Director: Marcelo Mosse

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Carta de Opinião

quinta-feira, 29 junho 2023 06:48

A Vigia

Edna Juga

Cena 1

São 03:03 da madrugada de sábado. A encruzilhada entre duas grandes avenidas está visivelmente despida de vida humana. Um grupo de semáforos posicionados nos três cantos da encruzilhada seguem as suas mudanças sincrónicas, obedecendo a sequência alternada das cores Verde, Laranja e Vermelho. Como não houve movimento desde às 23 horas, jogam o renomado Nomes-Terras. O mais trapaceiro do grupo quando percebe que vai definitivamente perder, desvia a atenção da agremiação.

 

- “Ainda não percebo, por que temos que trabalhar 24 horas?”, pergunta incitando discussão.  - “Durante dois meses, há três meses, estávamos desempregados. Os automobilistas sobreviveram, muito bem, na nossa ausência. Agora que não há ninguém, estamos a trabalhar. Mesmo quando há, quem é que para? Estou com sono. Isso é um abuso!”, resmungou o trapaceiro.

 

A mais sensata dos semáforos, aproveitou a deixa para fazer comentários que encerrariam a conversa.

 

- “Ouçam colegas, o nosso digníssimo e exemplar colega está com sono!”, exclama enquanto organiza as próximas palavras. - “Onde ficou a sua vergonha?”, dispara a pergunta dando início a um ataque. - “Você só sabe reclamar. Primeiro, o seu sinal verde não funciona devido a lâmpada fundida. Segundo, onde está o montante que lhe deram para as lâmpadas? A sua indolência, obriga aos automobilistas, a tornarem-se vesgos para perceber, se devem ou não passar”, opugnou a sensata. Termina o seu discurso indagando, “Por que, até hoje, ainda não trocou a lâmpada? Diga lá?”

 

A conversa ia mudando de tom até que um deles principiou um quadro de alucinações. Era o único dentre o grupo que ainda não havia sido reabilitado. Tratava-se de um semáforo antigo que não recebera a devida atenção. As lâmpadas, começaram a piscar simultaneamente. Deu sinal de encaminhar-se para um estado de colapso, dizendo:

 

- “Estes têm direito de passar, mas aqueles devem esperar. Aqueles tem direito de passar, mas estes devem esperar. Não… Não… Não! Aqui reina a democracia. Todos devem passar, esperar e parar ao mesmo tempo. Se todos temos direitos e deveres, quem poderá confundir a democracia?! Ou… Ela, não existe?” – Cantarola algo inaudível, com intervalos de risos bobos, entrando em estado de avaria.

 

Os restantes colegas semáforos interrompem o jogo, assim como, a audição da discussão entre o trapaceiro e a sensata, para acudir-lho. A lua em sua faceta crescente notifica, aos astros, que a madrugada juvenil será longa. Está contente porque subtraíra o protagonismo da lua cheia. Mesmo com os 55% de crescimento, consegue medir o pulso dos acontecimentos que vigia. Em duas frases, exprime:

 

- “A minha homóloga lua cheia pensa que só ela pode causar infortúnios.”, afirma triunfante. - “Em breve, causarei impacto na vida de algumas almas imprecatadas!”, conclui ciente do seu poder nas propínquas ocorrências.

 

Cena 2

Num dos extremos da grande avenida, que intercepta a encruzilhada descrita, vem um automobilista jovem. Em seu plenos 23 anos, festejados há três semanas, goza de uma aparência física peculiar. A sua face está decorada de acne de grau três. Aos 19 anos, deu a sua batalha contra o acne por vencida. Passeou por vários consultórios de dermatologia, bem como, por vários dermatologistas. O último intento secreto da família é levar-lhe de férias para Singapura afim de experimentar uma nova técnica.

 

Os resultados publicados por uma instituição de pesquisa de dermatologia são incontestáveis. O nome do pesquisador foi recomendado para um dos mais conceituados prémios de pesquisa clínica. Há ainda uma esperança, no fundo do túnel, para a mãe agoniada com afiguração disforme do filho. Junta-se a isso, a sua altura de 1,94 cm, corcunda e escanifrado. Durante a escola primária passou despercebido entre os colegas. Sem embargo, aos catorze anos começou a distinguir deles pela altura e a corcunda. Aos 16 anos, iniciam as malezas da acne. No princípio apareceram alguns pontos negros, depois alguns pontos brancos. Na altura, a sua prima Mariamo, que ia sempre aos domingos almoçar com a família, não se cansava de dar conselhos. No primórdio, tentava espremer-lhe os pontos. Mais tarde, sugeriu usar saco de cebola… Depois, usar a pasta de dentes… A seguir, usar o carvão em pó… Posteriormente, usar mel, entre outras.

 

 A lista de tentativas era vasta. Numa das vezes, ousou presentear a sua roupa íntima inferior para esfregar nas zonas acometidas. Os seus bons desejos de prima preocupada eram reconhecidos. Mas, todos foram mal sucedidos. Na escola, o jovem era desajeitado para o desporto. Contudo, rapidamente encontrou o seu engenho. Era um génio no mundo da tecnologia e da informática. Conquistou amigos por ser imbatível em jogos de game. Navegava livremente no mundo virtual, onde era capaz de ter acesso gratuito aos produtos mais procurados, nos sites de pirataria digital. Com os seus 18 anos, já facturava quantias consideráveis com a prestação de serviços como freelancer. Mesmo com êxito, no pilar profissional, sentia-se profundamente descontente. A sua meta era mostrar-se imbatível para conquistar a atenção do pai. Este último, era um homem de negócios requisitado internacionalmente. Esquivava-se das suas responsabilidades paternais por múltiplas razões. Durante os raros diálogos que trocará com o filho, deixava sempre a mesma mensagem.

 

- “Miúdo, aprenda uma coisa! Todas as pessoas têm o seu preço. O que você deve aprender é a identificar quem elas são e quanto elas valem.”, dizia fitando directamente nos seus olhos. - “Com isso, saberá o quanto está disposto a pagar para que façam o que você quer.”, terminava o seu discurso solenemente.

