Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Carta de Opinião

quinta-feira, 16 julho 2020 10:01

Intenções em tempos de resultados. Até quando?

Um amigo, que de tanto  ouvir projectos e cifras de milhões de dólares americanos que circulavam nas habituais rondas de conversa  das sextas-feiras, entre um grupo de amigos,  decidiu levar uma máquina de calcular para uma dessas rondas. Chegado o dia e cada vez que um dos amigos vocifera os milhões de dólares ele apontava na máquina. Na hora do fecho da conta do bar,  ele fechou a das cifras milionárias: em três horas de conversava circularam na mesa perto de trezentos milhões de dólares americanos. Um valor tão alto, mas insuficiente para saldar a conta do  bar que  rondava os três mil meticais.  E mais uma vez, a  conta não fora saldada, adiando-a para um tempo incerto.  

 

O amigo contou-me a estória a propósito das visitas de auscultação feitas por governantes em início de funções e que mereceram atenção no meu  texto passado (Protocolo para o início de funções de governação. Existe?).  Estas visitas e as conversas das cifras milionárias não têm nenhuma diferença, pois  ambas pecam pelo excesso de  intenções  e na hora da verdade a lamentação de sempre: não há verba para tanto verbo. Agora imagine o meu amigo, o da máquina calculadora,  na comitiva  das visitas de auscultação e anúncio de intenções desse tipo de governantes. À estes lembrar de que os anos de governação não são para auscultações, são para realizações mesmo de que isso custe alguma cedência para a máxima de que “O político vive de promessas e fica com as remessas”. De toda maneira não há regra sem excepção, justificando assim a auscultação de determinado assunto e caso ela tenha sido planificada.  

 

Grosso modo, a fase de  auscultações e de promessas encerra na campanha eleitoral e a tomada de posse inaugura a de resultados ou, no mínimo,  de passos firmes nesse sentido. Exemplos disso, felizmente, existem e um deles vem da capital do país.  Quando foi do anúncio público municipal sobre a retirada voluntária   de vendedores informais de locais impróprios, em particular na baixa da cidade, o Município de Maputo, respondendo aos que reclamavam a intempestividade da medida,  defendeu que a decisão era o corolário de um processo de articulação e não o seu início. Possivelmente, suponho, que o início, pelo menos público,  tiver lugar com a campanha eleitoral,  o momento em que o actual edil da capital auscultara e prometera aos munícipes  “txunar” Maputo. Em menos  de um ano alguns resultados são visíveis. Alguns possam estar a dizer que a pandemia Covid-19  deu um empurrão no caso da venda informal. Óptimo. Até que faz algum sentido,  mas o empurrão só ajuda quem  de facto estiver preparado e no caso  para saldar a conta/promessa e não para adiá-la.   

 

Voltando aos governantes das boas intenções e nada acontecer, e mesmo a fechar, vai um pouco de frustração com a  fé: tinha tanta, mais tanta fé que por esta altura do ano, início  do segundo semestre, a conta das promessas eleitorais de 2019 começasse a ser saldada, mas, pelos vistos, está a aumentar, incluindo com a pressão da pandemia da Covid-19. O mesmo acontece  com a conta do bar da malta do meu amigo da calculadora: de tempos em tempos é pedida e o pagamento adiado. Isto até ao dia  em que  dono do bar disser: C'est fini!”.

quarta-feira, 15 julho 2020 07:19

Situação desportiva em Moçambique

Pretende-se com este artigo fazer uma análise superficial da situação desportiva em Moçambique. Como é sabido, em Moçambique às práticas desportivas (informais, formais, lazer e recreação), ultimamente têm vindo a crescer, pese embora os níveis de participação estejam longe dos desejáveis.

 

Moçambique na alta competição apresenta no pódio números pequenos em modalidades desportivas em competição mundial e, nas que alcançam esse estatuto, o número de atletas é igualmente reduzido (hóquei em patins e canoagem só pra citar). Os êxitos individuais em competições internacionais (Jogos Olímpicos, Mundiais ou Campeonatos Africanos), são devidos, na sua maioria, à “surpresas”, circunstancialmente emergentes de contextos particulares e normalmente não contínuos (só para fazer menção, no Atletismo já não ganhamos nada de “vulto” desde a retirada da atleta Lurdes Mutola), que não reflectem nem podem assegurar ao país um nível representativo estabilizado.

