Director: Marcelo Mosse

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Carta de Opinião

quinta-feira, 16 abril 2020 09:19

Hotel Inhambane

A minha exaltação a este lugar é movida pela esplanda. Todo o sentido da cidade parece desaguar alí, a partir de onde, com o termómetro instalado por sobre o tampo da minha mente,  meço a temperatura dos transeutes. Poucos. Houve tempos que na verdade este espaço era isso mesmo, o centro de uma vida urbana única, caracterizada pelo silêncio. De dentro do bar vinha o cheiro agradável do café, e impregnava-nos  os sentimentos. Embebedava-nos o espírito, espevitava-nos a poesia latente em cada um de nós, de tal forma que, depois de saciarmos a alma, saíamos com a saudade de voltarmos lá outra vez.

 

O próprio bar, a moda antiga, é o outro lado de um tempo que jamais voltará. As cadeiras giratórias perfiladas no balcão, elas,  por si só, convidam-nos ao gozo de sentarmos, e por via desse contacto não resistiremos ao apetite provocado pela garrafeira, ou pelo profundo aroma do café. Mas o que estou aqui a descrever pode ser um devaneio, pois a realidade é uma ferida viva.

 

Passei desinteressadamente pela esplanada do Hotel Inhambane na última sexta-feira, ao final da tarde, como forma de dar azo a minha liberdade. Vinha a pé, descendo pela “25 de Setembro”, depois de desfrutar do pôr-do-sol, sentado num dos bancos da marginal. Era um espectáculo esplêndido a que acabava de assistir, com o astro-rei a esconder-se lentamente por detrás das plameiras que estão para lá da Maxixe. E eu a ver aquilo tudo como dádiva de Deus. Um privilégio de poucos. É como se estivesse no paraíso em si, onde as canções embevecem-nos a todo o momento. E aqui as canções são interpretadas pelo silêncio.

 

Na esplanada não está ninguém. O bar está fechado, mesmo para aqueles que querem beber café. Há um êxodo na cidade, e se calhar sou o único andante por aqui, como um louco ao fim da tarde, parafraseando Marcelo Panguana. Seja como for, independentemente do Covid-19, o bar e a esplanada do Hotel Inhambane, já haviam degenerado. O actual gestor colocou colunas de som cá fora, como se estivéssemos no “senta baixo”,  quando o que pretendemos ao demandar este acolhimento, é o sossego, o silêncio. A música somos nós. São as nossas palavras. Ou o tilintar das pedras de gelo nos copos de whisky. É isso que buscamos na esplanada do Hotel Inhambane.

 

É o único lugar que ainda nos pode receber na proporção das etapas antigas da nossa existência.  Da nossa história que vai sendo vituperada. Também, paradoxalmente, é o espaço menos frequentado. É como a Praça da Liberdade em Singapura, as pessoas não vão lá, com medo da “secreta”. A esplanada do Hotel Inhambane idem em aspas,  é assim, ou quase assim, como a Praça da Liberdade em Singapura. A juventude daqui prefere as barracas, onde a postura urbana é pontapeada. Desta forma eles sentem-se livres.

quinta-feira, 16 abril 2020 07:51

O passe não é mal feito, é mal recebido

A frase do título é atribuída a Pelé, antigo e renomado futebolista brasileiro e mundial. Faz tempo que a tomei de empréstimo para olhar a política. A mesma filosofia para uma outra frase e pertencente ao ex-Presidente americano, George Bush (filho) que a transcrevo de memória: “Um dos maiores fascínios como presidente foi a tomada de decisões e para tal, dos meus assessores, procurava saber se a decisão era legal e se era ética”. E eu acrescentaria, na assessoria, se a decisão seria aplicável, obviamente, com o devido contexto observado. E por falar em contexto, referir que estas frases levam-me ao avança e recua no que toca às decisões sobre as medidas do Estado de Emergência em Moçambique.     

 

Por outras palavras, em miúdos, a combinação da jogada de Pelé e Bush resulta que a bola é a decisão (política), o passe é a comunicação da decisão e a recepção do passe, a sua aplicação. E nessa linha, penso que já se foram os tempos em que a qualidade da liderança mundial marcava a diferença. Os tempos em que - tal como como Pelé, no trato da bola, espalhava magia por todo o campo até ao golo – os líderes tomavam decisões depois do devido enquadramento (legal), ajustamento (ético) e garantias (aplicabilidade) de sucesso (resultados/golo). Em regra: a qualidade iniciava na partida, contagiava o caminho e alojava na chegada. Porém, a excepção não é descartada.