 

Aos olhos do pai, aquele jovem era uma aberração. Não podia de forma alguma ser sangue do seu sangue. Nos momentos em que os ruídos da sua agitação profissional paravam, indagava-se, como ele um benquisto homem teria um representante indigno de chamar de filho. Ainda por cima, o primeiro herdeiro. Por sorte, o jovem era extremamente lúcido. Como regra familiar, decidiu inclui-lo nos negócios da família mas por insistência do que por iniciativa própria. O resultado foi prodigioso. As rendas da empresa aumentaram pelas condições inatas do jovem. Estava a compreender agora as flutuações da moeda internacional. Muitas vezes, fez alertas importantes que impediram de criar uma tragédia financeira para a empresa familiar. A experiência adquirida com advento da COVID-19, possibilitaram isolar o filho no mundo dos negócios através de encontros virtuais. Assim, podia utilizar o excelso de sua sagacidade, sem desferir o seu ego. O pai descobriu no filho, um excelente negociador. Mais ainda, estava sempre actualizado em muitos assuntos. Havia uma dose de inveja saudável quando o filho contrariava o pai em reuniões de alto nível. Todavia eram aceitáveis pelos seus desfechos sempre exitosos. Por outro lado, um mal vinha se instalando, com a entrada no mundo das substâncias psicotrópicas. A nova rede de amizade, o arrastaram para um mundo conhecido-desconhecido. Julgava que através dele podia se conectar com as pessoas que o cercavam.

 

Nos dois anos precedentes, ao evento que se aproxima, conheceu a Mônica numa festa de despedida de solteiros. A rapariga encenou um papel nada dignificante para a imagem das mulheres. Sendo única feminina, naquele evento, realizou o que lhe cabia no tempo esperado e ao montante  transacionado. As suas regras eram simples: banho, cheque, e o resto se apaga, no dia seguinte, com alguns copos de aguardente. Para o jovem, aquele encontro representou um marco na sua vida. No desflorar de sua ingenuidade ficou completamente apaixonado. Ou seja, assim o considerou, orientando-se com as suas pobres referências. Intimamente, estava ciente que nunca podia levar a Mônica para casa. Existiam muitos desafios na frente, como exemplo,  profissão, raça, religião, berço. Melhor dizendo, os valores e realidades eram dissonantes. Mesmo com esse contraste, arriscava-se a gastar quantias exorbitantes de dinheiro para ter alguns minutos da atenção, da Mônica, a vigarista.

 

Naquela hora da madrugada, muito agitado com o reencontro presencial, dirigia a 140 km/hora para ver-lha. Antes da jornada, entregou-se ao seu vício, para escamotear a timidez e mostrar que era homem, naquele encontro a dois. Ia atrasado devido a uma cerimônia fúnebre que tardou a desvincular-se. Uma série de mensagens foram enviadas para desculpar-se. Adicionalmente, endereça-lhe uma foto de dois presentes que levava consigo. Dentre eles, nada mais nada menos era o último iPhone lançado ao mercado. Esperava com isso, receber antecipadamente, um perdão pela demora.

 

No seu canto, a lua testemunhava toda a cena. Com um sorriso maroto, assobiou a um gato indeciso em continuar a sua exploração. O som do assobio, intima-o a terminar a sua exploração numa casa abandonada. Ao fim, sentou-se no muro, que o separava do passeio e a avenida, lambendo a cauda e parte do tronco com destreza. Subitamente, ao observar a lua, começou a miar em sotto voce, em andamento Lento. Dois minutos, mais tarde, ouviam-se as vozes de outros gatos, respondendo como um grupo coral, “Miau-Mi-Auuuu-Miau-Prr!”, em andamento Largo. Uma das residentes do prédio, ao lado da casa abandonada, no caminho de assossegar a sua bexiga importunada pela urina, desvia o percurso da casa de banho para a cozinha. Vai a correr buscar sal grosso. Com certa urgência, atira sal por todas as entradas da casa, sejam elas portas ou janelas. Depois de sentir-se aliviada, na casa de banho, fecha todas janelas e põe-se a rezar. Em posição de submissão, cresce-lhe um forte pressentimento, e roga:

 

- “Salve-nos, Senhor! Livre-nos, a nós, da adversidade!”, exclama com profunda incerteza de interferir no que quer, que se segue.

 

Cena 3

 Na avenida que faz cruzamento com a avenida da vêm um carro que funciona como táxi privado, que marcha 120 km/hora. O automobilista é tido como Sr. Jaime. Depois da aposentadoria precoce, numa instituição não governamental, tornou-se motorista privado. O novo emprego dava autonomia para gerir o seu próprio negócio. Tinha clientes fixos com regimes de viagens semanais dos seus domicílios aos postos de trabalho ou estabelecimentos específicos. A alma do seu negócio estava no bom cuidado do veículo e sua cortesia na comunicação. Sabia oferecer pronto conforto, respeito, privacidade, aos seus clientes. Só por isso recebia, largas gorjetas para além dos honorários planificados. A publicidade dos seus serviços era passada de cliente para cliente. Em conversação, com o seu irmão gémeo que às vezes o substituía, instruía:

 

- “Tomé, fale pouco! Pergunte somente o necessário para saber a localização do destino, se pretende ouvir alguma coisa e se está confortável. Se fizerem alguma pergunta, procure entender se conversa contigo, ou está diante de um solilóquio. Esses ricos, na maioria, querem ouvir apenas as suas vozes. Alguns são narcisistas. Outros, são vítimas deles mesmos… Não obstante, o mal é o mesmo. As suas almas estão tão carregadas, que qualquer um sem vencilhos, serve de confidente. Com eles, a estratégia é tornar o ouvido ábdito para evitar ataduras mórbidas.”

 

O Sr. Jaime era conhecido no seu bairro como um indivíduo cerimonioso, tradicionalista e um tanto misterioso. A imoralidade não fazia parte da sua conduta. Quem necessita-se de sua ajuda devia meditar sobre os seus objectivos antes de contactar-lhe. Caso contrário, receberia uma aula sobre o significado do tempo. Num desses dias, um velho arengueiro do bairro, aflito por não ter ninguém com quem compartilhar às últimas notícias, arriscou-se a confidenciar sobre o aborto da filha da Sra. Joaquina. Em resposta, em uma das línguas nativas do país, ouviu:

 

- “O Vovó Pedro, sabe quantos dias faltam para que a sua respiração lhe abandone?”, pergunta calmamente aproximando-se do velho, que o observa com espanto.

 

Com uma das mãos no ombro do seu interlocutor, continua:

 

 – “Eu, também, não sei quanto tempo me falta a mim. Não devaneia que seria prudente usar esse tempo para organizar a sua herança e evitar discórdia entre os seus?”, provoca-o ciente de espernear a mediocridade naquele arcabouço de ideias.

