O comandante Assane Amisse Gavana tem uma história de vida semelhante a de tio António (cantada pelo músico ango-congolês Sam Mangwana). Gavana nasceu em 1951, no distrito de Muidumbe, na martizada província de Cabo Delgado. Com uma infância marcada por sofrimento e cavalgadas coloniais. Em 1968, Assane Amisse Gavana, foi incorporado nas fileiras das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), tendo passado a sua mocidade nas matas a lutar pela independência nacional.
Com a independência alcançada em 1975, um ano depois teve que voltar ao teatro operacional combatendo na Guerra... No calor intenso provocado pela guerra, em 1989 Gavana, com o objectivo de proteger a sua família, não resistiu e foi refugiar-se na Tanzânia; onde ficou por uma década.
Em Moçambique, o "comandante" Assane Gavana, passou a viver na aldeia 1º de Maio, no distrito de Nangade. Na busca pelo reconhecimento dos seus feitos, nos 10 anos de luta de libertação nacional e 13 da Guerra Civil, o comandante Assane Gavana, apresentou-se às autoridades para que passasse a gozar do estatuto de antigo combatente como os outros compatriotas; ele submeteu documentos para o efeito na Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLN) de Nangade, na ocasião foi orientado a dirigir-se para Mueda, donde foi dito para seguir para Pemba.
O "comandante" viveu diversos ping-pongs; a isso acrescente-se a falta de assistência e acompanhamento que o fizeram desistir de fazer parte da prestigiosa lista de antigos combatentes que mensalmente aufere algumas somas graciosas e em datas festivas caminham em grupo todos devidamente uniformizados. O "comandante" Gavana durante o seu percurso militar chegou a operar em diferentes frentes: Ilha de Moçambique (Nampula), Chitengo, Canda e Sakuzo (Sofala), Manica, Inhambane e Boane (Maputo).
Nas longas conversas lamuriosas do "comandante" com os jovens que combatem os terroristas nos distritos de centro e norte de Cabo Delgado, Gavana conta a sua epopeia heróica mas com dor de quem se sente excluído da marca de herói nacional oficial, vivendo na clandestinidade; e a juventude toma-o como um simples compilador de historietas, um velho lunático e embriagado.
Quando o "comandante" Gavana conta que já zarpou de emboscadas do inimigo como um "fantasma" e viu a sua vida por um fio, os jovens com a farda e uma espingarda rasgam-se de risos. A verdade é que ele, é um combatente esquecido e deixado para trás pelos seus. O "comandante" Gavana até tem dado dicas aos jovens como combater os al-shababs que aterrorizam a província há três anos.
Gavana dá educação patriótica aos jovens militares que defendem a soberania nacional e alguns militares que passaram acreditar nele imaginam como seria a motivação e a dedicação do mesmo, caso fosse reconhecido e não esquecido.
Chama-se Awa, a menina que nasceu na segunda-feira, 19.10.20, nas cristalinas e ondulantes águas que banham a 3.ª maior baía do mundo, Pemba. Awa que na perspectiva teológica (islâmica) significa Eva, a companheira de Adão (Adán) – os primeiros seres humanos da humanidade. Nasceu no centro do furacão – terrorismo.
Awa é um milagre da mãe Muaziza Nfalume que procurava a todo custo fugir as atrocidades dos terroristas, a fome, a sede e as doenças em Matemo. A Awa não conseguiu esperar para ver a realidade que atormenta a sua progenitora e seus próximos. A princesa Awa nasceu num momento difícil…
Ela veio como um pássaro, sedenta de liberdade e ar livre para voar. Ela nasceu num manto de perigos, mas quiseram as forças vitais que a princesa Awa nascesse saudável e num momento histórico. Quis o destino que a mãe não caísse nas incursões violentas e desumanas dos terroristas. Quis o destino que ela vencesse os perigos do mar e da guerra e chegasse a Pemba como mais uma deslocada.
A princesa Awa precisa de um aconchego e segurança, tal como outras crianças, mulheres, adultos e idosos que vivem as sinuosidades de uma guerra que no princípio foi vista e tratada como mais um acto de banditismo; e hoje transformou-se numa calamidade nacional e internacional.
