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Carta de Opinião

terça-feira, 29 setembro 2020 07:09

Este amor platónico dá-me cabo

Sempre que passo por aqui nas manhãs, em obediência a rotina das minhas caminhadas de manutenção física, ela está a varrer o quintal, mais ou menos às mesmas horas. A casa dela fica ao longo da “Rua branca”, que sai do Handling e termina no Posto Médico. É um troço pouco movimentado, sobretudo a esta hora em que as pessoas ainda se preparam para sair e enfrentar o desafio da vida. Mesmo assim, depois de virem cá fora, as coisas não vão alterar muito porque a cidade de Inhambane não tem muito para onde ir.

 

É uma mulher que pode estar entre os cinquenta e os sessenta, mas ainda vibra. Sinto isso na forma como me olha. Há qualquer coisa naquele coração, mas eu tenho medo de avançar para perceber de perto  o enigma. Se calhar é uma ilusão de óptica da minha parte. Provavelmente ela nem me vê como nada. E se na verdade me acha opaco, então está absolutamente protegida pela razão. Mas eu não deixo de alimentar a esperança que me habita desde o primeiro dia que os meus sentimentos mudaram de frequência, ao entrar em contacto com aquele ponto luminoso.

 

É ela que comanda a minha mente ao raiar do dia. Penso nela, logo salto da cama. O meu corpo inteiro entra em consonância consigo mesmo, e mesmo antes de beber a minha mistura de beterrada e cenoura e banana para me energizar, estou apto. Estou insuflado do sonho de ver alguém que me arrebata competamente. Então o meu dia começa nas nuvens. Ou seja, tenho algo importante em que pensar, mesmo que essa sensação seja boba. O que importa é abrir o leito da imaginação e deixar o rio correr livremente. E o rio é a minha paixão.

 

Não conheço o nome dela, e eu nunca quis sabê-lo por via de terceiros. Isso pode esvaziar todo este enredo que vou construindo não propriamente de forma desinteressada, mas sem pressa, como o faço com os livros que escrevo na minha fascinante solidão. Posso esperar o tempo que for necessário, até porque estou preparado para perder algo que nunca ganhei. Algo que me atrai sem que eu saiba o que vai dentro daquela cintilação. O pior é ela um dia dar-me um beijo, e tornar-se, a partir daí, na minha futura ex-companheira. É esse o medo que tenho. O medo de magoar. De voltar a magoar uma mulher.

 

Ontem  passei novamente daquele espaço que se tornou especial na minha vida, ao ritmo da passada habitual e ela já estava ali, como sempre, desde o primeiro dia que a vi. Desta vez não está a varrer, e tudo leva a crer que vai sair, pois no lugar da capulana, veste uma saia florida que vai até um pouco abaixo dos joelhos, traja uma blusa amarela, e as duas peças entram em perfeita combinação. O cabelo grisalho com tranças finas e brincos de ouro e sapatinhos rasos de cabedal, dão-lhe o estatuto de celebridade. Ela é uma estrela.

 

Cheguei a pensar que ficou ali a minha espera, antes de seguir seu caminho, para que a visse naquelas vestes. Tentei fazer um esforço para não dizer nada, mas o brilho era demais. Muito forte por demais.  E eu falei assim para ela, a senhora é muito bonita! E ela respondeu-me assim, você também!

 

Fiz-lhe um thxau com a mão, e ela retribuiu-me estalando os lábios dela em forma de beijo. E agora!

"Estamos a morrer a fome, papá Nyusi", gritou Florinda Gonçalves; uma mulher brava com uma fala revolucionária; lamentou em uma das línguas nacionais, Xichangana. "Nós temos coragem de falar com o governo sobre a caça furtiva", afirmou Florinda. 

 

Indo mais disse "aqui tem muita gente pobre, por isso é insulto para nós falarmos do que estão falar. Elefantes e girafas andam a fazer estragos e a matar pessoas. Pedimos ao papá Nyusi para que nos autorize a caçar animais de pequeno porte, porque aqui não há emprego e nem esperança de dias melhores".

 

Estávamos no povoado de Mucacaza, localizado a 101 km da vila-sede de Moamba, província de Maputo. Um lugar rodeado de fauna, flora e muita vida. Mucacaza tem 89 famílias equivalentes a 185 habitantes, conforme apuramos das autoridades locais.