 

Indignado o velho reage, retirando a mão do seu ombro, e afirma em leal baixaria das pessoas mal ocupadas:

 

- “Ah! Só porque trrabalhas com brrancos, pensas que és o mais-mais? Êh? Tsc-tsc-tsc…”, respondia a fungar, completamente exaltado. - “Seu prreto desgraçado! Eu te vi a nascer. Sabes disso? Podias ser meu filho. Sabes disso? Só não comi a tua mãe porrque ela é salgada, feia e gorda. Sabes disso? Agora queres me matarr! Neh? Vou queixarr ao mano Titos.”, rezingava afastando-se do Sr. Jaime.

 

Aquele evento não era o primeiro incidente. O Sr. Jaime sabia que o velho era um adolescente que nunca conseguira transitar a fase adulta. Livrar-se de um diálogo com ele era salutar. Estava feliz porque nos próximos três a seis meses não teria que trocar palavras com o velho. Tratava-se de uma indivíduo da pior estirpe. Um aliciador de crianças para ronceirismo. Na sua casa, vendia bebidas alcoólicas de 24/24 horas. De sexta-feira à domingo, os vizinhos eram apoquentados com música estrondosa, algazarra, e toda sorte de bizarrice. Sendo uma pessoa influente, as queixas contra o seu comportamento libertino, sempre foram por água abaixo. Todavia, o velho sabia que qualquer melúria contra o Sr. Jaime seria uma tarefa perdida. O mesmo estaria na verdade a expor-se. Por outra, estaria a levantar questionamentos sobre si. O comportamento exemplar do Sr. Jaime era uma testemunho incontestável de sua moralidade.

 

            Naquela madrugada, a casa do Sr. Jaime foi urgentemente visitada por um dos membros da família Sítone. A filha Carolina foi a correr a sua casa, depois de ter realizado duas chamadas sem sucesso. Em pânico, bate a porta da casa do Sr. Jaime e grita:

 

- “Tio Jaime, estou a pedir nos atender.  Tio Jaime!”, exclama profundamente alarmada com o plano B. Enquanto isso, intercala a batida na porta, janela, gritando o seu nome.

 

Naquele final de semana, o Sr. Jaime estava de folga. Na noite anterior, havia rumado com a família para sua quinta. Quem ficava responsável por atender o negócio era o Sr. Tomé. Ao contrário do seu irmão gémeo, o Sr. Tomé era um indivíduo rude e quase sempre mal-humorado. Sendo gémeos homozigóticos, era simples diferencia-los pela cicatriz no queixo do Sr. Tomé. Além disso, o nível de brutalidade era abismal. Praticava fisiculturismo agravando, ainda mais, a sua expressão agressiva. O lar era muito conturbado na sequência da violência doméstica exercida sobre a esposa e os filhos.  Nas duas semanas pregressas, uma reunião familiar impeliu a distanciar-se deles por causa da repercussão psicológica. Uma visita não avisada protegeu a esposa de uma asfixia por uma esganadura. Muita discussão decorria pela queixa retirada na esquadra contra o esposo. Iam-se 7 anos de ciclos de contendas violentas com separações e retornos.

 

Passados 3 minutos, a porta da dependência traseira da casa do Sr. Jaime, abriu-se. Primeiro saiu um filhote de cão da raça Jack Russell Terrier, a correr animado por estar solto, soltando um latidos amistosos. Simultaneamente, tinham saindo de casa alguns vizinhos curiosos com o som que vinha de fora. Em passos decididos, atrás do seu mascote, vinha o Sr. Tomé furioso com a barulheira:

 

- “Ei, chega! Vão nos arrombar a casa, pá!”, determina com tom incisivo. Enquanto aproxima-se da fonte do ruído, agacha-se para resguardar no colo o filhote de cão fazendo carinho, no tronco e ajeitando a coleira.

 

Ao avistar a Carolina, magicou que algo grave devia ter acontecido. Aquela menina não tinha o perfil de estar fora de casa aquela hora e naqueles trajes privados. Malgrado, sentia-se enfadado por lhe ter interrompido o ócio. Em algumas horas, tinha que ir buscar dois estrangeiros ao aeroporto, seguindo-se um passeio com um casal de turistas pelos pontos icónicos da cidade e por fim, conduzir um casal de idosos, à missa vespertina. Observando a vizinhança; mesclada entre curiosos, preocupados e mexeriqueiros; que se aproxima do quintal, tenta disfarçar o seu desinteresse, comunicando-se com elegância:

 

- “Como posso dispor os meus serviços?”, averigua fingido prestação, resultado do treino na comunicação com os clientes. Em resposta, Carolina toda desesperada e libertando o pranto recentemente reprimido, soluça entre a palavras:

 

- “Eu… Eu… Eu!”, não consegue completar a frase dada a agitação.

 

Ao mesmo tempo escorrem-lhe lágrimas e muco pelo nariz. A demora em pronunciar-se começa a inervar o Sr. Tomé que achasse perdendo tempo. Captando a irritação diluída no ar, uma senhora de idade muito terna, abeira-se a Carolina. Com discrição, reproduz a questão com o tom matriarcal mas agora na língua local:

 

- “Minha filha!”, observa-a afagando as costas. Com delicadeza, retira-lhe as secreções na face usando porção da capulana que traja, e prossegue, “O que te aconteceu Carolina?”. Por um lado, a voz afectuosa tranquiliza temporariamente a Carolina. Por outro lado, a pergunta aguça aos bisbilhoteiros a erguerem os pescoços, como girafas; as orelhas, como um Jerboa-de-orelha-longa e aos olhos, causam uma quase exoftalmia, para registar tudo ao pormenor, no âmbito da reportagem que farão aos vizinhos dorminhocos. Reflectindo no tempo que lhe fugia, a Carolina esclarece:

 

- “Eu ia a casa de banho, quando vi papá, no chão. Estava no chão…”,  interrompe o discurso pensativa.  Ao absorver um imediato trago de ar frio, acrescenta, “O lado esquerdo do corpo secou, a boca virou, e não está a falar”.

