Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Carta de Opinião

terça-feira, 05 janeiro 2021 07:51

Louvados sejam

As crianças que morrem à fome

de cólera, miséria, violência

abandono e selvajaria governamental;

 

Louvados sejam

Todos aqueles que sem condições

lutam

por mais um dia de felicidade

por mais uma refeição de verdade;

 

Louvados sejam

Os heróis anónimos que morrem

nas matas

montanhas e emboscadas

lutando por um ideal desconhecido;

 

Louvadas sejam

As mulheres da minha pátria

que com um bebê

nas costas cultivam a terra

produzem alimentos que poucas vezes consomem;

 

Louvados sejam

Os governantes do amanhã

que com a sabedoria

do passado e presente podem

combater os erros dos seus antecessores

suprirem as diferenças regionais

evitarem a miséria

da guerra, corrupção, misantropismo e neocolonização;

 

Louvados sejam

Os jovens íntegros

que diante da cólera do desemprego,

exclusão

Perseguição e até abate de cérebros pensantes

acreditam num futuro risonho

colorido de esperança, glórias e sem miséria;

 

Louvados sejam

Os sábios de ontem que alertaram

sobre

a maldade da ditadura

tirania, oligarquia e os vícios da democracia.

Que incompreendidos morreram

perante a intolerância dos seus

governantes

morreram afogados

Com seus pensamentos, conhecimentos e devaneios progressistas;

 

Louvados sejam

Os nossos inimigos criados

que

mesmo com a miséria do povo defendem

a podridão de um governo

incapaz, ineficaz e desculture da paz;

 

Louvadas sejam

As almas dos rapazes de Xitaxi, Matchedje, Bilibiza, Negomano, Vanduzi, Gorongosa, Morrumbala e Chiango

 

Louvados sejam

Os africanos e moçambicanos

do amanhã

que terão a oportunidade através

da educação, formação, da história antiga e actual

Perceber os malefícios da guerra e corrupção

Compreender que os países e o local de nascença viveram

durante anos condenados às ambições misantrópicas e endémicas

dos seus governantes e aliados

que o imperativo da paz foi sempre preterido

em favor do derramamento do sangue inocente e chacinas em troca da riqueza do povo e do silêncio dos capazes...

 

Louvada seja

 

A pátria que amamos e por ela labutamos, nos marimbamos, lacrimejamos e nos ensanguentamos...

 

Omardine Omar - Janeiro de 2021.

segunda-feira, 04 janeiro 2021 14:19

2021: Habemus Estado?

Na virada do ano pensei no Estado moçambicano em 2021, sobretudo na sobrevivência ou resiliência dos elementos que compõem um Estado: Território, Povo e Poder Político/Soberania. Cogitei sobre cada um deles e no final uma pergunta ficou no ar:  o que será destes elementos na Pérola do Índico em finais de 2021?

 

Na esteira da cogitação lembrei-me que na primeira década do século em curso participei em vários tipos de eventos cujo objecto era o combate à pobreza ou mesmo o desenvolvimento do país. A dado momento não me revia nos propósitos dos planos em debate por achar que não eram os mais correctos para o que o país precisava. Entendia eu que o principal objectivo passava por “Organizar o Estado”  e não o de reduzir/eliminar  a pobreza ou o de  crescer o país de x para y. Na altura partilhei esta ideia com uma amiga que tratou logo de discordar e no lugar propôs que  “Organizar as pessoas”  é que deveria ser o objectivo. Na defesa do seu argumento ainda alinhou uma série de altos  dirigentes como exemplos de que antes de organizemos o Estado devíamos organizar as pessoas.  Foi difícil não concordar.

 

Hoje, decorridos mais de 10 anos da conversa,  acabei ligando para a citada amiga  afim de  partilhar a minha  inquietação, a que ficara no ar acima. Mal eu terminara a contextualização e a decorrente inquietação,  ela perguntou: “Já habemus pessoas?” Certamente uma outra pergunta que fica no ar. De toda maneira, e para terminar, tal como a maioria de nós recebeu um “votos de próspero 2021”,  vai o meu  “Próspero 2021 Estado Moçambicano”. 

quarta-feira, 30 dezembro 2020 09:56

Cabo sangrento

Terra ardente
Riqueza abundante
Povo combatente
Morre inocente
 
Cabo sangrento
Paz enjaulada
Terrorista maldito
Assassina rapaziada
 
Guerra fedorenta
Tanto combatida
Militar eremita
Pátria defendida
 
Juventude enganada
Pátria ameaçada
Casa queimada
Cultura renegada
 
Cabo sangrento
Lágrima derramada
Governante esquisito
Verdade desmentida
 
Criança faminta
Mãe aflita
Vida maldita
Sofrimento aumenta
 
Cabo sangrento - queremos a paz!
 
Omardine Omar - Maputo, Dezembro de 2020
segunda-feira, 28 dezembro 2020 12:42

E o fundo do Fundo Soberano?

“O que me preocupa não é o grito em torno do que será feito com o  Fundo Soberano (FS), mas sim o silêncio sobre as suas fontes de financiamento”. Volto a esta frase, mas antes um lembrete: na novela brasileira “O Bem Amado”, o perfeito Odorico Paraguaçu atribuía ao poeta Rui Barbosa algumas das suas eloquentes frases. Questionado sobre a  autenticidade de uma delas, o  Odorico  respondeu: “Se o Rui Barbosa não disse, devia ter dito”. O mesmo com a frase acima: se Martin Luther King ou uma outra figura mundial não disse, devia ter dito”. 

