estudaram com filhos de algumas elites do partido no poder, ficam mais frustrados ainda quando, depois da formação, reconhecem seus colegas a trabalharem nas empresas nacionais de referência, quando eles nem eram bons alunos. Ao contrário destes, os jovens que não só eram aplicados como também conseguiam boas notas, hoje deambulam sem emprego. Isto, quer queiramos quer não, cria a frustração e adesão às marchas convocadas.
Quando o Fundo de Fomento de Habitação constrói casas que diz serem para jovens, ou quando o Estado lhe aloca a Vila Olímpica, para a venda de Flats aos jovens e, coincidentemente, essas flats são vendidas a jovens do mesmo partido e, no fim do dia nem pagam. Vimos anúncios nos jornais sobre a matéria e é preciso reconhecer que as coisas não estão bem no nosso solo pátrio. É preciso que se ponha a mão na cabeça e procure-se melhores alternativas para a solução destes e muitos outros problemas e não me parece que isso está a acontecer, antes pelo contrário, todos os intervenientes vão pelo lado mais fraco, a condenação das manifestações pelo grau de violência que tendem a assumir.
Manifestações sim, mas bem lideradas
Quanto às manifestações, de um modo geral, há consenso de que se trata de um direito constitucional e ninguém deve proibir. Entretanto, esse direito não deve colidir com outros direitos fundamentais, como seja o direito ao trabalho (claro, para quem tem um posto de trabalho), o direito de circulação, quer de pessoas quer dos bens, a queima de viaturas em circulação, queima de pneus na via pública ou a colocação de obstáculos dificilmente intransponíveis é o impedimento do direito à circulação, quer de pessoas e bens, pelo que isso não deveria acontecer. Os líderes das manifestações devem acautelar que esses direitos não sejam negados a quem não se identifique com as manifestações.
Devo reconhecer também que em qualquer manifestação de pessoas, pelo meio aparecem pessoas que gostam de ir contra a regra previamente estabelecida. Nalguns casos, pela euforia do momento, o calor que é transmitido entre os manifestantes, tudo isso pode criar condições para se desviar do que foi previamente combinado, mas o importante é que as lideranças não percam o controlo da situação. A própria Polícia da República de Moçambique, quando devidamente enquadrada e vista como parceira e não como inimiga, pode desempenhar um papel preponderante na identificação dos desviantes. Contudo, no lugar de agir, pode manter o controlo sobre os visados e comunicar a liderança dos manifestantes a quem caberá tomar medidas correctivas.
A Frelimo e outros partidos têm seus apoiantes e existem neutros também!
Com as manifestações, parece existir a tendência de que quem não apoia as manifestações é contra o candidato que as convoca ou é a favor de se perpetuar as actuais condições de vida dos moçambicanos. A ideia que prevalece é: ou é a favor ou contra. Para muitos apoiantes das manifestações, só existem dois polos: a favor ou contra.
Ora, as coisas não devem ser tão simplificadas assim, é preciso notar que existem pessoas que, por razões das suas filiações partidárias não podem estar nas ruas se manifestando, contudo, identificam-se com as causas que levam às manifestações que, repito, não são exclusivamente os resultados eleitorais. É a crise que se vive em Moçambique que propiciou o aumento da pobreza em Moçambique, o desemprego, falta de assistência básica aos idosos de entre outros. Por exemplo, os idosos sobrevivem do subsídio do Governo, entretanto, passam vinte e quatro meses que não vêem a cor do dinheiro, será que isto é concebível!
A Frelimo, como é óbvio, tem seus membros afectados por tudo isto. A Frelimo tem idosos que deveriam beneficiar do subsídio básico, tem pais e encarregados de educação que têm seus filhos formados e que deambulam nas estradas a venderem o “santo” crédito, a Frelimo tem de entre seus membros pessoas que estão desempregadas e choram dia e noite, mas não os deve pedir que abandonem o seu partido.
Existem os indiferentes, aqueles que não se identificam com nenhum partido, que pura e simplesmente não conseguem ver nas manifestações a solução dos grandes problemas que afectam o nosso país. Aqueles que, sendo moçambicanos e amam Moçambique, por razões distintas não podem e nem se devem filiar a organizações do género. A esses também se pede respeito, não se deve vandalizar os seus bens só porque não se manifestam. Vamos respeitar os direitos individuais.
Sobre a quarta fase das manifestações mais dolorosa!
Segundo o candidato presidencial suportado pelo partido PODEMOS, a quarta fase das manifestações será a mais dolorosa e irá afectar de forma profunda a economia moçambicana, ou seja, o candidato presidencial já definiu o seu alvo para estas manifestações. Segundo garantiu a CNN Portugal que esta quarta fase não será violenta, não sei dizer se em outras fases já previa a violência, mas já é bom saber que a quarta fase não comporta violência. A questão que gostaria de reflectir é: até que ponto essa quarta fase será dolorosa e afectará a economia moçambicana. Vamos por fases.