 

            Ao proferir estas palavras, recorda-se em voz alta que tinha que trocar as fraldas do bebé. A Senhora de idade, muito envolvida com a situação, assume o comando vigorosamente. Ordena ao Sr. Tomé e aos dois vizinhos de meia idade, para acompanhar a Carolina. Sem contestar, o Sr. Tomé adentra-se na dependência deixando o seu mascote. Ao agasalhar-se, por instinto, endereça uma série de mensagens para um primo atender aos clientes do dia. Leva as chaves do carro, toda documentação necessária e tranca a dependência. Instalado no carro, convida a Carolina e aos dois vizinhos solícitos a acompanhar-lho. Todos despediram-se da senhora de idade e dos outros vizinhos que os testemunhavam partir. Nos 5 minutos posteriores, a Carolina, partilhou que o dia tinha corrido bem com o pai. Quando ela regressará a casa às 19h, o mesmo já havia preparado o jantar e dado de comer ao seu neto de 8 meses. Após o banho, em diálogo durante o jantar, o pai informou que tinha concluído as peças de carpintaria que os clientes iam buscar, no dia seguinte às 9h. Assistiram o telejornal das 20h. Esse era um momento que aproveitavam para estar juntos desde a sua viuvez há 15 anos. Encontrando-se os quatros irmãos, nos seus lares, sentia a responsabilidade de cuidar do pai.  A cerca de dois anos, o seu namorado agora noivo, fez-lhe o Lobolo planificando o matrimónio para o ano seguinte.

 

            Nas suas projecções, a Carolina não acolhia bem o casamento. Para ela, implicaria mudar de casa, de bairro, de província e quiçá do país. O seu noivo, eminente funcionário num empresa multinacional de exploração de recursos naturais, trabalhava na outra extremidade do país. Fazia-lhe pressão para viverem juntos e acompanhar o desenvolvimento do filho deles. Em justa fuga, a Carolina, explicava com certa dose de chantagem:

 

- “Papá tem problemas de tensão. Quem lhe vai acompanhar para consulta e controlar o tratamento? Esqueceste que o doutor disse para tomarmos conta dele. Hmm!? Se acontecer alguma coisa quem vai ajudar? Queres que eu o abandone?”

 

As alegações da Carolina eram muito fortes para serem rebatidas. O noivo foi duas vezes arrastado as consultas de cardiologia. Uma vez foi para acompanha-la e outra vez em substituição. Noutras vezes, voluntariou-se devido a indisponibilidade pelos trabalhos em turnos, numa rede de telefonia móvel. Ambos tinham apanhado um susto, quando o Sr. Sítone estive internado por um quadro de hipertensão arterial severa. A rotina familiar acabou mudando para todos. Reduziram o sal na confecção alimentar, a ingestão de alimentos gordurosos, abandonaram os temperos artificiais, praticavam exercício físico regularmente. O grande mal a ser eliminado era o alcoolismo. Uma psiquiatra austera conseguiu reinserir o pai novamente na vida social. O trabalho se tornara um refúgio da solidão após a morte de sua esposa. Não podia se dizer, de todo, que o vício estava ultrapassado todavia controlado.

 

Durante a semana, conseguia ludibriar o vício sepultando-se no trabalho. Porém, aos fins de semana passava as tardes, na casa do velho Pedro, para olvidar o luto que ainda lhe pesava sobremaneira. O local era uma tentação pela exposição ao álcool. Dizia que bebia moderadamente. O seu principal divertimento era jogar Ntxuva (xadrez africano) com os demais vizinhos. Na maioria da vezes perdia. Entretanto, não se importava. O importante era o entretenimento. As esposas daqueles homens havia imposto, como condições, que os jogos não envolvessem apostas. Já alguns anos, uma família fora despejada da casa por causa delas. Muitos infelizes aprenderam pela má via o preço das irreflexões.

 

Chegado a casa dos Sítones, todos acudiram o homem dispondo-o na cadeira traseira do carro. Por ventura, o bebé da Carolina desfrutava um sono profundo, alheio aos acontecimentos do domicílio. Ao espreitar-lho no berço, assossegou-se pelas fácies angelicais que contemplava. Findo os preparativos para saída, carregou o bebé e sentaram-se no assento lateral ao motorista. Um dos vizinhos, ficou no bairro para permitir conforto da viagem aos passageiros traseiros.

 

Infligindo as regras, lá ia o Sr. Tomé, tranquilizado pela pouca movimentação. Conduzia a alta velocidade para levar a pronto socorro o Sr. Sítone. O mesmo tinha mais afinidades com o seu irmão Jaime do que ele. A um quarto de distância do Hospital, o bebé acordou chorando aos berros. Aquele som estridente empurrava o Sr. Tomé para fora da bolha do fingimento. Inspirava profundamente para se controlar. A mãe sentindo os nervos por um fio, deu-lhe de mamar cantando baixinho melancolicamente, uma música para ninar. A música era mas para ele do que para o bebé.

 

Cena 4

A cerca de três quarteirões do Hospital, o nível de consciência do Sr. Sítone decresce para uma estado de imobilidade completa do corpo. O vizinho que o tinha com a cabeça no colo, aflito sussurra pelo nome, dando palmadas gentis na face e movimentando o tronco:

 

- “Tio Sítone, tio Sítone!”, aterrorizado afasta-se do corpo desajeitadamente, gritando por socorro abraçando o motorista.

 

A filha na frente junta-se aos gritos pelo pai, voltando a acordar o seu filho, que se põe novamente aos berros. Descontrolado, o Sr. Tomé ameaça:

 

- “Larga-me, seu estúpido”, ordena removendo rispidamente as mãos que lhe envolvem.  Com os olhos fixos na estrada, declara “Fechem a boca ou vos atiro a todos da janela!”. O seu carácter explosivo era sobejamente conhecido pelos passageiros, excepto o bebé que continuava pranteando. Furioso intimida mãe, dizendo:

 

- “Se esse, bebé não terminar o circo rebento-vos agora.

 

A Carolina num impulso cobre a boca do bebé com a mão, embalando-o com o tronco e braço contralateral. O Sr. Tomé completamente decidido a desfazer-se deles na entrada do Hospital, afunda o pé no acelerador, coloca o carro em sinal de emergência e vai buzinado em intervalos regulares. Cinco minutos depois, entra numa das grande avenidas da segunda cena.

 

Uma peona, funcionária num restaurante próximo a avenida, regressa a casa sozinha. O destino é a paragem de transporte semicolectivos. Na manhã do dia anterior, chamaram-na para fechar o lugar de uma colega recentemente expulsa por furto. Aquele extra vinha de bom grado para cobrir algumas contas que tinha a pagar. Infelizmente, naquele turno ninguém dormia no restaurante a espera do amanhecer  e todos iam embora em vias opostas a dela.