 

Em contramão, a actual geração de líderes não possui a necessária habilidade para enfrentar os problemas e os desafios que se impõem de momento. E o resultado disso – quanto ao processo de tomada de decisão, sua comunicação e a respectiva aplicação - é bem visível no estado de incerteza em que se encontra a humanidade, sobretudo com a acção da COVID-19. O mesmo para o futebol: Já não se encontra um “10” que se compare aos níveis da performance do Pelé.

 

Entre portas, na Pérola do Índico, um dos indicadores da deterioração da qualidade de liderança foi o recente decreto/regulamento de medidas atinentes ao Estado de Emergência (EM), que mal fora aprovado e entrara em vigor foi logo alterado. Aliás, sobre o EM, já alguém, por coincidência também EM (Elísio Macamo, académico) escrevera da trapalhada linguística na respectiva justificativa/preâmbulo no texto da lei/decreto presidencial.

 

Contudo, nem tudo está perdido. Vi excertos de uma entrevista televisiva do Ministro da Saúde e pareceu-me com pleno domínio da comunicação. O mesmo para a da Justiça e o vice, passando pelo pessoal da saúde que presta informes regulares sobre o estágio da pandemia em Moçambique. Entretanto, embora haja sinais de uma certa qualidade de passe/comunicação, subsiste um défice em relação a qualidade da bola/decisão que é passada, deixando dúvidas e a ponto de dificultar/atrapalhar a recepção/aplicação da bola/decisão pelos destinatários. A menos que se confie que os destinatários, quiçá de tão exímios, façam a sua parte/diferença.

 

Neste contexto, ainda que sem uma adequada bola (decisão/medida), mas com um bom passe (comunicação) e com uma notável ajuda dos destinatários (aplicação) é possível que o país faça bonito nos resultados, sobretudo os do combate à COVID-19. Aliás, Pelé não costurava bolas, mas fazia passes de extrema qualidade e também os recebia com a mesma ou com uma outra, distinta e superior, qualidade.

segunda-feira, 13 abril 2020 08:47

Corta Mabjaia

De três ou mais amigos recebi - no meu WhatsApp - a comunicação do falecimento de Elias Mabjaia (1954-2020), simplesmente Mabjaia ou Capitão Mabjaia, o temível defesa central locomotiva (Ferroviário de Maputo) dos anos oitenta, em particular. Retribui a uma das mensagens com a seguinte: “…aí vai…atenção…o remat…CORTA Mabjaia!”. De certeza que este excerto lembra um relato dos jogos de futebol das tardes de domingo na Machava (Estádio) e que até podia ter sido extraído do arquivo da Rádio Moçambique.

 

Essas tardes de domingo quer na Machava quer em casa, tinham o sabor dos cortes de Mabjaia e, alguns deles, na leva, o adversário. Nesta matéria - fica a bola ou ambos - a dupla com o Zabo, outro e saudoso central locomotiva - não deixava os adversários sossegados. Fora os cortes, o potente remate na marcação de livres, e à boa distância, era também a sua marca. E um dos remates, em 1981, ainda roça-me no ouvido – então infantil - o som de golo da gritaria do relatador. Foi o golo de empate (1-1), nos últimos minutos do jogo contra o Têxtil de Punguè, numa das tardes (e triste) de domingo e desta vez, no caldeirão do Chiveve, cidade Beira.  

 

Desse jogo, a memória de que o Ferroviário devia ter ganho para assegurar o título de campeão, mas o mesmo acabou ficando com o Têxtil de Punguè. Entretanto, no ano seguinte, Mabjaia e companhia, treinados ainda por Mário Coluna, uma lenda mundial do futebol, levaram o título – o primeiro na história locomotiva do período pós-independência - para a sede do clube, na baixa da cidade de Maputo, enchendo de júbilo os seus adeptos, e destes, inclui o autor destas linhas.  