 

Presente naquele local como caçador e contador de histórias de vida, eis que depois de uma longa viagem de carro em terra batida, cheguei a Mucacaza; a população a aguardava-nos ansiosamente para expôr as suas preocupações e fazer chegar a quem de direito. Com uma população jovem ensombrada pela busca de riqueza fácil nas reservas em redor de Mucacaza e na terra do rand. 

 

A juventude e as mulheres, cujas algumas são viúvas, por terem perdido os esposos, irmãos, amigos, filhos e vizinhos na selva atrás dos troféus dos animais como rinoceronte, elefante, leão e leopardo. Hoje com as medidas de conservação da fauna bravia endurecidas, os exímios caçadores de Mucacaza vivem dias tenebrosos e pedem socorro, porque as oportunidades segundo eles não aparecem.

 

Foi como Fernando Timba, residente de Mucacaza, repisou na mensagem para o papá Nyusi. "As pessoas vivem desenrascando devido à falta de condições. Aqui falta tudo. Vocês ficam satisfeitos quando vossos filhos não trabalham?" Questionou Timba. Acrescentando disse que “em Mucacaza não soubemos sobre os 20%, mesmo com as reservas em redor do povoado, e nas mesmas só trabalham estrangeiros”.

 

Carlitos Ntimane, um outro residente de Mucacaza disse que o elefante é o animal mais amado e acarinhado do que as pessoas. “Já perdemos muitas pessoas devido aos elefantes e há sete anos que procuramos explicações e socorro, mas ninguém nos apoia e nem nos respondem. Mais de 100 bois já morreram devido ao leão”.

 

Para os residentes de Mucacaza, as autoridades que velam pela conservação e governamentais só aparecem no povoado e não falam com ninguém e vão se embora. Por isso, para eles, enquanto filhos da pátria amada, precisam que o papá Nyusi, presidente da República de Moçambique, resolva a situação porque a fome não lhes faz raciocinar em prol da conservação ambiental, combate aos casamentos prematuros e muito menos às políticas de desenvolvimento propaladas pelo executivo de Maputo.

 

Em Mucacaza vive-se em situações de "Deus dará". Num contexto em que a única actividade rentável era e é a busca incessante pelo xibedjane. Mesmo próximo a barragem, o acesso à água é um martírio, aliada a falta de electricidade e os constantes riscos do conflito homem-fauna. Facto este que tem levado maior parte da população a retirar-se para vizinha África do Sul, onde alguns acabam tombando na saga da caça furtiva.

 

No povoado de Mucacaza, a mudança de consciência de que os tempos são outros e que existem leis que protegem as reservas parece ser um longo desafio, havendo vezes é que os caçadores furtivos são detidos na reserva e as autoridades, por medo de emboscadas da comunidade na transferência, transportam-lhes pelos helicópteros até a Vila.

 

Em Mucacaza existe uma escola primária completa em que maior parte dos alunos não chega a concluir a 7ª classe, porque devido às necessidades familiares, alguns alunos passam o tempo mudando de local em local em busca de melhores condições e sem seguir os procedimentos normais de transferência ou de mobilidade estudantil; facto este que, para alguns, acaba atingindo idades compreendidas entre 12 a 16 em classes como 3ª, 4ª ou 5ª classe, o que acaba desmotivando os mesmos de prosseguir com os estudos levando-os a enveredar pela caça furtiva ou outras actividades nebulosas. 

 

Texto elaborado no âmbito do trabalho jornalístico realizado em comunidades assoladas pela caça furtiva, nos distritos da zona sul de Moçambique.

O surgimento de termos como ‘milicianos digitais’ e ‘Mahindras digitais’ faz parte de um vocabulário do quotidiano das redes sociais da Internet em Moçambique. Com algum interesse particular, nos últimos anos temos tentado perceber que significados podem ser obtidos dos discursos que são emitidos por plataformas socio-virtuais no contexto moçambicano. Num passado recente, o Professor Brazão Mazula referiu que a existência de pessoas que empoeiram o debate por meio das redes sociais da Internet é prejudicial para a Democracia em Moçambique. Nesse contexto, podemos associar a fala de Mazula com o que designaremos como ‘agressão verbal-virtual’ – todo e qualquer comportamento que use palavras, em vez de ataques físicos, para causar danos como insultos, calúnia ou ameaças. Na sua dimensão virtual, a ‘agressão verbal’ descreve uma forma destrutiva de comunicação, que pode ocorrer face a face, bem como mediada por um computador ou outro tipo de plataformas electrónicas (falamos especificamente das redes sociais da Internet).