A princesa Awa e outras crianças precisam de acolhimento e um lugar para crescerem seguras. Um dia ela saberá como veio ao mundo e os riscos que a mãe Muaziza teve que suportar e atravessar naquele barco a vela cheio de pessoas doentes, famintas e banhadas de medo!
A princesa Awa é uma deslocada de guerra que nasceu distante dos seus ancestrais e dos hábitos e costumes dos seus progenitores. A Awa vai precisar de um lugar melhor para crescer, desenvolver-se e viver sem medo do terror.
A situação de Cabo Delgado está a cada dia a deteriora-se. Há três anos que a banalização da vida humana se instalou nos distritos de Mocímboa da Praia, Macomia, Quissanga, Muidumbe, Nangade, Ibo, Meluco, Palma e algumas aldeias de Mueda. Em Cabo Delgado, duas mil vidas perderam-se, mais de 370 mil pessoas encontram-se deslocadas e já afectou mais de 700 mil, entre elas crianças como a princesa Awa que correm o risco de murcharem se algo de concreto não for feito por aqueles que detêm o poder decisório – garantir a protecção e o valor da vida humana.
Os deslocados chegam precisando de tudo. Segurança, aconchego, comida, saúde e oportunidade de recomeçar, por isso precisa-se fazer e dizer...
Ode a todas as crianças.
“Porque carga de águas a paz é a excepção e não a regra (em Moçambique e no mundo)?”. Perguntei a um amigo, no quadro do mês da celebração do dia da paz (04 de Outubro) cuja trajectória nacional (ontem, hoje e amanhã) passei-a, em revista, num texto anterior (O Dossier da Paz).). “Porque a paz éum assuntode amantes”. Assim,e prontamente,respondeu o citado amigo, concluindo, em seguida, e com ares de sabichão: “Que falar de amantes é falar de Casa2, uma matéria, que fora complexa, é igualmentedo foro da excepção”. E para completar a resposta, caso ainda persistissem dúvidas, o amigo ainda sugeriuque eu consultasse a Carta das Nações Unidas, a sua fonte.
Dei-me tempo para uma leitura rápida da Carta. Voltei à conversa e perante os parcos resultados da minha pesquisa,o meu amigo reiterou a complexidade do assunto,o que me valeu um perdão, e um TPC: ler o número 1 do artigo 4”.Assim procedi. “A admissão como membro das Nações Unidas fica aberta a todos os Estados amantes da paz…”. Ainda decorria a leitura e de repente umbrusco e sonoro ”Para ai mesmo”seguido deumapausada e objectiva chamada de atenção: “Viste bem: amantes da paz e não cônjuges da paz”. Na sequência, e em jeito de xeque-mate, ele conclui com a seguinte pergunta: “Como é que a guerra não prevalecerá se até asNações Unidas consagram osamantes, em detrimento dos cônjuges ou casados, como os fautores da paz?”
E a propósito: Moçambique apresentou, recentemente, a sua candidatura a membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aliás, este assunto, o de ser membro não-permanente, e nos termos da lógica do supracitado amigo, também éda esfera da “Casa 2”, uma vez que a Carta das Nações Unidas, e quanto ao órgão em pauta, categoriza osseus membros, e mais uma vez em detrimento dos cônjuges (nível 1) em (amantes) permanentes (nível 2) e em (amantes) não permanentes (nível 3).
De toda a maneira, e brincadeiras de lado, é tempo de as Nações Unidas deixarem de ser a “Casa 2”(níveis 2 e 3) do mundo sob o risco de passarem para o nível 4, vulgo “Marandza”(alta intensidade e curta duração), e com consequências catastróficas parao sistemainternacional, sobretudo o de ordem financeiro. O alerta é vermelho (risco muito alto), agravado com a combinação explosiva dos tempos de pandemia da Covid-19 com a aproximação da época balnear e da quadra festiva, prevendo-se assim a ocorrência de avultados danos materiais, e até mesmo humanos tal o grau de severidade.
Pablo e Charles, dois amigos inseparáveis que nem o dedo e a unha. Tão amigos que chegavam a gostar da mesma mulher e até a paquera-lá. Tudo corria a mil maravilhas. Uma vida boa no sector laboral, familiar e social. As ideias coincidiam. Nunca haviam discórdias entre eles. A amizade deles era um amor profundo que até criava ciúmes as parceiras.