 

Analisava como o trabalho foi dinâmico. Aquele grupo de colegas era mais colaborador que os do seu turno fixo! Para variar, a casa esteve cheia, conseguiram uma generosa gorjeta dos clientes cuja repartição foi equitativa. Aquela seria um excelente altura para solicitar a permuta.  Agora na rua, magicava como pediria ao patrão para ficar até amanhecer para não regressar sozinha, nas próximas ocasiões. Enrolada em três capulanas  para reduzir a corrente de frio, caminhava pela estrada mal iluminada, para evitar o passeio escuro. Não se via nenhum guarda na avenida. Ouviam-se em alguns edifícios, uns sons abafados de algumas rádios ligadas, sem embargo, não reduziam a sensação de insegurança. Era a primeira vez, que regressava sem companhia naquela hora.

 

Quando se dava por sozinha, ouve de longe uns passos apressados ao seu encalce. Sem olhar para atrás, começou a acelerar o passo, quando de longe escuta:

 

-“Cremosa, queres que eu te acompanhe?”, uma voz masculina atrevida, autoconvoca-se a estar junta dela. Quando os sons dos passos outrora distantes, aparentam estar próximos, a jovem poem-se a correr. Em retorno, a reacção de evasão, a voz diz:

 

-“Sucá! Quando eu te apanhar vais ver, sua ranhosa desqualificada!

 

O semáforo em alucinações, ao ver o sinal de pisca-pisca contínuo do carro que aproxima pensa “Bem me quer ou mal me quer?”. Espera ver assim, uma luz verde ou vermelha, contudo a cor é a mesma. Em provocação, diz aos colegas:

 

- “Quem é mais velho aqui só eu. Acabou a anarquia! Todo mundo com cor verde!

 

Os outros semáforos sem participarem na tomada de decisão trocaram o sinal que tinham para verde.  Temiam o lunático que, em momentos de crises, assumia a liderança deixando tudo desordenado. A sensata preocupada tentava comunicar-se com outros para ao menos ficarem desligados. Os gatos miavam interpretando L’ORFEO de Claúdio Monteverdi, ao passo que um rato tenta atravessar de um lado da estrada para outro. Uma crise de desejo cresceu, no gato posicionado no muro. Depois de calcular o golpe, saltou para o passeio em direcção a rato.

 

A  jovem do outro lado da avenida, meteu-se no meio da estrada, assim que ouviu a buzina do carro que vinha em sua direcção. Em sua mente, pensou “Mil vezes morrer atropelada do que nas mãos desse abutre.” O Sr. Tomé ao desviar-se da alienada que quase atropelava, para de buzinar para recobrar o fôlego. Do outro lado da avenida da cena 2, vem o jovem que com os efeitos das doses ingeridas sente-se impelido a atropelar o gato que irrompe a estrada. O sinal está verde e pode acelerar ainda mais. Em fracção de segundos dois carros, embatem-se capotando, sem ficar nenhum sobrevivente excepto o bebé.

 

A jovem que era perseguida alegra-se por sua estranha sorte. Hoje teria sido o fim. Mantendo a sua corrida, ouve um gato a miar junto a um bebé ileso que chora. Depois de olhar para os lados, espanta-lhe a ausência do indivíduo que a perseguia. Sentindo que foi abençoada pega no bebé e vai para casa, guardando as reflexões para o desabrochar do dia. A lua crescente observa, vigilante, reconhecendo culpados e vítimas. Uma incomum regulação da sincronia dos semáforos marca-se, sem deixar sinais de alguma vez ter havido problemas. O gato mia insatisfeito por se achar manipulado. Perdeu a sua refeição, se não fosse o salto repentino dado, a esquivar um possível atropelamento. Ao concluir a observação: dos destroços; dos corpos sem vida espalhados no chão e outros retidos no carro; do vulto da mulher que se aparta com uma criança no colo; do semblante de um covarde que assiste os eventos escondido detrás de uma árvore, forte para as acções predatórias e fraco para as nobres; começa agora um peculiar miar semelhante ao choro! Todos os gatos circunscritos a zona miam de volta, acompanhando as nuances. Escutam-se vários timbres vocais. Em adição, a maioria dos cães da área ladram melancolicamente, em uníssimos com os gatos, em cortejo as almas que abandonam o plano físico. Os sensitivos que despertam com o som, lançam pragas aos gatos e cães com medo do que lhes possa acontecer. Vão rapidamente examinar nos quartos os seus entes. A seguir, leem as mensagens nos telemóveis, abrem os correios electrónicos, averiguam as diferentes estações noticiosas nacionais, em busca da fonte de inquietação. O mau agouro pesa-lhes sem perceber a origem. A senhora que a pouco rezava decide recolher-se nos seus aposentos. No seu pensamento expressa, “O que é mau não tarda a revelar-se! Até a pouco, fiz tudo correctamente. O que virá na sua hora se resolverá”.

quarta-feira, 21 junho 2023 09:15

Sou uma prostituta em fim de carreira

AlexandreChauqueNova

Não me canso de escutar a extraordinária música de Wazimbo (Nwahulwana), é como se tivesse sido composta em função de mim, mas já é tarde demais para entendê-la. Mesmo que eu quisesse voltar atrás, o sinal está fechado para mim e agora só me resta ruminar as feridas que andei a plantar na vida inteira, sou uma escória. O pior é que nunca juntei nada na perespectiva de que a estiagem é infalível, então passo estes últimos dias da vida ouvindo de longe a gargalhada das hienas.

 

A princípio - influenciada por outras mulheres - a escolha que fiz parecia luzidia, voltava para casa de madrugada e colocava comida à mesa, e isso dava-me a sensação de que a vida é bela. Envolvia-me com três/quatro homens por noite e eu aguentava, era jovem. Mas não passou muito tempo, percebi que tinha-me metido no escuro e o caminho de volta não se vislumbrava. Aliás, nem sequer cheguei a pensar em voltar ao princípio, o dinheiro era mais forte que a dor, e eu o tinha todos os dias.

 

Porém a minha beleza enganou-me durante todo este tempo, toda a vida. Os homens encantavam-se com o meu corpo, com a minha candura, e nunca dei em conta que afinal estava caminhando nas trevas onde no fim serei recebido pelos mabecos que irão devorar-me viva. Como agora, que os últimos sabujos disputam o meu coração que ainda bate, mas o corpo já não serve para as orgias infinitas em noites indescritíveis. Tudo aquilo era um escárnio, os homens abusavam-me.