Agricultura nacional – nós sabemos que a nossa agricultura ainda está na fase embrionária, falamos de agricultura empresarial, mas são muito poucas as pessoas que a praticam. Sabemos também que os poucos que praticam a agricultura comercial fazem-no com recurso a meios próprios. A nossa Banca Comercial não financia a nossa agricultura, em fase de colheita de alguns produtos agrícolas, se esses produtos não chegarem aos mercados de consumo, por conta do bloqueio das vias de acesso, esses agricultores irão falir por completo e não há em Moçambique nenhum seguro que suporta isso. Caro candidato, reflicta, Moçambique não é por hoje e nem amanhã, Moçambique é hoje e sempre!
Comércio – no nosso País, mais da metade da população economicamente activa vive do comércio, podemos chamar o que quisermos, formal ou informal, mas vende algo para a sua sobrevivência, com destaque aos produtos alimentares e perecíveis, nomeadamente, tomate, alface, couve, repolho, pimenta, cebola, batata de entre outros. Muitos desses produtos têm origem nas importações. Ora, a fase quatro compreenderá o bloqueio às importações e, por conseguinte, as exportações. Se sim, realmente, Moçambique irá se ressentir de forma bastante dolorosa, com um aspecto a ter em conta, o excesso dessas medidas e seu impacto pode resultar em algo imprevisto e fora do controlo do próprio candidato.
Pecuária ou produção florestal – a produção animal pode ser afectada de várias formas. Nos casos de aves de abate que, quando se chega a um determinado nível de crescimento, tudo o que consome não é remunerável, pode ser afectada no sentido de que a produção de rações, muitas vezes, depende das importações e, se a área de importação estiver afectada, tudo o resto será afectado, incluindo a exportação dos produtos florestais. Deste modo, mais uma vez, mais do que expressar números de perdas por instituições, olhemos para aquela comerciante que, no Mercado do Zimpeto, na importação de 5 mil sacos, não conseguiu aproveitar mil sacos porque a fronteira esteve fechada. Vamos reflectir no sentido de encontrar alternativas aos problemas que nos afectam, mas deixemos a nossa frágil economia seguir seu rumo. Obrigado.
Adelino Buque
“A Frelimo, partido libertador, se quiser continuar a ser um partido relevante no xadrez político nacional deve fazer uma introspecção séria e honesta. Deve redefinir a posição do partido em relação à sua ideologia, em relação às políticas e económicas. A Frelimo não pode continuar a ser um partido sem orientação e sem ideologia. Sem ter decidido em nenhum Congresso, a Frelimo migrou de um partido de operários e camponeses, para um partido de burgueses e apropriou-se das riquezas naturais do povo, através da associação das suas elites ao grande capital do mundo. Os filhos das elites da Frelimo devem deixar de ser exibicionistas de riqueza sem causa num mundo caracterizado por pobreza extrema. A Frelimo deve expurgar os corruptos, o nepotismo, as influências negativas e de apropriação dos bens públicos de governantes empresários, separando, deste modo as águas”
AB
Na quarta-feira, 06 de Novembro de 2024, a Frelimo, partido no poder, reuniu, na sua sede Nacional em Maputo e, no fim de encontro, Alcinda Abreu, membro da Comissão Política, em Conferência de Imprensa, em substituição da porta-voz oficial, Magune, deu a conhecer o resultado do encontro, apontando dois factores para as manifestações:
A análise do partido Frelimo, não sendo necessariamente falsa, peca por ignorar a marginalização de vários segmentos sociais na vida política, económica e social e a falta de introspecção dos seus membros que, aos olhos da sociedade, são os detentores de riqueza nacional por conta de influência política. Ora, ao não reconhecer estes aspectos cruciais na vida pública, mais uma vez, a Frelimo não terá realizado, aos olhos do comum cidadão, uma análise séria, serena e que pretende trazer resultados confiáveis a dar indicação de que conhece o problema e que pode e fará de tudo para a resolução, uma vez que, tudo indica que o seu candidato presidencial, Daniel Francisco Chapo, é o virtual vencedor, fazendo fé ao anúncio da Comissão Nacional de Eleições e o partido Frelimo.
Relativamente ao primeiro ponto, a análise da Frelimo, se considerarmos a alteração da nossa Constituição da República em 1990 e revista e publicada em 2004, pode parecer uma conclusão ingénua. Na verdade, ao permitir que haja eleições periódicas de cinco em cinco anos, naturalmente, o potencial de perda eleitoral não se pode colocar em causa. Não somente os inimigos da Frelimo em termos de Guerra fria e os que apoiaram o seu adversário na luta armada de libertação nacional que, como é obvio, nunca se conformaram com a vitória da Frelimo, apoiado por países de orientação Socialista, tendo como cabeça a URSS.