 

Há poucos meses, vi o Mabjaia à porta (e saída em seguida) de uma unidade hoteleira e com ares de alguma aflição.  Ainda sem entender o que se passara, aproximei-me do porteiro - bem jovem para a função – e perguntei-o se conhecia o senhor que saíra à pouco e o que ele queria. A resposta foi a de que não o conhecia e de que ele pedira para usar os sanitários. Em seguida, perguntei-o se conhecia o jogador Piqué do Barcelona. De forma categórica, não só, respondeu de que sim como também enumerou uma lista de outros bons e famosos defesas de gabarito mundial. No final, disse-lhe: “Acabas de impedir a entrada de um dos jogadores dessa lista, ainda que não o tenhas citado, porque, acredito, não o conheces”. E porque entendera que ele não engolira, recomendei-lhe que perguntasse ao “barman” – bem mais velho - quem era o Capitão Mabjaia.

 

Por coincidência, nessa mesma unidade hoteleira, vira pela última vez e pouco antes da sua morte, uma outra lenda locomotiva e nacional. Falo de Joaquim João, o também capitão e conhecido por JJ, que fora, por alguns anos, a par de Mabjaia, a dupla de centrais da defesa locomotiva. Entrelinhas e desses avistamentos, o recado: rezo para que não volte a ver ou a cruzar, na  unidade hoteleira que me refiro, com nenhuma outra velha-glória do nosso futebol ou de outra modalidade. E caso aconteça, nesse dia, serei o jovem porteiro. 

 

Com a partida de Mabjaia, a História desportiva moçambicana fica a dever - e ainda em dívida com Zabo, Joaquim João, Mário Coluna e outros tantos e grandes desportistas nacionais - as páginas doiradas do seu livro. Às famílias Mabjaia e Locomotiva, as sinceras e  sentidas condolências. Saravá, Capitão Mabjaia!

 

sexta-feira, 10 abril 2020 09:21

COVID-19 e a 'Oposição': como liderar juntos?

O mundo partilha sentimentos de medo, incerteza, insegurança, desconfiança, crenças reforçadas da dualidade platónica, "corpo e alma". Uma parte refém da espera das descobertas dos " homo-deus", o poder e a 'vitória' da modernidade perante a grande noite, o grande apagão, os séculos das trevas, ou melhor, perante o período da idade média (matéria que o professor de história da 9° classe lecionava com muito gosto, numa das salas da Escola Secundária 25 de Setembro em Quelimane, mas nos níveis de estudo posteriores, descobres que afinal de contas, a idade média não era só trevas e escuridão). A outra parte refém na crença, na fé, nos espíritos, nos antepassados, ou seja, a alma é alimentada de várias formas, quanto mais tempo demorar a vitória da modernidade perante o Covid-19, mais as crenças da alma, do espírito, na consciência, da mente, serão reforçadas.

 

Em pleno século XXI, num mundo 'global' e avançado tecnologicamente, fica patente a relevância da dualidade corpo e alma e a 'cumplicidade' entre ambos. Enquanto o milagre do homem-deus não aparece, funciona o milagre das crenças, dos mukutos e das divindades. A crise é global, a vulnerabilidade é internacional, a solidariedade é a posição politicamente correta na moda, mas a máscara caiu de forma global, enquanto usamos as máscaras para nos protegermos, como se de uma peça de teatro se tratasse, as máscaras caem nos palcos das representações formais, perante a realidade crua e nua da Covid-19, como se fossem frutas a cair naturalmente das árvores.

 

Perante o lavar as mãos e as máscaras, voltamos à escrita figurativa ou à linguagem figurada, voltamos ao palco das representações e de formas recorrentemente inconscientes. A nossa psicologia individual e social, cria mecanismos para pensarmos no sentido das máscaras e do lavar as mãos, pois é o momento de passarmos a conhecer melhor as nossas máscaras e a sujidade que lavamos quotidianamente nas nossas mãos, ou seja, é momento de revisitar a génese cínica social a partir da antiguidade, olhar para o "Cínico" Diógeneses e a partir dele(s) perceber a evolução e a deturpação actual desta forma de ser e estar em grupo, por um lado, e estabelecer a 'fácil' ponte entre as máscaras que caem e o cinismo como forma psicológica e forma de socialização, por outro lado, mas sempre questionando sobre o tipo de sociedade que almejamos para uma fase pós-Covid. A dupla, máscara e mãos limpas, fazem parte da dualidade corpo-alma, ao usarmos a máscara e ao lavarmos as mãos, a nossa psicologia sente uma proteção inter e intra.