 

E hoje estou aqui. Magoada, não pelo passado de violência, mas pelas lembranças do meu comportamento, da minha incapacidade de escutar os sinais que recebia ainda em casa quando minha mãe me perguntava, “vais para onde assim esta noite, minha filha!” Eram palavras de súplica. Minha mãe ia até a varanda e pedia, “minha filha, volta para casa, é noite!” Mas eu já não a escutava, estava determinada a sentir as esporas do diabo e embrenhava-me no néon.

 

Agora estou aqui despedaçada. Sentada num dos bancos do anfiteatro da imaginação, ouvindo a minha mãe cantando os versos que me ressurgem em cada pensamento: “vais para onde assim esta noite, minha filha”! “Minha filha, volta para casa, é noite”! Mas já é tarde demais para voltar. Tarde demais para seguir Nwahulwana, profundamente interpretada por Wazimbo.

 

Fumo desesperadamente sem parar em lugares imundos onde se bebe aguardente caseira partilhada no mesmo copo, que vai girando em bocas exalando hálito horrível. Não tenho como recusar esta imundície, não tenho dinheiro. A minha pele está flácida, perdeu a graça, ninguém a aprecia a não ser estes jovens frustrados que depois da pinga encostam-me num canto qualquer e ejaculam toda a merda dentro de mim., porra!

 

Quando desperto estou molhada de ignomínia. Cuspo a minha saliva espessa para o chão com desdém e raiva, mas depois do banho vou para lá de novo, com fome, pronta a ser achincalhada a troco de um petisco e do mesmo copo nunca lavado. É assim a minha vida, depois de tudo o que fiz em desobediência à minha mãe, “minha filha, volta para casa, é noite!”

Guilherme Tamele

Na minha terra há duas classes sociais, a plebe - o povo, e os aristocratas - os burgueses vampiros. A primeira é composta por míseros mortais que vivem expectantes na utopia de um futuro melhor prometido pelos neocolonialistas, que é a segunda classe; Essa segunda classe é composta por imortais encantadores dos distraídos, que se valem da sua épica história de bravura que excomungara o colono do nosso solo pátrio, pérola do Índico, autrora, província ultra-marina. Pecou a elite libertadora, quando deixou a sua bravura, prevaricar a tal ponto de não ser brava suficiente, para expulsar o colono com o respectivo colonialismo, como já foi referido pelo Kubaliwa. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e as coisas, e essa bravura, não resistiu a coerência deste adágio, ao se transformar, de bravura patriótica em Neocolonialismo.

 

Desde que Kubaliwa se foi, anda uma lufa-lufa aqui que não se entende, inesgotáveis rumores, um deles é de que ele se foi, mais deixou os tomates, porque entendera que a sua missão não tinha chegado ao fim  ainda. Algumas línguas dizem que o Nuvunga se apoderou desses tomates, mas cá entre nós, isso não passa de calúnia e difamação dos seus detratores, pois dentre o povo, ninguém consegue ser ameaça maior, ou seja, calcanhar de aquilis para os vampiros que ele. Prova bastante de que os que ele tem são funcionais e lhe conferem arcabouço suficiente, para enfrentar um Sistema encorporado numa governação criminosa. A ser verdade que Nuvunga tenha se apoderado dos tomates, seria por mera ostentação e vaidade. Outras línguas, e não poucas, dizem que os tomates andam ai espalhados entre os jovens, daí esse prenúncio de movimentos primaveris revolucionários, essa irreverência no confroto ao Establishment político por parte deles. Por incrível que possa parecer, há quem diga que viu os tomates com as manas Mambire e Quitéra, pode uma coisa dessas? Ahhh..porque sem tomates ninguém teria a ousadia que elas tem. Mas cá por mim, se elas precisassem de tomates comprariam no supermercado.

 

O outro rumor é de que o advogado do Sistema, EV, quando tomou conhecimento do fatídico sucedido com o Herói do Povo, o que foi parido de novo e nomeado Edson Mandela, o filho da mãe para os políticos,  correu até a casa enlutada, como que para dar as condolências, ludibriou os presentes agoniados entre choros e prantos, e de forma subtil arrancou-os na mesma subtileza com que a Dalila arrancou os cabelos de Sansão, pois neles estava a força que o tornava diferenciado entre os homens. Em posse dos mesmos, foi barganha-los, por uma garrafa de Dom Barril. Ganha azo esta narrativa, por ele ser sobejamente conhecido como fã confesso do vinho.

 

Seja quem for que tenha se apoderado desses místicos tomates, não muito valor agregará seja sociedade civil, assim como a classe política, mais do que agregaria Ossufo Momade, se tivessem caído nas suas mãos. Uma prova inequívoca, de que  o líder da segunda força política, carece desses tomates, é o facto de que desde que começou o seu consulado na perdiz, os Vampiros estão mais sanguinolentos, e vivem sugando o sangue do povo como nunca antes, e nada lhes acontece, até as eleições Distritais que foi um combinado legislado, não mais se vão cumprir, e tudo acontece sob um olhar impávido e sereno do leniente chefe, que muito pouco de lider têm, e de toda cúpula de uma pséudo-oposição, factor inflamatório dos abusos do regime, que mesmo ouvindo o brado de clamor do povo pelas vias de acesso, eis que lhe oferece Portagens.

 

Para essa crueldade, criaram a fraudulenta REVIMO, que para nada serve, se não para agravar a carestias de vida aqui no país de Pandza, e Novunga, no pleno exercício da sua cidadania, faz mais oposição ao regime do que toda oposição junta, sem querer descurar o trabalho assinalável que tem sido desenvolvido pelo Mondlane, o Venâncio, que é deveras um político cientista, que em cada intervenção sua, alarma a mamã Bias e reduz a insignificância a gang da camaradagem.

 

Me admira a ousadia dos vampiros, capturaram a pérola do indico, mudaram a ordem natural do estado do direito, multiplicaram os viventes de Gaza, criaram os postos de Recenseamentos nos domicílios dos Camaradas em exclusivo para Camaradas, levantaram um pseudo-sacerdote na comissão, tal como fará o anti-cristo, para lhe branquear as trambiquices. Assim o poder não mais Emanará do Povo, e no dia do voto, o povo irá as urnas por mera formalidade, pois, para se perpetuarem no poder, bastar-lhes-á a “Benção do sacerdote”, o voto dos camaradas, e do povo parido matematicamente em Gaza.