 

A situação desportiva é um dos conceitos-base da gestão do desporto que possibilita conhecer, analisar e compreender a realidade de um dado contexto desportivo e num determinado momento, feita através da identificação dos seus elementos desportivos, para-desportivos e extradesportivos, que servem de base para a tomada de decisão relativamente às políticas e projectos a implementar (Pires, 2007).

 

Existem muitos indicadores, só para elucidar, números de sócios, números de praticantes, números de modalidades praticadas, dirigentes, técnicos, orçamento e números de instalações desportivas. Dentre esses a oferta desportiva é o mais relevante indicador da sua situação desportiva e, o acesso a direito ao desporto não basta, é imprescindível a criação de condições materiais e de vários outros factores (condições materiais, dinâmica estrutural e relacional das entidades).

 

Neste caso, é imprescindível que a oferta desportiva em Moçambique para a população seja oferecido pelo governo, pelas organizações desportivas e o pelo sector empresarial, o que vai permitir na planificação dos serviços desportivos tendo em conta vários critérios e totalmente entregue ao mercado e a livre iniciativa, com um sistema regulador e de avaliação geral, diversificada e ao alcance de todos.

 

Em Moçambique, verifica-se uma marginalização por parte de muitas organizações desportivas dos escalões de formação. Se não prepararmos o futuro de amanhã, não poderemos sequer definir objectivos e trabalhar em prol desses mesmos. Na mesma senda, denota-se de forma generalizada pouca preocupação em cativar os atletas o mais cedo possível (escolas de formação), de modo a garantir uma continuidade na formação de atletas, os nossos atletas aparecem ao acaso, sem domínio de fundamentos técnicos e tácticos na maior parte deles.

 

Tal como se pode verificar, muitas organizações desportivas possuem ou movimentam apenas uma modalidade, não proporcionam a prática de nenhum tipo de modalidade ou exercício físico de carácter amador ou não-federado.

 

Muitas actividades desportivas não são praticadas de forma oficial na maior parte do país, muitas delas estão concentradas na capital do país, em cidades e vilas municipais, como é caso de hóquei em patins, canoagem, boxe, etc., e as não-federadas são muito difíceis de ser quantificadas.

 

Como é do conhecimento geral, a maior dificuldade centra-se na área financeira, o reduzido apoio e as desproporções existentes entre o futebol e as restantes modalidades. A maior fonte dos financiamentos provém de fundos públicos, uma parte quase insignificante do sector privado e, quase nada dos associados (através das quotas).

 

Pode-se salientar ainda que a maioria das organizações com instalações desportivas, foram herdadas da era colonial e em péssimas condições de manutenção e conservação. Recentemente, ficou-se a saber, através de diferentes órgãos de comunicação social, que o país não tem instalações desportivas com padrões aceites internacionalmente, caso concreto do futebol. A maior parte das organizações desportivas não possuem sedes próprias, pois ou é alugada ou é cedida, o que se revela como um enorme entrave ao desenvolvimento das organizações e do desporto no geral. As instalações desportivas ou a falta delas, continuam a ser uma das razões que têm condicionando o desenvolvimento desportivo sustentável. Como se não bastasse muitas delas não possuem escalões de formação, os dirigentes não possuem habilitações em gestão do desporto, números insignificantes de treinadores e técnicos desportivos com qualificações técnicas exigidas.

 

Portanto, olhando de forma superficial para a situação desportiva em Moçambique, permite-nos dizer, com algum a vontade que, o desporto nacional não tem um plano estratégico de desenvolvimento muito claro. Sendo assim, esta realidade permite-nos estabelecer alguns objectivos estratégicos para a sua melhoria, que passam por promover e desenvolver de forma sustentada, a prática de quase todas as modalidades desportivas em ambos sexos e escalões em quase toda a extensão territorial do país, promover o aumento significativo de praticantes, principalmente, nos escalões de formação, estimular e monitorizar o desenvolvimento técnico dos jogadores, garantindo as condições necessárias para o desenvolvimento da excelência desportiva nos vários escalões competitivos, adoptar programas de apoio financeiro aos clubes com projectos desportivos nos escalões de formação e incrementar competições para todos os escalões, de forma continuada e adequada ao nível competitivo.

 

Saudações desportivas!

 

Bernardino “Guy” Armindo, Julho 2020

Desponta o interesse pelo início das funções de governação (ministerial e afins) a propósito das actuais romarias mediáticas de auscultação, ditas de conhecimento do terreno, por parte de alguns dos governantes. Não são os primeiros que assim procedem, mas espero que sejam os últimos, pois tal procedimento só aumenta o coro das lamentações e o tamanho das promessas, abrindo espaço para uma, e na certa, avaliação negativa do desempenho face aos resultados e metas, ora empolados por declarações típicas de uma campanha eleitoral.