 

Perguntas como: qual é o assunto?, onde?, quando?, quem? podem ter respostas globais, mas, perguntas como: como fazer?, como responder?, como enfrentar?, como prevenir? e como mitigar?, não irão encontrar coerência global, mas sim, uma coerência glocal, onde a realidade, o contexto e o local são importante nesta equação. Evitando o modelo past and copy, que fica na dimensão superficial dos problemas, próximo a nulidade, que dificilmente alcançará a profundeza das realidades locais.

 

O que a dualidade corpo-alma, máscaras e mãos limpas, almejam é a solução, ou seja, é o ponto final. Mas a realidade apresenta, vírgulas insaciáveis, exclamações recorrentes, interrogações impacientes, mas o ideal é o ponto final, para simbolizar o 'fim' da narrativa Covid-19, ainda invisível ao olho nu e ao olho das lentes microscópicas.

 

O planeta Terra está a mudar, e com ele nós somos ' forçados' a mudar, são impostas novas formas de aprendizagens e socialização. Ou seja, ou mudamos, ou mudamos. Mas, depois da tempestade, vem a bonança. Como estará a nossa memória a curta prazo e seletiva, depois da tempestade? A pandemia e os seus pandemónios 'unem' diariamente os humanos, cada realidade quer o ponto final, mas cada realidade fá-lo com base nos ingredientes que possui, onde as fórmulas mágicas ou receitas globais, podem não funcionar.

 

Pandemia Global em contextos Glocais

 

Moçambique não é uma ilha, faz parte da aldeia global. Mas no final do dia a aldeia global é feita de pequenas aldeias, que aparentemente estão juntas, mesmo sabendo que na prática elas são diferentes, a começar pelos conceitos e indicadores de desenvolvimento. Ora vejamos, temos três cenários, perante a mesma pandemia:

  • Universalmente a Organização Mundial da Saúde, diz " test, test, test".
  • Nacionalmente a Organização Mundial da Saúde, diz " prevenção, prevenção, prevenção",
  • Internacionalmente, a Correia de Sul, diz, " trace, test and treat".

 

São realidades diferentes para enfrentar o mesmo problema, ou seja, a pandemia. A OMS tem uma posição formal e mundial, mas a capacidade de seguir com as suas medidas e recomendações, infelizmente são locais. Cada realidade entra para este jogo com os jogadores e o tipo de bola que tem. Se ficarmos fixos nas mensagens globais, perderemos oportunidades de olhar para a realidade local, que é ideológica,  histórica, política, social, económica e culturalmente diferente. Uns são desenvolvidos, outros são subdesenvolvidos e outros estão em vias de desenvolvimento. Mas no final, todos só tem uma opção, encontrar uma resposta local para esta pandemia global.

 

Uma das formas mais práticas de enfrentar esta pandemia, passa necessariamente pela aceitação da realidade, ou seja, o nível de desenvolvimento do país. E com base neste reconhecimento, suplantar a resposta nacional, sem ignorar outras realidades. Não temos a capacidade de construir um hospital em 10 dias, como fizeram os chineses, a nossa capacidade e realidade é de fazer testagem só na província de Maputo.

 

Os Estados Unidos da América produziram filmes interessantes e brilhantes sobre epidemias e pandemias, Hollywood sempre a construir na imaginação coletiva a capacidade deste país de conter vírus e pandemias, mas na realidade, no filme do quotidiano, a própria resposta a pandemia pelos EUA, vai se costurando na tentativa e erro  (como colocaria o psicólogo norte americano, Edward Thorndike) e nos reforços positivos e negativos (como colocaria o psicólogo norte americano, Burrhus Frederic Skinner) a medida que a pandemia imparável, não perde forças.  Localmente tivemos a vantagem de fazer parte do grupo dos últimos países a serem atingidos pela pandemia, mas com as condições e soluções locais, que uso foi feito desta vantagem?

 

Liderança como denominador global comum, com líderes 'locais'

 

Mesmo com referências e imaginações globais, os ovos para a receita do bolo da liderança e dos líderes, devem ser ovos nacionais e locais. Não se produzem líderes num piscar dos olhos, particularmente em tempos de crises, mas o ocidente imortaliza o primeiro ministro britânico Winston Churchill, pelas suas capacidades impactantes de liderança em momento de crise e guerra, vamos pensar nele no sentido pedagógico, pelo facto de num cenário de dificuldades e carências, ter dito mensagens realistas e de esperança.