Pablo e Charles curtiam de verdade. Entornavam o álcool no organismo de segunda-feira a segunda-feira. A dupla era perfeita. Seja nas trapaças ou nas grandes decisões. Eram bons amigos. Eloquentes, inteligentes e crentes. Fiéis aos seus princípios. Pablo e Charles adoravam-se. Pablo e Charles compartilhavam tudo e mais nada.
Mas a estória viria a mudar quando Pablo, por sinal o mais novo, com idade de filho de Charles, ascendeu no sector laboral. Devido a sua inteligência e formação, o patronato via em Pablo, a solução dos problemas financeiros, jurídicos, sociais e relações públicas da empresa nas mãos do pequeno Pablo. Um homem extremamente inteligente e com um futuro risonho. Mas tinha o seu maior inimigo colado ao seu dedo.
Ascendência de Pablo na empresa criou mal-estar na relação entre os dois. Charles passou a conspirar contra Pablo. Quando saíam para beber e divertir-se, Charles gravava os desabafos laborais do pequeno Pablo e enviava directamente para os seus maiores adversários no sector administrativo da empresa. No dia seguinte, haviam reuniões bíblicas em que os supostos adversários despejavam tudo na cara de Pablo, tornando os seus dias na empresa contáveis.
Pablo, todo ingênuo e inocente continuava contando a sua vida para Charles, um homem adulto, doente, obcecado pelo poder, corrupto, com ambição negativa e desmedida, bêbado, desonesto e invejoso. A amizade durou por três anos. Pablo não sabia quem o traia. Apenas desconfiava. Até que depois de umas negociatas desonestas entre eles, a informação chega aos proprietários da empresa e dada ausência de Pablo que se encontrava de férias e numa situação de infelicidade. Conta ao “amigo” e este não faz chegar ao patronato e tudo começa a correr mal.
Recuando um pouco. No período em que amizade corria bem, Charles fez um empréstimo bancário e pediu que Pablo leva-se uma parte do valor para que passassem a pagar juntos durante cinco anos. Até que Pablo foi exonerado e rebaixado a categorias mais ínfimas da empresa. Íntegro e abnegado Pablo continuou trabalhando até que devido as humilhações decidiu abandonar a empresa sem pedir um centavo de indemnização a empresa.
Pablo ficou desempregado, desgraçado e sem nada. Charles passou a rir de Pablo. Afastou-se do mesmo. Pablo estava destruído e sem nada. Tinha que se reinventar para continuar a sonhar e a viver. Tinha que encontrar uma fórmula nova para rejuvenescer e continuar a viver. Sem esperança, Pablo aceitou que a vida iria mudar, mesmo que não fosse hoje, mas o amanhã será diferente e foi assim. Anos depois Pablo venceu. Revirou a situação.
Desgraçado e com o futuro sombrio, Charles voltou à carga. Voltou a perseguir o Pablo, mas desta vez foi humilhado e tratado como deveria ter sido.
Está é a estória de uma amizade que pouco durou e trouxe várias mágoas. A estória de Pablo e Charles. Dois amigos que nunca chegaram a ser verdadeiramente amigos.
Tire suas ilações. Aprenda a separar o trigo do joio. Nem todos que ti abraçam são teus amigos.
Há uma semana que havia saído de casa, e como vivo sòzinho, a música dos pássaros vai ficar sem auditório. A diarista vinha, na escala combinada, e sentia falta de mim. Abria a porta do quintal e não tinha a quem dizer bom dia. Ela tem as chaves da casa. Conquistou a minha confiança e já não há limites, dentro dos limites que a boa convivência e respeito mútuo aconselham.
Chama-se Hambvu e gosto muito dela. Mesmo assim não sei como é que está aqui comigo este tempo todo. O meu carácter é irrecomendável. Fervo em pouca água e sou capaz de pegar no ouro que me deram com amor e atirá-lo na pocilga. Já fiz isso, aliás venho fazendo isso na minha vida inconsequente. É por isso que as pessoas aproximam-se de mim, e logo no dia seguinte vão-se embora. Decepcionadas.