 

O fundamental: urge uma outra forma e profícua para o início de funções governativas. Mas antes, talvez a mudança comece pelos critérios de indicação de governantes. Por exemplo, para o actual elenco ter-se-á perguntado se cada governante reunia as qualidades requeridas para os desafios do sector em pauta? A base da pergunta e a resposta pressupõem existir um conhecimento prévio do sector, o que aniquila – para ser mais claro – com a necessidade de visitas de auscultação  em início de mandato. Uma vez definido o perfil do cargo, segue a consulta aos potenciais candidatos, recaindo a escolha no que tiver dado mais garantias, tomando este, já  empossado, o seu tempo e talento a analisar a papelada do sector. Depois, e do que lhe cabe fazer, enquanto instituição, vê o que existe e falta, e se existe, como reforçar, e se falta, que alternativas existem, articulando, obviamente, com outros e afins sectores do executivo. O exercício culmina com um relatório onde o governante descreve como pensa executar, e com sucesso, as suas funções durante o mandato.

 

Em seguida, e numa audiência solicitada ao Presidente da República (PR), apresenta  e defende as suas ideias, obtendo deste a concordância e a promessa de que terá o seu total apoio. E caso assim não seja, a visita pode ser aproveitada para rogar-lhe que indique  uma outra pessoa. Em caso de continuidade, e já com total conhecimento da profundidade do mar versus o calado requerido,  efectua as visitas ao sector para partilhar como pensa levar o navio à bom porto.   Em cada visita, dependendo da instituição, é importante que o governante se faça acompanhado do respectivo dossiê e de quadros com a devida sensibilidade, alargando o leque a outras pessoas de valia técnica e estratégica quer no activo ou na reforma quer públicos ou privados. fazer frente

 

No final das visitas, o governante elabora um plano/relatório definitivo de seguimento, incorporando as respectivas adaptações e apesenta-o em reunião do Conselho Coordenador (CC) que conte, fora o próprio sector, com outras  instituições relevantes, entre públicas e privada.   Depois do CC é que o governante começa de facto (e sem gravata) a sua função, assegurando assim alguma legitimidade, confiança e a mobilização dos que fazem parte e que também interagem no sector. Não sei o tempo para este exercício, mas acredito, e seria óptimo, que fosse em menos de seis meses e de intenso trabalho. Depois e na primeira visita do PR às províncias, este participaria em alguns eventos que testemunhassem avanços, como por exemplo, a assinatura de alguns acordos para a viabilização  de determinados projectos, poupando ao PR, em tempos de  início de governação, de uma segunda campanha eleitoral.  

 

Dito o essencial, termino com o Secretario de Estado do Desporto (SED): se o que o SED tem feito - visitas de auscultação e anúncio de intenções – o faça por obrigação protocolar de início de governação não me resta mais nada que o perdoar e pedir que faça um trabalho de lobby e advocacia intragovernamental para que assim não seja no futuro. E se for por iniciativa própria, perdoo-o na mesma e peço que o SED pergunte ao timoneiro do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural como ele consegue fazer diferente. O recurso ao SED foi apenas para mediatizar a mensagem do texto, atendendo ao facto do SED, Gilberto Mendes, ser a mais antiga e popular figura pública de toda a máquina executiva e ao leme de um sector que se lida com multidões e  emoções da pátria. Duvido que perca o lugar de SED por conta disso.  

sexta-feira, 10 julho 2020 07:29

Maurício Madebe: o búfalo está exausto*

Conheci-o em Boane nos princípios de 1975, vindo das matas após a assinatura dos Acordos de Lusaka. Era jovem, provavelmente na casa dos trinta, e uma das características que lhe notei logo a partida é que ele era frio. Estava talhado para as batalhas mais ferozes, por isso tinha dificuldades em separar as matas da guerra que ajudou a vencer, e os treinos militares para mancebos que vinham da cidade. Foi-lhe confiado o 1º batalhão de instruendos, e em pouco tempo os jovens já falavam de Madebe, um homem temido não só pela rigorosidade de comando, mas sobretudo porque era uma pessoa inesperada. De certa forma rude.