 

São cenários e realidades diferentes, e perante a pandemia somos chamados a olhar para o real, no lugar do ideal. Mas a lição a tirar pode ser que, perante cenários de crises, recessão, guerras e pandemias nasçam líderes, ou podem ser reforçadas as lideranças. E por vezes a liderança pode não estar num discurso bem escrito e formal, pode não estar num ecrã que temos que ler, mas, pode ser que a liderança esteja associada à transparência e à realidade, nas palavras que saem de dentro, com as palavras empáticas, nas palavras não mágicas, mas que conseguem tocar o interior e a consciência das pessoas, pelas mensagens simples e realísticas, se concordarem, nas palavras que matam 'fome' psicológica e que 'enchem' a barriga. 

 

Enquanto o ocidente elege os líderes que saberiam comunicar em tempos de pandemia. Enquanto Yuval Harari de forma 'imperativa' questiona a ausência de líderes  na resposta à Covid-19, com a frase: "there seem to be no adults in the room", perante a postura de alguns políticos com atitudes egocêntricas, narcisistas, irresponsáveis e acrescentaria cínicas, com foco na realidade dos EUA. Localmente existem doutos na área de comunicação para pandemia, ou melhor, comunicação para Covid-19.

 

Num contexto onde o global não deve suprimir o glocal na resposta e comunicação face à pandemia, através das televisões, e nos meios de comunicação no geral, existem comunicólogos a esmiuçar sobre a pandemia. Onde as redes sociais passaram a ocupar o lugar das universidades, onde diariamente surgem diplomados com Bacharelato, Licenciatura, Mestrados e Doutoramentos sobre a pandemia, o que é naturalmente expectável no atual cenário de incertezas e medos, perante as máscaras caídas.

 

Localmente, desde o início desta pandemia é interessante ouvir nas sextas-feiras o comentador Tomas Viera Mário, que com uma pedagogia atilada, com maturidade, e sobretudo com muita sabedoria, de forma incansável, sem pretender ser 'mais papista que o papa', explica sobre a urgência e a necessidade de sabermos comunicar no contexto da pandemia, comunicar para a nossa realidade, comunicar não para o formalismo, mas sim para uma realidade concreta, num cenário concreto. A comunicação sábia faz parte das características dos líderes e da liderança. Mas quantos irão concordar com o comentador? Quantos irão dar relevância a esta mensagem com uma boa forma e tom? O comentador Tomas Vieira Mário, dentro da área que domina, sugere técnicas e métodos de como comunicar.

 

Mas a realidade precisa de narrativas fortes locais, lendas e 'epopeias' com o poder de evocar a consciência coletiva, capaz de acalmar os taxistas de bicicleta da província da Zambézia, os táxi-mota do distrito de Mocuba e da  província de Nampula, as mulheres da província de Sofala que saem de casa limpas e chegam ao destino sujas por conta das ausência dos meios de transportes habituais, assim como a situação de carência de chapas cem em Maputo. Uma comunicação capaz de prevenir o caos, o colapso social e o social disruption.

 

Temos referências quase que consensuais no país: o Marshall Samora Moisés Machel e a sua capacidade de oratória, ou seja, "a luta continua"; a Dr.ª Joana  Simeão, uma intelectual com o projeto civil e político ainda válido para Moçambique. Estes são dois exemplos, incapazes de esgotar narrativas e referências do Ruvuma à Maputo.

 

O que é ser 'oposição' e como ser 'oposição' em tempos de Covid-19? 

 

Podemos olhar para esta categoria 'oposição' no lato sensu e no stricto sensu.

 

Lato Sensu

 

Em Moçambique ser rotulado ou conotado como ser de oposição não está associado só a filiação partidária, basta que tenhas um pensamento ou uma ideia diferente da maioria, ou que não concordes com a ditadura da maioria  para que sejas batizado e legitimado como sendo da oposição ou oferecem a 'perdiz' ou o 'galo'. O ser da oposição ainda parece muito dogmático e inflexível, como se de um tabu ou dogma se tratasse, ou seja, como se fosse pecado ser da oposição, e para tal a melhor forma de tratamento seria a purificação e o castigo. O pensar diferente vai se afunilando como receio de ser rotulado por ser alguém da oposição. Aqui neste grupo não só cabem os 'críticos sociais', como a sociedade civil, muitas vezes vista como um 'braço' da oposição. Existe uma tendência de transformar a sociedade rica pela sua diversidade cultural numa ditadura do like, ou seja, a necessidade de naturalizar o yes, mas um yes forçado pela estrutura cínica suplantada no tecido social como forma de 'controlar' as forças físicas com as suas cargas negativas e positivas. Esquecendo que quer as cargas negativas, quer as cargas positivas são cargas moçambicanas, ou seja, ambos são moçambicanos.