 

Existe uma vasta literatura que explica como é que as opiniões podem ser (de)formadas a partir ou nas redes sociais da Internet. Num artigo publicado em 2016, Rösner e Krämer mostram-nos que todos os dias, milhares de usuários da Internet publicam comentários agressivos em plataformas virtuais como Facebook ou Twitter, para expressar críticas públicas, indignação pessoal ou simplesmente para desabafar. Em muitos casos, esses comentários incluem observações desprimorosas que podem ser dirigidas contra empresas, marcas ou personalidades públicas como políticos ou ainda fazedores de artes diversas.

 

Especialmente no contexto político, alguns autores investigaram a agressão verbal em discussões virtuais sob o nome de incivilidade, o que se refere a ‘’características de discussão que transmitem um tom desnecessariamente desrespeitoso para com o fórum de discussão, seus participantes ou seus tópicos’’ (Coe, Kenski, & Rains, 2014: 660). Nesse sentido, os pesquisadores desenvolveram vários esquemas de categorias para avaliar e explorar as diferentes expressões de agressão. Tais categorias incluem, por exemplo, ‘’palavras e expressões hostis, palavrões e nomes depreciativos, ameaças directas e indirectas, uso de letras, símbolos e sinais de pontuação que transmitem hostilidade ou agressão e comentários insultuosos, sarcásticos, provocadores, negativos ou cínicos” (Lapidot-Lefler & Barak, 2012: 437). Importa sublinhar que este é um campo de análise que tem merecido particular atenção para especialistas de linguagem socio-cognitiva, bem como psicólogos, um campo que certamente não é a nossa especialidade para o presente texto.

 

Por sua vez, D’Errico, Poggi e Corriero (2014: 195) referem que a política sempre foi uma excelente arena para a comunicação agressiva. De facto, desde a antiguidade, não apenas os actos de fala, mas até mesmo tipos de textos, de insultos a injúrias, de calúnias a panfletos, têm se dedicado a culpar os oponentes, para vencê-los com o martelo da linguagem. Os autores anteriormente referenciados prosseguem e dizem, na era virtual, a agressividade comunicativa passou para as redes sociais da Internet, tanto na interacção pessoal quanto em blogues e fóruns políticos, onde parece ainda mais dura do que na interacção face a face, talvez devido à ideia de que a escalada para a agressão física por questões de ordem política está descartada nos tempos que correm.

 

Baseando-se no contexto Indiano, Udupa (2017) procurou estudar aquilo que chamou de ‘antropologia do insulto’ para perceber a distinção entre o que é insulto no espaço virtual como meio de participação política, bem como as relações de dominação que esse mesmo insulto reproduz como resultado. Udupa (2017a) avança dois argumentos centrais: (1) primeiro, os abusos de linguagem abrem novas linhas de participação política – pelo menos como engajamento discursivo – para actores experientes numa determinada rede social da Internet, mesmo que isso ocorra em um contexto de debate altamente volátil. Embora não seja verdade que os abusos são o único meio de participar em debates políticos virtuais, eles constituem um contexto comunicacional fundamental para os usuários virtuais que cada vez mais sentem a necessidade de desenvolver as habilidades para lançar, esquivar ou criticar os abusos, bem como para se manterem activos nesses mesmos espaços discursivos virtuais; (2) em segundo lugar, o abuso virtual tem uma estruturação profundamente de género, em que o levantamento de acusações “privadas” e sexuais representa a repolitização da “esfera doméstica” através da lógica masculinista da vergonha com efeitos de intimidação.

 

Admitindo que a realidade moçambicana possui características próprias e que o actual debate decorrente das redes sociais da Internet está empoeirado, nos parece igualmente verdade que tal realidade constitui uma dimensão de participação política (entendida aqui para além da regular ida às urnas). Pode parecer um paradoxo, mas com o alargar do uso das redes sociais da Internet a consequência directa é ou seria o surgimento de vozes várias, sejam elas polidas ou não. Aliado ao manancial teórico acima apesentado, pensamos que o essencial da nossa discussão não deve ser a surpresa que nos cria o surgimento dos chamados ‘milicianos ou Mahindras’ digitais, mas acima de tudo perceber que impacto isto cria para a promoção ou não das diferentes formas de participação política oferecidas pela Internet.