 

Lembro-me que nos treinos de preparação político-militar, Maurício Madebe usava balas reais para a fase de progressão sobre o fogo do inimigo. Disparava rasante e gritava, avança! E os instruendos avançavam, ou vergados com armas sem munições, ou rastejavam como guerrilheiros. E Madebe divertia-se com a saga, libertando freneticamente  a música dos projécteis. Ele era o instrutor mais obstinado, e por conseguinte, formou o melhor batalhão do centro que tinha na cúpula da chefia uma dupla de orcas constituída por Dinis Moyane e Manuel Mandjichi.

 

Embora eu não pretencesse ao 1º Batalhão, era próximo de Madebe. Havia entre nós uma espécie de empatia. Aos fins-de-semana saía comigo e andávamos por aí num Land-Rover conduzido por um motorista que se tornou cúmplice de nós. Mas há uma coisa que jamais me sai da memória, Maurío Madebe nunca aceitava que eu lhe apertasse a mão. Não apertava a mão de ninguém, mesmo depois dos copos. Fumava cigarros da marca “Havana”, e como ele dizia, era em homenagem a Cuba e a Fidel Castro.

 

Na semana passada fui ao bairro militar para uma visita de surpresa. A primeira sensasação que tive ao penetrar no dito reduto dos macondes, é de que havia ali um rastilho aceso, e o elemento crucial da dinamite será Maurício Madebe, um búfalo que o ex-presidente Armando Guebuza quis ferir, sem contudo o fazer porque o próprio Madebe avisou que se o fizesse, as consquências seriam por demais fatídicas. E Guebuza acatou o aviso. Temeroso.

 

Não há guarda na casa de Madebe, nem cão, o que significa que o cão pode ser ele. Um cão que nem é cão, é um búfalo. Transpus livremente o portão do muro de vedação, na esperança de ouvir algum movimento dentro de casa. Na verdade ouvia-se música e reconheci o Casimiro Nyusi cantando “Ximbombo” a um volume moderado. Toquei a campaínha a primeira vez.....nada! A segunda.... também nada! E a terceira foi quando uma voz aparentemente resignada responde, entra!. Era o próprio Madebe, reconheci-o pelo timbre da voz,  e pelo sotaque ximanconde.

 

Antes dse nos saudarmos perguntou-me se “vai um café”. E eu como não desdenho esse estimulante, aceitei de pronto. Perguntou-me ainda se “vai com um cheirinho”, e o “cheirinho” havia de me ajudar a espantar o frio. Caí na fita.

 

Maurício Madebe treme nas bases. Dentro da sua casa não se ouve nenhum outro som que não seja o “Ximbombo”. As janelas estão todas fechadas e cheira a bafio. Mas o que ainda dá graça a vida do comandante de Boane, é esta mulher que me serve o café. Uma senhora de beleza ilimitada e o meu anfitrião disse-me que era sangue do sangue dele. Nem parece! Madebe ainda vive a guerra, tem uma pistola negligenciada no sofá, e eu perguntei, é para quê isso, comandante? E ele não respondeu.

 

No fundo a minha pergunta pode fazer sentido. O homem parece movido mais pelas lembranças do que pelo futuro. E a uma pessoa nestas condições, o melhor é não fazer  perguntas. De resto ele parece frustrado.

  • * Texto imaginário com alguma realidade
quinta-feira, 09 julho 2020 05:44

Ainda os 45 anos da independência

É comum ouvir de que Moçambique herdou um Estado atrasado e que a culpa fora o azar de o seu colonizador (Portugal) também sê-lo e assim ter obstruído o desenvolvimento. Nesta visão subjaz a ideia de alguma pena em não se ter explorado ainda mais o país e por mais tempo, porventura desde a chegada de Vasco da Gama, em 1498, e não apenas com a ocupação efectiva nos últimos 72 anos da colonização. Para esta visão, a alternativa que traria desenvolvimento é a de um colonizador rico/desenvolvido (Inglaterra). Assim não foi e ao que parece paira alguma mágoa em não ser a língua inglesa, a oficial de Moçambique.

 

Em 1975, o facto de Moçambique ter herdado um território com o seu potencial ainda por explorar é visto como fatalidade e não como a oportunidade que o país teve para afirmar, e de raiz, um rumo autóctone do seu desenvolvimento. Aliás, no discurso presidencial do passado dia 25 de Junho, a data da independência, os ganhos reivindicados soam trabalho porque o ponto de partida estava bem próximo de zero e o ponto menos próximo de zero não teve a devida continuidade, mesmo que em moldes diferentes, fora devastado. Ademais, a trabalheira de “Escangalhar o Aparelho do Estado Colonial”, caso este fosse o de um país desenvolvido, eventualmente, e nos tempos que correm, ainda seria uma árdua e soberana tarefa.