 

A citação é a propósito da auscultação em curso sobre o FS. Ao que parece, o FS é uma resposta para alojar e distribuir a (excedente) verba do gás de Palma e não só (rubis, grafite, etc), tendo a diversidade das fontes sido até teor de  uma recente observação do presidente da República na cidade da Beira, aquando da inauguração do edifício do Banco de Moçambique, a instituição na liderança da proposta e debate sobre o FS. E ainda a propósito: “Por acaso já houve uma auscultação sobre as fontes de financiamento do FS? Quiçá, por aqui fosse um caminho a considerar, lembrando, à luz da citação,  que não é só o ponto de chegada (destino)  do dinheiro  que preocupa, mas sim, e sobretudo,  o seu ponto de partida (origem) e este pode até não ser soberano, atendendo que o país não controle o negócio, e nem saudável, atendendo, por exemplo, a certas  circunstâncias do processo de exploração/produção como as de guerras e de violação dos direitos humanos, tal o caso do mundialmente famoso  “diamantes de sangue”, e ainda de políticas (fiscais, laborais, etc)  prejudiciais ao país.

 

E  longe de qualquer analogia (tipo “gás de sangue”), e bem  para concluir, urge que se traga  à mesa do debate as fontes de financiamento do FS, e do desenvolvimento em geral, e ainda, e é imprescindível, a necessidade de  aferir quão soberanas e saudáveis  elas são sob pena do FS ser, a partida, um fundo com um fundo falso e problemático. De contráio, e também dizia o citado perfeito: “Em cavalo manso todo o mundo monta”. E já agora: caso o perfeito Odorico Paraguaçu não tenha o dito, que tivesse dito.

segunda-feira, 28 dezembro 2020 09:46

Estou no zénite

O demonstrativo desse sentimento é a minha obsessão por lugares abertos com pouca gente, como aqui onde me encontro, na Praia da Barra, testemunhando a derrocada do próprio fascínio. Vejo o Índico avançando devagar, porém resoluto,  ao encontro das dunas ocupadas pelos homens, e parece já não haver nada a fazer perante a fúria do mar. Que vai destruir tudo isto.

 

Tenho o celular no dispositivo do silêncio, pois não quero ser interrompido nesta audição à música do oceano e dos pequenos montes de areia que vão sendo deluidos pelas ondas. Eu oiço esses montículos cantando dentro de mim a melodia da dor, composta pela ganância e estupidez. E nós mesmos não quisemos perceber os limites da nossa liberdade, indo até onde não deviamos, tocando em obras da natureza feitas apenas para a contemplação.

 

Eu também faço parte desta praia que vai sendo demolida pelas águas, pedaço a pedaço. Estou aqui há muitas horas e ainda não vi ninguém passando ou chegando, a não ser as aves marinhas voando rasante por sobre as ondas, outras passando perto de mim, saudando-me, ou simplesmente para admirarem alguém que ousa estar sozinho num sítio em decomposição. Sem medo de nada, nem da imensidão assustadora do mar determinado na devastação da terra.

 

Na verdade não tenho medo de estar aqui, e isso pode significar que estou no zénite, e a solidão, como se sabe, é o ponto mais alto da vida, e eu já estou lá, onde posso delirar livremente nas minhas alucinações provocadas pela incenssante imaginação. Aliás a minha vinda à Barra revela isso, mas no fundo é mentira, nunca estou sozinho. Tenho o mar como almofada, as dunas ruindo, as aves planando, e a presença magnética do silêncio que me faz viver como nunca.

 

Se há uma ave por estas bandas, arrebatada e desfrutando  deste encanto sem limites, eu sou! Não me importam os ponteiros do relógio, nem as chamadas dos amigos que ligam ao meu telefone activado para o silêncio, esses podem esperar, contrariamente a esta consonância entre mim, o Índico, as dunas, os ventos, e o próprio silêncio. Até porque cheguei a pensar que a praia estivesse vazia, ela está repleta desta poção mágica vertida por sobre a minha alma.

 

A praia da Barra dói-me na música que ela canta, composta no conservatório do fundo dos mares. Ninguém a quer escutar, pois cada vibração  é uma facada na esperança. A Barra pende num fio frágil que vai rebentar daqui a pouco, e  eu estou aqui assistindo a esse momento dramático, com o celular no silêncio. E como o sol já está a cair no horizonte, por hoje basta, vou-me embora, entristecido, desolado como todo este espaço esplendoroso. Se calhar volte outro dia, sem expectativa, quem sabe!

quarta-feira, 23 dezembro 2020 07:25

Guerra

Brava juventude

Defenda virtude

Pátria condenada

Bandeira armada

 

Cabo Delgado

Vive medo

Juventude condenada

Guerra intensificada

 

Todos choram

Riqueza roubada

População escorraçada

Ninguém reclama

 

Alma esquecida

Xitaxi apagado

Dor profunda

Militar corrompido

 

Cabo abençoado 

Guerra porquê

Povo sofrendo

Terror Moçambique

 

Moçambique viva!

Sangue derramado

Maldito bandido

Saqueando iva


Omardine Omar - Maputo, Dezembro de 2020