Neste processo de análise, a Frelimo peca por não reconhecer que o próprio partido Frelimo, apesar de não ter mudado os seus estatutos, do ponto de orientação económica e ideológica, mudou de forma radical. A Frelimo que assentava na base dos operários e camponeses, dos intelectuais e outras forças da sociedade, hoje, tem, na essência, como base o capital. É o capital que está nos centros de decisão. É o capital que comanda a vida social e política do país. É o capital que comanda a Justiça Nacional, em fim, a Frelimo partido do povo desapareceu e não houve nenhuma comunicação oficial de ruptura dessas alianças.
A Frelimo, como parte importante dos partidos libertadores de África, é um partido que, pela sua natureza e ideologia, granjeou muitas inimizades, quer na região quer no mundo. É preciso recordar que a Frelimo, o ANC, a ZANU-PF, Chama Chamapenduza e outros eram partidos comprometidos com o bem-estar dos seus povos, eram partidos com encontros periódicos para analisar o estado das suas nações e encontrarem soluções para os mesmos. Recorde-se que faziam parte de organizações como os não-alinhados, Linha da Frente, SADCC e SADC. Hoje, qualquer reunião dos partidos libertadores serve para os actuais dirigentes se exibirem que propriamente analisar e resolver os problemas do povo.
Em Moçambique, por exemplo, os filhos de Samora Moisés Machel se comportavam de acordo com as regras aceitáveis na sociedade. Aquele que ousasse sair da linha, o pai e não o presidente encarregava-se de punir e retirar as regalias mínimas que possuía. Depois disso, os sucessivos presidentes de Moçambique tornaram-se proprietários de grandes recursos e quase privatizaram Moçambique. Sob olhar cúmplice dos seus progenitores, tornaram-se os maiores exibicionistas de riquezas sem causa, sob olhar sereno e impávido dos órgãos de direito!
Sobre o segundo ponto: as nossas riquezas naturais!
É verdade que Moçambique é um país dotado de riquezas no solo, subsolo e na superfície de fazer inveja a qualquer um e, acima de tudo, de outras nações que, infelizmente, não possuem as mesmas condições. Curiosamente, são as riquezas naturais de difícil extracção que mais nos trazem problemas. As riquezas da superfície, constituídas por terras férteis, existência de rios em quase toda a extensão territorial, a fauna bravia entre outros, aqui, excepção a floresta e fauna bravia, que são exploradas, com o resto continuando intacto. Poderei desenvolver as razões em outra oportunidade, mas que fique registado que os detentores de DUAT não têm conseguido fazer especulação desse direito.
Que se informe a Frelimo que as riquezas naturais de Moçambique já não são riquezas do povo moçambicano, mas de uma elite do próprio partido Frelimo, o que tem trazido grandes problemas à sociedade porque, ao contrário da Frelimo da luta armada de libertação nacional, a elite da Frelimo actual quase substituiu o colono. São as elites da Frelimo que estão nas grandes explorações das nossas riquezas, são as elites da Frelimo que exploram rubis, ouro, areias pesadas, de entre muitas riquezas naturais, o que pode significar que as manifestações podem ter como objectivo depor esses novos déspotas.
Muitos veteranos da luta armada de libertação nacional continuam a viver na pobreza. É preciso reconhecer que existem muitos combatentes da luta armada que não possuem se quer a pensão de reforma, combatentes esquecidos na sua terra natal, o que significa que se deve fazer a ressalva de que os beneficiários das nossas riquezas não são no todo os antigos combatentes, mas os que se apoderaram da Frelimo, com efeito a partir de 1986. Diga-se, 1986 é o ano em que Moçambique perdeu o seu primeiro Presidente da República, o saudoso Samora Moisés Machel. A morte de Samora Machel pode servir como marco da viragem ideológica do partido Frelimo, viragem de partido do povo para partido capitalista.
Se a Frelimo advogava Moçambique como “túmulo” do Capitalismo, também essa advocacia pode ter mudado nessa fase, tornando o país no lugar de florescimento de capital primitivo, capital de renda e de esclavagismo. Caros membros da Frelimo, é importante que seja feita uma análise séria e honesta sobre o actual estágio ideológico do partido. Se a Frelimo continuar a fazer análises de conveniência não estará a resolver o problema, mas a adiá-lo, o que poderá agravar as precárias condições de vida da sociedade. Haja bom senso.
O que a Frelimo não analisou na sua reunião!
A Frelimo não analisou, não sei se propositado ou por conveniência, a precaridade da vida dos cidadãos e as causas que levaram a essa precaridade. Numa análise honesta, pode-se dizer que a precaridade da vida social em Moçambique também tem um marco importante que é o PRE – Programa de Reabilitação Económica. Isto porque com o PRE que preconizava a passagem da actividade económica do Estado para o sector privado, a verdade é que Moçambique não possuía pessoas com capacidade para comprar as grandes Unidades Estatais e as políticas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que preconizavam a liberalização do Comércio nacional e internacional, fizeram falir as principais indústrias, como a de Caju, que empregava muitas pessoas, milhares de pessoas, sobretudo de Mulheres. Veja-se, hoje, a Avenida das Indústrias, onde as fábricas de castanha se tornaram armazéns, a fábrica de vidros idem, de talheres e de montagem de fogões e geleiras idem. Ou seja, as fábricas se tornaram armazéns de produtos acabados e importados.