Hambvu é ouro puro. Sinto medo dela, todos os dias, não sei porquê. Por vezes sou impelido a ajudar em qualquer coisa e ela diz assim, deixa, tio, eu vou fazer. É uma mulher transformada numa obra grandiosa de arte pela minha imaginação. Pelos meus sentimentos humanos. Não se toca num quadro belo pendurado na parede, e Hambvu é um quadro belo que se move na minha casa. Fazendo tudo para que eu me sinta bem.
Nunca fui pessoa apaixonada pela comida, mas a comida da Hambvu mudou o meu paladar. Ando limpo, com roupa bem lavada, e tudo isso deve-se a esta mulher delicada, que merece muito mais do que aquilo que lhe pago. Aliás, sempre que chega o fim do mês, sinto que é um insulto dar-lhe aquelas migalhas, mas não posso fazer mais porque eu também recebo migalhas, então divido as minhas migalhas com Hambvu.
No quinto dia após eu ter saído de casa ela ligou para mim e perguntou, tio quando é que volta? E eu repondi, no domingo.
Na verdade eu sentia saudade da minha casa. Da Hambvu. Queria voltar para onde o meu coração bate em liberdade. Onde nas noites, depois de acompanhar os noticiários, desligo tudo, e deixo o reflexo da luz da varanda gotejar no meu quarto. E será nesse momento que vou fazer o exame da minha consciência, e o resultado é que não fiz nada de extraordinário. Sou uma mbila desafinada.
Domingo é dia do meu aniversário, e eu vou comemorar sòzinho, sem champanhe e sem ninguém para me abraçar. Mas isso não importa, o que eu quero é voltar para casa, mesmo metido neste pequeno autocarro barulhento, com gente a beber e a ouvir música em volume alto, desrespeitando as recomendações sobre a Covid-19.
Cheguei à casa exausto, são vinte e trinta. E neste estado não quero mais nada a não ser um banho e uma soupa quente que Hambvu preparou e deixou na geleira. Mas antes de abrir a porta, vejo um buquê de flores no chão. Fiquei assustado. Peguei no presente e reparei que não havia nenhuma mensagem a identificar a pessoa que me oferecia. Então o que me restava era guardar a surpresa esperar.
À noite, enquanto dormia, pensava em quem podia ser a pessoa que me trouxe as flores, mas não encontro a resposta até hoje, e já passam seis meses. A mulher mais recente que me visitava com alguma regularidade, morreu há dois anos, e de lá para cá nunca tive ninguém. Perguntei a Hambvu se tinha chegado alguém durante a minha ausência e ela respondeu assim, mas tio, aqui eu nunca vi nenhuma mulher, nem pegadas. Afinal o que é que se passa, tio?
« Embora os jovens sejam demograficamente dominantes, a maioria vê-se a si própria como membros de uma minoria proscrita...» [Sommers, 2015, 3].
É comum dizer-se que maior parte da violência mundial – em espaços públicos ou espaços privados, bem como em conflitos ou guerras – é levada a cabo por homens, muitas vezes jovens. De facto, não parece ser difícil perceber por que razão de forma reiterada vemos surgir debates que procuram avaliar os desafios enfrentados pelos jovens em várias esferas. Provavelmente uma das razões esteja num fenómeno demográfico conhecido como o ‘’inchaço da juventude’’, que significa a existência de uma proporção invulgarmente elevada de jovens numa população adulta, uma realidade que implica a presença de uma situação anormal que pode piorar: uma população jovem ‘’protuberante’’ apta para ‘’explodir’’, sendo que a violência extrema é tida como uma dessas consequências (Honwana, 2012; Sommers, 2015; 2019).