 

Do exposto, transcorridos 45 anos da independência nacional, depreende-se que a inferência de que o actual atraso de Moçambique é por culpa do atraso de Portugal é equivalente a de que o país seria uma forte e pujante economia caso Portugal, à época da colonização, tivesse o poderio da Inglaterra, ou este o colonizador, ficando a dúvida se a sorte de Moçambique seria bem diferente e melhor  que a do grosso das independentes colónias inglesas, em particular as de África. Todavia, acredito que seja um lapso a leitura de que a colonização é boa desde que sob a égide de um colonizador rico/desenvolvido e de que na sua retirada, deixe desenvolvimento e não o atraso do colonizado. E também acredito, que já é tempo do atraso de Moçambique assumir uma outra paternidade.

 

PS: Em uma das suas visitas à Moçambique e antes de ocupar a presidência portuguesa,  Marcelo Rebelo de Sousa, falando da passagem afectuosa do seu pai por Moçambique,  na qualidade de  Governador-geral, fez um comentário  que  mereceu, na altura,  um raspanete, salvo erro  do “Bula-Bula”  (a última página do Jornal Domingo).  “O meu pai foi um colonialista bom”,  cito o comentário  de memória.  “Como se o colonialismo fosse algo bom”, cito, e também de memória, o dito raspanete.

 

A “Política do Manípulo” é uma das formas de pressão que é utilizada entre nações, e não só, de modo a prevalecer os superiores interesses de quem a recorre. A Rússia é o exemplo paradigmático, aplicando-a com o contrato de fornecimento de gás no seu relacionamento tenso com a Ucrânia. Por cá, ela não é estranha e baste que se lembre da empresa EDM (Electricidade de Moçambique), sobretudo quando o assunto é a manutenção de equipamento, o de clientes com facturas atrasadas, e também, e é recente, em casos incomuns como foi o de um jovem que escalara (por amor?), na Matola, uma das torres de transporte de energia. 

 

Do intróito está claro de que ficar “às escuras” e por força da “Política do Manípulo” é também uma forma de resolução de problemas. E se ainda sobra alguma dúvida, notadamente em relação a sua eficácia, reforço a aclaração com mais dois exemplos, sendo um desportivo e outro eleitoral. No desporto, e cito o basquetebol, quem não se lembra de algumas das suas noites memoráveis às custas do recurso ao manípulo do quadro eléctrico do Pavilhão do Maxaquene e, creio, em algum momento, o da EDM. Nas eleições, particularmente na contagem de votos, consta a ocorrência sincrónica do milagre da multiplicação, e de invejar à Jesus Cristo, com o corte cirúrgico no fornecimento de electricidade.

 

Contudo, o recurso à “Política do Manípulo”, embora pareça sólida, nem sempre é a solução acertada para os problemas. Assim é, e há mais de três meses, com a pandemia da Covid-19. Sucede que depois que fora accionada a posição “OFF” do manípulo, não se acautelara um conjunto de procedimentos – os ditos esforços nesse sentido -, que propiciassem uma resposta adequada e equilibrada aos problemas que determinaram o apagão, e de que só depois é que se accionaria a posição “ON”. Com o desespero à vista e havendo a necessidade de libertar alguma energia para certas áreas, o Presidente da República, no quadro da 3ª prorrogação do estado de emergência, accionou o manípulo geral, deixando alguns disjuntores na responsabilidade dos timoneiros das respectivas áreas. E aqui, em algumas das áreas, e de tanta escuridão, já ninguém sabe onde localizá-los ou de quem é a responsabilidade por accioná-los e nas condições que se acharem criadas.

 

Em suma, a fechar, fica o alerta de que trilhar pela “Política do Manípulo”, consciente ou não, nem sempre resulta e o seu recurso, mormente no processo de governação, fora caro, é para quem pode e não para quem quer. Por enquanto, a avaliar o acalorado debate sobre o regresso ou não às aulas, resta-me apenas  apelar à calma que a procissão ainda vai no adro.

 

P.S: A propósito do recurso à “Política do Manípulo”: nos tempos do “Apartheid” na África do Sul e da “Guerra dos 16 anos” em Moçambique, enquanto a EDM emitia “Avisos de Corte” aos seus clientes devedores, a África do Sul fazia “Cortes de Aviso” no fornecimento de energia à Maputo. Tenho de memória esta situação e creio que mereceu, na altura, uma carta do leitor.