Isto nas cidades, nas empresas agrícolas, no quadro de privatizações, as empresas estatais, que eram constituídas por vários hectares de terra arável, incluindo pontos de captação de água passaram a serem retalhados, criando várias pequenas empresas e afectos agentes sem condições para se tornarem verdadeiramente empresários. As cooperativas agrícolas praticamente ficaram abandonadas e a produção declinou absolutamente, o custo de vida agravou e, consequentemente, a pobreza piorou.
A Frelimo, partido no poder desde a independência nacional, que de um partido do povo se tornou no partido dos burgueses, deve fazer uma introspecção mais séria e honesta. É preciso que haja coragem de redefinição da ideologia e o que pretende para o seu futuro porque esta Frelimo caracterizada por nepotismo, corrupção desenfreada, influências de todo o tipo não tem futuro. A Frelimo deve pensar Moçambique, pensar na Juventude, não para constar dos seus manifestos eleitorais, mas para fazer algo que dignifique a essa camada juvenil.
A juventude moçambicana, e aqui não me refiro à juventude da Frelimo, considerando que a juventude da Frelimo faz parte da juventude moçambicana, precisa de coisas básicas desde já. Algumas coisas que de forma urgente devem acontecer são: habitação e emprego. Perdeu-se tempo com paliativos no tratamento destes assuntos cruciais com a criação de uma Secretaria de Estado da Juventude e Emprego, uma instituição que, na essência, viria a contribuir para o fim daquilo que, sendo pouco, era feito e bem, pelo Ministério do Trabalho. Isso revela falta de visão sobre o futuro, paliativos que passaram por cursos de curta duração e kits de trabalho que, no fundo, acabavam esses kits no mercado informal.
Na área de habitação, é preciso criar condições de habitabilidade. Não faz sentido que o estado moçambicano se orgulhe de construir alguns “cubículos” que designa de casas para a juventude. Isso é inaceitável, uma coisa é o jovem, com meios próprios, depois de receber do estado uma parcela de terreno, decidir construir uma casa evolutiva, isso sim. Mas um estado que, através do seu Governo, faça isso é uma declarada falta de respeito e consideração por essa camada juvenil. A Frelimo tem bases e condições para fazer melhor, é preciso que seja honesta consigo mesmo e sobre o que pretende do futuro.
Adelino Buque
Uma saída para a actual tensão pós-eleitoral talvez passe por uma linha de comunicação directa à semelhança dos tempos do auge da Guerra-Fria, na década de 1960, entre o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos da América, e o Leste, liderado pela então União das Repúblicas Socialistas Soviética.
Esta linha de comunicação foi conhecida como ῎Telefone Vermelho῎ e foi criada para aproximar as partes desavindas e evitar a escalada de conflitos. Pelo mesmo propósito devia ser estabelecido um ῎Telefone Vermelho῎ entre os principais antagonistas da actual crise pós-eleitoral em Moçambique e não seria a primeira vez na Pérola do Índico.
Há cinquenta anos, nos acontecimentos do ῎7 de Setembro de 1974῎ na então Lourenço Marques, ora Maputo, o ῎Telefone Vermelho῎ foi a elite africana urbana (assimilados) estabelecida nos subúrbios da cidade. Esta elite criou um grupo que articulou a resistência urbana e foi determinante para o fim da violência que se instalara em Lourenço Marques com a tomada da Rádio Moçambique, entre outras acções, incluindo violentas, perpetradas por grupos da população branca que estavam contra o desfecho dos Acordos de Lusaka, assinados entre Portugal e a FRELIMO.
Reza a narrativa dos factos que um dos elementos deste grupo de resistência, cuja sede estava no bairro da Mafalala, foi ao que é o actual Quartel-General e disse a um responsável militar do exército colonial que seria possível travar a incursão ofensiva e massiva da população negra em marcha e em direcção ao centro branco de Lourenço Marques. Para que o banho de sangue fosse evitado uma senha deveria ser difundida através da rádio, então ocupada por colonos em contramão com o desfecho de Lusaka.
Felizmente, e depois de terem sido criadas as condições, ῎Galo, galo amanheceu῎ foi a senha que foi difundida nos microfones da Rádio Clube, hoje Rádio de Moçambique, e assim foi travada a furiosa multidão às portas do centro da cidade, pondo fim a 4 dias (7-10 de Setembro de 1974) de incerteza, tensão e violência.
Infelizmente, e voltando para os actuais acontecimentos da crise pós-eleitoral cujo epicentro é o dia 7 de Novembro de 2024, ainda não se vislumbra qualquer sinal de criação das condições para uma plataforma ao estilo do ῎Telefone Vermelho῎.
Pelo rol dos acontecimentos em curso urge que seja estabelecido o ῎Telefone Vermelho῎ e deste a esperança de que saia uma nova senha ao estilo ῎Galo, galo amanheceu῎ que ponha cobro aos dias de incerteza, tensão e violência que correm, e também que sinalize para uma nova Pérola do Índico. É possível!