O fenómeno do ‘’inchaço juvenil’’ inspirou cativantes correlações estatísticas. Em geral, elas detalham como a presença de grandes números de jovens em vários países pode levar a resultados inquietantes e talvez devastadores. As correlações entre elevadas proporções de jovens e os obstáculos ao desenvolvimento alimentam um círculo vicioso de más oportunidades de vida para os esses mesmos jovens, alertou, por exemplo, o Fundo das Nações Unidas para a População, em 2014. Uma publicação da mesma agência destaca ‘’a correlação global entre as elevadas proporções de jovens na população e o baixo estatuto económico e de desenvolvimento nacional’’ (idem: 9). Outras correlações centram-se na percepção de uma tendência para a violência por parte dos jovens, sendo que tais ideias foram amplamente difundidas por Samuel Huntington (1993) e Robert D. Kaplan (1996, 2000), e continuam a ter ressonância. ‘’As chamadas ‘bolhas juvenis’’’ (Uri Friedman, 2014) ‘’podem alimentar a instabilidade (especialmente quando tantos dos jovens de hoje estão desempregados e economicamente marginalizados)’’.
Contudo, Sommers (2019) observa que a correlação entre a demografia da(s) juventude(S) e a instabilidade política – e a tendência relacionada de ver a(s) juventude(S) masculina(s) como inerentemente perigosa – tem sido posta em causa. (1) A maioria dos países com população jovem em expansão não tiveram grandes conflitos. (1) Muitos desses países que viveram uma guerra não voltaram ao conflito (Sommers, 2011); (2) Há estudos que indicam que grande população jovem nas cidades reduz o risco de distúrbios sociais. Como Urdal e Hoelscher demostraram em alguns países de África, ‘’o crescimento da população jovem dos 15-24 anos está associado a um risco significativamente menor de perturbação social’’ (2009, 17); (3) A presunção comum de que os jovens desempregados provocam tumultos violentos tem sido questionada, uma vez que a ligação é difícil de provar (Cramer, 2010; Izzi, 2013; Walton, 2010). Um estudo do Mercy Corps, por exemplo, ilustrou que os factores de violência juvenil estão directamente ligados a questões de má governação e exclusão, do que ao desemprego (Hummer, 2015).
Associar juventude(S) e o conflito violento extremo pressupõe uma tarefa que parece fácil a partida, mas estamos diante de uma realidade ampla e vaga sem saber de facto o que significa. O que chamamos de juventude(S) pode ser uma faixa etária ou uma fase da vida entre a infância e a vida adulta. A idade relatada dos jovens que entraram em organizações extremistas violentas é variável, mas razoavelmente consistente, parecendo a maioria estar no final da adolescência ou na casa dos 20 anos. No entanto, o desafio de atingir a idade adulta permanece para muitos jovens: até ganharem reconhecimento social como homens e mulheres, podem ser vistos como jovens na casa dos 30 e mais anos. Do mesmo modo, há debates sobre o que constitui um grupo extremista violento.
Em vários países e culturas, ser jovem representa o período de transição da infância para a idade adulta (Sommers, 2015). No entanto, quando as definições culturais de juventude(S) e idade adulta são aplicadas à era actual, surgem problemas graves e significativos. A razão é simultaneamente simples e alarmante: em grande parte do mundo, é cada vez mais difícil obter o reconhecimento social como adulto. Tradicionalmente, há tarefas que devem ser realizadas antes das sociedades atribuírem o título de ‘’homem’’ ou ‘’mulher’’ a um jovem. Eguavoen (2010) enumera as principais tarefas ou expectativas como o casamento, a fundação de uma família, e o apoio à família (pais e filhos) ao longo do tempo.
Como pré-requisito para o casamento, os jovens do sexo masculino nas zonas agrícolas em alguns países do continente Africano podem necessitar de terra para construir uma casa, enquanto os seus homólogos nas zonas urbanas podem necessitar de um rendimento estável e de habitações adequadas para ter uma família (Sommers, 2015). Os ‘jovens machos pastoris’ devem frequentemente fornecer um número negociado de animais como ‘preço’ para ter a noiva. Por exemplo, no Sul do Sudão, o gado é muitas vezes o elemento que figura nas negociações de ‘preço de noiva’. Como explicou um jovem pastoril no Sul do Sudão: ‘’Não se pode casar sem vacas... e não se pode ser chamado homem sem vacas’’ (Sommers & Schwartz, 2011: 4). No mundo exigente de hoje, tais realizações elementares podem ser excepcionalmente difíceis de conseguir. Como observa Eguavoen (2010), ‘’O grupo de pessoas que não se tornam adultos sociais [ou seja, pessoas reconhecidas na sociedade como adultos] devido à pobreza está constantemente a crescer em número, bem como em idade’’.