 

Claro, não defendemos a promoção ou reprodução da linguagem agressiva no espaço virtual moçambicano. Contudo, argumentamos, de forma hipotética, que estamos diante de uma oportunidade para alargar, através das redes sociais da Internet, o que parece nos escapar com maior regularidade nos últimos anos: espaços e práticas de participação política em Moçambique. Dito de outra forma, não nos parece que o surgimento dos referidos ‘milicianos/Mahindras’ digitais seja de facto problemático, dado que através destes ampliam-se algumas vozes contrárias que não encontram eco nos espaços tradicionais de participação política como as ruas, jornais ou televisões, em razão destes últimos terem sido cativos pelos mesmos actores. Diante disto, uma questão pode ser levantada: como aproveitar positivamente a existência dos ‘milicianos/Mahindras’ digitais para alargar os espaços e oportunidades de participação política (através das) nas redes sociais da Internet?

 

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Para aprofundamento, algumas referências:

 

Coe, K., Kenski, K., & Rains, S. A., Online and uncivil? Patterns and determinants of incivility in newspaper web- site comments, Journal of Communication 64, p. 658–679, 2014.

 

D’Errico, F. et al., Aggressive language and insults in digital political participation, International Conferences ICT, p. 105-114, 2014.

 

Lapidot-Lefler, N., & Barak, A., Effects of anonymity, invis- ibility, and lack of eye-contact on toxic online disinhibition, Computers in Human Behavior 28, p. 434–443, 2012.

 

Rösner, L. et al., Verbal Venting in the Social Web: Effects of Anonymity and Group Norms on Aggressive Language Use in Online Comments, Social Media + Society 1–13, 2016.

 

Udupa, S., Gaali cultures: The politics of abusive exchange on social media, New media & society 20(4), p. 1506–1522, 2018.

segunda-feira, 14 setembro 2020 14:46

“Lista dos Participantes” e a Covid-19

Faz algum tempo que eu contei a saga sobre a “Revolta dos Beneficiários” cujo epicentro  é a “Lista dos Participantes”, vulgo de presenças, e que circula nos seminários para o seu preenchimento e assinatura.  Foi graças à assinatura desta lista que os  beneficiários  de potenciais apoios de projectos ou programas de combate à pobreza e/ou de promoção  do desenvolvimento chegaram a uma lista geral de cidadãos, entre nacionais e estrangeiros, a serem punidos com a pena máxima, uma  sentença decorrente da alegação de que os beneficiários, o potencial  grupo alvo de tais projectos, foram usados no lugar de apoiados.  Daí a “Revolta dos Beneficiários”.

 

Com a Covid-19 e por força da proibição de aglomerações e do fecho de fronteiras , a“ Lista dos Participantes” foi uma das principais vítimas e também uma salvadora da Covid-19. A  sua ausência impactou negativamente na economia, sobretudo na indústria  hoteleira e de transportes, e ainda evitou contactos de alto risco, atendendo que os seminários, pelo menos os ditos bem sucedidos, constituem um  cocktail de participantes provenientes de diversos locais a nível nacional assim como internacional. 

 

Para a História, fora o bom do lado salvador, creio que será pelo lado das  vítimas que a História lembrará a  “Lista dos Participantes” em tempos da Covid-19. Numa outra perspectiva, e a fechar, a ausência da “Lista dos Participantes” reduziu a possibilidade  de alguns ( os mais assíduos) ocuparam os lugares cimeiros de cidadãos a abater ou, no mínimo,  a constarem na lista  da “Revolta dos Beneficiários”.  

 

PS: Na retoma dos seminários é possível que os dados a preencher da “Lista dos Participantes”, nomeadamente o nome, organização, função, proveniência, contactos bem como a respectiva assinatura ou rubrica, sejam acompanhados por outros sobre a Covid-19, tais como: “Positivo ou Negativo”, “Positivo Activo ou  Recuperado”,  “Sintomático ou Assintomático”, “Quarentena Domiciliar  ou Hospitalar” e por ai adiante.

segunda-feira, 14 setembro 2020 07:14

Assim no tempo de Luís Siquice

O dinheiro que ganhavam não era o mote. Nunca pensaram nessa mola de impulsão antes de, com os pés descalços, dominarem o esférico. Nem nas massas que viriam a encher os estádios. Eles nasceram com a bola nos pés, então urgia que descessem aos campos onde ressurgia a luz da glória. E eles nem sabiam do brilho que lhes esperava. Não podiam saber porque a força que lhes movia era maior. De modo que só lhes incumbia obedecer aos impulsos até se tornarem na força motriz das vitórias.