Está caindo uma chuva mal-cheirosa um pouco por todos os cantos do nosso país, mas isso pode ser o prenúncio de que o dilúvio chegou. Relampeja nos Céus, com raios gotejando luz letal sobre a terra libertada com sangue, agora regada com sangue novamente. Há trovões a rugir como os felinos mais portentosos da selva, anunciando a hecatombe, porém, ao que parece, ninguém se importa com a sinaleta.
Aquela mulher também , no tempo do Noa, dizia: nunca vi chuva nenhuma a engolir montes e montanhas, e árvores gigantes! Mesmo que venha o tal dilúvio, eu sei nadar, de mariposa e de bruços e costas e de livre. Por isso, não tenho medo de nada!
Chove em Maputo e Gaza e Inhambane/Chove em Sofala e Zambézia e Tete e Manica/Chove em Cabo Delgado e Nampula e Niassa. Chove uma chuva mal-cheirosa e pegajosa em todo o país, e ainda dizem, isto vai passar! Relampeja e troveja em todo o lado e ainda dizem, isto não é nada!
A tonalidade do canto dos pássaros baixou de nível. As estradas estão nuas de um lado. Do outro lado ganharam feridas vivas e, no lugar do pus, cheiram a petróleo. As balas são aspergidas contra os corpos dos jovens e das crianças. Os militares aprumam-se enchendo os carregadores das armas de guerra. Há uma voz de comando que grita para que o sangue jorre nas cidades. E as nossas casas tornaram-se grutas onde nos esconderemos, em vez de nos acomodarmos.
Continua a chover chuva pegajosa em Moçambique. E mal-cheirosa. O céu está encolhendo para que as nuvens se adensem e escureça. Cheira a pólvora na atmosfera. Os músicos recusam-se a subir aos palcos para cantarem as músicas da esperança. E quando se chega a essa fase, significa que serão os crocodilos e as hienas a triunfarem sobre a luz.
As noites tornaram-se longas, ninguém dorme. Os jovens estão unidos, mais do que nunca, no mesmo cacho da luta. Eles sabem que o caminho pelo qual se guiam, é íngreme, mas vão. Sabem igualmente, que para se chegar ao topo do monte mais alto da cordilheira de Namuli e de Catandica e de Chimanimani e de Binga, é preciso alimentar-se devidamente com xima e carne. E os jovens não têm nem xima nem carne, mas vão com a fome que vêm acumulando. “Nós já nascemos com fome”!
É esta a cascata que desce impetuosa, não para destruir. É esta catarata do tempo que já não pode voltar para trás. São estes os ventos que sopram de todos os pontos cardiais levando a força da restauração do amor e da paz. E aos ventos da paz e do amor, não há barreira que se interponha.
Chove chuva mal-cheirosa e pegajosa. Troveja em todo o lado. Relampeja sem parar nas ruas e nos becos e em todas as veredas de Moçambique. Mas ainda é um sinal que podemos entender com sabedoria, para que não haja mais sangue. Para que voltemos a acender as luzes apagadas.
Contextualização
A situação dos direitos humanos mostra-se bastante preocupante, com sinais de frágil protecção pelas instituições relevantes para o efeito, neste período caracterizado por conflito pós-eleitoral praticamente em todo o País, sobretudo, depois do assassinato bárbaro do advogado Elvino Dias e de Paulo Guambe, mandatário do Partido PODEMOS, na cidade de Maputo, na madrugada do dia 19 de Outubro de 2024, o que desembocou na realização de manifestações populares a nível nacional, com destaque para a capital do País, Maputo.
A intervenção da Polícia da República de Moçambique (PRM) e das Forças de Defesa e Segurança (FDS) para impedir o exercício do direito à manifestação pacífica tem sido caracterizada por execuções sumárias, deteções arbitrárias, agressão física, baleamentos, tortura e outros maus tratos que consubstanciam violação dos direitos humanos, para além de argumentos falaciosos de que a manifestação não foi autorizada e é violenta.
O silêncio das relevantes instituições de justiça, incluindo os órgãos de soberania e demais órgãos centrais do Estado responsáveis pela garantia da paz, segurança pública e prevalência do interesse nacional contribui bastante para a violação dos direitos humanos que está a ter lugar no período em análise, que vai desde o dia 21 de Outubro até ao presente momento.
Curiosamente, a Constituição da República de Moçambique (CRM) protege os direitos humanos em toda a sua extensão, no quadro do Estado de Direito Democrático e de Justiça Social que instituiu. Neste sentido, o Estado moçambicano, mais do que assinar, ractificar e reconhecer instrumentos e instituições regionais e internacionais de protecção dos direitos humanos de diversa ordem, aprovou uma série de leis ordinárias sobre os direitos humanos, bem como criou várias instituições e organismos de promoção, defesa e protecção de direitos humanos quais sejam: A Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), o Provedor de Justiça, a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), os tribunais, o Ministério Público, a Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade da Assembleia da República de Moçambique, Ministério da Justiça e sua Direcção Nacional dos Direitos Humanos, o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) e organizações da sociedade civil que trabalham em matéria de justiça e direitos humanos.