 

É esperançoso ver um povo sonâmbulo, dar sinais de estar desperto, pois aquele que descobriu as mentiras da verdade, disseminou a sua descoberta, e o povo anémico não mais ingenuamente se oferecerá por sustento aos vampiros. A Coisa é tão sinistra que até as mamanas que viviam expectantes da época eleitoral, para venderem a alma por uma capulana estampanda com o rosto do sanguinolento Drácula, ousam a olha-lo, olho no olho e dize-lo com toda contundência “¹A ntiro wa wena e matximba”.

 

Essa coisa de estado de direito democrático, tornou-se numa utopia, a semelhança das ideologias Marxistas Leninista, que infelizmente de algum modo, sempre fundamentaram a condução do nosso estado, muito por conta da génese do partido do governo do dia. São desculpáveis os nossos lideres por isso, ninguém tinha esperimentado algo melhor ou diferente, para puder entender que essas teorias esquerdistas filosóficas da escola de Frankfurt, só tem involucro apetecível, e nada de proveitoso capaz de potenciar o desenvolvimento social, político, económico efectivo de uma nação.

 

Do que vivi nesta vida, já mais esperaria ver, nem no meu mais terrível pesadelo, o júbilo e os aplausos efusivos dos “subalternos” camaradas, quando o chefe máximo, foi anunciar na casa do povo, o não pagamento do 13º. Como que um vampiro diante de um barril de sangue, assim foi a celebração dos avermelhados representantes do povo, arregimentados pelo povo, mas que vivem prestando vassalagem ao executivo, mesmo quando este anuncia uma desgraça para o povo. Nunca fez tanto sentido o dito pelo Kubaliwa "...Não querem saber de ti, não querem saber de ti, vampiros, os vampiros...!"

 

Disse mais, que ele era da geração dos que primeiro perdiam a vida e só depois a esperança. Deveras é preciso muita esperança para não desfalecer num lugar onde a ditadura do voto é que rege o legislativo, onde os tentáculos do executivo alcançam e subjugam o judiciário, tornando-o num baluarte dos seus intentos maquiavélicos.

 

Portanto, não sendo de Noronha, mas lhe fazendo a vez, digo não a África, mas a terra do Pandza, Surge et Ámbula!

sexta-feira, 16 junho 2023 11:17

África, Acorda!!!

Helio Guiliche

Minha Mãe África

Cresço nos teus doces braços

Eu sou criança africana

Não apenas porque nasci em África

Tampouco porque vivo em África

Não pela minha ascendência

E muito menos pela minha descendência

 

Eu sou criança africana

Porque estou imbuída da cosmovisão ontológica

Vivo seus valores

Vivo seus sabores

Vivo seus oderes

Vivo seus aromas

Vivo seus sentidos

 

Ohhh mãe África

Ohhh mãe grande, misteriosa, mística e valorosa

És um mistério para uns

És misticismo para outros  

E és valorosa para os seus, porque na maternidade

Transmites vida, esperança e liberdade

 

És o berço da humanidade

És sabia e coerente

Por conseguinte és fraternidade

E a sua história não mente

Ainda que por vezes te deixaste violar pelo chicote colonial

Te permitiste ocupar e dominar ao sabor da pólvora

Por agendas de guerras, exploração e pilhagem

 

Ainda que tudo isso te tenha acontecido

Não deixaste sua essência desaparecer

 

Depois da longa noite escura

A longa noite da escravidão e desumanização

Não permitiste que aos seus filhos faltasse identidade

Não deixaste que fosse violada a sua dignidade

 

Ainda que a mesma identidade seja hoje questionada, vilipendiada e insultada

A sua dignidade, generosidade e grandeza estão aqui

Para mostrar e ensinar ao mundo que não se negoceia a cultura, os valores e muito menos a humanidade

 

Humanidade, respeito, verdade, compaixão, honestidade, harmonia, equilíbrio, justiça e alteridade

São algumas das qualidades e atributos que a ti pertencem

Ainda que te julguem mais pela emoção em detrimento da razão, és genuína, valente e verdadeira

 

Mãe África

Acorda e brilha para si

Acorda e valoriza-te

Acorda e recupere o seu lugar outrora usurpado e arrancado

Recupere seu lugar primordial no cento da humanidade

Mostre seu poder e sua luz a toda criança africana.

 

Feliz 16 de Junho

 

Hélio Guiliche

quinta-feira, 15 junho 2023 10:37

A bebida do diabo veio para matar

AlexandreChauqueNova

O jovem trazia moedas na mão esquerda, dirigiu-se a uma banca que vende géneros alimentícios  e pediu parcos produtos que pagou imediatamente, entregando o dinheiro com a mesma mão esquerda, num inadmissível gesto na juventude da minha geração, era má aducação. O homem que estava do outro lado do balcão é idoso, provavelmente da idade do avô deste rapaz, por isso merecedor, logo a partida, de respeito. Chocou-me a situação, então decidi intervir.

 

Chamei o miúdo que olhou para mim com desdém. Saudei-o e ele simplesmente não respondeu, logo percebi que devia ter cuidado, estava diante de um desconhecido e que agora de perto mostra ser possuidor de um potencial agressivo. Mesmo assim não desisti do propósito que me levou a chamá-lo. Repreendi-o dizendo que não ficava bem entregar seja o que for a alguém com a amão esquerda, sobretudo quando a pessoa que vai receber é mais velha que nós.

 

O jovem virou-me as costas com desprezo e prosseguiu a sua caminhada sem me dizer uma única palavra, e eu caí de cangalha no espírito, não por ele ter-me ignorado, mas por estar mais do que claro que temos aqui uma criatura que estará a crescer mal formada como pessoa, e como ele, existem  intermináveis  legiões assim no nosso país, que poderão, por serem pólvora latente, queimar o futuro inteiro. O rastilho está aceso.

 

Mas eu precisava de aliviar a minha dor, foi assim que dirigi-me ao proprietário da banca que, ao contar-lhe o sucedido, disse aquilo que não me surpreendeu. “você tem que ter cuidado com esta rapaziada, eles andam drogados e frustrados. Se não respeitam os seus próprios pais, como é que vão respeitar às outras pessoas?”

 

A cannabis sativa e outras drogas desconhecidas andam em todo o lado. Quanto mais as autoridades tentam combater os seus consumidores, mais elas – as drogasressurgem. Até porque podemos não estar perante um problema criminial em si, mas um problema social, os jovens estão sem rumo, estão a  degenerar, vê-se isso pelo seu comportamento, pela sua tendência a serem agressivos e pior do que isso, abstenidos, já não se importam com nada.