 

Luís Suquice fazia parte dessa panóplia que reverberava mesmo em dias infaustos. Eles eram o testemunho dos ditos intemporais de Deus, segundo os quais muitos serão chamados e poucos escolhidos. É por isso que o delírio do povo começava antes de o juiz da partida apitar para dar início ao turbilhão. Havia crença nesse tempo. Uma fé inabalável que lhes dava a força dos bisontes. Tudo o que faziam era vertiginoso, os passes, as defesas no último reduto, as estiradas dos guarda-redes e o engodo pela baliza.

 

Luís  Siquice não era o único, mas avultava entre os tigres. Era o algoz escolhido para matar em momentos cruciais, e o veneno aspergido nos pés ainda no ventre da mulher que lhe deu a luz, era inoculado sem piedade para o desespero dos guarda-redes. Luís era essa águia imparável, e a história nunca vai perdoar aqueles que não o deixaram planar até outros céus, onde iria exuberar no zénite. E agora só nos resta ovacionar com estrondo a alma da nossa estrela que se aparta de um corpo que nos últimos momentos da errância pela terra, parecia resignado.

 

Na verdade o cheiro de Luís Siquice anda impregnado por aí, no bairro do Chamanculo e no Xiphamanine onde se desumbilicou. É também nas adegas de thonthontho (aguardente caseira) que os bebedores inveterados, frustrados e destruídos, não observam um minuto de silêncio, mas desencadeiam memórias, contando histórias sem fim de um artilheiro de ouro, que passou toda a vida sem nada material nas mãos. Misturando-se com as massas para as quais se tinha tornado um pequeno deus. Mas não haverá palavras suficientes para exaltar o mortífero avançado. Porém ele não merece o silêncio, nem as lágrimas.

 

Escrevo este texto imaginando o caixão de Luís Siquice entrando pela porta da maratona do Estádio da Machava, carregado aos ombros dos colegas do seu tempo, e nas bancadas um público de pé, eufórico, ovacionando o craque que se despede para sempre.

 

Hamba kalhe (vai em paz)!

quinta-feira, 10 setembro 2020 12:02

Alguém em casa?

Quando alguém  chega à uma residência e nesta, à partida, não se vislumbram sinais de alguma alma viva é normal que se pergunte “Alguém em casa?”. Depois de algum tempo, e perante o silêncio, é ainda normal que o visitante entre pela casa dentro.  Diante  do cenário de abandono e sem que ninguém interpele, o visitante, nos dias que se seguem,  paulatinamente apodera de um e outro pertence até ao dia, e por força do silêncio,  em que decide definitivamente  assentar arraial como o todo poderoso. 

 

O intróito foi a propósito de uma conversa de Chapa esta manhã.  Um dos passageiros  reclamava pelo destino de um país entregue aos antónimos dos nacionais. O tal passageiro, para fundamentar o seu protesto, contava que os seus gastos diários, incluindo os de construção,  eram invariavelmente feitos em “vários países”. Disse ainda, em tom jocoso, de que os únicos locais em que os mesmos (gastos) eram intramuros  a Covid-19 tratou de fechá-los.  Insistido por outros passageiros para que revelasse os tais locais o passageio pronunciou bem alto “Barraca” e bem baixinho “Escondidinho”. Um outro passageiro, e com ares de um universitário em defeso forçado pela Covid-19,  teorizou a tirada, denominando tais locais de “conclaves de soberania”,  incorporando nestes o Chapa.  Segundo ele, os ditos “conclaves de soberania” ainda não foram tomados pelos antónimos dos nacionais, um entendimento posto em causa por outros passageiros e até com recurso à exemplos concretos.  

 

O debate foi prosseguindo à media do para e arranca do Chapa. Embora com uma enorme vontade de continuar a participar (em silêncio),  tive que descer numa paragem junto à uma instituição pública que, por coincidência, era o meu destino. Já no interior e depois de uma hora ainda aguardava ser atendido. Infelizmente não era o único e até por mais tempo. Enquanto esperava veio-me à mente o episódio do “Alguém em Casa?”. Pelos vistos pouco ou nada mudou desde a penetração dos povos Bantu,  passando pela dos árabes, a dos europeus e mais recentemente a de outras latitudes e a da própria renovação, em outras vestes, das primeiras penetrações. É  a sina  da hospitalidade da Pérola do Índico. E como diz um meu primo: “I'm telling you”.