Ademais, não se deve esquecer que Moçambique é um dos membros não permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), tendo inclusive assumido a presidência rotativa deste órgão.
Isto significa que, do ponto de vista formal, existe um quadro legal e institucional para a protecção dos direitos humanos e realização da justiça, o que nem sempre tem correspondência com a realidade prática, tanto é que há situações como nas actuais manifestações em que parece se ter decretado a suspensão das garantias dos direitos e liberdades fundamentais, fora dos preceitos constitucionais, senão vejamos:
Violação do direito à vida e integridade física
Vários cidadãos foram assassinados e feridos, alguns em situação de gravidade, em conexão com o exercício do direito à liberdade de manifestação pacífica, pela PRM e FDS, que têm vindo a praticar actos de violência e brutalidade policial contra cidadãos indefesos, independentemente de estarem ou não envolvidos nestas manifestações populares de nível nacional contra os resultados eleitorais e prática de má governação pelo Partido no poder há 49 anos, desde a independência de Moçambique, em 1975.
Na semana finda, os médicos, através da Ordem dos Médicos de Moçambique e a Associação Médica de Moçambique, vieram a público, através da imprensa, confirmar que foram mortas 10 pessoas e 73 ficaram feridas como resultado de balas verdadeiras e gás lacrimogéneo atirados pela Polícia contra os cidadãos. Com o início da terceira fase das manifestações pacíficas, convocadas pelo candidato presidencial suportado pelo Partido Podemos, Venâncio Mondlane, o número de cidadãos assassinados e feridos pela PRM e FDS aumentou significativamente, em vários locais do País, em especial na Capital do País.
“Todo o cidadão tem direito à vida e integridade física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos”. É o que dispõe o artigo 40 da CRM. A Polícia tem estado a ignorar sistematicamente a dignidade humana protegida pela CRM e pelas normas do Direito Internacional de que Moçambique é parte, abusando assim dos direitos humanos sem qualquer tipo de responsabilização, como se se tratasse de um órgão com autorização legal para executar e torturar os cidadãos de todo o tipo (crianças, mulheres, homens, jovens, idosos, deficientes, etc), com base na sua vontade ou desejo.
Discriminação no tratamento dos cidadãos
Há uma notável prática de discriminação, fundamentalmente baseada na posição social e na posição política praticada especialmente pela PRM e FDS e outras instituições de justiça como é o caso do Ministério Público. As condutas destas instituições tendem a violar os direitos e liberdades fundamentais dos manifestantes e privilegiar interesses obscuros do Partido no Poder, que tem sido bastante protegido e que, de certa forma, controla os órgãos do Estado e influencia bastante para a precariedade da justiça em Moçambique.
Como corolário do referido no parágrafo anterior há que notar as várias evidências que consubstanciam violação do direito à liberdade de manifestação pacífica, em especial a manifestação do tipo marcha na via pública, principalmente na zona cimento ou nos Bairros de elite da Cidade de Maputo em que a PRM e FDS, com recurso à violência e brutalidade policial, impedem que os cidadãos entrem para a zona cimento.
Ainda sobre a prática da discriminação, vale lembrar o caso de violação dos direitos humanos dos manifestantes, no distrito de Mecanhelas, na província do Niassa, em que agentes da Polícia dispararam balas reais e gás lacrimogéneo de forma desproporcional contra os manifestantes e apoiantes de Venâncio Mondlane e do PODEMOS.
A PRM agiu em protecção e tratamento privilegiado dos apoiantes e simpatizantes do Partido FRELIMO que estavam a marchar em celebração da alegada vitória eleitoral. Trata-se, pois, de um claro exemplo da violação do princípio da não discriminação e da igualdade previsto no artigo 36 da CRM. Este é um caso flagrante em que a PRM demonstrou que só respeita e protege os manifestantes da FRELIMO, até porque estes marcharam à vontade e com protecção policial um pouco por todo o País, no sábado, dia 26 de Outubro de 2024 e também voltaram a marchar à vontade no distrito de Gurué, na Província da Zambézia, no sábado findo, dia 2 de Novembro.
Estranhamente, nessa mesma data, a PRM repeliu, com violência e brutalidade policial, várias manifestações, incluindo a manifestação pacífica da chamada classe média e grupos islâmicos que marchavam, de forma ordeira e civilizada, na zona da Baixa da Cidade de Maputo, em direcção à praça da independência.
Mais do que isso, é que a PRM, com a anuência do Ministério Público, instaurou um processo-crime contra Venâncio Mondlane por, alegadamente, estar a incitar a violência no País pela convocação de manifestações e paralisação do funcionamento do Estado. No mesmo sentido, vários jovens manifestantes contra os resultados eleitorais, má governação e assassinato bárbaro de Elvino Dias e Paulo Guambe foram processados e julgados, alegadamente, por praticarem manifestação violenta.