 

Depois de desabafar com o homem da banca, procurei ali mesmo na Mafurreira, uma barraca onde podesse beber cerveja e esquecer aquilo. Mas o que aconteceu foi encontrar outra situação ainda mais dolorosa. Degradante. Ou seja, quatro jovens bebiam “Soldado”, uma bebida extremamente agressiva que o nosso governo tolera e deixa que prolifere no mercado, destruindo uma geração inteira de adolescentes e jovens que no lugar de estar ali a consumir esse veneno, devia estar em lugares mais saudáveis como a escola, por exemplo.

 

Saudei-os, porém  estes, diferentemente do primeiro que pelo menos parou e olhou para mim, nem sequer reagiram. Continuaram na conversa alimentada por palavras obscenas e  gestos obscenos também. Estavam visivelmente “tocados” pelo efeito do “Soldado” com os rostos envelhecidos, desidractados. E eu não podia continuar ali assistindo a um grupo que está-se matando devagar sem que ninguém possa fazer nada para travar a derrocada. Nem eles próprios, por isso fui-me embora. Não podia fazer nada. Não podia dizer nada, sob o risco de ser agredido, ou com palavras ou com as mãos ou ainda com aquela garrafinha adorada pela juventude, não porque é boa coisa, mas porque é relactivamente barata e sobe à xabeça muito rapidamente. E vicia. Mas é bebida do dia.

 JoaoNhampossanovaa220322

Há muito que corre o debate público informal sobre a relevância da proibição da produção, uso e venda da cannabis sativa, vulgarmente conhecida por suruma, no Estado moçambicano. Esta planta é classificada como droga, substância psicotrópica, pela Lei n.º 3/97 de 13 de Março, que define e estabelece o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, Precursores e Preparados e outras substâncias de efeitos similares e cria  Gabinete Central de Prevenção e Combate à Droga. O artigo 34 da presente Lei determina o seguinte:

 

Quem, sem se encontrar autorizado, cultivar a planta “Cannabis Sativa”, vulgarmente conhecida por suruma, será punido com a pena de 3 dias a 1 ano de prisão.

 

Moçambique apresenta vastíssima terra fértil propícia ao cultivo da suruma e vezes sem conta as autoridades policiais desmantelaram várias e extensas plantações da suruma a nível nacional para além de terem apreendido e incinerado várias quantidades da mesma planta, em cumprimento da supracitada Lei.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 103 da Constituição da República de Moçambique, a agricultura é a base de desenvolvimento nacional.

 

Alguns estudos científicos no domínio público revelam a importância da Cannabis Sativa tanto para fins medicinais, como para a produção de óleos, tecidos, loção ou cremes para tratamento da pele humana, chás, etc. Por essa razão, a produção, utilização e comercialização da Cannabis Sativa é largamente permitida e impulsionada para o desenvolvimento da economia de vários países, incluindo os integrantes da SADC, de que Moçambique é parte integrante. A lei não especifica de forma exaustiva, esclarecedora e convincente em que medida a planta Cannabis Sativa deve ser considerada droga maléfica à sociedade e contrária à prática da agricultura, entanto que base do desenvolvimento nacional, conforme preconizado na Constituição da República.

 

Em bom rigor, atendendo às suas qualidades para a vida humana e economia do País, bem como o facto de haver milhões de hectares de terra fértil para a produção, comercialização, exportação e industrialização da Cannabis Sativa em Moçambique, dúvidas não restam de que o cultivo desta planta constitui também matéria bastante para responder e materializar o desiderato constitucional de que a agricultura é a base do desenvolvimento nacional.

 

Do acima explanado, é fácil perceber sinais de que a Lei n.º 3/97 de 13 de Março, sobre o  tráfico e consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, está em contradição com a Constituição da República no que diz respeito à proibição e criminalização do cultivo, produção, comercialização, exportação da Cannabis Sativa. Trata-se, pois, de uma Lei que prevê normas que impedem e criminalizam determinada forma ou tipo de cultivo ou de agricultura como a base de desenvolvimento nacional, sem, no entanto, explicar em que medida a planta em questão é prejudicial a ponto de ser banida e a sua prática criminalizada nos tempos contemporâneos da Constituição da República.

 

Ora, se a Cannabis Sativa é uma planta que pode ser cultivada a bem da sociedade e do desenvolvimento nacional e para fins lícitos que se coadunam com a dignidade humana incluindo a saúde e o bem-estar e, ainda, harmónico com determinados objectivos fundamentais do Estado definidos nos artigos 11 e 103 da Constituição da República, então é manifesta a contradição entre a Lei n.º 3/97 de 13 de Março, sobre o tráfico e consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas para com Constituição.

 

Tanto o objectivo fundamental do Estado que consiste na promoção do desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do País e o objectivo fundamental que se traduz no desenvolvimento da economia e o progresso da ciência e da técnica, conforme resultam, respectivamente, das alíneas d) e h) do artigo 11 da Constituição da República, não deixam margem de dúvidas de que a proibição e criminalização do cultivo da Cannabis Sativa constitui uma das barreiras à materialização desses objectivos fundamentais do Estado e de que o Estado moçambicano está de certa maneira a negar priorizar a agricultura como a base de desenvolvimento nacional, por razões ora desconhecidas.

 

Mais do que isso, é que o n.º 2 do artigo 103 da Constituição, ao tratar da agricultura, determina que: O Estado garante e promove o desenvolvimento rural para a satisfação crescente e multiforme das necessidades do povo e o progresso económico  social do País. O cultivo da Cannabis Sativa pode ser um bom ponto de partida para a industrialização e comercialização da agricultura em grande escala. Mas até que ponto a proibição e criminalização do cultivo da Cannabis Sativa materializa esta norma constitucional? Não estará o Estado a fazer o contrário?

 

Portanto, sendo Moçambique rico na cultura da Cannabis Sativa há muitos anos e o facto da mesma ser, indubitavelmente, fonte de produção de material benéfica à sociedade, à vida humana e para desenvolvimento nacional no quadro do previsto na Constituição da República, urge a revisão e harmonização da Lei n.º 3/97 de 13 de Março, que define e estabelece o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, Precursores e Preparados e outras substâncias de efeitos similares e cria  Gabinete Central de Prevenção e Combate à Droga para com a Constituição da República e, sobretudo, por não haver matéria bastante para a referida criminalização. No mesmo sentido, há espaço para interposição de acção de inconstitucionalidade das normas que proíbem e criminalizam o cultivo e comercialização da planta em questão.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

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