 

Stricto sensu

 

Temos a própria oposição, ou seja, os partidos políticos com bancada parlamentar e extraparlamentares. Um grupo que não têm uma vida fácil. Ainda são vistos como uma espécie de praga ou vírus. Pois a moda é a pedagogia da maioria, o pensar em maioria não de forma diversificada, mas de forma linear. Mas em tempos de Covid-19, eles são chamados a resignificar as suas mascaras e lavarem as suas mãos de forma a serem mais 'práticos' para o país. 

 

Mas, neste momento o que temos é uma sociedade polarização, de trincheiras, onde o tolerante vai perdendo várias batalhas, onde posturas e atitudes rígidas como “ou estás comigo ou estás contra mim”, vao legitimando a ditadura do like e as institucionalização e burocratização  do 'cinismo', como   partes da realidade e 'socialização'.

 

O nossismo (inter-relações sociais quebradas a partir do momento que aparecem indicadores de formas de pensamento diferentes), a intolerância perante a crítica e o pensar diferente, cria assim uma sociedade de trincheiras. Mesmos em tempos de Covid-19, em Moçambique de forma acentuada, e um pouco por todo o mundo entre a esquerda e a direita (ambos com seus extremismo e radicalismo) e as torres de marfim (as universidades), o que importa já não é a utilidade da ideia, mas sim o para-choque, ou melhor, o rosto da ideia. Sabendo que um dos riscos ou vulnerabilidade inconsciente do trincherismo é o desperdício de ideias que podem ser úteis para o bem-estar de alguns ou de muitos. O “estás comigo ou contra mim” pode ser um retrocesso em tempos de resposta 'nacional' ao covid-19.

 

A realidade que enfrentamos perante a pandemia é frágil e vulnerável.  Representa uma fragilidade e vulnerabilidade global, mas com velocidades e impactos locais. A física da pandemia é singular num cenário de globalização, onde a solidariedade global da ouvidos aos nacionalismos (olhar primeiro para dentro e depois para fora).

 

A melhor maneira de fazer oposição, para a oposição no Stricto sensu seria a aproximação ao governo, seria um momento de tolerância e tréguas entre o partido no poder e os partidos de oposição. Claro que é importante que exista abertura por parte do governo para receber os braços da oposição.

 

A fotografia que falta, a imagem que falta nos telejornais e nas primeiras páginas dos jornais, é dos partidos juntos e unidos, e o governo e a oposição juntos nas respostas locais e reais face a pandemia.

sexta-feira, 10 abril 2020 09:18

Denúncia um pouco anónima

 

Eu, cidadão do bem, venho por este meio denunciar às autoridades do Estado, particularmente, a Polícia da República de Moçambique, que os insurgentes não estão a obedecer o Estado de Emergência decretado pelo Chefe de Estado. Não lavam as mãos com água e sabão regularmente, nem álcool-gel têm, os gajos. Não estão a manter o distanciamento social. Os gajos andam em grupos numerosos. Não estão a usar máscaras em espaços públicos como recomendou o Conselho de Ministros. 

 

Isso é um acto de desobediência fragrante. Como cidadão preocupado com o respeito rigoroso da lei, gostaria que os mesmos fossem obrigados a obedecer as ordens do Chefe de Estado, o Comandante em Chefe. As ordens do Chefe de Estado são de cumprimento obrigatório. 

 

Caso não saibam onde estão, gostaria de dizer que esses desobedientes vivem em Cabo Delgado. Andam ali entre Macomia, Mocímboa da Praia, Quissanga, e ontem foram avistados em Muidumbe. Estão a passear naquelas bandas muito folgados como se não estivessem a viver neste país onde o Presidente da República decretou Estado de Emergência. É preciso pôr esse grupo em quarentena domiciliar obrigatória e fazer "uma bateria de exames".