No entanto, pelas mesmas circunstâncias, nunca a PRM e FDS foram processadas e julgadas pelas violência e brutalidade policial contra cidadãos indefesos. A mesma situação se verifica relativamente há alguns cidadãos, os chamados grupos de choque ligados ao partido no poder, que, recorrendo às redes sociais e imprensa, promovem discurso de ódio contra os activistas de direitos humanos, organizações da sociedade civil e quaisquer cidadãos que ousam criticar a fraude eleitoral, a governação do dia e o sistema de justiça em vigor. Os manifestantes que são membros e simpatizantes do Partido no Poder também não são alvos de quaisquer processos judiciais e perseguições pela Polícia.
Perante esta situação, é curiosa a complacência das instituições da justiça relevantes nesta matéria, o que é problemático e preocupante, na medida em que perpetua tanto a prática de tratamento desigual para situações iguais ou similares, como alimenta a situação de impunidade das autoridades policiais e outras que violam o direito à liberdade de reunião e manifestação e outros direitos humanos neste contexto.
Violação dos direitos digitais, direito à informação, liberdade de expressão e de imprensa
A recorrente prática de uma conduta sistemática de violação dos direitos digitais pela restrição no acesso e uso de internet releva a efectiva violação do direito à informação, liberdade de expressão e de imprensa, bem como a violação da participação pública dos cidadãos na vida do Estado, limitando o exercício da cidadania e da democracia, conexos aos direitos digitais.
Os cidadãos, na sua maioria, exercem e gozam do direito à informação através do uso dos serviços de internet, basicamente por via dos dados móveis, cujo acesso tem sido arbitrariamente limitado e/ou cortado, como forma de parar e repelir as manifestações em questão.
O exercício do direito fundamental à informação, da liberdade de expressão e de imprensa são pressupostos do princípio constitucional da permanente participação democrática dos cidadãos na vida pública. Na verdade, a liberdade de informação, de expressão e de imprensa são exercidos, fundamentalmente, através da Media social, as chamadas redes sociais, bem como pela televisão e jornal digital que dependem do fácil e rápido acesso à internet.
Pelo que, a restrição arbitrária no acesso à internet constitui uma forma de denegação infundada e violação das liberdades de informação, expressão e de imprensa constitucionalmente consagrados, conforme estabelecido no artigo 48 da Constituição da República. Vale notar que também constitui uma forma de violação do direito à educação, do direito ao desenvolvimento, entre outros direitos humanos conexos aos direitos digitais.
A Polícia violentou, arbitrariamente, vários jornalistas e outros profissionais de comunicação social, com destaque para o dia 21 de Outubro de 2024, quando estavam a exercer a liberdade de imprensa, reportando os factos que estavam a acontecer na Cidade de Maputo, nas proximidades da Praça da OMM, no contexto das manifestações pacíficas em questão.
Alguns jornalistas foram alvejados pela Polícia e socorridos para a unidade sanitária mais próxima, mormente o Hospital Central de Maputo. A Polícia teve uma actuação excessivamente desproporcional, abusiva e de violência intencional contra jornalistas e órgãos de comunicação social nacional e internacional.
Os profissionais de imprensa estavam a reportar as incidências dos acontecimentos, em pleno exercício das liberdades de expressão, de imprensa e de informação consagrado no n.º 1, do artigo 48 da CRM que determina: “todos os cidadãos têm direito à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, bem como direito à informação.” Em bom rigor, estes direitos e liberdades só podem ser limitados nos termos consagrados na CRM. Mas a Polícia não respeita a ordem constitucional para o efeito, desencadeando um ataque directo contra a imprensa.
O mais caricato e vergonhoso foi o governo, depois de se reunir em Conselho de Ministros, aparecer publicamente a negar a violência e brutalidade policial contra os jornalistas perante evidências de vídeos e imagens vistas em directo a nível nacional e internacional e que constituem factos notórios de tal maneira que não carecem de prova.
Com essa atitude, o Governo revelou um total desinteresse relativamente ao respeito e protecção dos direitos humanos, senão exclusivo interesse em defender a Polícia a qualquer custo.
Violação do direito ao voto
A Comissão Nacional de Eleições (CNE), num contexto de violação dos princípios da justeza e transparência eleitoral, aprovou os resultados das presentes eleições gerais e submeteu ao Conselho Constitucional para a validação e proclamação das mesmas. A violação dos princípios da justiça e transparência eleitoral que fazem parte do lema do processo eleitoral “Eleições livres, justas e transparentes” denota a violação do direito constitucional ao voto do cidadão. Os votos apurados não se mostram credíveis devido à prática da fraude eleitoral, seja pelas evidências de enchimento de urnas, seja por roubo de urnas, seja por falsificação dos editais e das actas relativas ao processo da votação, etc.