Podemos partir da aceitação que a maioria dos jovens é propensa para aderir ao conflito, sobretudo se notarmos que a esmagadora maioria das pessoas que se tornam extremistas violentos são jovens – parte significativa dos quais são homens. Assim, o desafio no centro do conflito violento extremo é, portanto, invulgar: identificar a fracção da população jovem com maior probabilidade de entrar num conflito violento extremo e frustrar essa opção. Por exemplo, quando se faz um trabalho com ex-combatentes, mulheres, homens e jovens afectados por conflitos em várias partes do mundo, temos visto noções preconcebidas sobre quem são os jovens que os empurram frequentemente para a violência.
Historicamente, os decisores políticos, os adultos e as agências internacionais vêem frequentemente os jovens como vítimas indefesas ou como problemas à espera de acontecer. Em qualquer destas representações simplistas, despojamos os jovens da sua humanidade e complexidade, e depois implementamos com demasiada frequência políticas e programas mal orientados. Na verdade, nas nossas representações simplistas sobre os jovens, por vezes inadvertidamente alimentamos a ocorrência da própria violência que esperamos prevenir. Sommers (2019) vai notar que as respostas dos governos aos seus próprios jovens são geralmente pouco impressionantes: (1) a dissensão pacífica é frequente e severamente constrangida ou proibida; (2) as oportunidades de emprego fora dos sectores económicos informais tendem a ser escassas; (3) a oferta de educação é frequentemente insuficiente (particularmente depois da escola primária); (4) os serviços e alojamento para a população em expansão de jovens migrantes urbanos são rotineiramente inadequados; (5) as oportunidades políticas para os jovens podem não passar de uma filiação em partidos subordinados; e (5) estatuto social da(s) juventude(S) (já referido anteriormente) é ténue e frequentemente embaraçoso.
Se quisermos olhar para o tecido demográfico, podemos verificar que a maioria dos jovens, mesmo em sociedades profundamente conflituosas, não se juntam a grupos extremistas. No entanto, a maioria dos que se juntam a grupos extremistas são jovens, e geralmente jovens do sexo masculino. A violência extremista prospera na nossa ignorância sobre a vida dos jovens e sobre as suas vozes e aspirações, bem como na nossa falta de compreensão sobre como normas rígidas de género moldam as suas identidades. Assim, hipoteticamente, as soluções para a violência extrema ou violência juvenil de qualquer tipo, só serão encontradas quando ouvirmos e compreendemos de que juventude(S) estamos a falar, o que não se mostra tarefa fácil. Provavelmente quando deixarmos a(s) juventude(S) conduzir(em) suas próprias soluções, e quando simultaneamente apoiarmos as jovens mulheres e os jovens homens a encontrar a empatia, a ligação, e as identidades pacíficas pelas quais anseiam.
Depois do referido acima, algumas questões nos parecem centrais para o debate: (1) o que, precisamente, exclui ou marginaliza um jovem nos locais onde ocorre a violência extrema? ; (2) quem se preocupa com a(s) juventude(S), e quem é que a(s) juventude(S) venera? ; (3) o que significa ‘’comunidade’’ para os jovens, e a que comunidades pertencem? ; (4) qual é a sua opinião e o seu envolvimento com os líderes locais, agentes da polícia e funcionários do governo? ; (5) o Estado ou outras forças estão a dirigir a violência e a ameaçar o seu caminho? ; (6) como é que o Islão (ou outras crenças religiosas) figura na sua vida e nas suas ideias? ; (7) quais são as suas perspectivas de vida? ; (8) como é que as questões de classe e género esculpem os seus
pontos de vista e planos futuros? ; (9) que razões empregam os jovens para resistir ao envolvimento na violência e no extremismo? ; (10) finalmente, talvez a questão mais importante de todas: como é que os jovens ganham aceitação social como adultos – e o que acontece se falharem?
Um debate por continuar...
Referências centrais:
Honwana, A. (2012). The time of youth: Work, social change, and politics in Africa. Sterling, VA: Kumarian Press.
Sommers, M. (2015). The outcast majority: War, development, and youth in Africa. Athens, GA: University of Georgia Press.