 

Achei importante fazer esta denúncia quase anónima porque sei que Estado de Emergência é a única coisa que tira sono a nossa autoridade. Parece-me que, quando a Polícia ouve que alguém violou o Estado de Emergência em algum lugar deste país, chega logo. Parece-me que este Estado de Emergência é mais importante que tudo neste país. A Polícia não dorme quando ouve dizer que alguém deixou o nariz escancarado e a boca solta. 

 

Aldeias podem destruir. População podem humilhar, esquartejar, queimar, matar. Bens públicos e privados podem destruir. Comida podem roubar. Quartéis e esquadras podem tomar de assalto. Vilas podem tomar de assalto. Vossas bandeiras podem pendurar onde e quando quiserem. Tudo, menos desrespeitar o Chefe de Estado. Tudo, menos desobedecer as ordens do Chefe de Estado, o Comandante em Chefe. Se conseguissem arrancar aquelas armas como fizeram com bicicletas e "mai-love", digo moto-taxi, seria muito bom. 

 

Na esperança de ter ajudado e aguardando que cheguem logo para fazer cumprir a lei, subscrevo-me com elevada consideração e obesa estima. 

 

Atenciosamente.

 

- Co'licença

quinta-feira, 09 abril 2020 06:10

Moçambola, Unidade Nacional e a COVID-19

O debate sobre a “Unidade Nacional” em Moçambique fora inacabado, e talvez por isso, é um assunto espinhoso, pois agita muitas sensibilidades e algumas delas altamente inflamáveis. À distância, e sem que vá à fundo, entendo a “Unidade Nacional” como o sentimento de pertença à uma nacionalidade e para o caso, a moçambicana. A realização do campeonato nacional de futebol, vulgo “Moçambola” (sobretudo nos moldes clássicos de todos contra todos), é apontado – e até nos círculos do poder - como uma das vias da consolidação da “Unidade Nacional” e desse entendimento são mobilizados fundos e mundos para assegurar a sua periódica concretização anual.

 

Confesso que nunca engoli que o “Moçambola” fosse (merecesse) assim tanto. E porque gosto de Basquetebol (até podia ser uma outra modalidade), sempre exigi o mesmo tratamento. A resposta é de que este desporto não movimenta massas (muita gente). Aliás, nenhuma outra modalidade desportiva no país movimenta massas como o futebol e talvez por isso, a justificação do reiterado carinho do Estado ao “Moçambola” e em detrimento das outras actividades desportivas que movimentam menos massa e assim, e já agora, com menor ou nulo potencial para contribuírem para a “Unidade Nacional”.   

 

Neste contexto e com o impacto da pandemia COVID-19, a não realização do “Moçambola” não será uma ameaça para a “Unidade Nacional”? Por força ou não da COVID-19 a sua não realização não constitui nenhuma ameaça, pois julgo que o “Moçambola” não é e nunca foi um factor de “Unidade Nacional”. Para mim, e para citar um de tantos de índole desportivo, um exemplo de factor de unidade nacional – o sentimento de pertença a uma nacionalidade (moçambicana) – foi o gerado pela Lurdes Mutola quando conquistou a medalha olímpica de atletismo, que é, a propósito, uma modalidade que não movimenta massas no país.

 

Como ameaça, a COVID-19 é apenas para o “Moçambola” e não para a “Unidade Nacional”, pois, fora o uso quotidiano da máscara e outros, a COVID-19 deixará como legado da sua passagem o facto de ter desmascarado a utopia de que o “Moçambola” é um factor de “Unidade Nacional” e daí a luz verde para o assalto aos parcos recursos das empresas e do Estado. Ademais, e a ser uma ameaça, provavelmente fosse contra um outro tipo de unidade e para o caso em questão (futebol), a passional.

 

E a fechar, nem tanto a ver, e pelo que se consta dos meandros da bola e com uma certa naturalidade e tradição, não fica bem que o Estado insista em drenar recursos em algo conotado, entre outros, com a alta corrupção, tráfico de influências, sonegação de impostos, falsificação de documentos, lavajem de dinheiro, pancadaria, racismo e o tribalismo. Isto sim: talvez atente contra a “Unidade Nacional” e como prevenção, rezo que não falte muita água e sabão, um outro legado da COVID-19 para o “Moçambola” e não só.