Aliás, uma análise mais aprofundada da actuação da CNE permite facilmente perceber que este órgão reconhece ter havido violação do direito constitucional ao voto, ou seja, do sufrágio universal e a consequente violação da participação democrática dos cidadãos na vida da Nação, conforme resulta do artigo 73 da CRM.
São evidências desse reconhecimento, tanto a Deliberação n.º 105/CNE/2024, de 24 de Outubro Atinente à Aprovação da Centralização Nacional e Apuramento Geral dos Resultados das Eleições Presidenciais, Legislativas e das Assembleias Provinciais, de 9 de Outubro de 2024, como a respectiva Acta do Apuramento Geral, para além do conteúdo do discurso do próprio Presidente da CNE que, de viva voz, reconheceu ter havido várias irregularidades graves, que a mesma CNE ignorou, alegadamente por falta de tempo. Ou seja, não houve tempo para garantir o respeito pelo direito fundamental ao voto, à democracia e à participação política dos cidadãos.
Violação do direito do consumidor
A limitação no acesso aos serviços de fornecimento de internet de forma obscura e arbitrária, revela, também, violação dos direitos dos consumidores, consagrado no artigo no artigo 92 da CRM. Ora, os cidadãos estão a ser, assim, consumidores de um serviço público precário de acesso à internet para a materialização dos seus direitos digitais, sem qualquer responsabilização das entidades prevaricadoras, como o Instituto Nacional de Comunicação de Moçambique (INCM) a autoridade reguladora das comunicações; o Ministério de Transportes e Comunicações, a Tmcel, a VODACOM, a MOVITEL, etc.
Violação da liberdade de circulação
Os cidadãos, independentemente de serem manifestantes, estão a ser vítimas de violação do direito fundamental de livre circulação, dignidade humana e integridade física pela Polícia sobretudo no período desta terceira fase da manifestação pacífica. Não podendo circular livremente no território nacional, sobretudo para a capital do País, e para a zona cimento da Cidade de Maputo, sem a devida justificação das razões da circulação, numa espécie de retorno da regra das “Guias de Marcha.”
As autoridades policias, ao agir da forma como agiram, puseram em causa não só o direito de livre circulação e dignidade dos cidadãos vítimas da violência e brutalidade policial para não circularem livremente, como também desprezaram e ignoraram a CRM.
Nos termos do disposto no artigo 55 da CRM e da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, de que Moçambique é parte, todos os cidadãos gozam do direito de livre circulação no interior e exterior do território nacional, desde que não estejam judicialmente privados desse direito.
Violação do direito à segurança pública
A PRM e as FDS instalaram um estado de terror e de insegurança pública no País, de tal modo que está a agredir e, vezes sem conta, a assassinar os cidadãos indefesos, alegadamente, para conter ou limitar a todo o custo o exercício do direito à liberdade de manifestação e de livre circulação.
Estar na via pública, em Moçambique, tornou-se um grande risco devido ao terrorismo Policial que a todos baleia com balas verdadeiras, de borracha e dispara gás lacrimogéneo, indiscriminadamente e de forma completamente desproporcional.
A Polícia que devia proteger o cidadão e garantir a ordem e segurança pública é a mesma que aterroriza, agride e executa sumariamente os cidadãos indefesos, no pleno exercício dos direitos e liberdades fundamentais, sem qualquer tipo de responsabilização, nem chamada de atenção pelas autoridades competentes para o efeito.
Concluindo
Os direitos humanos quase que não gozam de qualquer forma de respeito e protecção nestas manifestações populares, com a excepção de se tratar de cidadãos da FRELIMO e elites deste Partido no Poder.
O silêncio das instituições de justiça perante as atrocidades da Polícia contra os direitos humanos, mais do que representar uma garantia de impunidade à Polícia, constitui uma forma de perpetuar a violação dos direitos humanos contra os manifestantes e opositores ao Partido no Poder.
A CRM e os vários instrumentos de protecção dos direitos humanos que vinculam Moçambique estão a ser completamente ignorados e violados pelos próprios dirigentes do Estado e instituições de justiça.
Até ao presente, não há qualquer responsabilização da Polícia pelos seus actos de violação contra os direitos humanos no contexto destas manifestações e sequer houve qualquer reparação dos danos causados às vítimas e pedidos de desculpas, senão continuação da violação como forma de repressão.
A participação efectiva de Moçambique nos organismos internacionais sobre os direitos humanos, paz e segurança, não está a surtir efeitos desejáveis e é estranho que ainda não haja evidência de ajuda internacional para que não haja sistemática prática de atrocidade contra a dignidade humana ou contra a humanidade pela violência e brutalidade policial no País, conforme está a acontecer. Qual é o ganho para estas manifestações de Moçambique se um dos membros não permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) assumir a presidência rotativa deste órgão?
Pela inércia das várias instituições de justiça e que têm a obrigação legal de garantir a paz e segurança pública no País, não resta outra saída aos cidadãos, senão recorrer à justiça privada, o que é indesejável pelas consequências nefastas quase irreparáveis que daí advém.
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
Jurisconsulto em Litigância de Interesse Público